A história se repete, 23 anos depois
Dois de setembro de 1992. O pedido de impeachment contra o então presidente Fernando Collor, assinado por Barbosa Lima Sobrinho, era acolhido pelo presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro. Enquanto o Brasil vivia às voltas com a hiperinflação, a popularidade de Collor se deteriorava, manifestantes ocupavam as principais avenidas do País em favor de sua saída e o Planalto dava demonstrações de que não sabia como mudar o panorama desfavorável. No Congresso, Collor não sabia mais distinguir aliados de inimigos políticos. No dia 29 daquele mês, dois terços da Câmara aprovavam a abertura formal do processo de impeachment. O resto da história, todos sabem. Collor renunciou antes mesmo de o Senado concluir pelo seu afastamento.
DESCEU A RAMPA Ao lado da mulher Rosane, Collor deixava o Planalto em 29 de dezembro de 1992. Dilma corre o risco amargar o mesmo infortúnio
O cenário guarda semelhanças com o momento vivido hoje pela presidente Dilma Rousseff. Com a base política em frangalhos, Dilma, assim como Collor, terá de enfrentar um processo de impeachment em meio a uma crise econômica brutal. Em 1992, o ambiente inflamável embalava as manifestações de rua, exatamente como agora. Àquela altura, Collor amargava um índice de aprovação de apenas 9%, o mesmo ostentado por Dilma hoje.
Quase tudo em ruínas
Agora que tudo está em ruínas, exceto algumas instituições que resistem, não me preocupo em parecer pessimista. Quando anexei às listas das crises o grave momento ambiental, algumas pessoas ironizaram: el Niño? Naquele momento falava apenas da seca, da tensão hídrica, das queimadas e enchentes. Depois disso veio o desastre de Mariana, revelando o descaso do governo e das empresas que, não se contentando em levar a montanha, transformam o Doce num rio de lama.
No fim de semana compreendi ainda outra dimensão da crise. O Brasil, segundo especialistas, vive uma situação única no mundo: três epidemias produzidas pelo Aedes Aegypti (dengue, chikungunya e o zika vírus). O zika está sendo apontado como o responsável pelo crescimento dos casos de microcefalia. Sabe-se relativamente pouco sobre ele. E é preciso aprender com urgência. O dr. Artur Timerman, presidente da Sociedade Brasileira de Dengue e Arboviroses, considera a situação tão complexa como nos primeiros momentos da epidemia de aids.
Agora que está tudo em ruínas, restam os passos das instituições que funcionam, o prende aqui, prende lá, delata ou não delata, atmosfera de cena final, polícia nos calcanhares. Lembra-me a triste cena final do filme Cinzas e Diamantes, de Andrzej Wajda. A Polônia trocava um invasor, os nazistas, por outro, os comunistas: momento singular. No entanto, há algo de uma tristeza universal na Polonaise desafinada e no passeio do jovem casal por uma cripta semidestruída pelos bombardeios.
Aqui, a cena não é de filme de guerra, ocupação militar, mas de um thriller policial em que a quadrilha descoberta vai sendo presa progressivamente. Enquanto isso, não há governo para responder ao desemprego, empobrecimento, epidemias, mar de lama e ao sofrimento cotidiano dos brasileiros.
Uma luz no fim do túnel
Dilma Rousseff e Eduardo Cunha selaram seus próprios destinos na quarta-feira, quando romperam o impasse político que vinha paralisando o País desde o início do ano. Fizeram a catarse de suas angústias em dois pronunciamentos que justificam o aforismo que pontuou boa parte das análises e comentários publicados ontem nos meios de comunicação: a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude. Por seus próprios meios e méritos, a presidente da República e o presidente da Câmara dos Deputados, a partir de posições antagônicas, caminharam na direção do mesmo e merecido fim: o banimento da vida pública.
Cunha chega ao ocaso obrigado a lançar mão do valioso trunfo com que vinha hipocritamente chantageando o governo: o poder de decidir sobre o início do processo de impeachment da presidente. Daqui para a frente pouco lhe resta, senão usar sua influência minguante para a consecução da vendetta contra Dilma e o PT. O Conselho de Ética, onde seu destino político será decidido, está fora de seu alcance, até porque seus bajuladores agora começarão a se afastar. E a política brasileira estará virando uma página que nada de louvável acrescenta à História.
Rui Falcão: 'Temer não vai participar de golpismo'
O presidente do PT Rui Falcão disse nesta quinta (3) que confia no vice-presidente Michel Temer para que o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff aceito pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) não siga adiante; "Eu tenho segurança no que ele diz porque é um constitucionalista de renome e não vai participar de nenhuma forma de golpismo, nenhuma tratativa pra conspirar contra um governo do qual ele participa. Essa luta em defesa da democracia, do mandato conquistado nas urnas, é uma batalha que o PT travará de bom grado", afirmou; ele avaliou que a atitude de Cunha ao aceitar o pedido de impeachment “é um caso típico de desvio de finalidade e abuso de poder”; o petista ainda ressaltou que a estratégia do PT “é atuar junto ao parlamento e debater na sociedade e criar processo de mobilização grande contra o tapetão com envolvimento do ex-presidente Lula” BRASIL 247
Impeachment: o risco e a libertação
"Depois de 12 anos de servidão ao poder para conservá-lo, o PT fez o gesto que lhe pode custar a Presidência, mas aponta para a sobrevivência política e a libertação, tanto do partido como da presidente Dilma, aparentemente jogada ao mar pela decisão petista de votar contra Eduardo Cunha no Conselho de Ética", observa a jornalista Tereza Cruvinel; a colunista avalia que, "nesta primeira hora, o fato novo, mas tão esperado, será ruim para o país, para economia, para sua percepção externa. Mas o Brasil ganhará encerrando este ciclo, venham Dilma e o PT a ganhar ou perder a parada. O que não dava mais para continuar era a incerteza, a ciclotimia, o temor paralisante"; BRASIL 247
Legalidade e legitimidade do impeachment
A aceitação pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de um dos pedidos de impeachment contra a presidente Dilma é o desfecho de um enredo que se desenrola desde que o deputado venceu PT e Planalto na eleição para conduzir a Casa. Já atingido pelo que emanava da Operação Lava-Jato, Cunha, como é do seu estilo, não teria pudor em usar todos os recursos do cargo para se defender, contingência que passaria a ser aproveitada pela oposição para tentar defenestrar Dilma antes de 2018. Um jogo de interesses, sem ética.
Munição não faltaria. A começar pela aguda impopularidade de Dilma, construída na campanha para a reeleição, em que a petista cometeu flagrante estelionato com os eleitores, ao acenar com um segundo governo de leite e mel, quando a crise causada por sua própria política econômica já evoluía. Mas baixa popularidade e incompetência não justificam impeachment. São questões a serem resolvidas pelas urnas.
A alternativa encontrada por Eduardo Cunha, bastante manchado por delações premiadas feitas na Operação Lava-Jato e a comprovação de contas na Suíça não declaradas à Receita, foi usar como arma de defesa e chantagem um pedido de impeachment de Dilma encaminhado pelos juristas Hélio Bicudo, fundador dissidente do PT, Miguel Reale Jr., ministro da Justiça de FH, e Janaína Paschoal, professora da USP. Inicialmente apresentado com base em supostos crimes de responsabilidade cometidos no não cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal no primeiro mandato de Dilma, os autores revisaram o texto, aconselhados pelo próprio Cunha, para embasá-lo em alegadas provas da continuidade desses crimes em 2015, de acordo com o entendimento do corpo técnico do Tribunal de Contas.