Ibama vê novas falhas em estudo de Belo Monte e deve manter liberação máxima de água
03 de fevereiro de 2021 | 17h48
BRASÍLIA - A equipe técnica do Ibama que analisa os danos causados pela retenção de água na hidrelétrica de Belo Monte rejeitou um “estudo complementar” apresentado pela concessionária Norte Energia, dona da usina, e deve manter a determinação para que a companhia faça a liberação máxima de água no rio Xingu, ao longo da próxima semana.
Na prática, a Norte Energia deverá ser obrigada a liberar, entre os dias 8 e 14 de fevereiro, o mesmo volume de água que tem vertido nesta semana: 10.900 metros cúbicos de água por segundo, conforme prevê o cronograma provisório estabelecido pelo Ibama. A empresa, que contou com intervenção direta do Ministério de Minas e Energia (MME), de toda a cúpula do setor elétrico e do Ministério da Economia para derrubar a decisão do órgão ambiental, queria que essa vazão se limitasse a 1.600 m³ por segundo ao longo de fevereiro.
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O Estadão teve acesso a um parecer técnico do Ibama concluído nesta segunda-feira, 1º, o qual analisa, ponto a ponto, os estudos complementares apresentados no fim do ano passado pela Norte Energia, com o propósito detalhar a situação causada pela hidrelétrica em um trecho de 130 quilômetros de extensão do Rio Xingu, a chamada Volta Grande do Xingu. O trecho do rio tenta sobreviver desde que a usina fechou seu reservatório principal e passou a liberar um volume ínfimo de água, quando comparado às condições naturais do rio.
Após analisar cada informação enviada pela concessionária, os técnicos concluem que “o estudo continua falho, sem dar condições ao Ibama de obter respostas razoáveis e seguras em colaboração ao processo de tomada de decisão sobre a viabilidade do hidrograma de teste” da usina, ou seja, não há como comprovar qualquer viabilidade do que a empresa propõe, dado que dezenas de outros estudos já comprovaram os danos causados ao meio ambiente em toda a região e às milhares de pessoas que vivem na área.
“O que se observou de maneira geral foi que o denominado estudo complementar esteve mais amarrado ao processo comparativo entre resultados recentes com aqueles do EIA (Estudo de Impacto Ambiental) com fins nítidos de referendar resultados pretéritos, que buscar independência e isonomia técnica”, afirma o Ibama. “Se gastou mais tempo em explicar o EIA que gerar uma base de dados mais segura e mais bem explorada, capaz de eliminar as fragilidades das informações.”
O órgão ambiental também faz uma crítica direta ao que a Norte Energia definiu como “hidrograma de consenso”, para deixar claro que não existe nenhum “consenso”, uma vez que foi a própria empresa que estabeleceu as programações mensais de liberação de água que iria fazer. A operação da usina se baseia em duas propostas anuais de vazão, usadas de forma alternada, os chamados “hidrogramas A e B”, que preveem vazões em quantidades distintas durante alguns meses. Ocorre que nenhuma das duas opções já aplicadas pela empresa têm mantido condições mínimas de vida na região.
“Consideradas as evidências documentais de que os Hidrogramas A e B NÃO foram oriundos de discussão técnicas envolvendo o Ibama, mas de uma decisão unilateral por parte do empreendedor, este parecer se restringe a referir aos mesmos como hidrogramas de teste, e não de consenso”, afirmam os técnicos.
Em sua conclusão, o órgão ambiental alerta que “as condições de degradação ambiental podem piorar com a implementação definitiva das vazões alternadas do hidrograma de teste” e que, por isso, o “parecer não considera adequada a abordagem dada pelo relatório técnico, sugerindo sua devolução e readequação”.
O Ministério de Minas e Energia e membros do setor elétrico alegam que, ao liberar mais água para o rio, haverá uma redução no volume de energia que estava previsto pela casa de força principal de Belo Monte. Com essa frustração de geração, é preciso comprar essa energia de outras fontes, como usinas térmicas, que são mais caras e poluentes. O custo dessa aquisição, considerando apenas as vazões determinadas para janeiro e fevereiro, chegariam a cerca de R$ 1,3 bilhão, pelos cálculos da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A fatura deve ser dividida entre todos os consumidores na conta de luz.
Procurados, a Norte Energia e o Ministério de Minas e Energia não quiseram se manifestar sobre a decisão do Ibama em manter a vazão do Xingu em seu nível máximo, como previsto no hidrograma provisório elaborado pelo órgão.
Especialistas
O Ministério Público Federal também solicitou uma análise técnica aprofundada dos estudos complementares apresentados pela Norte Energia. O pedido foi feito pela procuradora da República em Altamira (PA) Thais Santi, para elaboração de uma “avaliação técnica independente das informações prestadas pela concessionária”.
As conclusões deste segundo parecer técnico confirmam o posicionamento dos analistas do Ibama. Entre os apontamentos do relatório está o alto risco de extinção de espécies que dependem do pulso natural do rio e suas áreas alagáveis. “O alagamento permanente causa a mortalidade em massa da vegetação, que não têm mais fases terrestres disponíveis. Sendo assim, a degradação gradual dos ambientes alagáveis na Volta Grande tornará ainda mais grave a perda de conectividade para a fauna especialista em ambientes alagáveis”, afirmam.
Os especialistas alertam ainda que “oscilações abruptas e irregulares/imprevisíveis na descarga/vazão, e consequentemente na cota, significam uma ameaça e a possibilidade de que os animais aquáticos fiquem presos em poças, lagoas e canais”. Dessa forma, avaliam, “a tendência é que os animais abandonem as áreas alagáveis e se abriguem nos canais de onde vieram, interrompendo sua alimentação e, mais grave ainda, os ciclos reprodutivos”. “Estas oscilações muito possivelmente irão impedir o recrutamento populacional da maioria dos peixes que se reproduzem durante o inverno amazônico (período de chuvas) nas áreas inundáveis.”
O material é assinado por 12 especialistas, entre eles André Oliveira Sawakuchi, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, especialista em Sedimentologia, Geologia do Quaternário e mudanças ambientais na Amazônia e sua relação com a biodiversidade; Camila Ribas, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, especialista em biogeografia e evolução da biodiversidade na Amazônia; Eder Mileno Silva De Paula, da Universidade Federal do Pará, especialista em Geografia Física, Hidrogeografia, Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto; e Jansen Zuanon, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, especialista em ecologia de peixes amazônicos.
A definição sobre o volume de água obedece a uma programação mensal, que varia fortemente conforme a época do ano, por causa dos meses de cheia e de seca. Neste mês de janeiro, por exemplo, a Norte Energia queria liberar apenas 1.100 metros cúbicos de água por segundo para a Volta Grande, conforme previsto em seu próprio hidrograma. O Ibama, porém, determinou que a concessionária fizesse a liberação de 3.100 m³/s.
Para fevereiro, a empresa pretendia liberar apenas 1.600 m³/s, mas o Ibama cobrou que esse volume chegue a 10.900 metros cúbicos, quase sete vezes o pretendido pela concessionária.
O que Bolsonaro quer do Congresso: da venda da Eletrobrás ao acesso mais fácil a armas
03 de fevereiro de 2021 | 13h14
BRASÍLIA – Após se empenhar na eleição de aliados nos comandos da Câmara e do Senado, o presidente Jair Bolsonaro apresentou uma lista de 35 propostas para que o Congresso priorize no retorno aos trabalhos. Na relação, entregue nesta quarta-feira, 3, ao deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) e ao senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), estão desde propostas para a retomada da economia, como a privatização da Eletrobrás, a pautas de costumes, como o projeto que criminaliza o infanticídio indígena, o que flexibiliza a porte de armas e o que prevê a liberação do ensino de crianças em casa, o chamado homeschooling.
A relação à qual o Estadão/Broadcast teve acesso divide as propostas em temas: "retomada de investimento", "fiscal", "costumes" e "outras pautas". A lista foi elaborada pela Secretaria do Governo, comandada pelo ministro Luiz Eduardo Ramos.
Como mostrou o Estadão, foi no gabinete do general, no quarto andar do Palácio do Planalto, que parlamentares negociaram emendas e cargos enquanto discutiam a eleição no Congresso. Bolsonaro nunca escondeu que sua intenção era interferir na pauta de votações. "Vamos, se Deus quiser, participar e influir na presidência da Câmara", disse o presidente no dia 27, dias antes de Lira, seu aliado, ser eleito para o cargo.
Na Câmara, o governo quer prioridade para a reforma tributária, a privatização da Eletrobrás, o marco legal de câmbio e a mineração em terras indígenas. O documento traz ainda como "tópico de relevância" a aprovação do Orçamento até março, "para que o governo consiga honrar seus compromissos".
Para a pauta de costumes, Bolsonaro incluiu projetos que tratam de armas, sobre Garantia da Lei e da Ordem (GLO), aumento de pena para abuso sexual em menores, o documento único de transporte, a classificação de crime hediondo para pedofilia e homeschooling.
Na lista do governo há também a reforma administrativa, que deverá começar a tramitar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, a ser presidida pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), aliado do Planalto.
Pela manhã, Lira e Pacheco estiveram no Palácio do Planalto e entregaram um documento no qual se comprometem com a votação de reformas econômicas, medidas para facilitar a compra de vacinas e defendem uma alternativa ao "auxílio-emergencial". A lista do governo, no entanto, não cita o benefício pago durante a pandemia entre as prioridades.
Nos compromissos assumidos pelos dois parlamentares, por sua vez, não há qualquer menção à pauta de costumes. Durante a campanha, tanto Lira quanto Pacheco foram evasivos ao serem questionados sobre o tema e condicionaram a votação destas propostas ao apoio da maioria dos parlamentares. "Essas pautas invocadas pelo presidente da República são pautas de senadores. E todos têm direito de verem apreciadas suas pautas. Não haverá uma imposição da minha parte sobre o que deve ser pautado", disse Pacheco em entrevista ao Estadão em 21 de janeiro.
Armas, índios e homeschooling
Na lista de projetos de lei prioritários para o governo está o PL do Porte de Armas (3723/19), que foi apresentado ao Congresso pelo governo, e estabelece medidas para que pessoas comuns tenham direito de andarem armadas, ou seja, libera a concessão de porte de armas para cidadãos, e não apenas as categorias profissionais já previstas no Estatuto do Desarmamento.
O argumento do governo é que o projeto “visa aprimorar a legislação às necessidades e ao direito dos cidadãos que pretendem e estejam habilitados a possuir ou portar arma de fogo para garantir a sua legítima defesa, de seus familiares, de sua propriedade e de terceiros”.
Hoje, o porte é permitido apenas para categorias incluídas no estatuto, como militares, policiais e guardas prisionais. Basicamente, o PL passa a permitir que as pessoas circulem armadas, dentro dos limites das propriedades que possuam, seja residência ou empresa.
O PL considera “o interior da residência ou domicílio a extensão da área particular do imóvel, edificada ou não, em que reside o titular do registro da arma, inclusive quando se tratar de imóvel rural”. O mesmo é válido para o local de trabalho e toda a extensão da área particular de seu imóvel, "edificada ou não”.
O texto também passa a permitir o porte de arma de fogo aos caçadores e colecionadores registrados junto ao Comando do Exército e a outras categorias a serem previstas em regulamento.
Outro projeto polêmico que Bolsonaro quer ver aprovado altera o Estatuto do Índio para criminalizar práticas de infanticídio. O PL 119, de 2015, é defendido há anos pela ministra Damares Alves, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, sob o argumento de que é preciso combater “práticas tradicionais nocivas” em sociedades indígenas. O tema já gerou uma série de controvérsias e foi criticado pela Comissão de Direitos Humanos (CDH).
A crítica é que a legislação nacional já tem leis para julgar e punir qualquer cidadão em casos de infanticídio e maus-tratos de crianças. Na visão de especialistas no tema, a mudança, portanto, apenas serviria para estigmatizar e discriminar um grupo populacional, no caso, os índios. Defensores do projeto, porém, afirmam que é preciso combater “práticas tradicionais” que desrespeitam direitos fundamentais dos indivíduos, como mutilações e infanticídio, que seria praticado e algumas situações, quando a criança nasce com deficiência, por exemplo.
Ainda na esfera indígena, o governo quer aprovar o projeto que autoriza a mineração em terras indígenas, hoje proibida por lei. Pelo texto do PL 191/2020, as terras indígenas poderão ser licenciadas para todo tipo de exploração mineral, inclusive garimpo.
O PL da educação domiciliar, ou homeschooling, foi enviado por Bolsonaro ao Congresso em abril de 2019, mas desde então não avanços. A medida faz parte das prioridades dos cem dias de governo e é defendido pelo guru bolsonarista Olavo de Carvalho. A medida libera que pais eduquem seus filhos em casa, sem precisar, necessariamente, comparecer a uma escola. A pauta é controversa e, em 2018, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que os pais não poderiam tirar os filhos da escola para ensiná-los exclusivamente em casa. A justificativa, na ocasião, foi justamente a ausência de uma legislação.
Reformas
A lista de Bolsonaro também pede a aprovação das reformas tributária e administrativa. Hoje, há três propostas de reforma tributária com mais chances. A da Câmara prevê a fusão de IPI, PIS, Cofins (federais), ICMS (estadual), ISS (municipal). Já a do Senado, IPI, PIS, Cofins, IOF, CSLL, Cide, Salário Educação (federais); ICMS (estadual); ISS (municipal). Única parte que foi entregue pela equipe econômica ao Congresso, a proposta do Congresso propõe unir PIS/Cofins em um novo imposto, chamado de Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS).
Já a reforma administrativa, entregue pelo governo em setembro do ano passado, muda as regras para contratar, promover e demitir os servidores. Ficaram de fora do alcance da maior parte das mudanças os servidores atuais e os chamados membros de outros Poderes (juízes, promotores, desembargadores, por exemplo).
O governo também pediu apoio à discussão do pacotão batizado de “Plano Mais Brasil”, enviado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em novembro de 2019.
Uma das propostas é o chamado pacto federativo, que revê as regras fiscais e injeta recursos nos Estados e municípios. O pacote também inclui uma PEC emergencial para abrir R$ 28 bilhões no Orçamento em dois anos e R$ 50 bilhões em uma década, e outra para tirar o carimbo de R$ 220 bilhões em recursos hoje parados em fundos do governo.
Confira a lista de prioridades do governo:
JÁ APROVADOS NA CÂMARA E EM TRAMITAÇÃO NO SENADO
- PL 7843/2017 - eficiência administrativa
Institui a Lei de Eficiência Pública. Objetivo é criar regras e instrumentos para melhorar a eficiência dos serviços dos órgãos públicos da União, dos Estados e municípios, além de autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia.
- PL 5191/2020 - Fiagro
Institui os Fundos de Investimento para o Setor Agropecuário (Fiagro)
- PL 4.199/2020 - cabotagem
Institui o Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem - BR do Mar.
- PL 146/2019 - startups
Institui o Marco Legal das Startups e do empreendedorismo inovador.
JÁ APROVADOS NO SENADO E EM TRAMITAÇÃO NA CÂMARA
- PL 6726 - teto remuneratório
Regula o teto remuneratório a fim de evitar no funcionalismo público os recebimentos acima do teto constitucional.
- PL 3515/2015 - superendividamento
Disciplina o crédito ao consumidor e dispõe sobre a prevenção e o tratamento de casos de superendividamento.
- PLP 19/2019 - Banco Central
Define os objetivos do Banco Central, estabelece sua autonomia operacional e dispõe sobre a nomeação e demissão de seu presidente e diretores, que passarão a ter mandatos fixos, não coincidentes com o do presidente da República.
PROPOSTAS NO SENADO
Retomada dos investimentos
- PL 3178 /2019 - Petróleo
Garante ao Conselho Nacional de Política Energética, assessorado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, a decisão sobre qual é o melhor regime jurídico de exploração e produção de petróleo e gás natural a ser adotado nos leilões do pré-sal.
- PL 232/16 - Setor elétrico
Prevê alterações e a modernização do modelo comercial do setor elétrico, na portabilidade da conta de luz e nas concessões de geração de energia elétrica.
- PL 261/2018 - Ferrovias
Prevê a exploração indireta, pela União, do transporte ferroviário em infraestruturas de propriedade privada e autoriza a autorregulação ferroviária.
Pauta fiscal
- PEC 186/2019 - PEC emergencial
Prevê medidas permanentes e emergenciais de controle do crescimento das despesas obrigatórias e de reequilíbrio fiscal.
- PEC 187/2019 - PEC dos Fundos
Prevê a extinção dos 248 fundos obrigatórios, que arrecadam recursos para diversos destinos “carimbados”. Abre espaço para ampliar em cerca de R$ 32 bilhões as despesas fora do teto de gastos.
- PEC 188/2019 - Pacto Federativo
Regulamenta o acionamento automático de gatilhos (medidas de contenção de despesas) para União, Estados e municípios e propõe o chamado “DDD”: desvincular (retirar os “carimbos”), desindexar (remover a necessidade de conceder automaticamente reajustes) e desobrigar o pagamento de parte de despesas no Orçamento.
- PLP 137 - Uso dos fundos públicos para pandemia
Cria uma fonte de recursos para o enfrentamento de calamidade pública nacional decorrente da pandemia.
Pauta de costumes
- PL 3723/2019 - Armas
Amplia as regras para registro, posse e comercialização de armas. Libera a concessão de porte de armas para cidadãos, e não apenas para as categorias profissionais já previstas no Estatuto do Desarmamento.
- PLS 216/2017 - Lei de Drogas
Altera a Lei de Drogas, para prever que é crime corromper menor de 18 anos, “com ele praticando infração relacionada ao tráfico de drogas ou o induzindo a praticá-la”.
- PLC 119/2015 - Estatuto do Índio
Altera o Estatuto do Índio para criminalizar práticas de infanticídio.
Outras pautas
- PLC 8/2013 - Pedágio
Concede isenção de pagamento de pedágio aos que têm residência permanente ou exerçam atividades profissionais permanentes no município em que se localiza praça de cobrança de pedágio.
PROPOSTAS NA CÂMARA
Retomada de investimentos
- PEC 45/2019 (Câmara) e PEC 110/2019 - reforma tributária
Prevê alterações no sistema tributário – estabelece uma reforma tributária, para extinguir tributos e criar o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS).
- PL 2646/20 - Lei das Debêntures
Cria um novo instrumento financeiro, chamado de debêntures de infraestrutura, para financiar projetos nas áreas de infraestrutura e de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
- PL 5877/2019 - Eletrobras
Viabiliza a privatização da Eletrobras, estatal responsável por 1/3 da produção de energia elétrica do País. A empresa é vinculada ao Ministério de Minas e Energia.
- PL 5387/2019 - Mercado de câmbio
Muda regras cambiais, abrindo espaço para instituições financeiras e bancos brasileiros investirem no exterior recursos captados no País ou no exterior, além de facilitar o uso da moeda brasileira em transações internacionais.
- PL 191/2020 - Mineração em terras indígenas
Estabelece condições específicas para a realização de pesquisa de recursos minerais e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas.
Pauta de costumes
- PL 6438/2019 - Armas
Autoriza o porte de armas para diversas categorias: guardas municipais; agentes socioeducativos; polícia penal; auditores agropecuários; peritos criminais; agentes de trânsito; oficiais de justiça; agentes de fiscalização ambiental; defensores e advogados públicos.
- PL 236/2019 - Garantia da Lei e da Ordem (GLO)
Elenca as situações em que o militar, em operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), será isentado de punição.
- PL 3780/2020 - abuso de menores
Endurece medidas contra o abuso sexual praticado por ministros de confissões religiosas, profissionais das áreas de saúde ou de educação e por quaisquer pessoas que se beneficiem da confiança da vítima ou de seus familiares para praticar tais crimes, quando a vítima for menor de 18 anos ou incapaz.
- PL 6093/2019 - documento único de transporte
Cria o Documento Eletrônico de Transporte (DT-e), válido como instrumento único de contrato de serviço de transporte em todo o território nacional.
- PL 1776/2015 - pedofilia
Inclui crimes de pedofilia no rol de crimes hediondos.
- PL 2401 - homeschooling
Prevê o exercício do direito à educação domiciliar.
Outras propostas
- PEC 32/2020 - reforma administrativa
Altera dispositivos sobre servidores e empregados públicos e modifica a organização da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios.
- PEC 3729/2004 - licenciamento ambiental
Para a instalação de obra, empreendimento ou atividade potencialmente causadora de degradação do meio ambiente, será exigido Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), com ampla publicidade.
- PL 5518/2020 - concessões florestais
Prevê maior celeridade no processo licitatório, flexibilidade nos contratos de concessões florestais.
- PL 2633/2020 - regularização fundiária
Estabelece critérios para a regularização fundiária de imóveis da União, incluindo assentamentos. As regras são restritas a áreas ocupadas até julho de 2008.
Após ser chamado de genocida pela oposição, Bolsonaro diz: ‘nos encontramos em 2022’
03 de fevereiro de 2021 | 17h36
BRASÍLIA – A sessão de abertura do ano legislativo no Congresso Nacional começou com provocações entre o presidente Jair Bolsonaro e a oposição. Parlamentares contrários ao governo soltaram gritos de "genocida" e "fascista" quando o chefe do Planalto foi chamado para fazer um discurso na cerimônia.
Após os gritos, parlamentares da base gritaram "mito" para o presidente. Bolsonaro, por sua vez, fez uma provação: "Nos encontramos em 2022", afirmou, em referência ao período das próximas eleições presidenciais. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), eleito no cargo com apoio do Planalto, tentou acalmar os ânimos do plenário e pediu respeito.
"Não é simplesmente tolerar as divergências, é ter amor às divergências", afirmou Pacheco, fazendo um apelo por pacificação no novo ano legislativo. Ao lado estava o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também apoiado por Bolsonaro. "Vamos dar uma oportunidade à pacificação deste país. Uma delas é que, respeitando a manifestação de pensamento, possamos respeitar as instituições deste país. Vamos dar mais uma oportunidade para que possamos iniciar uma nova fase de consenso, de respeito à divergência."
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, e o procurador-geral da Justiça, Augusto Aras, também estavam na cerimônia.
Juiz determina nova rodada de auxílio emergencial no Amazonas
03 de fevereiro de 2021 | 17h41
BRASÍLIA - Diante do caos no sistema de Saúde do Amazonas com o crescimento vertiginoso dos contágios e das mortes causadas pela pandemia de covid-19, a Justiça Federal no Estado determinou há pouco que o governo federal retome o pagamento do auxílio emergencial aos amazonenses, com duas novas parcelas mensais de R$ 300.
A decisão da 3ª Vara Federal Cível em Manaus determina que a União restabeleça os pagamentos em até 15 dias, sob pena de uma multa diária de R$ 100 mil por até 30 dias (total de R$ 3 milhões). As duas parcelas deverão ser pagas às pessoas que já recebiam o auxílio emergencial em 2020, sem a necessidade de novo requerimento por parte dos beneficiários.
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Procurado pela reportagem, o Ministério da Economia não comentou a decisão.
Ao determinar a retomada dos pagamentos do benefício, o juiz federal Ricardo Augusto de Sales citou o volume de desonerações tributárias no âmbito federal e as despesas da União com a compra de alimentos no ano passado para criticar os argumentos da equipe econômica de que não haveria recursos para a extensão do auxílio emergencial.
“Atente-se que apenas com a aquisição desses itens não essenciais (biscoitos, sucos, refrigerantes e sorvetes) foram gastos R$ 148,171 milhões, valor suficiente para o pagamento de 493.905 benefícios de auxílio emergencial no valor individual de trezentos reais”, destacou o juiz. “Vê-se a União despendendo quase R$ 150 milhões para adquirir produtos não essenciais e cujo interesse público é, no mínimo, questionável”, completou Salles.
Como mostrou o Estadão, o pedido por novos pagamentos do auxílio emergencial no Amazonas partiu da Defensoria Pública da União (DPU) em Manaus, há duas semanas. Mais da metade da população do Estado - 56,8% dos domicílios - recebia o auxílio emergencial no ano passado.
O benefício pago a desempregados, trabalhadores informais e inscritos em programas sociais foi formalmente encerrado em 31 de dezembro, mas a defensoria alegou que o colapso do sistema de Saúde no Amazonas forçou o governo estadual a adotar medidas mais duras de isolamento social. A DPU/AM citou inclusive o toque de recolher determinado pelo governo estadual no dia 14 de janeiro, após a crise da falta de oxigênio nos hospitais amazonenses, além da suspensão de todas as atividades não essenciais nos 62 municípios amazonenses.
“Ora, é público e notório que as circunstâncias que impuseram a prorrogação do pagamento do auxílio emergencial em setembro de 2020, não apenas continuam presentes na realidade da população amazonense, mas se agravaram diante do colapso do sistema público e privado de saúde e com a adoção pelo Governo Estadual de medidas ainda mais restritivas que impõem o isolamento e impede grande parte da população sair às ruas”, concordou o juiz.
Sales é o mesmo juiz que atendeu a outro pedido da DPU/AM em janeiro, ao determinar o adiamento das provas do Enem no Amazonas para os dias 23 e 24 de fevereiro. A decisão inclusive foi citada na ação que pediu a retomada do auxílio emergencial no Estado.
'O mundo político funciona no modo crise', diz Murillo de Aragão
03 de fevereiro de 2021 | 05h00
O período por que passa hoje o Brasil, com idas, vindas e incertezas no trato da pandemia, pode ser entendido como uma espécie de “terceira guerra mundial”, concorda o cientista político, consultor e advogado Murillo de Aragão*, da Arko Advice. “O País nunca enfrentou um desafio dessa magnitude”, que “não afeta apenas a saúde, mas também o comércio, o entretenimento, a educação, os hábitos da sociedade”. Mas o pano de fundo, adverte, é “um mundo político que funciona no modo crise”: só quando a coisa fica muito grave, é que se consegue um consenso e uma saída.
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Aragão segue de perto esse circo de acertos e conchavos há cerca de 30 anos, como consultor de bancos e empresas, em contato frequente com a área de investimentos, aqui e no exterior, além de atuar como palestrante. Sobre a vitória política do presidente Jair Bolsonaro, anteontem, com a eleição de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco como presidentes de Câmara e Senado, ele pondera, nesta entrevista para Cenários: “Não significa que a coordenação política esteja feita, ela está só começando. E vai ser afetada pela reforma ministerial que vem por aí.” A seguir, vão os principais trechos da conversa.
A Câmara acaba de eleger, como presidente, Arthur Lira, preferido de Bolsonaro. Como vê essa mudança?
O Arthur Lira venceu pela força do governo e também pelo poder de articulação dele, do Ricardo Barros e do Ciro Nogueira dentro do Congresso. É um conforto para o governo, e também para as agendas da equipe econômica. Mas isso não significa que a coordenação política do governo está feita. Ela está apenas começando.
E em que consiste essa nova coordenação? O que vai mudar?
É uma nova etapa, onde a presença de um aliado dará ao presidente a tranquilidade para enfrentar os ataques políticos que o governo vem sofrendo no caso da pandemia. Mas essa tranquilidade terá de ser mantida e reforçada por uma coordenação eficiente. E esta vai ser afetada pela reforma ministerial que deve ocorrer em breve.
E no médio e longo prazo? Como vê as eleições de 2022?
Considerando a máquina pública e a popularidade do presidente, ele é um forte candidato a estar no segundo turno. E até agora não temos uma candidatura forte no outro campo. Aí, existem desafios, e o maior desafio de Bolsonaro é ele mesmo. Porque existe uma narrativa antipolítica e, agora, ele se volta para o mundo político. Mas há outros dois problemas intimamente ligados – a pandemia e a economia.
Como vê a politização da pandemia, a briga entre governos e vacinas?
Olha, na área científica existe uma vaidade enorme... Eu tenho uma passagem pela academia, onde fiz meu doutorado, dou aula, e conheço o universo científico, onde há muita competição. E tem a questão geopolítica da vacina. Podemos fazer um paralelo com a guerra: quem tiver a vacina terá uma arma mais moderna...
Pode-se encarar o atual desafio como uma espécie de terceira guerra mundial, contra um inimigo invisível?
Sim, é como eu vejo. Olha, um ano atrás postei na minha coluna na (revista) Veja um alerta sobre a pandemia, e tudo o que eu mencionei lá atrás mais ou menos se realizou. O País nunca enfrentou um problema dessa magnitude. Ela afeta a todos no Planeta, igualmente. E mais: não afeta apenas a saúde. Afeta os hábitos da sociedade, o comércio, o entretenimento. No livro Ano Zero, que escrevi no ano passado, comparei alguns efeitos da guerra na sociedade. Por exemplo, o número de abortos na Alemanha foi gigantesco, depois da Grande Guerra. Nos Estados Unidos, depois do crash de 1929, famílias foram destruídas, centenas de milhares de pessoas vagavam pelo país como vagabundos... A pandemia pode ter esse mesmo efeito.
Como isso poderia ser resolvido?
O Brasil é um País que funciona no modo crise. Quando a situação piora muito, aí se chega a um consenso. A gente vai marchando entre conchavos e acertos, veja aí a eleição de agora na Câmara e no Senado. Partidos têm um pé no governo e outro fora do governo, a ambiguidade é parte do sistema. Só haveria união se a situação piorasse muito.
O ministro Paulo Guedes condicionou a volta do auxílio emergencial a um corte de custos que depende do Congresso. Acha isso possível?
Essa questão tem uma complexidade e uma simplicidade enorme. Vou falar da simplicidade. O Estado aqui é mais forte que a sociedade e o aumento da despesa acaba sendo financiado pelo aumento da arrecadação. Alguém dirá que o teto de gastos cria limites. Mas se a pandemia se tornar mais dramática, ele será flexibilizado, talvez por uma PEC, e acaba caindo na conta do cidadão. Num imposto sobre transações digitais, uma CPMF, uma contribuição social sobre lucro dos bancos, um Bolsa Família vindo de outras fontes.
Acha possível a união de forças políticas se a pandemia se agravar ainda mais? Acredita num impeachment?
A única razão que me pareceria capaz de unir as forças políticas seria para derrubar o presidente. Mas não vejo nada disso acontecendo. Porque o impeachment tem uma forma. Na Arko Advice a gente fez uma fórmula que foi aplicada no caso Collor, lá de 1992. Você tem de avaliar três fatores. O primeiro é o motivo, e esse é o que menos importa. Segundo, e este importa bastante, é a popularidade. Presidente popular segura um impeachment. Bolsonaro tem hoje popularidade (somando ótima, boa e regular) acima dos 50% e militância muito aguerrida.
Ele é um político que tem estratégia?
Eu o vejo mais tático do que estratégico. Bolsonaro foi competente ao criar sua candidatura, num momento de descrédito do centro político e da esquerda. Criou uma estratégia para se eleger, mas no governo ele não tem estratégia. O governo foi montado, desmontado, e aí chegou a pandemia. O hiperpresidencialismo deixou de existir e Bolsonaro aprendeu isso na marra. Quando diz “eu não consigo fazer nada, a Justiça não deixa fazer”, é verdade. E isso é o que protege a nossa democracia – e talvez paralise alguns dos nossos avanços.
Muito se fala num poder exacerbado do STF. Isso é bom para a democracia?
O Judiciário foi por muito tempo um Poder opaco, quase chapa branca. De certo modo, continua sendo. Mas o que tivemos desde o mensalão em 2005, com Joaquim Barbosa, foi um crescente protagonismo do Judiciário. O STF virou tribunal recursal da política, toda polêmica termina lá.
Fala-se a toda hora em governo de esquerda, de direita. Diria que o atual governo é de direita?
Às vezes, o governo é politicamente de direita e economicamente de esquerda.. O atual é politicamente de direita, sim, e economicamente liberal, mas não deixa de ter traços do tenentismo, surgido nos anos 20, e que é intervencionista. Foi o tenentismo que criou a Petrobrás, a Eletrobrás. Então, há traços de direita, de esquerda... O Brasil é assim.
Tem uma frase muito boa do Nizan Guanaes, publicitário, mas que só faz sentido em inglês: não existem mais “left” ou “right”, existem “right” ou “wrong”, certo ou errado...
É uma realidade. O pragmatismo se impõe sobre os fatos e as crenças. Uma vez, meu filho Tiago foi com um grupo à China e, numa palestra que assistiram, na Juventude Comunista do PC Chinês, alguém disse: “Vocês sabem por que a América do Sul não dá certo? É porque vocês não respeitam o mercado!” Os mais esquerdistas, na sala, ficaram horrorizados. O conferencista explicou: “Nós respeitamos o mercado, produzimos o que ele quer”. Esse é o pragmatismo que nós deveríamos ter.
O Fernando Gabeira me disse anos atrás uma frase sobre capitalismo. “Não adianta você mandar o capitalismo para o inferno, que ele há de fazer um bom negócio por lá.” Mas, voltando ao tema, qual seria a reação se o Paulo Guedes pedisse o chapéu?
Em uma ou duas ocasiões, houve rumores de que ele iria embora. Acho que todo ministro deveria ter, não digo uma carta de demissão na gaveta, mas estar preparado para uma eventualidade. Foi mais ou menos o que aconteceu com o Wilson Ferreira, na Eletrobrás, quando sentiu que não ia fazer diferença no processo. E ele fez um belíssimo trabalho de reorganização na Eletrobrás.
Você acredita num programa de privatização do atual governo?
Acredito sim, principalmente naqueles itens já colocados nas PPIs, que são uma herança do Uma Ponte para o Futuro, projeto do Michel Temer, que deu as bases do programa do ministro Tarcísio de Freitas, na Infraestrutura.
Que recado, enfim, você daria aqui sobre o futuro do País?
Estou há 40 anos em Brasília e diria que o País melhorou muito, sobretudo porque a sociedade se interessou mais pela política. Há hoje uma presença maior das elites empresariais e culturais debatendo o Estado e seu funcionamento. Outro avanço importante é a redução do corporativismo. A reforma política vem sendo feito em fatias. E temos US$ 350 bilhões em reservas, um sistema financeiro saudável e taxas de juros mais realistas.
Pelo que você diz, continuamos, então, a ser o País do futuro?
Estamos construindo o futuro, ainda que a passo de tartaruga. E acho que vamos continuar avançando. Os embates que tivemos nestes dois anos de governo Bolsonaro revelam uma sociedade democrática e a existência de instituições fortes. Isso é muito importante.
*CEO DA ARKO ADVICE, SÓCIO FUNDADOR DA ADVOCACIA MURILLO DE ARAGÃO, PROFESSOR ADJUNTO DA COLUMBIA UNIVERSITY (NOVA YORK), AUTOR DE REFORMA POLÍTICA – O DEBATE INADIÁVEL.
Governo exclui de MP da Vacina item que facilitava negociação com a Pfizer
03 de fevereiro de 2021 | 05h00
BRASÍLIA - O governo Jair Bolsonaro contrariou órgãos técnicos e excluiu trecho da Medida Provisória 1.026/2021, publicada em 6 de janeiro, que poderia ter facilitado a compra da vacina da Pfizer para a covid-19. Na primeira versão da MP, obtida pelo Estadão via Lei de Acesso à Informação, havia um artigo que autorizava a União a assumir a responsabilidade sobre efeitos adversos que os imunizantes pudessem apresentar. Além disso, o texto liberava a contratação de um seguro para cobrir os riscos que o governo assumiria. Essas medidas são exigências do laboratório Pfizer para vender seu imunizante.
Países da Europa e os Estados Unidos já firmaram compromissos nesses termos com a farmacêutica para viabilizar a compra do imunizante. Trata-se de exigência do laboratório para evitar ser alvo de eventuais ações judiciais, mas o governo considerou a cláusula “abusiva”.
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A negociação com a farmacêutica americana, que ofereceu 70 milhões de doses ao País, se arrasta desde dezembro. O Brasil hoje depende da vacina Coronavac, fabricada pelo Instituto Butantan, e do imunizante da AstraZeneca/Oxford, produzido pela Fiocruz, e não tem doses suficientes para vacinar toda a população. A previsão do Ministério da Saúde é de que serão necessárias 350 milhões de doses no total.
A versão descartada da chamada “MP da Vacina” foi enviada ao Palácio do Planalto no fim de dezembro pelos ministros da Saúde, da Justiça, da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Advocacia-Geral da União (AGU). Todos esses órgãos técnicos, portanto, entenderam que o artigo era aceitável. O texto foi devolvido e, quando voltou na sua nova versão, apenas seis dias depois, o artigo que facilitaria a negociação com a Pfizer havia sido suprimido. Esse segundo texto, diferentemente do primeiro, incluía ainda a assinatura do ministro da Casa Civil, general Walter Braga Netto.
A nova redação da medida também excluiu a permissão para a União contratar um seguro privado, mesmo de empresa estrangeira, ou a criar outras garantias, como um fundo público, para cobrir os riscos que o governo assumiria. Esse tipo de reserva de segurança é utilizado, por exemplo, nos Estados Unidos, e serve para indenizar pessoas que eventualmente sofram efeitos colaterais após tomarem vacinas.
Apesar de ainda não ter vacinas garantidas para toda a população, Bolsonaro e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, resistem em aceitar a proposta da Pfizer. Em nota de 23 de janeiro, a pasta disse que comprar esta vacina seria uma conquista de “marketing, branding e growth” para o laboratório, mas causaria “frustração em todos os brasileiros”, porque a oferta de doses seria pequena. Das 70 milhões de doses que o laboratório negocia com o Brasil, só 8,5 milhões seriam entregues no primeiro semestre deste ano.
Bolsonaro e Pazuello apontam justamente a exigência da Pfizer de não responder por efeitos adversos como maior barreira para a negociação. “Lá no contrato da Pfizer está bem claro: ‘Não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral. Se você virar um jacaré, é problema de você’”, disse o presidente, em discurso em Porto Seguro no dia 17 de dezembro. No caso das duas vacinas que já estão sendo utilizadas no País, não há essa exigência. Caberá às fabricantes brasileiras dos imunizantes, Fiocruz e Butantan, responder por qualquer efeito adverso que não estava previsto.
Aval da AGU
Em parecer em que dá aval jurídico à medida, a AGU aponta a questão da responsabilidade da União em relação à vacina como de “induvidosa constitucionalidade”. “Este dispositivo, além de estar adequado à realidade dos fatos, vez que não há ainda vacinas cuja maturidade de pesquisas seja suficiente para seguimento do processo regular de aprovação, é de induvidosa constitucionalidade”. Para a CGU, na prática, o governo já se expõe ao risco de ser responsabilizado por efeitos adversos, pois as vacinas são aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Em 20 de janeiro, após a publicação da MP, o secretário executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, declarou que a Pfizer considerava a legislação brasileira não “adequada” para fechar contrato. “Estamos tentando verificar até onde eles podem ceder”, afirmou Franco.
Especialistas ouvidos pela reportagem apontam que eximir a fabricante de responsabilização civil em caso de efeitos adversos causados por vacinas é prática comum em países desenvolvidos, inclusive para outros imunizantes, e algo recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “Não é um contrato dracroniano. É o mesmo contrato que está sendo exercido no mundo inteiro e outros países estão aceitando”, diz o advogado Paulo Almeida, diretor executivo do Instituto Questão de Ciência.
Ele também afirma que a criação de fundos públicos para assegurar ressarcimento por efeitos adversos é “prática consolidada no mundo”. Segundo Almeida, porém, o uso deste recurso é uma rara exceção, pois as vacinas passam por “sério crivo das agências reguladoras”, o que já confirmaria a segurança dos produtos.
“Acaba sendo uma birra do governo. Talvez por desconhecimento das melhores práticas internacionais. Na pior leitura possível, é criar entraves para dificultar a entrada das vacinas, por desinteresse em se associar à empresa, seja por motivo ideológico ou mercadológico”, afirmou Almeida.
A epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o Programa Nacional de Imunização (PNI) entre 2011 e 2019, disse ao Estadão, no fim de janeiro, que é difícil fazer uma avaliação mais precisa das condições negociadas para a venda de vacinas da Pfizer, pois em nenhum momento o contrato foi divulgado em sua íntegra para verificar se há mesmo “cláusulas leoninas e abusivas”, como disse o ministério.
No entanto, ela questiona o fato de o Brasil ser o único País a ter dificuldade de assinar com a farmacêutica americana, enquanto Estados Unidos, países da Europa e outras nações já fecharam negócio. “A dificuldade é porque o Brasil não se planejou para essa vacina, de enorme complexidade”, afirmou.
Respostas
Procurados para comentar a mudança na MP, o Ministério da Saúde e o Palácio do Planalto não se manifestaram. No Congresso, que tem até maio para analisar a medida provisória, há discussões sobre incluir no texto o artigo que facilitaria o negócio com a Pfizer.