O Brasil é inteiramente rasgado pela corrupção; sem ela, ele não anda
Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP. / FOLHA DE SP
Concupiscência significa uma atração irresistível pelo vício. Termo comumente usado por Santo Agostinho (354-430) para se referir à nossa natureza humana. Contrato de concupiscência, nesse sentido, seria o contrato social mediado pelas variadas formas de vícios que compõem o tecido humano e suas instituições.
A corrupção, diretamente ligada à concupiscência, habita a estrutura profunda da realidade. Está em toda parte, mas em algumas ela faz maior estrago porque as instituições são mais frágeis, e, portanto, a corrupção salta aos olhos.
Onde houver dinheiro, poder e sexo, a corrupção estará. Você conhece algum lugar em que esse tripé, que move o mundo, não esteja contemplado do cotidiano comum às profundezas institucionais?
A instituição que melhor entende do assunto é a Igreja Católica: 2.000 anos no mercado. Toda e qualquer instituição, religiosa ou não, navega por águas tempestuosas quando se trata do caráter humano.
O Ministério da Saúde é sabidamente um dos maiores “clusters” —aglomerados— de corrupção em Brasília. Lida com o essencial: vida e morte. Importação de medicamentos, tecnologia, enfim, a peste só poderia ser uma imensa janela de oportunidades. A rede de corrupção, portanto,se pôs a funcionar. E todo mundo sabe disso. E por que ninguém faz nada? Simples: a corrupção faz parte do jogo, em maior ou menor grau.
Estamos diante de uma gramática do poder: aqui a virtude é que atrapalha. Quando vivemos num contrato de vícios, a economia moral é da mesma natureza.
A natureza humana tende à corrupção e, portanto, como diz o filósofo e historiador do pensamento conservador anglo-americano Russel Kirk, no seu magnífico “The Conservative Mind”, traduzido no Brasil pela É Realizações (“A Mentalidade Conservadora”), o problema é moral, antes de político.
Casos como esses podem ser encontrados em grandes empresas que emplacam um branding politicamente correto, mas molham a mão de quem for necessário para agilizar negócios do bem.
Em se tratando dos três Poderes da República, você pode fazer carreira pregando o combate à desigualdade social e estar envolvido em todo tipo de corrupção, como vimos na recente história de partidos à esquerda no Brasil. Bolsonaro está corrompendo as polícias com uma política de acesso à casa própria, na nossa cara.
Você pode ver figuras do Legislativo pedindo a cabeça do Poder Executivo federal —com razão— pela morte de milhares de brasileiros pela Covid-19, que, todos suspeitam, estão historicamente envolvidos com trilhas de corrupção em grande escala, em seus domínios de poder. A ideia de que o Judiciário esteja à parte dessa contaminação é para iniciantes ou para medrosos que morrem de medo do poder da toga.
O Estado brasileiro é inteiramente rasgado pela corrupção. Sem ela, ele não anda. O problema vai dos fiscais ao rei, claro, com honrosas exceções, que, provavelmente, não terão grande sucesso na carreira, como policiais pobres.
A corrupção pode funcionar no nível da microfísica do poder, alimentada pela vaidade que busca a relevância pública, aprovação em concursos, promoções profissionais, indicação para cargos de confiança —denominação irônica, não? Neste caso, a expressão “uma mão lava a outra” é conceito e não ditado popular. Se não envolver dinheiro, envolve poder ou sexo.
Ninguém pode denunciar de modo radical esse nível da corrupção porque, se o fizer, perde amigos, trabalho, futuro e o casamento —ficará pobre facilmente.
Você pode fazer carreira combatendo institucionalmente a corrupção em busca de sucesso, dinheiro, poder e sexo, e quando estes elementos estão presentes, a corrupção pode vir pelas mãos da beleza, da doçura e da amizade. Pessoas bem-educadas não perdem a compostura diante dos vícios alheios porque elas têm os seus próprios.
A vida é frágil, bruta e breve, logo, aberta a qualquer esquema que a torne mais forte, suave e longa. Quando a cidade é corrupta, melhor se abrigar da tempestade de água e areia que a devasta, e viver à distância do poder, disse Platão na “República”.
O tempo, senhor da razão
03 de julho de 2021 | 23h00
O presidente Jair Bolsonaro vai afundando em denúncias e investigações na CPI da Covid, no Supremo, no Ministério Público e na Polícia Federal e passa a conviver com manifestações nas ruas do País e uma lista robusta de pedidos de impeachment. Porém, muita água ainda vai rolar e a questão é se o tempo conta a favor ou contra Bolsonaro.
Para a oposição, cada vez mais ampliada e ativa, Bolsonaro exagerou no seu negacionismo tacanho na pandemia, desdenhou das agora mais de 520 mil mortes, disseminou a ameaça de golpe e se perdeu num caminho sem volta.
Quanto mais o tempo passa e a CPI avança, mais demolidor será o arsenal de notícias e denúncias. A economia, com desemprego desesperador, não vai zerar a conta.
No cálculo da oposição, o melhor momento da recuperação da economia é 2021, porque a base é muito baixa e infla o índice, mas ainda assim essa recuperação é lenta e deve ser ainda mais lenta em 2022. Além disso, o PIB é um dado subjetivo e o que pesa eleitoralmente são inflação, que está acima da meta; juros, que bateram no menor índice da história, mas já voltaram a subir e vão continuar subindo; e o desemprego, desesperador e resiliente.
Já para o governo e os bolsonaristas, cada vez mais restritos e belicosos, o tempo conta a favor de Bolsonaro. A pandemia está passando. A recuperação econômica é frágil, mas é melhor do que o mercado previa e a Bolsa já recebeu R$ 48 bilhões de capital estrangeiro. Bolsonaro, que não dá a mínima para as contas públicas, vai despejar milhões, ou bilhões, em bolsões estratégicos do eleitorado (policiais, evangélicos, mais pobres...) E o fantasma do PT ainda é forte cabo eleitoral de Bolsonaro.
No cálculo governista, a questão chave é vacina. Todo o desgaste está concentrado em 2021, com as mortes, a confirmação do quanto Bolsonaro vetou a Coronavac e as revelações de como ele e seu governo desprezaram a Pfizer e só contrataram o mínimo do consórcio Covax Facility, mas correram alegremente atrás de vacinas mequetrefes, de origem estranha, personagens estranhos, empresas estranhas e preços estratosféricos.
Para os bolsonaristas, “daqui pra frente, tudo será diferente”, como canta Roberto Carlos. A vacinação completa, que neste julho mal atinge 13% dos brasileiros, terá avançado muito e deverá chegar a 2022 com 70% da população imunizada, impactando positivamente o humor nacional, o número de mortes, a economia, os serviços e os empregos na “hora certa”. A oposição focará nos erros evidentes, o governo tentará capitalizar os resultados.
Falta combinar com dois adversários: a variante Delta, que se alastra pelo mundo e é mais contagiosa, e Jair Bolsonaro, que capricha em gol contra. Enquanto a oposição centra fogo no desastre criminoso e documentado da contratação de vacinas, a saída óbvia de Bolsonaro é atrair para ele o avanço da imunização.
Ele, porém, insiste até hoje em atacar a Coronavac. Não fosse ela, a vacinação no Brasil teria começado muito tempo depois e ainda mais gente morreria.
Há dúvidas, também, se o tempo corre a favor ou contra o ex-presidente Lula. Mesmo que Bolsonaro continue se deteriorando, as condições dele igualmente tendem a piorar. Até aqui, Lula é beneficiado por decisões do Supremo e por estar fora do foco. Quando a campanha esquentar, volta tudo de novo, com força: junto com os inegáveis méritos dos governos Lula, voltam Dilma Rousseff, mensalão, petrolão, fundos de pensão...
O pau quebra mesmo quando a eleição vai para as ruas, a TV e os algoritmos na internet. Bolsonaro e Lula já são vidraças e haverá estilhaços para todo lado, o que estimula, mas ainda não se configura, a tão esperada terceira via. Espaço há, mas falta o principal: quem, e com quem?
*É COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL (PE) E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA
Semeadores do caos ou a volta dos assaltantes do erário
Corruptissima re publica plurimae leges”. (Quanto mais corrupta é a República, mais leis ela possui - Tácito).
Revolte-se. Sim, revolte-se!
Os que assaltaram a nação querem novamente assaltá-la. Querem a derrubada do Presidente, querem desrespeitar você e seu voto, como sempre fizeram em governos anteriores. Os fatos são incontestáveis. Acompanhe:
Em 1984, os Militares entregam o governo aos Civis. Em eleição indireta Tancredo é eleito, adoece e morre. Sarney torna-se Presidente. O PT e outros partidos de esquerda pedem o Impeachment de Sarney.
Em 1990 assume Fernando Collor. O PT e outros partidos de esquerda pedem o Impeachment de Collor.
Em 1992 assume Itamar Franco. O PT e outros partidos de esquerda pedem o Impeachment de Itamar.
Em 1995 assume Fernando Henrique Cardoso. O PT e outros partidos de esquerda pedem o Impeachment de FHC.
Em 1998 FHC é reeleito. O PT e outros partidos de esquerda pedem o Impeachment de FHC.
Finamente, em 2002, o PT elege Lula, aparelha o estado brasileiro e durante 8 anos promove o maior assalto já feito a uma nação na história da humanidade.
Em 2011, o PT elege Dilma e o assalto continua, assim como o desprezo aos valores da nação e a exaltação dos valores comunistas.
Em 2016, reeleita pelo PT, Dilma é Impichada.
Em 2016 assume Temer, o vice, e governa até 2019. O PT e outros partidos de esquerda pedem o Impeachment de Temer.
Em 2019, contra tudo e contra todos Bolsonaro se torna Presidente. O PT e outros partidos de esquerda pedem o Impeachment de Bolsonaro.
Em 2021, os semeadores do caos assinam o que eles chamam de Super Pedido de Impeachment: PT, PDT, PSB, PCdoB, PSOL, ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia), Coalizão Negra por Direitos...
Note que pela linha do tempo desde 1984 o PT e seus aliados tentam, por todos os meios, retirar do poder qualquer um que seja eleito.
Semeiam o caos no país. Perceba que os “canhotas” e seus aliados já foram eleitos e promoveram o maior desgoverno da história, além de assaltar a nação. Foram ejetados do poder pelo seu voto.
Novamente entoam seu canto de sereia e dizem: nós somos os únicos que sabemos governar o país; nós sabemos escolher os melhores; nossa educação é a melhor; nossa saúde é uma beleza; nossos economistas são o máximo; o governo atual é incapaz; nosso governo foi um sucesso...
Mentiras, mentiras e mais mentiras! Revolte-se.
Dói na alma escutar o discurso dessa “gente inocente” que assaltou o Brasil.
Revolte-se. Use seu poder de voto. Impeça essa gente malévola que faz discursos fáceis imaginando que você é bobo.
Revolte-se! Esses bacanas entregaram o governo a Jair Bolsonaro com 13 milhões de desempregados e o país falido, quebrado e com uma elite que mama nas tetas da nação e que nunca pode ser punida, pois os “canhotas” criaram leis que as protegem.
Revolte-se. Decida ser livre. Étienne de La Boétie tinha apenas 18 anos quando escreveu o “Discurso da Servidão Voluntária”. O ano era 1548. Disse ele:
“Aquele que vos domina tanto só tem dois olhos, só tem duas mãos, só tem um corpo, e não tem outra coisa que o que tem o menor homem do grande e infinito número de vossas cidades, senão a vantagem que lhe dais para destruir-vos”.
Revolte-se, não para quebrar, matar incendiar. Sua revolta deve ser democrática, racional. Use a arma do voto. Use sua liberdade de escolha.
“De onde tirou tantos olhos com os quais vos espia, se não os colocais a serviço dele? Como tem tantas mãos para golpear-vos, se não as toma de vós? Os pés com que espezinha vossas cidades, de onde lhe vêm senão dos vossos? Como ele tem algum poder sobre vós, senão por vós? Como ousaria atacar-vos se não estivesse conivente convosco?”
Revolte-se, retire do poder em 2022, através do voto, os Deputados Federais, os Senadores e os Governadores que tramaram contra a nação.
“Que poderia fazer-vos se não fôsseis receptadores do ladrão que vos pilha, cúmplices do assassino que vos mata, e traidores de vós mesmos?”
Revolte-se contra os semeadores do caos. Eles querem, quando saem às ruas, torná-lo fraco e bebendo sua fraqueza se tornam fortes.
Querem, como sempre fizeram, que você acredite que votou errado. Querem controlar sua decisão, sua vontade. Querem que você seja parceiro das falcatruas que cometeram. Os assaltantes dos cofres públicos voltam às ruas pedindo que você seja comparsa de seus crimes.
Revolte-se!!
Carlos Sampaio
Professor. Pós-graduação em “Língua Portuguesa com Ênfase em Produção Textual”. Universidade Federal do Amazonas (UFAM)
Pessimismo desinformado ignora avanço da vacinação e novo drama da epidemia
Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).
A lambança de São Paulo na semana retrasada animou avaliações pessimistas desinformadas sobre a vacinação no estado e no Brasil. Haveria menos doses disponíveis, menos doses para o governo paulista e a prefeitura paulistana teria um calendário inexequível, dizia-se. Não é verdade.
O Brasil tem poucas doses por causa da perversidade criminosa de Jair Bolsonaro. Dado esse limite, houve avanço mais veloz em junho. O prognóstico para julho é bom. Os planos de aplicação acelerada da primeira dose, como os de São Paulo ou Rio, podem dar certo. O risco cada vez maior é de que esse plano leve uma rasteira da variante delta (antes dita indiana) e de outras cepas agressivas que se avizinham.
Em junho, o número de doses distribuídas aos estados aumentou 14% em relação a maio. Foi o maior até agora. Os brasileiros recebemos 1,1 milhão de doses por dia em junho (o recorde anterior fora em abril, com 821 mil doses diárias).
Em junho, São Paulo recebeu 21,2% das doses distribuídas pelo país (o estado tem 21,9% da população nacional, na projeção do IBGE, mas isso não é lá muito preciso). Ou seja, distribuição equânime.
Se mantiver o ritmo de vacinação diária do início de junho até agora, o estado de São Paulo cumprirá o objetivo de dar a dose 1 a todos os adultos até 1º de setembro (antes da meta de 15 de setembro); a capital, um par de dias depois. O Brasil daria dose 1 a todos de 18 anos ou mais no final de setembro.
Vai dar certo? Tem dado. Como se sabe, o futuro do plano depende de chegarem as vacinas previstas no cronograma do ministério da Saúde. No papel, haveria doses até para antecipar ainda mais esse calendário. Por ora, é possível fazer previsão realista apenas para julho.
O Butantan tem matéria-prima para fazer os 10 milhões de doses previstos para julho e já entregou outro milhão de doses prontas, que ficaram para este mês. A Fiocruz já tem insumo para fabricar 12 milhões de doses (das 15 milhões previstas pelo governo até faz pouco). Há uma “sobra” de Janssen, que a incompetência federal deixou dormindo no estoque. São 3 milhões de doses únicas. Para efeitos práticos e para comparar bananas com bananas, equivalem a 6 milhões de doses de Pfizer, AZ ou Coronavac.
A entrega dos 15 milhões de Pfizer seria a incógnita maior. Mas a empresa tem entregue o produto no prazo, se não antes, controla seus insumos, sofre pouca influência de governo e está sobrando vacina nos EUA.
Butantan e Fiocruz se dizem otimistas quanto a agosto –receberiam insumos da China no prazo. Mas sabe-se lá. No papel, só de Pfizer chegariam mais de 34 milhões de doses em agosto e outro tanto em setembro.
Em suma, dentro da nossa miséria vacinal, a perspectiva é de avanço até entrado agosto. O problema é o descontrole da epidemia.
Estamos faz quatro meses na “segunda onda”. Em São Paulo, esse horror começou no início de março, teve pico em abril e continua até agora. O número de internados em UTIs tem baixado, mas ainda é de 9.833. É o menor desde 16 de março, mas, em novembro, chegou a ser de menos de 3 mil. Ainda morrem 506 pessoas de Covid por dia no estado. No final de outubro, eram cerca de 90 por dia.
A disseminação do vírus ainda é grande, talvez menos mortífera nos dias recentes porque muita gente já foi infectada e/ou tomou dose um ou as duas doses. Mas há variantes agressivas do vírus rondando. Não temos imunizados bastantes ou organização para combatê-las. A Europa tem e ainda assim sofre o drama. Vamos conversar em breve sobre isso, aqui.
Propostas para reduzir poder de presidente da Câmara no impeachment empacam
Projetos de lei apresentados por parlamentares com a finalidade de reduzir o poder que o presidente da Câmara dos Deputados tem para segurar pedidos de impeachment do presidente da República estão há anos em discussão sem apoio suficiente para avançar.
Pelo menos oito propostas foram apresentadas com esse objetivo desde 2015, ano em que o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), pôs em marcha uma das denúncias contra a presidente Dilma Rousseff (PT), que levou ao seu afastamento do cargo poucos meses depois, em 2016.
Um dos projetos, que fixava prazo de 15 dias para que o presidente da Câmara despachasse pedidos de impeachment, foi arquivado há dois anos. Os demais continuam em discussão nas comissões da Câmara, sem perspectiva de avançar e chegar ao plenário, conforme levantamento feito pela Folha.
O projeto mais recente foi apresentado em maio por Henrique Fontana (PT-RS), introduzindo na legislação dispositivos que permitiriam a um grupo formado por 171 deputados, um terço dos membros da Câmara, submeter diretamente à avaliação do plenário denúncias contra o presidente da República.
De acordo com a proposta, se o requerimento fosse aprovado por 257 votos, isto é, metade mais um dos 513 deputados, o presidente da Câmara seria obrigado a instalar a comissão especial encarregada de examinar a denúncia, etapa inicial necessária para abertura de um processo de impeachment.
"Esse poder imenso na mão do presidente da Câmara é uma distorção", diz Fontana. Sua proposta mantém as demais etapas do rito do impeachment sem alteração. Em caso de parecer favorável da comissão especial, são necessários 342 votos para dar início ao processo e afastar o presidente.
Cidadãos e organizações da sociedade civil apresentaram até agora 125 pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro, segundo a Agência Pública. Seis foram arquivados, mas os outros seguem sem definição porque o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se recusa a encaminhá-los.
A Lei 1.079, de 1950, que define os crimes de responsabilidade e as regras para processos de impeachment, diz que cabe ao presidente da Câmara receber denúncias contra o presidente da República e arquivá-las ou encaminhá-las, mas não estabelece prazo para ele tomar a decisão.
Líder do centrão e principal aliado de Bolsonaro no Congresso, Lira diz que não haveria condições para o impeachment hoje, por falta de apoio na sociedade e no plenário da Câmara. Seu antecessor, Rodrigo Maia (sem partido-RJ), também segurou as denúncias apresentadas contra Bolsonaro.
Um dos projetos em tramitação na Câmara, que estabelece prazo de 30 dias para o presidente da Câmara decidir o que fazer com as petições, chegou a ser levado por Maia ao plenário, mas nunca foi votado. "Não houve consenso entre os líderes partidários", diz Denis Bezerra (PSB-CE), autor da iniciativa.
Em abril, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) apresentou mandado de injunção ao Supremo Tribunal Federal para pedir que a corte estabelecesse um prazo para o presidente da Câmara. A ministra Cármen Lúcia negou seguimento à ação, apontando razões processuais para descartar o pedido.
Segundo ela, as regras do processo de impeachment estão definidas pela legislação e não há nada na Constituição que exija a fixação de um prazo para o presidente da Câmara. O estabelecimento do prazo pelo tribunal representaria uma interferência indevida no Legislativo, acrescentou Cármen.
Na quinta (1º), o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) e o deputado federal Rui Falcão (PT-SP) impetraram mandado de segurança no Supremo com o mesmo objetivo, em que questionam a omissão de Arthur Lira ao se recusar a cumprir as formalidades do exame inicial dos pedidos de impeachment.
No ano passado, o STF rejeitou pedido de um advogado de Brasília para que o Senado fosse obrigado a dar andamento a um pedido de impeachment do ministro Gilmar Mendes. A lei atribui ao presidente do Senado a decisão inicial sobre denúncias contra os ministros do tribunal.
Segundo o levantamento da Folha, deputados federais apresentaram 74 propostas de mudança na legislação do impeachment desde o fim da ditadura militar (1964-1985), incluindo projetos de alteração da lei de 1950 e do Regimento Interno da Câmara e emendas à Constituição de 1988.
O objetivo principal da maioria das propostas é ampliar a lista de crimes de responsabilidade que podem levar à abertura de um processo. Quase nenhuma chegou ao plenário, e 26 foram arquivadas, em geral por não terem sido apreciadas antes do fim da legislatura em que começaram a tramitar.
Dos 74 projetos, 39 foram apresentados nos últimos seis anos, período que coincide com o afastamento de Dilma Rousseff e a avalanche de denúncias contra Bolsonaro. Projetos do início da década de 1990, quando Fernando Collor foi alvo de impeachment, ainda tramitam na Câmara.
"O sistema torna o presidente da República refém do presidente da Câmara", diz o ex-deputado Miro Teixeira (PDT-RJ). "Com o poder que ele tem de decidir sozinho o que fazer com os pedidos de impeachment, não há qualquer possibilidade de recurso se ele não fizer nada, como acontece hoje."
A legislação só permite recurso ao plenário em caso de arquivamento de uma denúncia. Em 2015, quando Eduardo Cunha deflagrou o impeachment de Dilma, Teixeira apresentou um projeto para prever possibilidade de recurso também em caso de aceitação de denúncia. A proposta nunca foi a votação.
Só dois dos 74 projetos viraram lei. O primeiro inscreveu no Regimento Interno da Câmara a exigência de votação aberta para abertura dos processos de impeachment. O outro, de iniciativa do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), acrescentou à lista de crimes de responsabilidade as violações à Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000.
Projetos que têm ministros do Supremo como alvo também não têm avançado. Em maio deste ano, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara rejeitou proposta do deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) que permitiria processar integrantes do tribunal acusados de usurpar competências do Legislativo.
Um projeto apresentado em 2008 pelo chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, que se licenciou do mandato de deputado para ser ministro de Bolsonaro, também está parado na Câmara. Ele inclui entre os crimes de responsabilidade do presidente a falta de liberação de verbas para emendas parlamentares e seu uso para influir em votações no Congresso.
O CAMINHO DO IMPEACHMENT
- O presidente da Câmara dos Deputados é o responsável por analisar pedidos de impeachment do presidente da República e encaminhá-los.
- O atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é aliado de Jair Bolsonaro. Ele pode decidir sozinho o destino dos pedidos e não tem prazo para fazê-lo.
- Nos casos encaminhados, o mérito da denúncia deve ser analisado por uma comissão especial e depois pelo plenário da Câmara. São necessários os votos de pelo menos 342 dos 513 deputados para autorizar o Senado a abrir o processo.
- Iniciado o processo pelo Senado, o presidente é afastado do cargo até a conclusão do julgamento e é substituído pelo vice. Se for condenado por pelo menos 54 dos 81 senadores, perde o mandato.
- Os sete presidentes eleitos após a redemocratização do país foram alvo de pedidos de impeachment. Dois foram processados e afastados: Fernando Collor (1992), que renunciou antes da decisão final do Senado, e Dilma Rousseff (2016).
Grupo de presidenciáveis do manifesto que apontou 3ª via se esfacela três meses após lançamento
Era uma vez um grupo de WhatsApp e um manifesto que sinalizou uma convergência de forças rumo à chamada terceira via, uma candidatura alternativa a Jair Bolsonaro (sem partido) e a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa pela Presidência da República em 2022.
Três meses depois do lançamento do Manifesto pela Consciência Democrática —assinado por Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB), Luciano Huck (sem partido), Luiz Henrique Mandetta (DEM), João Amoêdo (Novo) e Eduardo Leite (PSDB)—, pouco restou dessa história.
O grupo de mensagens criado para discutir o texto em defesa da democracia publicado no dia 31 de março, quando o golpe que instaurou a ditadura militar (1964-1985) completou 57 anos, caiu no ostracismo, enquanto dois dos autores saíram da lista de presidenciáveis.
Entre os que restaram, um natural e previsível distanciamento se impôs. Apesar disso, as conversas de partidos e políticos, especialmente no centro e na centro-direita, se expandiram para além do sexteto e incluíram outros nomes, dando sobrevida ao esforço para romper a polarização.
O primeiro signatário do manifesto a deixar o posto de pré-candidato foi Amoêdo, que desistiu da empreitada no último dia 10, em meio a um embate com a ala bolsonarista do Novo. O recuo do empresário foi motivo de surpresa, visto que o partido já tinha anunciado sua escolha.
Uma semana depois, foi a vez de Huck. O apresentador confirmou no dia 16 que estava trocando os planos políticos pelos domingos da TV Globo, com a saída de Fausto Silva. A desistência, esperada nos bastidores havia semanas, frustrou grupos que apostavam nele como a figura da coesão.
Com a adesão ao documento, foi a primeira vez que o comunicador colocou seu nome ao lado do de outros postulantes declarados ao Planalto. Até então, Huck não confirmava nem negava a possibilidade de se aventurar nas urnas.
A carta em louvor às instituições democráticas foi uma resposta à maior crise militar no país desde 1977, com a renúncia coletiva dos três comandantes das Forças Armadas por causa de discordâncias com Bolsonaro. Na ocasião, também houve atos em capitais em comemoração do golpe militar.
Rusgas do passado, divergências ideológicas e guerras de vaidades, contudo, já despontavam como obstáculos para uma aliança ampla no sexteto, tornando baixa a chance de uma candidatura única.
À exceção de Ciro, todos os signatários são identificados na opinião pública como simpatizantes de Bolsonaro no segundo turno de 2018, mas hoje se declaram na oposição ao mandatário. Além do antibolsonarismo, o grupo se une na defesa do antipetismo, mas sobram diferenças.
O pedetista, por exemplo, sempre foi visto como uma peça desgarrada, por vir da centro-esquerda e ter um histórico de críticas a integrantes como Doria e Huck. Ciro, que busca alianças no centro para viabilizar sua quarta campanha presidencial, participou mais pela causa do que por cálculo eleitoral.
O afastamento ficou mais claro desde então, à medida que ele avançou com sua pré-campanha no PDT, contrariando o discurso de outros membros de que um diálogo rumo à composição só seria frutífero se todos se dispusessem a abrir mão de projetos pessoais em benefício da unidade.
A presença do ex-ministro de Lula em um documento coalhado de nomes mais à direita e a aparição inédita de Huck ao lado de presidenciáveis ofuscaram a presença de Doria, que demonstrou desconforto com a falta de protagonismo na repercussão do lançamento do texto.
O paulista, àquela altura consolidado como aspirante à Presidência, ainda teve que dividir espaço com um colega de PSDB, o governador do Rio Grande do Sul. Hoje Doria e Leite estão entre os quatro adversários que rivalizam nas prévias para a definição do candidato do partido.
Para o primeiro, o desafio é capitalizar politicamente o trabalho feito para trazer a vacina chinesa Coronavac ao país. Além disso, falta a Doria quebrar resistências entre partidos e atores que acreditam na terceira via. Ele também amarga rejeição em pesquisas, sobretudo no Nordeste.
Já o gaúcho, que ganhou projeção nos últimos dias após se declarar homossexual, precisa superar as barreiras da disputa interna na legenda e da baixa taxa de conhecimento nacional. Leite, contudo, é tido como um nome relativamente palatável para eventuais alianças eleitorais.
Idealizador do manifesto, Mandetta diz que não considera a iniciativa um fracasso. Segundo o ex-ministro da Saúde do governo Bolsonaro, o objetivo maior era lançar um alerta em prol da democracia, o que se cumpriu, e os diálogos no campo do centro evoluíram de lá para cá.
"Naquele momento, o debate estava muito em função de nomes. Por isso, falei: vamos andar mais em direção a partidos", afirma ele, que é pré-candidato do DEM e tem atuado para aproximar representantes de várias legendas. "Não adianta falar de candidatos sem pensar em partidos."
No último dia 16, horas após a formalização da desistência de Huck, o presidenciável realizou em Brasília um almoço com dirigentes e integrantes de sete siglas de centro-direita e de centro-esquerda —DEM, PSDB, MDB, PV, Cidadania, Podemos e Solidariedade.
Ao fim do encontro, anunciou-se o consenso de que ninguém ali pretende se incorporar a Bolsonaro ou Lula, pelo menos não no primeiro turno. Convidados, os presidentes do PDT, Carlos Lupi, e do PSL, Luciano Bivar, não compareceram sob a justificativa de que já tinham marcado outros compromissos.
De acordo com Mandetta, seu papel tem sido o de "provocar os partidos" em busca de coalizões. "Ressalvei que todos eles podem ter seus pré-candidatos. Isso não anula a conversa partidária. Precisamos criar uma força gravitacional plural e ampla, para fazer frente a Lula e a Bolsonaro."
"Os nomes vão aparecer em função dos espaços políticos que forem criados. Se vai ter um nome capaz de aglutinar todos, hay que ver [é preciso ver]. O que não podemos deixar é de debater o Brasil, os problemas reais e o projeto de país que queremos, de reconstrução e de esperança", acrescenta.
Sobre o desfecho do manifesto, ele resume: "O Huck se orientou por uma questão pessoal e profissional, o PSDB caminhou para as prévias, o Ciro continuou com a sua pré-candidatura e vem dialogando com os partidos, e o Amoêdo recuou, mas continua participando e dando ideias".
O ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, que foi sondado para assinar o texto, mas declinou alegando impedimentos contratuais com a consultoria para a qual trabalha, continua sendo uma incógnita para as eleições. Partidos e apoiadores da Operação Lava Jato o incentivam a se candidatar.
"O Moro tem uma posição muito reservada", diz Mandetta. "Deve estar refletindo, tem o tempo dele."
Amoêdo confirma que se mantém na saga da terceira via, mesmo fora da posição de presidenciável. "O que me levou a desistir [da candidatura] foi que senti uma indefinição do partido em relação a ser uma oposição firme a Bolsonaro. Sem essa clareza, isso me deixou inseguro."
Segundo ele, o texto divulgado pelo sexteto foi importante para exaltar a democracia em um momento que ela estava sob ataque. "Mas sempre entendi que existiam muitas dificuldades dentro do grupo, a começar pelos partidos. O PSDB e o DEM, por exemplo, não têm clareza de candidatura."
Apesar dos entraves, Amoêdo se diz otimista. "A gente ainda continua com poucas opções na terceira via, mas vai se criando um caminho para que lá na frente, se houver convergência de ideias e disposição daquele que tem maior chance, ocorra uma junção eventualmente em torno de um nome."
Huck também tem afirmado que não se afastará do debate público e trabalhará, ainda que fora dos holofotes, pela fabricação de uma candidatura de perfil moderado. Procurado, ele não se manifestou.
Pesquisa do Ipec divulgada na sexta-feira passada (25) mostrou Lula com 49% das intenções de voto no primeiro turno e Bolsonaro com 23%. Na sequência, aparecem Ciro (7%), Doria (5%) e Mandetta (3%). Outros 10% disseram preferir votar em branco ou nulo —3% não responderam.
POSSÍVEIS CANDIDATOS DA CHAMADA TERCEIRA VIA PARA 2022
- Ciro Gomes - É quem tem a pré-candidatura mais avançada e maior apoio do próprio partido, o PDT
- João Doria, Eduardo Leite, Tasso Jereissati e Arthur Virgílio - Disputam as prévias do PSDB, em novembro
- Luiz Henrique Mandetta - É pré-candidato do DEM a presidente, mas também visto como um bom vice
- Rodrigo Pacheco - Hoje no DEM, é desejado pelo presidente do PSD, Gilberto Kassab, para se candidatar
- Alexandre Kalil, Ratinho Jr. e Antonio Anastasia - São nomes do PSD ventilados pelo dirigente do partido
- Michel Temer - Ex-presidente é lembrado por aliados do MDB, embora oficialmente descarte concorrer
- Simone Tebet - Senadora tem o apoio de alas do MDB e ganhou força com atuação na CPI da Covid
- Sergio Moro - Distante do debate eleitoral, ainda é assediado por partidos e políticos para que dispute
- José Luiz Datena - Fez acordo para se filiar ao PSL e quer testar seu nome em pesquisas para se decidir
- Danilo Gentili - Sem filiação, humorista foi estimulado pelo MBL (Movimento Brasil Livre), mas é dúvida