O que a esquerda quer?
20 de agosto de 2022 | 03h00
O Estadão tem feito uma série de reportagens sobre as recentes vitórias de partidos de esquerda na América Latina nos últimos anos, mostrando como os resultados para a população estão muito aquém das promessas. Conforme observou o historiador peruano Alvaro Vargas Llosa em entrevista ao jornal, os sucessivos governos de esquerda na América Latina têm falhado na promoção do desenvolvimento social e econômico da região. Agora, depois de quatro anos de autoritarismo populista e disfuncional de Jair Bolsonaro, o Brasil pode voltar a ser governado pela esquerda. A pergunta surge naturalmente: afinal, o que essa esquerda quer?
Se é certo que, com seus devaneios contra as urnas eletrônicas e a Justiça Eleitoral, Jair Bolsonaro uniu diferentes correntes ideológicas na defesa da democracia – o respeito ao resultado das eleições é princípio inegociável –, é também certo que a esquerda brasileira precisa revisar diversas posições para que possa ser qualificada de democrática. Basta pensar que o PT e outros partidos de esquerda, enquanto endossam manifestos em defesa da democracia no Brasil, continuam apoiando regimes ditatoriais como Cuba, Venezuela e Nicarágua.
Não é coerente chamar Jair Bolsonaro de “genocida” e “fascista” e, ao mesmo tempo, não reconhecer as seguidas violações de direitos humanos feitas pelo governo cubano. Não é possível criticar o envolvimento de setores das Forças Armadas na política bolsonarista para logo depois fazer vista grossa à participação expressiva de militares na política venezuelana.
Na preparação dos atos cívicos do dia 11 de agosto passado, muitas vozes, também da esquerda, disseram, com razão, que não era possível ficar em cima do muro na defesa da democracia. Abster-se de apoiar os manifestos em defesa das eleições e do Judiciário era uma tomada de posição: significava negociar com princípios democráticos que são inegociáveis. No entanto, é exatamente isso o que o PT e outros partidos de esquerda vêm fazendo ao longo de décadas quando se trata de atos autoritários e violações de direitos humanos envolvendo governos que são seus amigos. Recusam-se a participar de qualquer manifestação de repúdio, em um perverso negacionismo. Para a esquerda, democracia e direitos humanos têm uma vigência condicionada, a depender das circunstâncias políticas?
A incoerência da esquerda não está restrita ao plano externo. Lula da Silva, por exemplo, nunca pediu desculpas ao eleitor pelo mensalão, sistema criminoso que perverteu a representação democrática. Como o líder petista minimiza ou nega essa compra de votos, fartamente provada, e não reconhece o quão danosa foi para a democracia, é lícito presumir que, num eventual terceiro mandato, talvez não hesite em repetir a dose.
A esquerda também tem o dever de dizer – afinal, estamos numa democracia – se deseja governar com responsabilidade. É preciso dizer quais são os planos concretos para seu eventual governo, algo especialmente necessário tendo em vista que, até agora, o PT nunca se mostrou contrito pelos erros cometidos na condução da política econômica de Lula e de Dilma, erros esses que, até hoje, são sentidos pela população. A proposta é seguir com as mesmas ideias atrasadas, de intervenção populista na economia, ou eles terão um mínimo de piedade com o País?
Afinal, o que a esquerda quer? Não há dúvida de que ela quer o poder. Esquecendo-se de tudo o que falou sobre os governos tucanos em São Paulo, Lula da Silva até colocou Geraldo Alckmin como vice em sua chapa. Mas, no regime democrático, conquistar o poder exige delinear minimamente os planos e projetos, firmando um compromisso efetivo com o eleitor.
Talvez seja este grande receio que a esquerda ainda desperta: um exercício do poder voltado exclusivamente para si, para suas ideias, para seu partido, para os interesses do seu guru. Ora, a democracia requer aceitar a legitimidade dos adversários e das ideias divergentes; requer denunciar ditaduras onde quer que surjam; e requer governar com responsabilidade, pois governos irresponsáveis criam castas de privilegiados e são os algozes dos pobres. Estará o PT pronto para ser verdadeiramente democrático?
Bolsonaro se move
A nova pesquisa Datafolha, realizada no início oficial da campanha eleitoral, mostra mais uma vez na liderança o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com 47% das intenções de voto, seguido pelo atual mandatário, Jair Bolsonaro (PL), que marca 32%.
A principal novidade do levantamento em relação ao anterior, do final de julho, é a redução da distância entre os dois postulantes.
Enquanto Lula se mantém estável, Bolsonaro, que registrava 29%, ganha três pontos percentuais, enquanto a margem de erro da sondagem é de dois pontos para mais ou para menos. Desde maio, a vantagem do petista caiu de 21 para 15 pontos percentuais.
O presidente também vê melhorar a avaliação de seu governo, considerado ótimo ou bom por 30% dos eleitores, a taxa mais alta desde março de 2021, embora permaneça com elevada rejeição (51%).
São movimentos comedidos, mas dignos de nota, considerando-se que a massa exorbitante de recursos públicos mobilizada pelo governo federal para distribuir benesses no período eleitoral apenas começa a chegar aos destinatários —os primeiros pagamentos de novos auxílios e valores ocorreram nos últimos dias.
O presidente pode ainda colher alguns números favoráveis no terreno da economia, em especial quanto à redução das taxas de inflação e desemprego.
Por ora, Lula preserva expressiva vantagem na faixa de renda até dois salários mínimos, de 55% a 23%, e é o preferido entre mulheres, jovens e menos escolarizados.
Já seu oponente cresceu sete pontos percentuais em relação à última pesquisa no segmento que ganha entre dois e cinco mínimos, ultrapassando o petista (41% a 38%), e tem vantagem de 47% a 34% na faixa entre cinco e dez pisos.
Na distribuição regional, Lula é de longe o preferido da região Nordeste (57% a 24%), tem vantagem substancial no Sudeste, maior colégio eleitoral do país (44% a 32%), e está à frente no Sul (43% a 39%). O mandatário surge à frente no Norte (43% a 41%) e no Centro-Oeste (42% a 36%), regiões com peso eleitoral bem mais modesto.
O retrato apresentado pelo Datafolha neste início de campanha revela que o petista continua com chances de vencer no primeiro turno, já que teria, hoje, 51% dos votos válidos. Na hipótese de segundo turno, sairia vitorioso. Faltam contudo mais de 40 dias até a votação.
Resta desejar que a corrida eleitoral deixe de lado aspectos pouco auspiciosos, como a insistência na divulgação de fake news e a exploração apelativa de controvérsias no campo da moral e da religião, e ganhe consistência com o debate de programas de governo e propostas de políticas públicas.
Bolsonaro volta a afirmar que ‘liberdade para nós é algo inegociável’
Por Iander Porcella, Elizabeth Lopes e Natália Santos / O ESTADAO
BRASÍLIA E SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - Em seu primeiro ato de campanha em São Paulo, na cidade de São José dos Campos, no Vale do Paraíba, o presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a dizer que a liberdade é “inegociável” nesta quinta-feira, 18. Embora não tenha citado o Supremo Tribunal Federal (STF) e seus ministros no discurso, o candidato à reeleição costuma repetir frases como essa para criticar inquéritos na Corte que investigam ameaças e a disseminação de informações falsas.
“A liberdade para nós é algo inegociável. Por mais que eu seja atingido, eu renego isso daí, vamos para a liberdade de expressão. Se um dia eu me sentir prejudicado, entro na Justiça, mas jamais cometerei arbitrariedade com quem quer que seja. A nossa liberdade é mais importante que a vida. O homem ou a mulher presos não tem vida”, disse o chefe do Executivo.
Bolsonaro também repetiu que é contra o que chama de “ideologia de gênero” e rechaçou a legalização das drogas, temas da agenda conservadora que une seu eleitorado. Assim como fez em seu primeiro ato oficial da campanha, terça-feira, 16, em Juiz de Fora (MG), Bolsonaro adotou tom religioso em seu discurso. O candidato disse que “deu a vida” a Deus e que, em contrapartida, teria recebido a “missão” de ser presidente da República.
O discurso de Bolsonaro foi feito durante visita ao Parque Tecnológico, em São José dos Campos. Ele também participou de uma motociata. O candidato de Bolsonaro ao governo de São Paulo é o ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos), cujo vice é o ex-prefeito da cidade Felício Ramuth (PSD).
Bolsonaro também afirmou que sua gestão vem fazendo um bom trabalho na área econômica. “Sou o técnico de futebol que escalou esse time”, disse ao lado de Tarcísio de Freitas e do também ex-ministro Marcos Pontes (PL), hoje candidato ao Senado. “A taxa de desemprego cai para 8% no mês que vem, os números da economia não mentem” disse ele, comparando os índices econômicos o País com os do Chile, Argentina, Colômbia e Venezuela. “Lá, mesmo com toda riqueza (natural) as pessoas estão passando fome”, emendou.
TSE informa tempo dos candidatos à Presidência no horário eleitoral
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgou hoje (18) a proposta de distribuição de tempo no horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão para os candidatos à Presidência da República. A propaganda começa no dia 26 deste mês e vai até 29 de setembro.
A minuta de resolução foi apresentada durante audiência pública promovida pelo TSE e ainda poderá ser contestada pelos partidos. O texto final será julgado na terça-feira (23). O tempo é calculado conforme a representatividade dos partidos políticos na Câmara dos Deputados.
Conforme o cálculo, a distribuição do tempo diário dos candidatos nos blocos de propaganda ficou estabelecida assim:
Luiz Inácio Lula da Silva (3 minutos e 39 segundos) - Coligação Coligação Brasil da Esperança, formada pela Federação Brasil da Esperança (PT, PCdoB, PV), Federação PSOL/Rede, Solidariedade, PSB, AGIR, Avante e Pros
Jair Bolsonaro (2 minutos e 38 segundos) - Coligação Pelo Bem do Brasil (PL, PP e Republicanos);
Simone Tebet (2 minutos e 20 segundos) - Coligação Brasil para Todos (MDB e Federação PSDB-Cidadania e o Podemos);
Soraya Thronicke (2 minutos e 10 segundos) - União Brasil
Ciro Gomes (52 segundos) - PDT
Roberto Jefferson (25 segundos) - PTB
Felipe D’Avila (22 segundos ) - Novo
Os candidatos ainda terão à disposição as inserções de propaganda durante a programação das emissoras.
Eymael (DC), Léo Péricles (UP), Vera Lúcia (PSTU) e Sofia Manzano (PCB), que não atingiram os requisitos mínimos, não terão acesso ao horário eleitoral. Pela cláusula de barreira, para isso, é preciso que as legendas tenham obtido 1,5% dos votos válidos na última eleição em um terço dos estados, ou nove deputados eleitos distribuídos por um terço do território nacional.
Pablo Marçal (Pros) não entrou na contagem. Sob nova direção, a legenda revogou a candidatura dele.
Ordem de apresentação
No dia 26 de agosto, primeiro dia do horário eleitoral, a ordem de apresentação dos candidatos à Presidência da República será a seguinte: Roberto Jefferson, Soraya Thronicke, Felipe D'Avila, Lula, Simone Tebet, Bolsonaro e Ciro Gomes.
O primeiro turno será realizado no dia 2 de outubro, quando os eleitores vão às urnas para eleger o presidente da República, governadores, senadores, deputados federais, estaduais e distritais.
Caso haja segundo turno para a disputa presidencial e para governos estaduais, a votaçao será em 30 de outubro.
Edição: Nádia Franco / AGÊNCIA BRASIL
Lula critica Bolsonaro por falta de correção do IR, mas defasagem da tabela cresceu 23% com PT
Por João Scheller / O ESTADÃO
Apesar das críticas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao presidente Jair Bolsonaro (PL), por não ter corrigido a tabela do Imposto de Renda, as atualizações feitas durante as gestões petistas não foram suficientes para repor perdas inflacionárias. Bolsonaro havia prometido ajustar as faixas de tributação, mas não fez nenhuma revisão no mandato. Em redes sociais e entrevistas, Lula tem anunciado correções anuais, além da elevação da faixa de isenção a até “por volta de” R$ 5 mil por mês.
No acumulado, desde 1996, quando foi iniciado o atual formato de cobrança do IR, a desatualização está em 147,3%, segundo compilação feita pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (Sindifisco). Em três anos e meio de mandato, a defasagem de 26% sob a gestão Bolsonaro, até junho deste ano, é recorde.
“Quando eu era presidente, reajustei várias vezes a tabela do Imposto de Renda. Bolsonaro prometeu e não fez”, escreveu Lula, no Twitter. No início de agosto, Bolsonaro havia afirmado que uma correção já estava acertada com o ministro da Economia, Paulo Guedes, para o próximo ano, apesar de não mencionar valores.
As gestões petistas, embora tenham feito mais ajustes na tabela do IR, não foram capazes de impedir os efeitos da inflação sobre os rendimentos do contribuinte. Ao fim dos mandatos de Lula e Dilma Rousseff, após 13 anos de governos, a defasagem acumulada foi de 23% em comparação ao último ano do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). De 1996 a 2015, as perdas chegaram a 72,1%.
Tema recorrente em campanhas eleitorais para a Presidência, a falta de correção das faixas salariais afeta diretamente o contribuinte, que passa a pagar mais impostos, enquanto vê o valor real da renda diminuir. Há uma questão de contas públicas por trás do debate do IR: sem a atualização, o governo eleva a arrecadação sem a necessidade de aumentar diretamente tributos, uma vez que uma quantidade maior de contribuintes é taxada de um ano para o outro.