Congresso quer auxílio emergencial fora do teto e sem corte de despesas
09 de fevereiro de 2021 | 05h00
BRASÍLIA - O comando do Congresso sinalizou ontem que quer uma via expressa para a retomada do auxílio emergencial. Os gastos com o benefício devem ficar de fora do limite do teto de gastos, a regra que proíbe que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação. Além disso, ao contrário do que defende o ministro da Economia, Paulo Guedes, a nova rodada do auxílio não deve prever contrapartidas, como a aprovação de medidas de controle de gastos.
Enquanto o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), acenou com a possibilidade de o Congresso abrir uma “excepcionalização temporária” do Orçamento para garantir o pagamento de novas parcelas do auxílio, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), foi além. Disse que não é possível condicionar a concessão do benefício a medidas de ajuste fiscal, com o argumento de que a emergência e a urgência da situação não podem esperar. Em entrevista à GloboNews, Pacheco disse que o cenário pode ser diferente em três ou quatro meses, com o aumento da imunização, mas agora ele é urgente.
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“Só temos duas saídas: ou votamos rapidamente o Orçamento ou o governo federal vai procurar alguma forma de o Congresso excepcionalizar temporariamente (o pagamento), até que tenhamos Orçamento para votar um projeto de novo de inclusão mais acessível para a população e que traga as pessoas que estão numa situação muito difícil”, disse Lira em entrevista em Alagoas.
Na prática, as falas dos presidentes da Câmara e do Senado sinalizam que o governo e o Congresso negociam uma forma de incluir as despesas da nova rodada do auxílio no que os economistas chamam de “extrateto de gastos”. Ou seja, fora da contabilização do limite do teto.
Essa “excepcionalização” poderia ser feita por meio da edição de um crédito extraordinário do Orçamento. Esse tipo de crédito só o governo pode editar. A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública. Há dúvidas, porém, se os gastos com o agravamento da covid-19, como os de agora, podem ser incluídos na categoria de imprevisíveis.
Outra possibilidade é abrir uma exceção na emenda do teto de gastos, como foi feito na distribuição dos recursos obtidos no leilão da exploração do pré-sal para Estados e municípios. Nesse caso, o caminho de tramitação exige uma mudança na Constituição.
Se adotada a via expressa , o novo auxílio poderá ser concedido antes da aprovação do Orçamento, que deve prever um novo programa social. Uma definição sobre o socorro financeiro do governo aos mais vulneráveis se arrasta há meses mesmo diante da piora da pandemia.
Meta fiscal
Lira e Pacheco não deram detalhes de como essa brecha orçamentária se daria, mas as discussões avançam na área técnica do Ministério da Economia depois que Guedes aceitou a nova rodada de auxílio com valor em torno de R$ 200 e por mais três meses, segundo apurou o Estadão. Bolsonaro, que publicamente negava a necessidade do auxílio, ontem disse que a discussão para uma nova rodada do benefício é para “ontem” (mais informações nesta página).
O impasse está no teto de gastos, mas a necessidade de cumprimento da meta fiscal de 2021 é outro obstáculo a ser superado para a concessão do auxílio. Mesmo que as despesas para o seu pagamento fiquem de fora do limite do teto de gasto – o cenário hoje mais provável devido à urgência da pandemia – o governo teria de compensar o gasto extra por meio de aumento da arrecadação ou mudar a meta fiscal, que prevê um rombo de R$ 247,1 bilhões.
Pela legislação brasileira, a despesa entra no cálculo do resultado primário (as receitas com a arrecadação de impostos menos as despesas, antes do pagamento de juros). Em 2020, com o chamado orçamento de guerra, as regras fiscais foram suspensas e o governo não precisou cumprir a meta fiscal e pode ampliar os gastos.
A edição de um crédito extraordinário é considerada a saída mais pragmática, mas tem ainda pontos de dúvidas em relação à exigência de imprevisibilidade para esse tipo de crédito ser aberto pelo governo. A dúvida a ser esclarecida é: a prorrogação do auxílio era ou não previsível?
Guedes tem defendido atrelar o auxílio a medidas de corte de despesas e também à aprovação de uma cláusula de calamidade que permitiria que as regras fiscais fossem suspensas enquanto ela estiver em vigor.
Para o coordenador do Observatório Fiscal da Fundação Getúlio Vargas, Manoel Pires, é possível fazer o auxílio por crédito extraordinário. “Algumas pessoas entendem o mecanismo de forma mais restritiva, mas deve prevalecer o entendimento mais flexível. A questão da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) é que o programa tem de obedecer à meta fiscal. A compensação se daria por acréscimo de receita ou corte de despesa.”
Hora da escola - FOLHA DE SP
Além de provocar mortes por ações e omissões, a conduta de Jair Bolsonaro na pandemia contribuiu para acirrar a polarização política em debates que deveriam se guiar tão somente pela racionalidade e pelo interesse público. É o caso da volta do ensino presencial.
Diante da situação absurda de um presidente que atenta contra a saúde pública ao condenar o distanciamento social, boicotar vacinas e propagandear falsas curas, as precauções sanitárias tomadas por autoridades e cidadãos responsáveis não raro acabam tomadas como atos de resistência.
Nesse ambiente tóxico, qualquer iniciativa de flexibilização das restrições, mesmo necessária e bem fundamentada, corre mais risco de ser vista com desconfiança, quando não repulsa —e de se tornar motivo de embate radicalizado.
Assim se dá no retorno gradual das atividades escolares no estado de São Paulo, que avança nesta segunda-feira (8) sob a ameaça de uma greve dos professores. Como de hábito, o movimento foi decidido por uma parcela minúscula da categoria, estimada em 5.000 de um total de 190 mil profissionais.
A estratégia de reabertura leva em conta a gravidade da epidemia em cada região do estado e estabelece normas diferentes conforme o tipo de escola (estadual, municipal ou privada). Sempre se podem questionar os critérios, claro, mas o plano observa normas de prudência e situações particulares. Segundo dados da Unesco, 80% dos países já retomaram aulas presenciais, e o Brasil está entre os que passaram mais tempo sem elas. É evidente que não se trata de medida de fácil execução, dado que o mundo ainda aprende a lidar com os perigos do coronavírus. Nações ricas e pobres, porém, esforçam-se para evitar retrocessos nessa seara.
Não se deve subestimar o dano que tantos meses longe das salas de aula infligem ao aprendizado, sobretudo o dos alunos de famílias carentes e menos escolarizadas —para nem mencionar a perda da merenda e do convívio social.
São compreensíveis os temores de parte dos pais e docentes, mas é descabido encarar a questão como uma disputa entre defensores da vida e governantes insensíveis. A responsabilidade de todos os lados está em minimizar os riscos para a volta da atividade essencial.
Deixem-se a histeria e a mistificação para o irremediável Bolsonaro, a esta altura alvo de investigação preliminar da Procuradoria-Geral da República e de pedidos de impeachment pelo desgoverno da pandemia. O restante do país precisa zelar pela saúde pública e também pela educação de todos.
Bancos em transformação
É sabido que o sistema financeiro brasileiro está entre os mais concentrados do mundo. Os cinco maiores bancos do país ainda respondem por mais de 80% dos depósitos e empréstimos, além de manterem posição dominante em negócios como seguros e previdência.
Entretanto o padrão de concorrência oligopolista, em que algumas poucas instituições convivem de forma cavalheiresca cobrando caro por seus serviços, tem hoje seu conforto sob ameaça —felizmente.
O cenário muda como nunca antes com o avanço da tecnologia. Novos ingressantes, menores e mais ágeis, criam formas de capturar parcelas cada vez maiores dos negócios. Com forte presença digital e atenção mais eficaz ao consumidor, começam a romper a barreira antes inexpugnável propiciada pela escala das casas tradicionais.
A regulação mais amigável à concorrência, mérito do Banco Central, também exerce um papel. Com inovações como o cadastro positivo, a infraestrutura de pagamentos instantâneos aberta a todos (o Pix) e, em breve, o chamado open banking, multiplicam-se as opções de serviços. Os consumidores ganham poder de barganha, e as paredes erguidas pelos bancos em torno dos serviços de conta-corrente vão se tornando inúteis.
Não é à toa que as cotações das grandes instituições na Bolsa sofrem desde antes da pandemia, enquanto disparam ações de entrantes ancorados no mundo digital.
Os investidores apostam que os incumbentes terão cada vez mais dificuldade para sustentar margens de lucro nos patamares históricos —acima de 20% ao ano no caso dos gigantes privados.
A crise sanitária, além disso, acelerou a bancarização e o uso de tecnologia. Com a corrida pelo auxílio emergencial, entre março e outubro de 2020 cerca de 9,8 milhões de pessoas iniciaram relacionamento com alguma instituição financeira. Mas passou o tempo em que eram necessárias capilaridade e presença física para atrair clientes
Daí o esforço de Bradesco, Itaú e Santander para cortar custos e investir em tecnologia. Apenas no ano passado, os três bancos fecharam mais de 1.500 agências e pontos de atendimento, uma redução de 12% na estrutura. Apenas Bradesco e Santander demitiram mais de 10 mil pessoas no período.
Se alguns fecham agências, outros criam novos postos de trabalho. Mas todos, sem exceção, agora precisam inovar para sobreviver. Abre-se também um novo caminho para de fato democratizar o acesso da população com menores renda e escolaridade ao sistema. Bem-vinda concorrência.
Lei Anticorrupção completa sete anos em vigor, mas estados resistem a regulamentação
A aplicação da Lei Anticorrupção, que em janeiro completou sete anos em vigor, apesar de ser um mecanismo importante que prevê a responsabilização de pessoas jurídicas no âmbito civil e administrativo, ainda sofre resistência de regulamentação em alguns estados.
A lei permite que União, estados e municípios apurem denúncias de empresas envolvidas em fraudes de contratos públicos e criminalizem, de forma severa, as companhias que cometerem atos ilícitos contra a administração pública.
Levantamento realizado pela Folha mostra que, das 27 unidades da Federação, 19 homologaram a lei e passaram a usá-la. Desse total, em 15 estados foram abertos PAR (Processos Administrativos de Responsabilização). A conclusão de ao menos um processo ocorreu em oito estados.
Para parte dos governos estaduais que a utilizam com frequência, a percepção é que ainda existem barreiras na aplicação. O motivo principal seria a dificuldade de obter os dados do faturamento das empresas para a aplicação de multa.
A lei tem como uma de suas penalidades a cobrança de multas de até 20% do faturamento bruto das empresas. A Receita Federal tem negado passar os dados, alegando sigilo fiscal, e as empresas também têm feito o mesmo em relação ao fornecimento dos dados em alguns locais.
Na avaliação de especialistas, apesar de alguns estados ainda não terem regulamentado a lei, a aplicação tem crescido e mudado o comportamento das empresas. Dizem ainda que, a despeito de algumas barreiras, isso não impede que a lei seja aplicada no país.
A aplicação já atingiu empresas de diferentes setores, como construtoras, fornecedora de material hospitalar, prestadora de serviço de manutenção e concessionárias de rodovias.
Edmar Camata, secretário estadual de Controle e Transparência do Espírito Santo, disse que a maior dificuldade está em obter os dados de faturamento das empresas com a Receita. No ofício mais recente enviado à controladoria do estado, a Receita alegou sigilo fiscal dos dados e disse que não estaria autorizada a passá-los sem prévia autorização judicial.
COLUNA | SUPREMO SAI DERROTADO DAS ELEIÇÕES NO CONGRESSO
CAROLINA BRÍGIDO/ ÉPOCA
Não era segredo para ninguém que transita no Supremo Tribunal Federal (STF) que os ministros, de um modo geral, torciam pela a vitória de Baleia Rossi (MDB-SP) e Simone Tebet (MDB-MS) nas eleições para o comando da Câmara dos Deputados e do Senado. Se, por um lado, o presidente Jair Bolsonaro se fortaleceu com a escolha dos oponentes, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG); esse resultado representou derrota para a Corte. No Supremo, os derrotados eram vistos como interlocutores mais fáceis na negociação de assuntos de interesse do Judiciário.
Simone Tebet era a preferida dos ministros do Supremo, em detrimento de Pacheco, por ser considerada mais bem preparada e com trânsito melhor na Corte. O novo presidente do Senado, no entanto, não é de todo descartado pelos ministros. Mês passado, a ministra Cármen Lúcia recebeu o senador em sua casa para um jantar, em um claro sinal de apoio. O elo entre os dois mineiros foi o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), que também estava no evento.
Derrota maior para o Supremo, entretanto, foi a eleição de Lira para a Câmara. O deputado é réu em duas investigações na Corte. A relação entre o tribunal e o presidente de um Poder fica sempre mais melindrada quando o político é alvo de processo criminal.
Com Lira no cargo, o STF fica em uma situação delicada. Em tese, o deputado não pode assumir a presidência da República quando Bolsonaro e o vice, Hamilton Mourão, estiverem fora do país. Na linha sucessória, o presidente da Câmara substituiria ambos. No entanto, como Lira é réu, ele estaria impedido de assumir a principal cadeira do Palácio do Planalto, como apregoa a Constituição Federal.
Mas há no tribunal alguns ministros que consideram Lira apto a ocupar a presidência da República. Isso porque a defesa do deputado apelou contra a abertura das ações penais, e esses recursos ainda não foram julgados. Partidos de oposição já estudam entrar no Supremo com um pedido para que os ministros declarem que, como réu, Lira não pode substituir Bolsonaro e Mourão.
Além disso, Baleia Rossi era visto com mais simpatia por ministros do Supremo, por ser mais diplomático e agregador. Rossi tinha a vantagem de ser apoiado pelo ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) - que conseguiu, ao longo do mandato, firmar uma relação de proximidade com integrantes do tribunal.
Mas por que o STF precisa manter um bom relacionamento com o Congresso? É de interesse da gestão do ministro Luiz Fux negociar vários projetos com os parlamentares. Entre os temas estão questões de Direito Tributário e projetos para facilitar o sistema de recursos no Judiciário.
Fora isso, tem o conflito de sempre entre Congresso e Supremo. Nas últimas décadas, tem sido comum ver grupos parlamentares derrotados no Congresso que recorrem à Corte para tentar reverter a situação. Essa chamada judicialização da política tem sido criticada por ministros do Supremo - por Fux, inclusive. Com um diálogo mais estreito entre a Corte e as casas legislativas, fica mais fácil evitar esse tipo de situação.