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Salário de qualquer valor pode ser penhorado para pagar dívida, decide STJ

Fernando Narazaki / FOLHA DE SP

 

Uma decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) na última semana permite que o salário de qualquer valor seja penhorado para o pagamento de dívida. Até então, era preciso que o devedor ganhasse mais de 50 salários mínimos (R$ 66 mil, em valores atuais) para que parte do seu rendimento fosse penhorada.

A Corte Especial do STJ entendeu que não há necessidade do limite mínimo, sendo preciso apenas respeitar que a quantia a ser paga não afete a subsistência do devedor e de sua família.

Ainda cabe recurso à decisão da Corte. Caso transite em julgado, a decisão muda o entendimento sobre o artigo 833 do CPC (Código de Processo Civil), que permite a penhora de salário apenas de devedores que recebem mais de 50 salários mínimos ou em caso de pagamento de pensão alimentícia. Com o julgamento do STJ, qualquer dívida está sujeita a penhora dos rendimentos de quem está inadimplente.

Advogados ouvidos pela Folha acreditam que a resolução pode levar a um aumento de recursos para processos negados em casos de dívida de crédito pessoal, bancária e trabalhista.

O entendimento do ministro João Otávio de Noronha, do STJ, é que a imposição do limite de 50 salários mínimos não reflete o momento do país. "A fixação desse limite de 50 salários mínimos merece críticas, na medida em que se mostra muito destoante da realidade brasileira, tornando o dispositivo praticamente inócuo", afirmou, em julgamento feito no último dia 19 de abril.

Noronha tomou a decisão ao avaliar recurso de uma pessoa que pediu a penhora mensal de R$ 8.500 do salário recebido pelo devedor, equivalente a 30% do rendimento, para quitar uma dívida de R$ 110 mil, originária da quitação de cheques repassados pelo devedor. Noronha é o relator do caso.

O credor alegou que a quantia não afetaria a subsistência do devedor e seus familiares. A Corte Especial do STJ foi a esfera acionada, pois havia decisões diferentes sobre o tema da Terceira e da Quarta Turmas do STJ.

O credor teve negado o pedido para penhorar parte do salário pela Quarta Turma do STJ, sob o argumento que o caso não se enquadrava no limite mínimo de 50 salários mínimos. Ele recorreu à Corte Especial do STJ e citou precedentes de julgamentos da própria Corte Especial e da Terceira Turma, que condicionaram que a penhora só deveria ser impedida se afetasse a subsistência do devedor e de sua família, independente da quantia definida.

Assim, o caso foi para a Corte Especial do STJ, que decidiu derrubar a regra do limite mínimo de 50 salários mínimos por 8 votos a 5.

  • Votos contra o limite mínimo: João Otávio de Noronha, Humberto Martins, Herman Benjamin, Og Fernandes, Ricardo Villas Bôas Cueva, Francisco Falcão, Nancy Andrighi e Laurita Vaz
  • Votos a favor do limite mínimo: Raul Araújo, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira

O QUE PODE MUDAR?

Ainda cabe recurso à decisão, que pode ter um impacto em outros processos que levaram em consideração o limite de 50 salários mínimos.

"Após o trânsito em julgado (quando não há mais recursos), essa decisão poderia ser aplicada em qualquer processo. Se algum credor fez o pedido e foi indeferido, ele pode pedir novamente ou recorrer, desde que dentro do prazo legal", diz a advogada da prática de contencioso cível Maria Cristine Lindoso, do Trench Rossi Watanabe. No caso da esfera cível, o prazo para recorrer é de 15 dias úteis. Já na trabalhista, o período é de oito dias.

Para o presidente da AATSP (Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo), Afonso Paciléo, a resolução do STJ é uma vitória para os credores. "A decisão traz uma nova e enorme esperança de ver suas dívidas finalmente pagas, ainda que com um lapso temporal que pode ser longo. Pela visão dos devedores é possível dizer que seus salários poderão agora sofrer penhoras que antes deste julgamento não seria possível", afirma.

Na avaliação de Paciléo, os processos ligados a empréstimo pessoal devem ser os mais atingidos pela decisão da Corte Especial do STJ. Já a advogada trabalhista Juliana Cerullo, do Ronaldo Martins & Advogados, tem outras apostas. "Crédito de natureza trabalhista, seguidos de créditos bancários, serão os mais afetados", aponta.

Porém Maria Cristine ressalta que a penhora do salário é uma medida excepcional e que só deve ocorrer se houver outros impeditivos. "Antes de pedir a penhora do salário, o credor deve tentar receber seus valores utilizando os meios tradicionais (penhora de bens, bloqueios judiciais, dentre outros). Somente se não houver outra possibilidade de execução é que a penhora do salário poderá ser efetivada."

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ESTADÃO / BLOG DO FAUSTO MACEDO EDVAR RODRIGUES XIMENES 'Uma pretensão dessa natureza iria consagrar a corrupção', alerta Reale Júnior sobre anulação de leniência de empresas da Lava Jato

Por Pepita Ortega/  o estadão

 

O Instituto Não Aceito Corrupção pediu ao Supremo Tribunal Federal para participar, na condição de 'amigo da corte', da ação em que partidos aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pedem que sejam suspensos todos os pagamentos de leniências firmadas antes de agosto de 2020 em todo o País - entre eles os maiores acordos de empreiteiras no bojo da Operação Lava Jato.

 

O Instituto Não Aceito Corrupção é um grupo que reúne juristas, promotores e procuradores. A entidade quer 'oferecer bases legais' para impedir a anulação dos acordos.

 

O pedido foi encaminhado para o gabinete do relator, André Mendonça. O Instituto solicita ainda que os advogados Miguel Reale Júnior e Paulo José Lasz de Morais possam apresentar memorais com argumentos pela improcedência da ação.

 

Ao Estadão, o jurista Miguel Reale Júnior ponderou que o 'problema' da ação é a 'troca do princípio da moralidade'. "As empresas são rés confessas, tiveram a devida assistência jurídica e apresentaram documentos. Não é apenas uma declaração de confissão. São elementos consistentes que foram apresentados e que já foram reconhecidos também em cortes internacionais, especialmente nos Estados Unidos. E os dados contábeis são irrefutáveis, da corrupção e do alcance de que foi vítima a Petrobras", ponderou Reale Júnior.

 

Segundo o jurista, as empresas que fecharam os acordos de leniência se comprometeram - para a manutenção da sua atividade e não responsabilização criminal de seus diretores, que também celebraram acordos de colaboração premiada - a pagar contas e ressarcir os prejuízos causados.

 

"É uma tentativa de reconstrução do estado anterior, do que foi lesado, que é o patrimônio público", assinalou.

 

Reale Júnior diz que é 'estranhável que partidos de esquerda, que visam a igualdade, a proteção do interesse geral se arvorem em querer que essas reparações ao bem público não ocorram para beneficiar o particular'.

 

"Você coloca a empresa em cima do interese público e consagra a corrupção, que é o mais grave. Uma pretensão dessa natureza iria consagrar a corrupção. A corrupção foi reconhecida com todas as garantias, com voluntariedade, assessoria profissional competente, durante um longo tempo. Não foi um ato momentâneo. Foi um processo de revelação que perdurou ao longo de meses com apresentação de dados contábeis e irrefutáveis, que agora quer se por por terra", destacou.

 

 

Casuísmo trabalhista

O Supremo Tribunal Federal ameaça retroceder num princípio fundamental da reforma da legislação trabalhista aprovada em 2017. Em votação virtual, já são três magistrados a manifestar a preferência por reverter a decisão anterior em favor da constitucionalidade do fim de contribuições obrigatórias cobradas por sindicatos.

Numa reviravolta em tema que tem menos de cinco anos, o ministro Gilmar Mendes mudou seu posicionamento até então favorável ao fim da cobrança compulsória —o que se adequa aos interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do sindicalismo aliado, em detrimento da segurança jurídica fundamental para o país.

Como justificativa, magistrados da corte invocam uma diferenciação entre contribuição sindical e outra assistencial —esta destinada ao custeio de negociações coletivas e que poderia ser cobrada mesmo de não filiados que são beneficiados por elas.

Seria fundamental, segundo Gilmar, alinhar a decisão aos mandamentos constitucionais, que asseguram a existência do "sistema sindicalista" e conferem "especial relevância às negociações coletivas", que afetam todos os trabalhadores, independentemente de filiação.

A concessão, alinhada ao voto proferido pelo ministro Luís Roberto Barroso, é garantir um vago direito de oposição ou retirada.

Inverte-se, na prática, o princípio da reforma. Em vez de optar por pagar, o trabalhador precisará se mover para que não seja cobrado. Não resta evidente, porém, como tal direito poderá ser exercido nem se valerá individualmente mesmo em caso de aprovação da cobrança em assembleia.

Para valorizar a liberdade de associação do empregado, considerada nos votos um princípio caro ao tribunal, em vez de garantir o custeio das estruturas atuais, o melhor seria abrir espaço para a concorrência, incluindo o fim da unicidade constitucional.

Além disso, cobrar a contribuição apenas dos trabalhadores que a autorizassem —e, nesse caso, somente estes deveriam se beneficiar de qualquer negociação.

A prevalecer o novo entendimento, será afrontado um aspecto basilar da legislação aprovada pelo Congresso Nacional com o intuito de impulsionar a criação de empregos com carteira assinada —e a emergência de sindicatos que efetivamente prestem serviços.

Politicamente, ademais, o governo Lula estará poupado de discutir com o Congresso a revogação de aspecto tão crucial da reforma trabalhista. Eis uma notável coincidência temporal.

O arcaico imposto sindical carreava dinheiro fácil para as burocracias sindicais. A volta da cobrança a princípio válida para todos, mesmo ressalvada a possibilidade de opção em contrário do não filiado, em nada contribuirá para a modernização do sistema.

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Um STF volúvel

Por Merval Pereira / O GLOBO

 

 

As permanentes mudanças de posição de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), tomando decisões que muitas vezes alteram o resultado final do julgamento de um caso em que, anteriormente, votaram ao contrário, traz à discussão os critérios para a escolha do futuro ministro. Mais que insegurança jurídica, essa volubilidade dos ministros provoca insegurança econômica e financeira.

 

O sistema de escolha pelo presidente da República pode ser contestado quando na decisão prevalecem critérios pessoais. A escolha de um ministro “terrivelmente evangélico” deveria ser o bastante para impugnar o ato, mesmo que o indicado tenha “notório saber jurídico”. Também a escolha de um ministro que atua como advogado pessoal do presidente da República, como é o caso de Cristiano Zanin, deveria invalidar a decisão, assim como, nos Estados Unidos, o então presidente George Bush tentou indicar sua advogada pessoal, Harriet Miers, e teve que recuar diante da reação negativa.

 

Escolher um candidato do mesmo espectro político do presidente em exercício é normal nas democracias. Por isso, decisões sobre questões que envolvem valores sociais só acontecem quando ocorre de um presidente conseguir montar uma maioria consistente na Suprema Corte. Foi o caso recente sobre o aborto nos Estados Unidos. Os republicanos estão com uma maioria de três votos no plenário, e conseguiram, depois de 49 anos, mudar o entendimento de que o aborto seja um direito constitucional da mulher.

 

No Brasil, no entanto, nos deparamos com uma questão distinta. O comportamento do plenário do STF depende da individualidade de seus ministros. O fenômeno faz com que decisões pessoais mudem ao longo dos anos, de acordo com as circunstâncias. Agora, por exemplo, o Supremo utilizou-se de um instrumento chamado “embargos de declaração”, que normalmente não deve entrar no mérito das questões já decididas pelo plenário, para fazer uma alteração significativa na legislação trabalhista. Três ministros já votaram para considerar inconstitucional a proibição da contribuição sindical obrigatória, permitindo a volta desse imposto.

 

O relator, ministro Luis Roberto Barroso, foi além e argumentou que os trabalhadores não sindicalizados se beneficiariam do trabalho dos sindicatos sem pagar, como se os sindicatos fossem o único instrumento dos trabalhadores nas suas reivindicações. Torna ilegais aqueles que não querem se sindicalizar. O ministro Gilmar Mendes chegou a pedir desculpas aos que seguiram seu voto na primeira vez em que o tema foi abordado no STF, e mudou de posição, passando a considerar constitucional a cobrança.

 

Na Reforma Trabalhista, o imposto sindical foi abolido, e esse voto de agora abre caminho para reintroduzir uma contribuição obrigatória, mesmo para os trabalhadores que não querem se filiar aos sindicatos. Com a reforma, quem quer se filia ao sindicato e paga a contribuição. Agora, seria preciso o trabalhador enfrentar a pressão sindicalista e a burocracia para não pagar o imposto.

 

Essa mesma incoerência vem sendo verificada em outros julgamentos. Os julgamentos no caso do ex-juíz Sérgio Moro são exemplares desses movimentos individuais, que podem mudar com o tempo. A ministra Cármen Lúcia, que já tinha defendido a atuação de Moro, mudou de voto e foi decisiva para invalidar o processo do tríplex de Lula e na condenação de Moro pela 2ª Turma como parcial.

 

Em 2016, no início da Lava Jato, o ministro Gilmar era um crítico do governo e apoiou a tese da execução da prisão depois da condenação em segunda instância. Mais tarde, mudou de posição, defendendo a prisão só após o trânsito em julgado. Já o ministro Edson Fachin, principal defensor da Operação Lava Jato na 2ª Turma, surpreendeu até os colegas de corte ao anular as ações contra o ex-presidente Lula na 13ª Vara Federal de Curitiba, considerando incompetente a jurisdição. Isso depois de mais de três anos em que o defensor de Lula, Cristiano Zanin, insistia nessa tese, e foi derrotado diversas vezes pelos mesmos ministros do Supremo.

 

Voto de Moraes sobre ataques de 8/1 sinaliza força máxima contra Bolsonaro

Fabio Serapião / FOLHA DE SP

 

O voto de Alexandre de Moraes para aceitar a denúncia contra os cem primeiros acusados pelos ataques golpistas de 8 de janeiro sinaliza como o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) organiza a investida que fará contra Jair Bolsonaro (PL).

O ex-presidente deve prestar depoimento nesta quarta-feira (26) no inquérito aberto pela Polícia Federal para apurar as invasões e depredações aos prédios dos três Poderes. Ele é alvo de 1 das 4 investigações abertas, a que mira os autores intelectuais dos ataques.

Moraes foi o primeiro a votar, no dia 18, pela aceitação das denúncias oferecidas pela Procuradoria-Geral da República —o julgamento está com maioria formada, por 8 votos a 0, e vai até segunda-feira (24).

No voto, Moraes aponta para relação entre as provas reunidas sobre os autores intelectuais dos ataques de janeiro com as coletadas nos últimos anos em duas investigações relatadas por ele: os inquéritos das fake news e das milícias digitais.

O ministro chega a citar que essas investigações já miram parentes de Bolsonaro, como seus filhos Eduardo e Flávio e aliados como Bia Kicis (PL-DF), Carla Zambelli (PL-SP) e Otoni de Paula (MDB-RJ).

Ao indicar a relação dos casos, em especial com o inquérito das milícias digitais, Moraes sinaliza que, para apontar Bolsonaro como um dos autores intelectuais dos ataques do começo do ano, vai se valer de todas as provas colhidas desde 2019.

Na prática, o ministro coloca o 8 de janeiro como mais um dos eventos atrelados à organização criminosa investigada no inquérito das milícias.

O inquérito, chamado originalmente de atos antidemocráticos, reúne todas as investidas golpistas de Bolsonaro contra as instituições e sua atuação na disseminação de fake news e desinformação.

Dessa forma, o 8 de janeiro passa a figurar ao lado de outras investidas golpistas, como a live de 29 de julho de 2021 com falas contra o sistema eleitoral; o vazamento do inquérito sobre o ataque ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral); a difusão de desinformação sobre vacinas; e os preparativos para o 7 de Setembro de 2021, quando o presidente ofendeu Moraes e também fez manifestações de cunho golpista.

O entendimento da PF desde a abertura do inquérito das milícias é que cada um desses episódios é um evento realizado pela mesma suposta organização criminosa investigada pela delegada Denisse Ribeiro, e que passou a ser alvo do delegado Fabio Shor.

No caso da live de julho de 2021, a PF colocou Bolsonaro como figura central e incentivador das investidas golpistas contra as urnas e da disseminação de desinformação.

Como mostrou a Folha em maio de 2022, o inquérito das milícias já era visto na PF como um anteparo contra as investidas golpistas de Bolsonaro, entre elas, uma possível ação como a invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021.

A interpretação na PF ainda naquela época era a de que Bolsonaro, caso perdesse a eleição, se valeria da difusão de desinformação para estimular seus apoiadores a fazerem algo nos moldes do que ocorreu após a derrota de Donald Trump.

As investidas golpistas de Bolsonaro não só foram mantidas durante o período eleitoral, como na tentativa de criar uma narrativa sobre uso da propaganda em rádios em favor de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como aumentaram após a derrota.

Ainda no dia do segundo turno, a Polícia Rodoviária Federal descumpriu uma ordem de Moraes e ampliou a fiscalização de veículos de transporte de passageiros, em especial na região Nordeste, como revelou a Folha.

O caso da PRF, por exemplo, foi utilizado por Moraes para manter na prisão o ex-ministro Anderson Torres, que chefiou a pasta da Justiça sob Bolsonaro.

Ele citou que depoimentos de testemunhas e apreensão de documentos apontam "fortes indícios da participação do requerente [Torres] na elaboração de uma suposta 'minuta golpista' e em uma 'operação golpista' da PRF para tentar subverter a legítima participação popular no segundo turno das eleições presidenciais de 2022".

Nos dias após a derrota, o presidente também manteve seus apoiadores em alerta, sem atuar para desmobilizar os acampamentos golpistas em frente a quartéis e os bloqueios em rodovias contra o resultado das eleições.

Nesse período, antes da posse de Lula, como mostrou a minuta apreendida na casa de Torres, o grupo do presidente teria aventado a decretação de estado de defesa no TSE para evitar a diplomação do petista.

No fim do ano, a escalada golpista ganhou corpo até desaguar nos ataques de 8 de janeiro.

No início de dezembro, bolsonaristas que estavam acampados em frente ao QG do Exército em Brasília tentaram invadir o prédio da PF e depredaram veículos na capital federal. Semanas depois, na véspera de Natal, um apoiador do presidente instalou uma bomba em um caminhão de combustíveis estacionado próximo ao aeroporto de Brasília.

Todas essas investidas golpistas e a escalada de violência culminaram nas cenas de destruição na praça dos Três Poderes e fizeram desmoronar o discurso público do ex-presidentee de seus aliados, que destacavam as manifestações como ordeiras e pacíficas e buscavam associar protestos violentos a grupos de esquerda.

 

Contribuição a sindicatos não deve ser compulsória

EDITORIAL DE O GLOBO

 

 

Foi mais que oportuno o pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), num julgamento que pode restabelecer contribuições compulsórias a sindicatos, extintas na reforma trabalhista de 2017. Ao contrário do que o Supremo decidira antes no caso das contribuições sindical e confederativa, o relator, ministro Gilmar Mendes, mudou de ideia e decidiu acolher a demanda para tornar obrigatória a contribuição assistencial.

 

O voto de Gilmar representa uma reviravolta na posição que ele próprio defendera neste caso e em votações anteriores a respeito do tema no STF. Foi provocada, segundo ele mesmo escreveu, pela argumentação do ministro Luís Roberto Barroso em favor da obrigatoriedade. Na votação em plenário virtual cujo encerramento estava previsto para a próxima segunda-feira, Barroso e a ministra Cármen Lúcia já haviam concordado com Gilmar, até o pedido de vista de Moraes.

 

O argumento central de Barroso para defender a obrigatoriedade é o enfraquecimento das finanças dos sindicatos, decorrente do fim da contribuição sindical compulsória e das decisões anteriores do Supremo sobre as contribuições confederativa e assistencial. “Tendo em vista a natureza não tributária dessas contribuições, o STF entendeu que, em ambos os casos, a cobrança de empregados não filiados ao sindicato violaria a liberdade de associação”, escreveu Barroso em seu voto.

 

Para reerguer os sindicatos, ele sugere que a contribuição assistencial — cujo objetivo é fortalecer negociações coletivas que beneficiam toda a categoria — seja como regra cobrada de todos, mesmo dos não sindicalizados, mas que o funcionário possa recusar pagá-la (“direito de oposição”).

 

Se prevalecer, a decisão representará um retrocesso. Ela advém de uma visão antiquada da atividade sindical. Uma vez que uma minoria exercerá o tal “direito de oposição”, na prática ela restabelece uma fonte estável de dinheiro para as associações, sem que elas precisem oferecer nada em troca por isso. O argumento de Barroso supõe que uma contribuição compulsória é a única forma de recompor as finanças sindicais. Trata-se de uma falácia. Antes da reforma trabalhista, a contribuição sindical era obrigatória apenas no Brasil, no Equador e no Egito. Não consta que nos demais países falte força ao movimento sindical por causa disso.

 

É verdade que os sindicatos perderam recursos. Pelos dados do Ministério do Trabalho, faturavam R$ 3 bilhões com a contribuição sindical em 2017 e passaram a receber R$ 66 milhões em 2021. Mas o espírito da reforma era justamente acabar com a fonte cativa de dinheiro, que sempre garantiu vida de elite aos líderes sindicais, sem grande benefício aos trabalhadores. Em vez disso, as associações de trabalhadores deveriam se modernizar e prestar serviços relevantes para fazer jus ao que recebem dos representados.

 

Acomodadas no modelo vigente de monopólio sindical por categoria, as lideranças sindicais preferem fazer pressão pela volta das contribuições compulsórias, instituídas na Era Vargas. Viram no novo governo do ex-sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva a oportunidade de resgatar a vantagem perdida. Nas decisões anteriores, o Supremo teve o bom senso de expor a inconstitucionalidade de recriar um imposto sindical. Não tem cabimento mudar de ideia agora, só pela conveniência política de restabelecer privilégios extintos.

Moraes quebra sigilo de imagens do 8/1 do Planalto e manda ouvir servidores do GSI

Thaísa Oliveira / FOLHA DE SP

 

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes determinou nesta sexta-feira (21) a quebra de sigilo das imagens de 8 de janeiro das câmeras de segurança do Palácio do Planalto e o depoimento dos servidores do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) que aparecem nas cenas.

Trechos do circuito interno de segurança do Planalto foram divulgados pela CNN Brasil na quarta (19), e levaram à queda do ministro do GSI Gonçalves Dias. O material foi colocado sob sigilo pelo governo federal e negado à Folha em fevereiro.

Na decisão desta sexta, o ministro do Supremo exige o envio de "todo o material existente" em poder do GSI em até 48 horas, e afirma que a preservação integral das imagens "será aferida em posterior perícia".

No despacho, Moraes também determina que o ministro interino, Ricardo Cappelli, envie cópia integral da sindicância instaurada, no âmbito do GSI, para apuração das condutas dos agentes públicos civis e militares envolvidos no episódio.

O ministro do STF afirma que a investigação dos ataques golpistas exige não só punição àqueles que "criminosamente pretenderam causar ruptura do Estado democrático de Direito", mas também aos agentes públicos civis e militares que "foram coniventes ou deixaram de exercer suas atribuições legais".

Moraes afirma ainda que a Constituição Federal "consagrou expressamente o princípio da publicidade como um dos vetores imprescindíveis à Administração Pública", e que "inexiste sigilo das imagens".

"[...] Não sendo possível, com base na Lei de Acesso à Informação, a manutenção da vedação de divulgação de todas –ABSOLUTAMENTE TODAS– as imagens verificadas na ocasião do nefasto e criminoso atentado à Democracia e ao Estado de Direito, ocorrido em 08/01/2023, especialmente àquelas decorrentes de veiculação pela imprensa no interior do Palácio do Planalto com a presença de autoridade e servidores do GSI", escreve.

"Portanto, INEXISTE SIGILO DAS IMAGENS, com base na Lei de acesso à Informação, sobretudo por serem absolutamente necessárias à tutela jurisdicional dos Direitos Fundamentais, ao Regime Democrático e Republicano, que foram covardemente desrespeitados no ataque criminoso à nossa Democracia, no dia 8/01/2023."

Em fevereiro, reportagem da Folha pediu, via Lei de Acesso à Informação, a íntegra das imagens registradas pelas câmeras de segurança internas e externas do sistema do Palácio do Planalto, referentes ao domingo em que manifestantes golpistas vandalizaram os prédios dos três Poderes.

Ao negar acesso, o GSI afirmou na ocasião não ser "razoável" divulgar informações que exponham métodos, equipamentos, procedimentos operacionais e recursos humanos da segurança presidencial.

"Presente pedido de informação não pode ser atendido, haja vista que as imagens do sistema de vídeo monitoramento do Palácio do Planalto são de acesso restrito, considerando que sua divulgação indiscriminada traz prejuízos e vulnerabilidades para a atividade de segurança das instalações presidenciais", dizia a resposta.

Em outro trecho, o GSI afirmava: "Caso seja facultado o acesso às informações solicitadas, a eficiência, como princípio constitucional da administração pública, e o interesse público de prevenir ações adversas contra as autoridades protegidas pelo GSI/PR ficam desamparados".

Apesar de ter colocado as imagens sob sigilo, o governo federal divulgou trechos editados do material que não permitem analisar a atuação e eventual omissão das forças de segurança. Nenhum dos vídeos compartilhados pelo Palácio do Planalto mostrava, inclusive, a presença de Gonçalves Dias.

O ex-ministro do GSI prestou depoimento nesta sexta após decisão desta quinta (20) de Moraes no âmbito do inquérito que investiga o ataque aos Poderes. GDias —como é chamado— passou cerca de 4 horas e 30 minutos na sede da PF (Polícia Federal), em Brasília.

"O comparecimento na sede da Polícia Federal é, para mim, uma grande oportunidade de esclarecer os fatos que têm sido explorados na imprensa. Confio na investigação e na Justiça, que apontarão que eu não tenho qualquer responsabilidade, seja omissiva ou comissiva nos fatos do dia 8 de janeiro", disse o general em nota.

Alexandre de Moraes pede vista e interrompe julgamento sobre contribuição para sindicatos

Por Daniel Gullino — Brasília / O GLOBO

 

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu vista e interrompeu um julgamento que trata sobre a constitucionalidade da cobrança da contribuição assistencial de trabalhadores não sindicalizados. Com isso, não há data para o debate recomeçar.

 

Antes do pedido de Moraes, já havia três votos no sentido de permitir a cobrança, desde que seja garantido o chamado direito de oposição para os trabalhadores. Seria um mudança na posição do STF, que em 2017 considerou essa cobrança inconstitucional.

 

Especialistas em mercado de trabalho consideram esse posicionamento um forte retrocesso, caso seja seguido pela maioria dos ministros do STF. Já entidades ligadas aos sindicatos, como a Força Sindical, elogiaram.

 

A contribuição assistencial é um tipo de taxa utilizada para custear as atividades do sindicato. Diferentemente do imposto sindical, ela é estabelecida em assembleia de cada categoria e não tem valor fixo.

 

O julgamento estava ocorrendo no plenário virtual do STF, sistema pelo qual os ministros depositam seus votos. A análise começou no dia 14 e estava prevista para terminar no dia 24.

 

O pedido de vista é feito quando o ministro quer mais tempo para analisar um processo. Ele tem até 90 dias para devolver a ação para julgamento. Depois, o processo fica liberado, mas ainda precisa ser incluído na pauta.

 

Mudança de posição

 

O processo que trata da contribuição assistencial teve uma reviravolta nos últimos dias. O relator, Gilmar Mendes, que no passado havia votado de forma contrária à cobrança da taxa, mudou de posição.

 

Gilmar disse que foi convencido pelo argumento do ministro Luís Roberto Barroso, de que a cobrança é possível, desde que haja o chamado "direito de oposição", ou seja, que o trabalhador tenha a opção de decidir se quer pagar ou não. Cármen Lúcia também seguiu esse posicionamento.

 

 

 

 

Julgamento do marco temporal no STF será retomado no dia 7 de junho

Por Daniel Gullino — Brasília / O GLOBO

 

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, anunciou nesta quarta-feira que o julgamento que discute um marco temporal para a demarcação de terras indígenas será retomado no dia 7 de junho.

 

O anúncio foi feito durante evento promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em sua fala, Rosa Weber fez referência à ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, que estava presente e aplaudiu o anúncio.

 

— Nós daremos continuidade ao julgamento do recurso extraordinário relativo ao marco temporal, e aqui eu faço o anúncio atendendo à reivindicação da ministra Sonia Guajajara, no dia 7 de junho — afirmou.

 

No mês passado, a presidente do STF já havia se comprometido a pautar o caso no primeiro semestre, durante encontro com povos indígenas no Vale do Javari (AM).

 

A análise do marco temporal começou em agosto de 2021, mas foi interrompida no mês seguinte por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. O processo já foi liberado por Moraes, mas ainda não voltou a ser julgado. No momento, o placar do julgamento registra um empate, com um voto a favor da tese (dado por Nunes Marques) e outro contrário (de Edson Fachin, o relator).

 

Pela tese do marco temporal, os indígenas só podem reivindicar terras onde já estavam na data da promulgação da Constituição de 1988. A maioria dos povos, no entanto, rejeita essa ideia.

PF sob Lula escondeu operação sobre caso Adélio-PCC autorizada pela Justiça

Fabio Serapião / FOLHA DE SÃO PAULO

 

Polícia Federal realizou no mês passado, já no governo Lula (PT), uma operação com busca e apreensão para tentar avançar na apuração sobre uma suposta relação da facção criminosa PCC com o pagamento da defesa de Adélio Bispo de Oliveira no caso da facada contra Jair Bolsonaro, em 2018.

Autorizada pela Justiça Federal em Juiz de Fora (MG), local em que o então candidato foi atacado, a ação mirou um dos advogados que atuaram para Adélio.

Mas, ao contrário do que ocorre na maior parte dos casos, a deflagração não foi divulgada pelo setor de comunicação da PF.

Revelada pela Folha nesta quarta (19)a apuração da PF se baseia especialmente em pagamentos feitos por suspeitos de integrar a facção para um dos advogados, realizados dois anos depois do atentado.

A reportagem também mostra que a atual direção do órgão vê como inconsistente a linha de investigação, além de pressão bolsonarista no caso.

Na operação do mês passado, as medidas, seis mandados de busca e apreensão, foram cumpridas no mesmo dia de outra operação realizada pela PF em Minas Gerais, contra traficantes, em 14 de março.

Folha teve acesso ao despacho do juiz Bruno Savino, da 3ª Vara Criminal de Juiz de Fora. A decisão que autorizou as buscas foi dada no dia 11 de novembro, após o fim da eleição presidencial.

O principal indício descrito nas apurações da PF, citado pelo juiz, são os pagamentos fracionados de R$ 315 mil realizados em 2020 para uma empresa no nome de Fernando Magalhães, um dos advogados da banca que defendeu Adélio até o final de 2019.

A possível ligação ao caso da facada se daria, segundo o delegado, pelo fato de esses valores serem próximos ao citado por Zanone Oliveira Júnior —advogado da banca que liderava a defesa— como sendo o custo máximo final caso eles seguissem até eventual chegada do processo ao STF (Supremo Tribunal Federal) —de R$ 150 mil a R$ 300 mil.

"É razoável inferir que o pagamento fracionado de R$ 315 mil tenha constituído auxílio prestado pela referida facção para o custeio dos honorários dos advogados do autor do atentado, lançando mão dos recursos movimentados pelo citado Setor das Ajudas do PCC", afirma o juiz do caso, Bruno Savino, em sua decisão.

Além disso, haveria registro no livro-caixa de Zanone de um pagamento de R$ 25 mil e a rubrica "caso Adélio", e um grupo de troca de mensagens entre os advogados no aplicativo WeChat com o nome "Adélio PCC".

Internamente, na Polícia Federal, o sigilo na operação do mês passado tem sido justificado como necessário para evitar o prejuízo na investigação ainda em andamento e, também, pelo fato da atual cúpula da PF discordar da linha seguida pelo delegado Martin Bottaro.

Para integrantes da direção da PF, os indícios levantados não sustentam a tese da ligação do PCC com o caso da facada.

De acordo com pessoas da cúpula, ao focar na suposta relação da facção criminosa com um dos advogados de Adélio, o delegado do caso deixou de lado uma investigação maior. Esse movimento, para a direção da PF, está relacionado com o período sob a influência do governo de Jair Bolsonaro.

Zanone e seus sócios deixaram a defesa no final de 2019 e até hoje sustentam ter recebido R$ 5.000 de um patrocinador em relação ao qual nunca revelaram o nome. Para investigadores da PF que participaram do início das investigações, porém, a hipótese provável é que eles tenham assumido a causa de graça, apenas em troca da notoriedade do caso.

Conversas no grupo do WeChat acessado a partir do celular de Zanone giravam em torno da preocupação com o fato de Fernando Magalhães ter atuado na defesa de membros do PCC, relatam as investigações.

Magalhães nega relação com o PCC e diz que os pagamentos que recebeu também não têm ligação com a defesa de Adélio.

Segundo o que foi escrito pelo magistrado Bruno Savino na decisão de busca e apreensão, a tese sobre a participação do PCC no financiamento do atentado "apresenta coerência porquanto a vítima, o então candidato ao cargo de presidente da República Jair Messias Bolsonaro adotou, durante todo o período de campanha eleitoral, forte discurso de combate à criminalidade no país".

O juiz Savino só autorizou as medidas após um segundo pedido da PF. Um primeiro havia sido negado, antes da eleição presidencial, porque o magistrado entendeu não haver os requisitos mínimos.

Na primeira solicitação, a PF elencava apenas o conteúdo do celular de Zanone Júnior como indício, mas não tinha ainda as informações sobre transações enviadas pelo Coaf.

O Ministério Público Federal, que havia sido contra o primeiro pedido da PF, concordou com as buscas em endereços do advogado Fernando Magalhães e dos sócios das empresas suspeitas.

Como mostra a decisão que autorizou as diligências, o MPF afirma, no entanto, "não haver, ainda, indícios de que os titulares das cinco empresas utilizadas para a realização das transferências bancárias em favor de FM Costa Serviços Administrativos [empresa de Magalhães] tenham se associado ao executor do atentado [Adélio] para o fim da perpetração do delito."

Na sua manifestação, o Ministério Público também pediu à Justiça que as buscas fossem cumpridas pela PF reserva "com vistas à preservação da imagem dos alvos e de forma a não fomentar fake news".

O caso está sob tutela da Direção de Inteligência Policial, a DIP, comandada desde janeiro por Rodrigo Morais. Ele foi delegado da investigação sobre a facada e concluiu não haver mandante na ação de Adélio Bispo —ele foi substituído por Martin Bottaro em dezembro de 2021, após ser nomeado para um cargo nos EUA.

 

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