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Câmara mantém prisão de deputado bolsonarista Daniel Silveira

Felipe Frazão, André Shalders e Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo

18 de fevereiro de 2021 | 10h33

BRASÍLIA – A  Câmara decidiu nesta sexta-feira, dia 19, manter a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), aliado do presidente Jair Bolsonaro. Por 364 votos a 130 e 3 abstenções, o plenário referendou a prisão que havia sido aprovada por unanimidade no Supremo Tribunal Federal (STF) e evitou um choque institucional entre os poderes Legislativo e Judiciário.

O placar demonstrou a falta de apoio a Silveira, eleito na esteira do bolsonarismo com o discurso da antipolítica. O Centrão, que apoia o governo, e a oposição se uniram contra o deputado. Bolsonaro, no entanto, evitou declarações públicas em defesa do aliado. Segundo interlocutores, a intenção foi não envolver o Palácio do Planalto na polêmica.

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"A sessão de hoje não deixou nenhum deputado em clima de felicidade. É muito sacrificante para todos. Todos sabem o que significa para a Câmara o dia de hoje", afirmou o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), após a votação."Esse caso foi extremamente lateral, fora da curva e não vai se repetir", completou. Ele anunciou a criação de uma comissão de deputados para regulamentar o artigo da Constituição que prevê as hipóteses em que um parlamentar pode ser preso. 

Daniel Silveira
O deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) Foto: Câmara dos Deputados/Divulgação

Silveira foi preso na noite de terça-feira, dia 16, em Petrópolis (RJ), horas depois de gravar e veicular na internet um vídeo com ameaças e xingamentos a ministros do Supremo, defender a cassação deles e fazer apologia ao Ato Institucional nº 5 (AI-5) e à ditadura militar. O deputado já era investigado por associação criminosa para tentar subverter a ordem política e a democracia. Silveira é alvo dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos. Desde quinta-feira, dia 18, o ex-cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro está recolhido no Batalhão Especial Prisional da PM em Niterói (RJ). 

Sob pressão do Supremo e do Palácio do Planalto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), agiu para tentar um acordo e amenizar a situação de Silveira. Mas nenhuma operação de bastidor deu certo. Primeiro, consultou o ministro Alexandre de Moraes; em seguida os demais ministros; sugeriu um acordo na reunião de líderes para que a Mesa Diretora afastasse Silveira e o plenário votasse a suspensão do mandato, em vez da prisão ordenada pelo STF; por último, trocou a relatoria do caso horas antes da votação. Aliados de Lira também tentaram encerrar a discussão o mais rápido possível. 

Relatora do processo,  a deputada Magda Mofatto (PL-GO), deu um parecer a favor da manutenção da prisão, em um relatório em que fez uma defesa enfática da democracia. favorável à manutenção da prisão do colega, sob o argumento de que ele transformou o mandato na Câmara em uma “plataforma de propagação do ódio”. Mofatto, que também é bolsonarista, considerou a prisão “correta, necessária e proporcional” e fez questão de ler trechos do que foi dito pelo deputado no vídeo publicado por ele nas redes sociais.

"Temos entre nós um deputado que vive de atacar a democracia e as instituições e transformou o exercício de seu mandato em uma plataforma de propagação do discurso do ódio, de ataques a minorias, de defesas de golpes de Estado e de incitação à violência contra autoridades públicas", afirmou a deputada. 

Ela assumiu o caso nesta sexta-feira e disse que considerava a decisão do Supremo “correta, necessária e proporcional”. Da tribuna da Câmara, Mofatto disse que considerou as ameaças “gravíssimas” e repetiu os xingamentos e provocações com palavras de baixo calão proferidas por Silveira. Leia a íntegra do parecer da relatora

“É preciso traçar uma linha e deixar claro a diferença entre a crítica contundente e o verdadeiro ataque às instituições democráticas. Temos entre nós um deputado que vive a atacar a democracia e as instituições e transformou o exercício do seu mandato numa plataforma para propagação do discurso do ódio, ataques a minorias, defesa de golpes de Estado e incitação à violência contra autoridades públicas”, disse Mofatto. “Não há regime democrático, na Europa ou América Latina, que, a partir do direto à liberdade de expressão ou qualquer outro direito fundamental, tolere a defesa de ditaduras, a discriminação de minorias, e a apologia explicita à ruptura da ordem constitucional. Mesmo nos Estados Unidos, país onde a liberdade de expressão adquire maior estatura e alcance quando comparada a outros direitos fundamentais, ameaças críveis de violência e integridade física de terceiros não encontram amparo na lei maior.” 

Ao se defender, Silveira pediu cinco vezes desculpas pelas críticas aos ministros do Supremo e chegou a dizer que a Corte é uma instituição muito importante. “Eu me excedi”, disse ele, em participação por videoconferência do batalhão da PM onde está preso. “Peço desculpas a qualquer brasileiro que tenha se insultado com isso, mas já me arrependi. Quem nunca fez isso na vida? Já tivemos conflitos, debates, ideias e ainda assim a democracia sempre venceu", afirmou ele, em um apelo para que os colegas o libertassem, o que não ocorreu. 

No plenário da Câmara, poucos deputados compareceram presencialmente para acompanhar a votação – a maioria participou da sessão de forma remota.  

Nos discursos, a maior parte das intervenções foi de deputados dos partidos de oposição e de bolsonaristas aliados a Silveira. Os partidos do Centrão foram representados pela relatora, mas os demais deputados do grupo evitaram discursar para se posicionar sobre a manutenção da prisão do deputado carioca.

Ao orientar as bancadas, porém, apenas quatro partidos defenderam a soltura de Silveira – PSL, PTB, Novo e PSC.

Acordo naufragou após 11 a 0 no STF

Como mostrou o Estadão, a tentativa de derrubar a prisão começou a naufragar quando os ministros do STF votaram por 11 a 0 a favor do flagrante. E se fragilizou quando a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou o deputado criminalmente, por grave ameaça e agressão verbal contra ministros e incitar a animosidade entre o tribunal e as Forças Armadas e o emprego de violência e grave ameaça para tentar impedir o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário.

Em discurso no plenário, Lira indicou que a maioria da Casa votaria a favor da prisão. Pressionado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e por empresários a não travar a pauta da Câmara e atrasar a votação de matérias econômicas, como o auxílio emergencial e reformas econômicas, Lira clamou a Câmara a resolver o “impasse” e “não perder o foco”. Ele disse que o episódio era um “ponto fora da curva”.

Dizendo-se ferrenho defensor da inviolabilidade da atividade parlamentar, comunicou a instauração de uma comissão extraordinária para propor uma regulação mais clara do artigo 53 da Constituição. Segundo o presidente da Câmara, uma alteração é necessária para que “nunca mais” os poderes Legislativo e Judiciário “corram o risco de trincarem a relação de altíssimo nível”. Ele disse que o caso ultrapassou o plano do razoável e passou a orbitar a atmosfera da irresponsabilidade. Por outro lado, classificou a prisão também como “intervenção extrema”. Ele disse que a Câmara não toleraria abuso de prerrogativas.

“Sou ferrenhamente defensor da inviolabilidade do exercício da atividade parlamentar. Mas, acima de todas as inviolabilidades, está a inviolabilidade da Democracia. Nenhuma inviolabilidade pode ser usada para violar a mais sagrada das inviolabilidades, a do regime democrático”, disse Lira.

“Os momentos de turbulência são da própria natureza da democracia, mas uma democracia sólida é e será sempre mais forte do que todas as turbulências. Tenho certeza de que a grande maioria desta Casa, entre os quais me incluo, respeita a instituição máxima do Poder Judiciário brasileiro.”

Pedido de desculpas

O deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) mudou de tom nesta sexta-feira e, ao se defender na sessão da Câmara que decide se mantém ele na cadeia, e pediu "desculpas" pelas declarações. Em apelo aos colegas, disse que "qualquer um pode exagerar" e atribuiu as falas a um "momento passional".

"Assisti ao vídeo 3 vezes. Realmente, minhas palavras foram duras até para mim mesmo. Compreendi que eu tinha outra forma de expressar a minha fala", afirmou ele, que repetiu o termo "desculpas" por cinco vezes no discurso. 

Em vídeo publicado nas redes sociais, no dia da prisão, Silveira atacou os magistrados do STF após o ministro Edson Fachin classificar qualquer forma de pressão sobre o Judiciário como “intolerável”. As declarações de Fachin foram feitas depois da revelação de que mensagens publicadas no Twitter em 2018 pelo ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas – na véspera do julgamento de um habeas corpus impetrado na Corte em defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – haviam passado pelo crivo do Alto Comando do Exército. O ato foi interpretado por magistrados como uma tentativa de interferência no Supremo naquele ano eleitoral.

Antes de Silveira, o presidente da Câmara abriu a sessão em um discurso recheado de recados ao Supremo. Diante do cenário para manutenção da medida do Supremo, Lira defendeu uma discussão que evite novas decisões "extremas" do Judiciário contra parlamentares.

"Aos que têm responsabilidade, essa intervenção extrema sobre as prerrogativas parlamentares deve ser o que foi, um ponto fora da curva, sob o risco de banalizarmos excessos que pelo caminho oposto ultrapassariam o plano do razoável e passariam a orbitar também a atmosfera da irresponsabilidade", discursou Lira no plenário.

O presidente da Câmara anunciou a criação de uma comissão na Casa para discutir mudanças legislativas e, de acordo com ele, "nunca mais, Judiciário e Legislativo corram o risco de trincarem a relação de altíssimo nível das duas instituições".

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