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Tebet: 'Doria é problema do PSDB. Estou pronta para ser cabeça de chapa ou vice'

Bianca Gomes / O GLOBO

 

SÃO PAULO - Pré-candidata do MDB à Presidência, a senadora Simone Tebet (MS) disse nesta segunda-feira ao GLOBO que o ex-governador João Doria é "problema" do PSDB e que ela está pronta para ser cabeça de chapa ou vice.

— (João Doria) é problema do PSDB. O PSDB aceitou fazer parte dessa pesquisa junto com Cidadania e MDB — afirmou Tebet. — Eu estou pronta para subir no palanque dessa frente democrática independentemente de cabeça de chapa ou vice.

Questionada sobre a carta na qual Doria diz não concordar com as pesquisas da terceira via ou ser vice de Tebet, a senadora ressaltou que respeita os critérios e concordará com resultado.

— Eu aceitei as regras do jogo e, posso falar por mim, vou aceitar o resultado na quarta-feira seja ele qual for — assegurou a pré-candidata do MDB, que acredita numa definição da terceira via nesta quarta-feira.

A senadora ainda afirmou que, se escolhida, será candidata à Presidência com ou sem PSDB e Cidadania, ou seja, sem depender do que acontecerá com Doria.

— Com ou sem frente democrática, se o meu nome for escolhido  e outros resolverem 'ah, não aceito as regras do jogo', tentarem judicializar, é um direito que lhes assiste. Eu continuo — concluiu Tebet, que defendeu a necessidade de o centro definir logo "um rosto, nome, sobrenome e uma cara para se apresentar ao Brasil".

Nesta segunda, Tebet participou de um ciclo de debates promovido pelo Conselho Político e Social (Cops), da Associação Comercial de São Paulo. Depois, almoçou com empresários acompanhada do ex-presidente Michel Temer.

Mandamentos de Lula começam com um 'não'.

Josias de Souza
 

Colunista do UOL

14/05/2022 00h33

Os mandamentos econômicos de Lula tornaram-se negativos, meio fugidios. À medida que a campanha avança, o presidenciável do PT vai enumerando, a conta-gotas, os preceitos com os quais espera mobilizar os devotos que carregam sua candidatura no andor. Todos começam com "não".

Eleito, Lula não admitirá o teto de gastos. Ele não preservará a reforma trabalhista. Também não aceitará as mexidas feitas no modelo de financiamento sindical. Não tolerará privatizações como a da Eletrobras. Não engolirá a política de preços da Petrobras.

Num evento organizado pela Força Sindical na quinta-feira, Lula declarou que "a mentalidade de quem fez a reforma trabalhista, a reforma sindical, é a mentalidade escravocrata, de quem acha que sindicato não tem que ter força, não tem representatividade."

Michel Temer vestiu a carapuça: "A única intenção do ex-presidente Lula, certa e seguramente, é restabelecer o imposto sindical", disse ao Estadão. "Sendo assim, que o diga expressamente e não faça acusações a quem não retirou nenhum direito dos trabalhadores. Nossa reforma trabalhista acrescentou direitos aos trabalhadores brasileiros". Citou a possibilidade de parcelamento das férias, o registro formal do trabalho intermitente, o banco de horas e o home office.

Na véspera, num encontro com reitores universitários realizado em Juiz de Fora, Lula havia reiterado sua ojeriza ao teto de gastos, outra inovação introduzida na Constituição sob Michel Temer.

Numa campanha marcada pela inanição de ideias, aguarda-se com certa agonia pelo instante em que o primeiro colocado em todas as pesquisas presidenciais começará a dizer o que deseja colocar no lugar da reforma trabalhista e do teto de gastos, já destelhado por Bolsonaro..

Espera-se pelo instante em que Lula informará como planeja conter os reajustes dos combustíveis sem recorrer ao congelamento adotado sob Dilma, que abriu um rombo no caixa da Petrobras.

Há muita ansiedade para saber que precauções Lula planeja adotar para evitar que desçam novamente ao balcão da baixa política as estatais que ele não privatizará se retornar ao Planalto..

Lula leva a sério um raciocínio que expôs na entrevista publicada dias atrás pela revista americana Time: "Nós não discutimos política econômica antes de ganhar as eleições", disse ele.

Lula leva a sério um raciocínio que expôs na entrevista publicada dias atrás pela revista americana Time: "Nós não discutimos política econômica antes de ganhar as eleições", disse ele.

Atrás desse enunciado se esconde o receio de ser arrastado para um debate sobre o estrago produzido na economia durante a gestão de Dilma Rousseff. Foi a ruína de madame que impulsionou, na gestão Temer, a reforma trabalhista e o teto de gastos.

O desejo de Lula de receber do eleitor um cheque em branco não orna com um cenário em que se misturam a carestia, o desemprego e a desesperança. No evento da Força Sindical, Lula fez uma concessão ao óbvio ao dizer o seguinte:.

"Precisamos conquistar credibilidade, para que as pessoas acreditem naquilo que a gente fala. Precisamos ter previsibilidade." Bingo!.

O primeiro passo para dar previsibilidade a um eventual terceiro mandato seria Lula parar de se comportar como um freguês que entra no restaurante, senta-se à mesa, lê o menu e diz ao garçom o que não quer comer. Lula precisa começar a dizer o que quer.

Limites de frente ampla de Lula elevam pressão sobre Alckmin

SÃO PAULO

Aliados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) têm a expectativa de que Geraldo Alckmin (PSB), pré-candidato a vice na chapa do petista, seja efetivo em ampliar os limites da aliança depois de oscilar seu tom entre demonstrar lealdade ao PT e acenar para fora da esquerda.

Alckmin vinha sendo alvo de críticas por parte de apoiadores de Lula e entusiastas de uma frente contra o presidente Jair Bolsonaro (PL). Primeiro por não ter agregado, logo em sua chegada, mais partidos ou nomes de peso à aliança.

Em segundo lugar, por ter se empolgado além do esperado na defesa do ex-presidente e no alinhamento a ele em discursos, o que poderia atrapalhar a interlocução com setores conservadores.

Diante disso, a fala do ex-governador de São Paulo no último dia 7, quando a chapa Lula-Alckmin foi lançada em São Paulo, representou uma mudança de rota. A pré-campanha havia recebido apelos por um tom mais sóbrio e de moderação e por acenos para além do espectro da esquerda —mas sem quebrar a confiança da militância do PT.

Aliados de Lula consideraram que Alckmin precisava recuar em relação à postura adotada em aparições anteriores e atenuar afagos à base petista.

O tom inflamado e os gritos pró-Lula ao falar com sindicalistas assim como o hino da Internacional Socialista foram vistos como artificiais e causaram estranhamento entre tucanos que conhecem Alckmin de longa data.

Se antes foi preciso acenar para dentro da esquerda, Alckmin teria voltado a seu padrão no dia 7, segundo aliados. Para eles, salientar diferenças não é uma afronta, mas uma forma de demonstrar complementação.

conteúdo lido por Alckmin no ato abrangeu indicações discretas sobre temas que não necessariamente estão no âmago do programa do PT ou são endossados pelas siglas de esquerda inseridas na coligação.

Falando em nome da chapa, ele prometeu "estimular o empreendedorismo, os investimentos, a produção e uma relação reciprocamente mais justa e vantajosa entre trabalhadores e empresários", sem lançar mão de temas espinhosos, como revogação da reforma trabalhista.

A entronização perante a militância de Lula incluiu ainda aspectos sutis, como as saudações a movimentos religiosos e à sociedade civil organizada, insinuando uma abertura para o diálogo com setores avessos ao petismo.

A demarcação de diferenças com o petista, algo também pontuado em sua fala, tem dupla função —não implodir sua interlocução com setores conservadores e demonstrar que, em nome da democracia, adversários podem se unir.

No entanto, a tarefa de Alckmin de expandir o arco de apoiadores de Lula não será simples, admitem petistas, levando em consideração que partidos de centro resistem a uma aliança formal já no primeiro turno.

Embora maior do que nas eleições presidenciais de 2018, a coligação do PT reúne sete partidos da centro-esquerda —sem conseguir avançar mais à direita.

O clima entre petistas é de conformismo com a hipótese de que apenas alas ou representantes isolados de outros partidos declarem apoio a Lula, como fez o tucano Aloysio Nunes (SP) na sexta-feira (13) em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.

Os senadores Otto Alencar (PSD-BA) e Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), por exemplo, participaram do lançamento da chapa. Os senadores Omar Aziz (PSD-AM) e Renan Calheiros (MDB-AL), além do ex-prefeito Alexandre Kalil (PSD-MG), também já deixaram claro que irão apoiar o petista.

Aliados mais otimistas, contudo, ainda ventilam a possibilidade de que PSD e MDB se juntem à campanha, sobretudo diante de um cenário que aponte para a reeleição de Bolsonaro e diante da estagnação da chamada terceira via. Há quem inclua na lista até mesmo o PDT de Ciro Gomes —que hoje não admite retirar sua candidatura.

Em resposta à crítica de que a frente ampla de Lula até agora materializou apenas uma frente de esquerda, petistas afirmam que a coalizão não necessariamente deva ser formada só por instâncias partidárias.

A avaliação é a de que apoios isolados dentro de legendas ou o endosso de personalidades e grupos da sociedade civil também têm peso na narrativa de união contra um inimigo comum. Há consenso no núcleo da pré-campanha de que a presença de Alckmin tende a favorecer essas adesões.

Petistas afirmam ainda que, ao se tratar de articulação política, esse primeiro momento da pré-campanha foi exitoso por agregar movimentos sociais, populares e sindicais em torno do nome de Lula.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que irá atuar na campanha, diz que advoga pela ampliação dos partidos aliados, ressaltando que só há dois lados na disputa eleitoral neste ano: "o da democracia e o do autoritarismo".

Em um momento em que Bolsonaro amplia os questionamentos ao processo eleitoral e faz insinuações golpistas, o senador avalia que é preciso ter "unidade entre os democratas". "O momento de unidade é agora, isso não pode ser deixado para depois, nem do ponto de vista político, nem do eleitoral."

A expectativa é que Alckmin possa mediar o diálogo com esferas mais resistentes a Lula, como o agronegócio, o mercado financeiro e setores religiosos mais conservadores.

"Agora vamos trabalhar onde nós podemos crescer. E é nesse campo liderado por Alckmin", afirma o ex-governador petista Wellington Dias (PI), que também integrará a coordenação da campanha.

Ele destaca que as pesquisas apontam que há uma parcela de eleitores indecisos que deverá ser explorada, assim como regiões do país em que Alckmin poderá atrair votos, como Sudeste e Centro-Oeste.

A partir de agosto, Alckmin deverá cumprir um roteiro de viagens próprio, a começar pelo interior de São Paulo. Antes disso, é esperado que ele viaje com Lula, na intenção de apresentar a chapa aos eleitores

Em sua fala no dia 7, o ex-governador enfatizou o convite para adesão de outras siglas e forças políticas à frente desejada pelo PT.

"Faço um chamado público às demais forças políticas do país que trabalham por essa mesma mudança: venham se juntar a nós", discursou.

Ele usou seu tempo para fazer o que chamou de um "chamado à razão" e defendeu união de correntes ideológicas diferentes em nome da defesa da democracia, o mote da campanha petista.

O ex-governador também dará contribuições ao plano de governo. No último dia 4, ele participou de reunião com coordenadores dos Núcleos de Acompanhamento de Políticas Públicas da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT.

Segundo o ex-ministro Aloizio Mercadante, que preside a fundação, foram debatidos temas como o agronegócio, o fortalecimento do SUS e a necessidade de desenvolver o complexo industrial na área da saúde e de reconstruir o pacto federativo —ressaltando parcerias que o ex-tucano teve com gestões petistas enquanto estava no Governo de São Paulo.

Também foi discutida a necessidade de incorporar a sustentabilidade nas propostas, algo "que está no centro das preocupações e será um eixo estruturante da campanha", segundo Mercadante, e estimular o empreendedorismo, tornando o BNDES um banco garantidor.

De acordo com o ex-ministro, esses temas serão aprofundados em próximos encontros com o ex-governador.

No próximo dia 23 está prevista uma reunião entre presidentes dos partidos que integram a aliança em torno da chapa e que terá a presença de Lula e Alckmin. Nela, serão tratados os próximos passos da pré-campanha.

 

Lula busca se reconstruir em eleição mais difícil de sua vida

Thomas Traumann

Jornalista, analista político e pesquisador da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas, foi porta-voz da Presidência da República e ministro da Secretaria de Comunicação Social de 2011 a 2014 (gestão Dilma Rousseff, PT). Autor de "O Pior Emprego do Mundo", sobre ministros da Fazenda

[RESUMO] Mais velho, mais centralizador e com menos apoio do establishment, Lula volta à política em tom de tragédia grega para recuperar a forma, enfrentar seu primeiro adversário de raiz popular e provar que ainda é capaz de liderar as massas, escreve autor.

Voltar é uma pulsão. A chance de recomeçar, corrigir, dizer o que ficou na garganta, cumprir o combinado e, desta vez, acertar o pênalti perdido. Na política, a volta ao poder é a oportunidade de demolir o passado e reconstruir-se por sobre os escombros.

"Eu voltarei, mas não como líder de partidos, e sim como líder de massas" prometeu Getúlio Vargas na declaração engendrada pelo jornalista Samuel Wainer para a manchete do jornal Diário da Noite, no Carnaval de 1949. Menos de dois anos depois, ele de fato voltava ao Palácio do Catete, de onde só saiu morto em agosto de 1954. No regresso ao poder, Vargas passou de cruel ditador do Estado Novo a ícone da esquerda nacionalista.

Luiz Inácio Lula da Silva começou a voltar descendo pelas escadas de incêndio os quatro andares do prédio da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. A cada andar, abria a porta de segurança para cumprimentar os antigos carcereiros, quase todos vestindo máscaras no rosto para evitar fotos das centenas de jornalistas que aguardavam a soltura do ex-presidente depois de 580 dias preso.

Lula apertava a mão e mandava lembranças para as famílias dos agentes, como se não tivesse pressa de sair. Às 17h40 de 8 de novembro de 2019, em um discurso ensaiado na cela, ele agitou a bandeira de paz para acalmar antigos adversários: "Saio daqui sem ódio".

"Ele ainda não havia recuperado os direitos políticos e enfrentava uma dúzia de processos, mas nenhum de nós tinha dúvidas: ele queria voltar", contou o advogado Luiz Carlos Rocha, que visitou Lula na prisão todas as manhãs.

A política é um dos poucos lugares em que você pode ressuscitar sem precisar morrer antes. Lula foi dado como morto dezenas de outras vezes. Depois da derrota em sua primeira campanha eleitoral, em 1982, quando ficou em quarto lugar na disputa para o Governo de São Paulo, ele falou em largar a política e só foi convencido do contrário por Fidel Castro, como contou o biógrafo Fernando Morais em "Lula – Volume 1".

Em 1998, depois da terceira derrota seguida para a Presidência da República, isolou-se por semanas no sítio do amigo José Graziano. Lula se dizia cansado das querelas partidárias e tinha o apoio da então esposa, Marisa, para se afastar da política. Quando a cúpula do PT entendeu que Lula falava sério, uma metade se animou a tentar ser o seu sucessor, enquanto a outra fazia romaria para que mudasse de ideia. "Só volto se for do meu jeito", ele afirmou. Foi.

Se Lula vencer neste ano e tomar posse —no Brasil de 2022, eleição e posse talvez não sejam mais processos interligados—, terá 77 anos ao voltar ao Planalto. Será o presidente mais velho a iniciar um mandato. Os cabelos estão mais ralos e brancos, a voz mais rouca. Como um jogador de futebol depois de longa inatividade, está enferrujado. As declarações saem tortas, como chutes a esmo para o gol.

Em abril, em uma frase de improviso sem que ninguém fosse avisado, defendeu que o aborto deveria ser um "direito de todo o mundo" e fosse tratado como política de saúde, tema tabu para todo presidenciávelDepois recuou e se posicionou contra a prática.

Em 30 de abril, em ataque ao presidente Jair Bolsonaro, uma declaração sua deu a entender que policiais não eram gente ("Ele [Bolsonaro] não tem sentimento. Ele não gosta de gente, ele gosta de policial"). No dia seguinte, em ato do 1º de Maio, uma nova retratação.

No lançamento formal da sua pré-candidatura, no último dia 7, Lula leu o discurso de 5.296 palavras, atitude raríssima em 40 anos de campanhas.

Pessoas que conversam com Lula frequentemente o acham hoje mais impaciente com os debates sem fim que fazem parte do folclore petista.

Em encontros recentes, ele reclamou da rede de intrigas que derrubou seu amigo Franklin Martins da comunicação da campanha, das dificuldades do PT em fechar acordos partidários em Minas e no Rio e dos relatórios de monitoramento mostrando a vantagem dos bolsonaristas nas redes sociais.

Lula tornou-se mais controlador, participando de reuniões menores que antes eram relegadas a assessores, como as que decidem as peças de campanha de TV e a agenda de viagens. Em uma campanha presidencial, isso é insustentável.

Parte do problema é da nova postura centralizadora de Lula, mas parte é do mundo político. Todos querem falar com ele, e somente com ele, acreditando que nenhum outro petista tem autoridade para fechar acordos. Hoje, eles têm razão.

O ex-presidente decidiu não ter um coordenador do programa de economia, impedindo o surgimento de um candidato natural a ministro da Fazenda em um eventual terceiro mandato. Quando bancos e empresas convidam um representante do PT para palestrar, Lula indica a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, o senador Jacques Wagner, ex-ministros, como Guido Mantega, ou ainda os deputados federais Alexandre Padilha e Rui Falcão.

O ex-adversário e agora candidato a vice, Geraldo Alckmin, será o interlocutor junto ao agronegócio. Ao indicar tantos porta-vozes, Lula quer dizer que ninguém realmente fala em seu nome.

Nas palestras para o mercado financeiro, a primeira pergunta quase sempre é a mesma: "Qual Lula está voltando, o de 2003 ou o de 2007?". Na premissa dos executivos da Faria Lima, existe um "Lula bom", que montou um time fiscalista com Henrique Meirelles, Marcos Lisboa e Joaquim Levy no primeiro governo, e um "Lula mau", que deixou Guido Mantega e Dilma Rousseff tocarem a política econômica intervencionista a partir de 2007.

A pergunta soa anacrônica. O Lula de 2022 é diferente dos anteriores não apenas porque as condições são novas, mas especialmente porque o adversário é outro.

Jair Bolsonaro é o primeiro político de raiz popular que Lula enfrenta. Em 1989, Fernando Collor era um coronel político disfarçado de caçador de marajás. De 1994 a 2014, os candidatos do PSDB (mesmo José Serra, filho de feirantes) encarnavam o establishment, facilitando o discurso "nós contra eles" do marketing petista. Com Bolsonaro, isso não funciona.

O presidente saiu de uma família de classe média baixa no interior de São Paulo para subir de vida como oficial do Exército. Existe uma nítida estratégia de Bolsonaro em se mostrar como "gente como a gente", recusando a liturgia do cargo, vestindo camisetas pirateadas de clube de futebol e chinelos na biblioteca do Palácio do Alvorada. Uma definição comum nas pesquisas qualitativas sobre o presidente é que ele "é tosco, mas autêntico".

"Não vamos cair na disputa com a imagem do sujeito que passa leite condensado no pão. O Bolsonaro não é mais o candidato antissistema de 2018. Nosso debate vai ser com o presidente que não comprou vacinas a tempo, que colocou quase 120 milhões de pessoas sem garantia de ter comida no prato", previu o deputado Padilha.

Para muitos petistas, o retorno de 2022 podia ter vindo antes. No primeiro semestre de 2014, havia maioria no PT para substituir a candidatura da então presidente Dilma Rousseff. Por duas vezes, Lula foi consultado formalmente pelo partido se queria ser candidato.

Recusou, primeiro alegando que, como presidente no cargo, Dilma tinha a primazia, como justificou no livro-entrevista "A Verdade Vencerá". Depois, em tom meio sério, meio de blague, ele resumiu: "Não quero ser um Michael Schumacher", referindo-se ao heptacampeão de Fórmula 1, que, ao retornar às pistas, não repetiu a mesma performance dos anos de auge.

A candidatura de 2018 não valeu. Lula sabia que não teria autorização para ser candidato e usou a campanha como um escudo, sugestão vinda dois anos antes em uma conversa com o amigo e ex-presidente francês Nicolas Sarkozy. Convencido de que a Lava Jato era um processo político, não jurídico, Lula impôs ao STF e ao TSE o constrangimento de impedir o líder nas pesquisas de concorrer. "Eles puseram o bode na sala. Vão descobrir que esse bode vai feder e muito", repetia.

Fascinado pela vitória de Jaime Lerner à Prefeitura de Curitiba em 1988, quando ele se lançou candidato faltando 12 dias para o pleito, Lula intencionalmente adiou a sua renúncia para favorecer Fernando Haddad, formalmente seu vice na chapa em 2018. "Quanto mais perto do dia da eleição você assumir a candidatura, maior será a emoção e a transferência de votos", ensinava.

Haddad foi indicado candidato no último dia de prazo legal, faltando 26 dias para o pleito. Foi para o segundo turno, perdeu por quase 11 milhões de votos de diferença, mas o PT elegeu 54 deputados e quatro governadores.

Em uma conversa recente, Lula disse que, se tivesse aceitado a sugestão de vários amigos de se exilar antes da prisão, tanto a sua carreira quanto a do PT teriam acabado.

Lula e o PT vivem numa simbiose. Na definição do cientista político André Singer, no livro "Os Sentidos do Lulismo", os mandatos de 2003 a 2010 foram marcados por um "reformismo fraco", de forte ação estatal na redução da desigualdade social, mas sem atritos com o status quo.

A memória desses anos entre os mais pobres permitiu ao PT sobreviver ao mensalão, à recessão de 2014-16 e à Lava Jato. Quando Lula foi preso, porém, foi ele que precisou do PT. Os aliados de esquerda passaram a articular como seria o pós-Lula. Os da direita renegavam o passado.

A relação de Lula e o PT com a elite política e empresarial se esgarçou no governo Dilma, período que o marketing da campanha ainda não sabe como tratar.

O estremecimento de Lula com o establishment é tão forte que mesmo hoje, quando lidera todas as pesquisas, há menos empresários dispostos a declarar voto no petista que em 2002, quando o PT ainda era temido pelo radicalismo.

É impossível compreender o Lula de 2022 sem a socióloga Rosângela da Silva, a Janja, com quem tem casamento marcado nesta semana. Vinte e um anos mais jovem, Janja é onipresente nas falas de Lula: nos discursos ("vocês têm que saber que um cara que tem 76 anos e está apaixonado só pode fazer o bem para esse país"), nas entrevistas ("estou apaixonado como se fosse minha primeira namorada") ou mesmo nas broncas ("eu podia estar com a Janja e estou aqui"). Ela incorporou questões de raça, gênero e meio ambiente ao discurso lulista.

Janja acompanhou de perto o flerte secreto que desaguou na maior novidade da campanha, o convite para que Geraldo Alckmin fosse candidato a vice do antigo adversário da eleição de 2006. Nos meses de conversas com Alckmin, Lula retomou sua característica mais marcante e menos compreendida na militância petista, a busca do acordo.

Acostumado aos tempos poderosos da Presidência, Lula subestimou a resistência do PT ao convite a Alckmin. Militante petista desde os anos 1980, Janja foi quem mostrou que a chegada de Alckmin precisava ser compensada com um discurso para agradar a esquerda. Por isso, Lula passou as últimas semanas chamando Bolsonaro de "fascista" e defendendo a revisão da reforma trabalhista.

Na biografia política "Lula and His Politics of Cunning" (Lula e sua política de astúcia), John D. French ressalta como a formação sindical foi a espinha dorsal do estilo Lula. O historiador americano argumenta que, como sindicalista sob o AI-5, Lula foi forjado em um ambiente de tensão em que era preciso abrir portas de diálogo com os adversários. Para quem negociou greves com generais, chamar Alckmin de "companheiro" é simples. Como dizia Tancredo Neves, outro líder de uma frente ampla, "ninguém vai ao Rubicão para pescar".

A volta é sempre um risco. Napoleão Bonaparte durou cem dias no seu retorno após fugir da ilha de Elba. Já Winston Churchill, acossado por duas décadas pelo fracasso militar no estreito de Dardanelos, na Primeira Guerra, era o símbolo de perdedor até se tornar primeiro-ministro do Reino Unido em 1940 e enfrentar Adolf Hitler.

No Brasil, Juscelino Kubitschek acreditava que o golpe de 1964 lhe daria a chance de uma nova disputa presidencial, mas nunca voltou ao poder. Leonel Brizola, por sua vez, voltou, mas seu lugar de líder popular foi tomado pelo próprio Lula.

Existe um tom de tragédia grega no retorno de Lula à campanha eleitoral, 16 anos depois de sua última disputa, 12 anos depois de sair consagrado da Presidência, seis anos depois do impeachment e quase três anos depois de sair da cadeia.

Lula volta à política como um Ulisses, que chega irreconhecível à Ítaca depois de anos de guerra e naufrágios. Na "Odisseia" de Homero, o reino estava tomado pelos pretendentes ao trono e à cama da rainha Penélope. Ulisses os derrota porque só ele consegue manejar o velho arco e flecha que deixara ao partir para a Guerra de Troia. Em 2022, Lula tentará provar que ele é o único candidato capaz de dobrar o arco das vontades populares. De novo.

Pesquisa Ipespe: Lula tem 44% das intenções de voto, Bolsonaro, 32% e Ciro Gomes, 8%

Por Matheus de Souza / O ESTADÃO

 

A segunda rodada da pesquisa Ipespe de maio, divulgada nesta sexta-feira, 13, mostra um cenário eleitoral de estabilidade. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) permanece na liderança com os mesmos 44% de intenção de voto na estimulada para o primeiro turno. Jair Bolsonaro (PL) é o segundo, com 32% dos votos, ante 31% no levantamento anterior. Ciro Gomes (PDT) manteve 8% das intenções.

Na sequência, vêm João Doria (PSDB), com 3%, André Janones (Avante), com 2%, e Simone Tebet (MDB), com 1%. Felipe d’Avila (Novo), Luciano Bivar (União Brasil), Vera Lúcia (PSTU) e José Maria Eymael (Democracia Cristã) não pontuaram. Brancos e nulos somam 7%, e 3% não souberam responder.

Nas avaliações de segundo turno, Lula permanece à frente de Bolsonaro, com 54% dos votos contra 35% do atual presidente. “Mas se mantém a tendência de estreitamento da diferença, que passou de 25 pontos em janeiro para 19 pontos agora”, afirma o Ipespe.

A avaliação do governo oscilou positivamente, dentro da margem de erro. Os que avaliam o governo Bolsonaro como “ótimo e bom” foram de 31% para 32%, enquanto a avaliação negativa (“ruim e péssimo”) passou de 52% para 51%. A rejeição a Bolsonaro oscilou de 60% para 59%.

Segundo o levantamento, a temática econômica continua como a mais importante para o eleitor. A inflação é hoje o problema mais relevante para 26% da população, seguido da educação, citado por 24%. Somados, os temas econômicos representam a principal preocupação de 49% da população.

Foram realizadas 1.000 entrevistas, nos dias 9, 10 e 11 de maio. A margem de erro é de 3,2 pontos porcentuais, para mais ou para menos. A pesquisa foi registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob o número BR-02603/2022.

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