Vivo no trânsito - folha de sp
Embora permaneça ainda em patamares alarmantes, a quantidade de mortes no trânsito brasileiro tem decrescido de forma consistente nos últimos anos. Do pico de 46.051 óbitos registrado em 2012, esse número passou para 31.307 em 2019, uma queda de 32%.
Por trás do fenômeno, apontam especialistas, encontra-se um conjunto de causas —avanços legislativos, em particular a Lei Seca, aumento do valor das multas e a obrigatoriedade de itens de segurança nos veículos, como freios ABS e airbag, contam entre as principais.
Para além das políticas nacionais, alguns locais adotaram medidas próprias voltadas à melhoria da segurança no trânsito e colheram resultados ainda mais expressivos, caso da cidade de São Paulo. Em 2010, morreram nas vias paulistanas 1.357 pessoas; nove anos depois, essa cifra despencou 42%, chegando a 791.
Ao longo desse período, uma profusão de ruas e avenidas tiveram reduzidas as velocidades máximas permitidas —ação que contribuiu de forma relevante para tal queda, como mostra o início da série “Vivo no trânsito” desta Folha.
Estudos apontam as vantagens de desacelerar o fluxo de automóveis: em velocidades mais baixas, por óbvio, é menor tanto a distância necessária para frear o carro com segurança como a probabilidade de uma lesão fatal.
Segundo trabalho produzido na Universidade Johns Hopkins, o aumento de 1% na velocidade média acarreta alta de 3% no risco de acidentes com feridos e de 5% na probabilidade de acidentes com vítimas gravemente feridas ou mortes.
O processo de redução de velocidade foi paulatino e começou em 2011, na gestão Gilberto Kassab (PSD), quando avenidas como a Paulista tiveram a velocidade reduzida de 70 km/h para 60 km/h.
Avançou várias casas com Fernando Haddad (PT), que baixou o limite das vias arteriais da capital para 50 km/h (considerada pela OMS a velocidade máxima possível no perímetro urbano) e diminuiu o das marginais Tietê e Pinheiros.
Diante da impopularidade da redução entre os motoristas, seu sucessor, João Doria (PSDB), buscou explorá-la politicamente. Candidato a prefeito com o slogan “Acelera SP”, o tucano prometeu aumentar novamente os limites —o que fez apenas nas marginais.
Essa agenda parece felizmente superada, e a experiência da maior cidade do país pode ser exemplo para outras metrópoles.
STJ usa precedente do Supremo e abre inquérito de ofício para apurar mensagens da Lava Jato
O STJ (Superior Tribunal de Justiça) instaurou nesta sexta-feira (19) um inquérito para investigar mensagens hackeadas de procuradores da Lava Jato e apreendidas pela Operação Spoofing que revelaram uma tentativa de integrantes da operação de investigar de maneira ilegal ministros da corte.
A apuração foi aberta de ofício, ou seja, sem provocação da PGR (Procuradoria-Geral da República), a exemplo do que fez o STF (Supremo Tribunal Federal) ao instaurar o inquérito das fake news.
A decisão foi tomada pelo presidente do tribunal, ministro Humberto Martins, que também será o relator do processo.
Como mostrou a coluna Painel na última segunda-feira (15), uma ala do Superior Tribunal de Justiça pressionou Martins para que ele instaurasse o inquérito a respeito das mensagens trocadas entre integrantes da Lava Jato que se referem a ministros do STJ.
No despacho, o magistrado citou o precedente do Supremo. O STF, aliás, foi amplamente criticado pela iniciativa, uma vez que, em tese, a Constituição estabelece que é competência exclusiva do Ministério Público pedir a abertura e conduzir investigações.
Inicialmente, a medida tomada pelo então presidente Dias Toffoli não contava com o apoio da maioria dos colegas por ser uma ação inédita na história da corte.
Além da falta de provocação da Procuradoria, o fato de Toffoli ter escolhido o ministro Alexandre de Moraes como relator do processo sem sorteio, como ocorre geralmente, também era alvo de resistência entre os magistrados.
Prova disso é que o ministro demorou mais de um ano para submeter o julgamento sobre a legalidade da decisão ao plenário.
Com o acirramento da relação entre os Poderes e a ofensiva da militância do presidente Jair Bolsonaro contra o Supremo, porém, os ministros passaram a ver o inquérito como uma forma de frear os ataques à instituição.
No fim, a portaria que instaurou o inquérito foi referendada por 10 votos a 1 na corte.
Agora, o presidente do STJ, segundo tribunal mais importante do país, tomou uma decisão similar e delegou a si próprio a relatoria do caso.
Martins lembrou que a decisão de Toffoli foi baseada no regimento interno do Supremo e que o STJ tem um dispositivo idêntico em seu regimento.
O artigo mencionado prevê que, ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal, o presidente pode instaurar inquérito e delegá-lo a a outro ministro.
Como atualmente, com o avanço da tecnologia, os ministros trabalham de casa e outros locais além do tribunal, e eles estavam sendo atacados e ameaçados na internet, o STF entendeu que a instauração do inquérito encontrava respaldo no regimento da corte, que tem força de lei.
No despacho desta sexta, Martins citou que o ministro Ricardo Lewandowski levantou o sigilo das mensagens trocadas integrantes da Lava Jato e citou “que os meios de comunicação noticiaram a suposta existência —no teor das mensagens trocadas— de tentativas de investigar e intimidar ministros do STJ por meio de procedimentos apuratórios ilegais”.
No início do mês, o presidente do STJ já havia encaminhado ofício à PGR pedindo que os procuradores fossem investigados.
Nas mensagens, procuradores, entre eles Deltan Dallagnol, que era o chefe da força tarefa da Lava Jato, conversaram sobre fazer uma "análise" patrimonial dos ministros que integram as turmas criminais do STJ.
O ex-presidente Lula (PT) teve acesso às mensagens por autorização do Supremo e protocolou no Supremo uma petição em que revelava a suposta tentativa dos investigadores de averiguar a vida de integrantes do STJ.
“A RF [Receita Federal] pode, com base na lista, fazer uma análise patrimonial, que tal? Basta estar em EPROC [processo judicial eletrônico] público. Combinamos com a RF”, escreve Deltan em uma das mensagens.
O procurador Diogo Castor de Mattos, que também integrava a operação, responde e comenta que não acredita que o ministro Félix Fischer, relator da Lava Jato no STJ, estaria envolvido em irregularidades. “Felix Fischer eu duvido. Eh um cara sério”, diz.
As mensagens foram hackeadas e uma parte delas foi entregue ao site The Intercept Brasil, que, em parceria com outros veículos, incluindo a Folha, já havia publicado parte dos diálogos no que ficou conhecido como o escândalo da Vaza Jato.
No final de 2020, Lewandowski atendeu a um pedido do ex-presidente Lula e autorizou a defesa a ter acesso aos diálogos.
Câmara mantém prisão de deputado bolsonarista Daniel Silveira
18 de fevereiro de 2021 | 10h33
BRASÍLIA – A Câmara decidiu nesta sexta-feira, dia 19, manter a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), aliado do presidente Jair Bolsonaro. Por 364 votos a 130 e 3 abstenções, o plenário referendou a prisão que havia sido aprovada por unanimidade no Supremo Tribunal Federal (STF) e evitou um choque institucional entre os poderes Legislativo e Judiciário.
O placar demonstrou a falta de apoio a Silveira, eleito na esteira do bolsonarismo com o discurso da antipolítica. O Centrão, que apoia o governo, e a oposição se uniram contra o deputado. Bolsonaro, no entanto, evitou declarações públicas em defesa do aliado. Segundo interlocutores, a intenção foi não envolver o Palácio do Planalto na polêmica.
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Bastidores: Lira tentou costurar acordo com Supremo após prisão de deputado
"A sessão de hoje não deixou nenhum deputado em clima de felicidade. É muito sacrificante para todos. Todos sabem o que significa para a Câmara o dia de hoje", afirmou o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), após a votação."Esse caso foi extremamente lateral, fora da curva e não vai se repetir", completou. Ele anunciou a criação de uma comissão de deputados para regulamentar o artigo da Constituição que prevê as hipóteses em que um parlamentar pode ser preso.
Silveira foi preso na noite de terça-feira, dia 16, em Petrópolis (RJ), horas depois de gravar e veicular na internet um vídeo com ameaças e xingamentos a ministros do Supremo, defender a cassação deles e fazer apologia ao Ato Institucional nº 5 (AI-5) e à ditadura militar. O deputado já era investigado por associação criminosa para tentar subverter a ordem política e a democracia. Silveira é alvo dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos. Desde quinta-feira, dia 18, o ex-cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro está recolhido no Batalhão Especial Prisional da PM em Niterói (RJ).
Sob pressão do Supremo e do Palácio do Planalto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), agiu para tentar um acordo e amenizar a situação de Silveira. Mas nenhuma operação de bastidor deu certo. Primeiro, consultou o ministro Alexandre de Moraes; em seguida os demais ministros; sugeriu um acordo na reunião de líderes para que a Mesa Diretora afastasse Silveira e o plenário votasse a suspensão do mandato, em vez da prisão ordenada pelo STF; por último, trocou a relatoria do caso horas antes da votação. Aliados de Lira também tentaram encerrar a discussão o mais rápido possível.
Relatora do processo, a deputada Magda Mofatto (PL-GO), deu um parecer a favor da manutenção da prisão, em um relatório em que fez uma defesa enfática da democracia. favorável à manutenção da prisão do colega, sob o argumento de que ele transformou o mandato na Câmara em uma “plataforma de propagação do ódio”. Mofatto, que também é bolsonarista, considerou a prisão “correta, necessária e proporcional” e fez questão de ler trechos do que foi dito pelo deputado no vídeo publicado por ele nas redes sociais.
"Temos entre nós um deputado que vive de atacar a democracia e as instituições e transformou o exercício de seu mandato em uma plataforma de propagação do discurso do ódio, de ataques a minorias, de defesas de golpes de Estado e de incitação à violência contra autoridades públicas", afirmou a deputada.
Ela assumiu o caso nesta sexta-feira e disse que considerava a decisão do Supremo “correta, necessária e proporcional”. Da tribuna da Câmara, Mofatto disse que considerou as ameaças “gravíssimas” e repetiu os xingamentos e provocações com palavras de baixo calão proferidas por Silveira. Leia a íntegra do parecer da relatora.
“É preciso traçar uma linha e deixar claro a diferença entre a crítica contundente e o verdadeiro ataque às instituições democráticas. Temos entre nós um deputado que vive a atacar a democracia e as instituições e transformou o exercício do seu mandato numa plataforma para propagação do discurso do ódio, ataques a minorias, defesa de golpes de Estado e incitação à violência contra autoridades públicas”, disse Mofatto. “Não há regime democrático, na Europa ou América Latina, que, a partir do direto à liberdade de expressão ou qualquer outro direito fundamental, tolere a defesa de ditaduras, a discriminação de minorias, e a apologia explicita à ruptura da ordem constitucional. Mesmo nos Estados Unidos, país onde a liberdade de expressão adquire maior estatura e alcance quando comparada a outros direitos fundamentais, ameaças críveis de violência e integridade física de terceiros não encontram amparo na lei maior.”
Ao se defender, Silveira pediu cinco vezes desculpas pelas críticas aos ministros do Supremo e chegou a dizer que a Corte é uma instituição muito importante. “Eu me excedi”, disse ele, em participação por videoconferência do batalhão da PM onde está preso. “Peço desculpas a qualquer brasileiro que tenha se insultado com isso, mas já me arrependi. Quem nunca fez isso na vida? Já tivemos conflitos, debates, ideias e ainda assim a democracia sempre venceu", afirmou ele, em um apelo para que os colegas o libertassem, o que não ocorreu.
No plenário da Câmara, poucos deputados compareceram presencialmente para acompanhar a votação – a maioria participou da sessão de forma remota.
Nos discursos, a maior parte das intervenções foi de deputados dos partidos de oposição e de bolsonaristas aliados a Silveira. Os partidos do Centrão foram representados pela relatora, mas os demais deputados do grupo evitaram discursar para se posicionar sobre a manutenção da prisão do deputado carioca.
Ao orientar as bancadas, porém, apenas quatro partidos defenderam a soltura de Silveira – PSL, PTB, Novo e PSC.
Acordo naufragou após 11 a 0 no STF
Como mostrou o Estadão, a tentativa de derrubar a prisão começou a naufragar quando os ministros do STF votaram por 11 a 0 a favor do flagrante. E se fragilizou quando a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou o deputado criminalmente, por grave ameaça e agressão verbal contra ministros e incitar a animosidade entre o tribunal e as Forças Armadas e o emprego de violência e grave ameaça para tentar impedir o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário.
Em discurso no plenário, Lira indicou que a maioria da Casa votaria a favor da prisão. Pressionado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e por empresários a não travar a pauta da Câmara e atrasar a votação de matérias econômicas, como o auxílio emergencial e reformas econômicas, Lira clamou a Câmara a resolver o “impasse” e “não perder o foco”. Ele disse que o episódio era um “ponto fora da curva”.
Dizendo-se ferrenho defensor da inviolabilidade da atividade parlamentar, comunicou a instauração de uma comissão extraordinária para propor uma regulação mais clara do artigo 53 da Constituição. Segundo o presidente da Câmara, uma alteração é necessária para que “nunca mais” os poderes Legislativo e Judiciário “corram o risco de trincarem a relação de altíssimo nível”. Ele disse que o caso ultrapassou o plano do razoável e passou a orbitar a atmosfera da irresponsabilidade. Por outro lado, classificou a prisão também como “intervenção extrema”. Ele disse que a Câmara não toleraria abuso de prerrogativas.
“Sou ferrenhamente defensor da inviolabilidade do exercício da atividade parlamentar. Mas, acima de todas as inviolabilidades, está a inviolabilidade da Democracia. Nenhuma inviolabilidade pode ser usada para violar a mais sagrada das inviolabilidades, a do regime democrático”, disse Lira.
“Os momentos de turbulência são da própria natureza da democracia, mas uma democracia sólida é e será sempre mais forte do que todas as turbulências. Tenho certeza de que a grande maioria desta Casa, entre os quais me incluo, respeita a instituição máxima do Poder Judiciário brasileiro.”
Pedido de desculpas
O deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) mudou de tom nesta sexta-feira e, ao se defender na sessão da Câmara que decide se mantém ele na cadeia, e pediu "desculpas" pelas declarações. Em apelo aos colegas, disse que "qualquer um pode exagerar" e atribuiu as falas a um "momento passional".
"Assisti ao vídeo 3 vezes. Realmente, minhas palavras foram duras até para mim mesmo. Compreendi que eu tinha outra forma de expressar a minha fala", afirmou ele, que repetiu o termo "desculpas" por cinco vezes no discurso.
Em vídeo publicado nas redes sociais, no dia da prisão, Silveira atacou os magistrados do STF após o ministro Edson Fachin classificar qualquer forma de pressão sobre o Judiciário como “intolerável”. As declarações de Fachin foram feitas depois da revelação de que mensagens publicadas no Twitter em 2018 pelo ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas – na véspera do julgamento de um habeas corpus impetrado na Corte em defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – haviam passado pelo crivo do Alto Comando do Exército. O ato foi interpretado por magistrados como uma tentativa de interferência no Supremo naquele ano eleitoral.
Antes de Silveira, o presidente da Câmara abriu a sessão em um discurso recheado de recados ao Supremo. Diante do cenário para manutenção da medida do Supremo, Lira defendeu uma discussão que evite novas decisões "extremas" do Judiciário contra parlamentares.
"Aos que têm responsabilidade, essa intervenção extrema sobre as prerrogativas parlamentares deve ser o que foi, um ponto fora da curva, sob o risco de banalizarmos excessos que pelo caminho oposto ultrapassariam o plano do razoável e passariam a orbitar também a atmosfera da irresponsabilidade", discursou Lira no plenário.
O presidente da Câmara anunciou a criação de uma comissão na Casa para discutir mudanças legislativas e, de acordo com ele, "nunca mais, Judiciário e Legislativo corram o risco de trincarem a relação de altíssimo nível das duas instituições".
Salvo pelo Senado em 2017, Aécio vota por prisão de deputado bolsonarista; Bia Kicis contraria STF
19 de fevereiro de 2021 | 23h18
BRASÍLIA – Salvo pelo plenário em 2017, quando havia sido afastado do mandato de senador pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o atual deputado Aécio Neves (PSDB-MG) votou nesta sexta-feira, dia 19, a favor de manter a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), determinada pela Corte.
Há três anos, o então senador Aécio era beneficiado pelo plenário da Casa, numa situação semelhante à que ocorreu agora com Silveira. Na ocasião, o Senado teve de referendar – e acabou derrubando – uma medida cautelar de afastamento do mandato de Aécio. Tudo porque a Primeira Turma do Supremo havia suspendido as funções parlamentares do tucano e determinado o seu recolhimento domiciliar noturno. Aécio foi delatado no escândalo da JBS por recebimento de R$ 2 milhões em propina. Ele negou irregularidades e se disse vítima de “armação”.
À época, ao ter o mandato salvo pelos colegas, Aécio disse que a decisão do plenário “garantiu a plenitude da representação popular” e “restabeleceu os princípios essenciais de um Estado democrático”. No ano seguinte, o Supremo o tornou réu por obstrução da Justiça e corrupção passiva, acatando denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR).
No caso de Silveira, porém, Aécio seguiu a orientação do PSDB. Mas nem todos da bancada agiram assim. Deputados com trânsito no governo Jair Bolsonaro, como Pedro Cunha Linha (PB), Lucas Redecker (RS) e Daniel Trzeciak (RS), contrariaram a orientação partidária e deram votos a favor da libertação de Silveira.
Traições às orientações de bancada também ocorreram em partidos como DEM, Cidadania, Republicanos, MDB, PSB, Progressistas, PSD e PDT, entre outros. Na maior parte dos casos, os deputados alinhados ao Palácio do Planalto não seguiram a orientação. Houve também ausências: ré acusada de mandar matar o marido, a deputada Flordelis (PSD-RJ) não votou, assim como o novo ministro da Cidadania, João Roma (Republicanos-BA).
O líder do governo, Ricardo Barros (Progressistas-PR), e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP, filho do presidente, confirmaram o voto a favor da libertação de Silveira, como anunciaram antes.
No PSL, partido de Silveira, também houve ausências. Investigadas no inquérito de fake news do STF, as deputadas Carla Zambelli (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF) votaram contra a decisão unânime do Supremo. As duas tentam assumir cargos na nova direção da Câmara e sofrem resistências.
Kicis quer presidir a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas pode ficar pelo caminho por contrariedade, revelada nos bastidores, de nomes do Centrão e ministros do Supremo. Zambelli, por sua vez, é cotada para chefiar a Secretaria de Comunicação da Câmara. A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) pediu que o STF e a Procuradoria- Geral da República se pronunciem sobre a qualificação de Zambelli. No ano passado, a deputada foi chamada para depor no inquérito que investiga a disseminação de fake news.
Tentando enxergar o que está à vista
Bolívar Lamounier, O Estado de S.Paulo
Onde estarão dentro de 25 anos os meninos que vão nascer na presente década? É cabível supor que muitas delas vão se conhecer revirando lixo em algum aterro. Algumas estarão distribuindo drogas nos bairros ricos, a serviço de traficantes. Muitas estarão cometendo assaltos e outras tantas estarão atrás das grades.
Projeções macabras fazem mal tanto à alma de quem as escreve como à de quem as lê. Mas são úteis como alerta, sobretudo quando o alerta de que se trata diz respeito simplesmente à necessidade de tentarmos enxergar o que está à nossa volta.
É bem singela a constatação que me leva a aborrecer os leitores com essa previsão macabra. Não, caro leitor, não vou falar da pandemia; a realidade que tenho em mente estava aqui muito antes dela. Somos, como os economistas não se cansam de repetir, um país aprisionado na chamada “armadilha da renda média”. Chegamos até com certa facilidade a uma renda per capita de US$ 10 mil por ano, mas quem afirmar que conseguiremos dobrá-la num horizonte de 20 a 30 anos o faz por sua conta e risco. E não nos esqueçamos de que esse será ainda um resultado medíocre. A renda per capita, como todos sabemos, é apenas uma fórmula, um resumo aritmético de uma infinidade de condições sociais. Neste ano da graça de 2021, há na área educacional uma experiência bem simples que o leitor pode fazer sem grande esforço. Vá a uma escola da periferia e convide a garotada a fazer alguns exercícios de tabuada. No trajeto de volta ao centro, ligue o rádio e tente se informar sobre o que o Ministério da Educação anda fazendo. Ou pelo menos adivinhar o nome do atual ministro. Seja paciente.
Se 60% ou 70% dos nossos jovens se deparam com dificuldades quase insuperáveis nas matemáticas, nas ciências e até no simples manejo do idioma, é forçoso inferir que, hoje, muitos deles já são fortes candidatos ao desemprego e à pobreza. Não resvalar para o crime já é um belo feito. No mundo quase totalmente urbano e crescentemente automatizado em que estamos entrando, cuja agricultura já quase não cria empregos, o que está à nossa vista não é o Jardim do Éden. É muito mais um cenário como o pintado por Thomas Hobbes em O Leviatã (1651): uma “guerra de todos contra todos”. Mas eis aqui um possível paradoxo. Hobbes ao menos discernia a possibilidade de alguma ordem se todos se submetessem a uma autocracia férrea, no pressuposto de que preservar a vida, sob quaisquer condições, seria um quadro aceitável em comparação com a guerra generalizada. Viver sob ditaduras será, então, a nossa salvação? Dobrando ou não a nossa anêmica renda per capita, viveremos sob uma robusta segurança garantida pelo Estado, vale dizer, por aqueles, anjos ou bandidos, que o controlarão?
Suscitar essa indagação no presente momento é a pior ideia que nos poderia ocorrer. Hoje o inquilino do Planalto é simplesmente o mais despreparado dos presidentes que nos foi dado ter desde o marechal Deodoro. Jair Bolsonaro não é apenas iletrado, é irascível e ignorante. Deixemos de lado sua atuação no combate à pandemia, sabidamente insensível e irresponsável, levando a extremos inconcebíveis suas chances de sabotar o trabalho dos agentes de saúde. Se Sua Excelência compreendesse que sua missão só pode ser sanar as cicatrizes da eleição de 2018, buscando a convergência e a pacificação, já seria alguma coisa. Mas, para o capitão presidente, seu papel deve ser justamente o oposto disso. Seu objetivo é a reeleição em 2022, e salta aos olhos que ele a vê como favas contadas, bastando-lhe para tanto manter e estimular a radicalização.
Claro, não creio que Jair Bolsonaro tenha poderes demiúrgicos. Sozinho, não é capaz de produzir nem o bem nem o mal em escala superlativa. Vez por outra deixa escapar uma aspiração ditatorial, mas ditadura, sobretudo num país populoso e diversificado como o Brasil, só existe com a colaboração das Forças Armadas, e estas servem ao Estado, não a um caudilho qualquer – missão que começaram a definir já nos anos 1930, sob a influência predominante do general Góes Monteiro. Seus timoneiros nem sempre acertaram o curso, mas a identidade da organização militar é essa.
Derrocamento dessa ordem, nem os outros dois Poderes me parecem capazes de causar. O que eles podem fazer – e inequivocamente insistem em fazer – é dificultar as reformas sem as quais permaneceremos por 30 anos ou mais no sufoco da “renda média”. Na Câmara, por exemplo, os óbices chegam ao disparate de às vezes se tentar desfazer alguns avanços que a duras penas logramos implantar na esfera da reforma política – entre os quais devemos destacar o fim das coligações partidárias nas eleições legislativas. Dias atrás o novo presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), manifestou a intenção de restaurar aquela excrescência, responsável direta pela cacofonia partidária em que temos vivido.
Eis aí uma clara ilustração de que nosso problema como país ainda não é tentar enxergar mais longe. É tentar enxergar o que nos queima diariamente os olhos.
SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORA, É MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS
‘Nova política’, vade retro! - Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
O presidente Jair Bolsonaro e o Exército fecharam a boca, os três poderes se articularam e prevaleceu o bom senso para evitar uma crise institucional e superar o episódio “Daniel, como é mesmo o nome dele?”. O Supremo cumpriu sua função, o Congresso reagiu com maturidade, o Planalto não atrapalhou e o resultado é que o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) passa uns dias em cana e está isolado na Câmara.
O ministro Alexandre de Moraes decretou a prisão em flagrante de Silveira, que faz apologia do AI-5 e agride violentamente os ministros do Supremo; o plenário da Corte ratificou a prisão por unanimidade e em tempo recorde; o presidente da Câmara, Arthur Lira, ouviu Planalto, Senado e líderes partidários e articulou o acordão com o próprio Supremo. Duas coisas podem atrapalhar tudo: as ligações do deputado com a milícia e os dois celulares encontrados com ele.
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Pelo acordo, a Câmara mantém a prisão, Moraes dá um tempo e depois usa a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para relaxar a prisão e trocá-la por tornozeleira eletrônica. Resta saber o que de fato acontecerá com o bolsonarista Silveira, que é uma ameaça à democracia e à sociedade. Ele será investigado pelo Supremo e pelo Conselho de Ética da Câmara. Pode ser suspenso, cassado ou... nada.
Por isso o STF não aceitou a primeira proposta do Congresso: a Câmara derrubaria a prisão, mas com o compromisso de abrir processo contra Silveira no Conselho de Ética. Como confiar, se o conselho lava as mãos até para a deputada e pastora Flordelis, condenada pelo assassinato do marido?
Enquanto os poderes têm de perder tempo e energia com gente assim, vale refletir em que contexto Daniel Silveira foi eleito deputado federal, depois de expelido da Polícia Militar do Rio por 26 dias de prisão, 54 de detenção, 14 repreensões e duas advertências. Com esse currículo, ele só pôde ser eleito na onda Jair Bolsonaro, ele próprio um militar que saiu cedo do Exército por insubordinação.
Essa onda da “nova política” tirou do Congresso (e de legislativos e governos estaduais) políticos experientes e de bons serviços prestados em comissões, lideranças e relatorias de temas essenciais. E pôs no lugar policiais, bombeiros, militares, procuradores – entre eles, toda uma gente que sempre passou ao largo da política. Pior: com horror à política e à negociação, diálogo, contraditório. Para não dizer democracia e instituições. Ao destruir a placa para a vereadora assassinada Marielle Franco, Daniel Silveira atacou o que ela representava: a política (entrou nela para destruí-la por dentro), mulheres, negros, gays, inclusão social, justiça e humanidade.
Agora, ele está preso e foi abandonado, mas não fala sozinho. O deputado Eduardo Bolsonaro já defendeu a volta do AI-5, o mais feroz instrumento da ditadura militar, e que “basta um cabo e um soldado para fechar o STF”. E o presidente da República, além de ouvir em silêncio o então ministro da Educação propor a prisão dos membros do Supremo, atiçou e participou de atos contra as instituições.
A “nova política”, porém, envelheceu rapidamente, com Wilson Witzel afastado do governo Rio por desvios, governadores do PSL e do PSC em apuros, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) rejeitada por multidões para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), um bando deles respondendo no Supremo por fake news e movimentos golpistas.
O próprio Bolsonaro está saindo de fininho, abraçado à “velha política” e ao Centrão e empenhado na aproximação com o Supremo. Os filhos que votem como bem entenderem sobre a prisão de Silveira, um bolsonarista raiz, porque papai Jair está mais preocupado em se dar bem no Congresso e no Supremo. Para os Silveiras e o resto, migalhas. Ou armas e munições à vontade.
*COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL (PE) E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA