Gestão Doria poupa de punições empresas suspeitas em obras bilionárias em SP
A gestão de João Doria (PSDB) trabalha pela retomada de obras bilionárias em São Paulo sem ter aplicado sanções a empresas cujos contratos, segundo o próprio estado, foram rescindidos após terem causado prejuízos aos cofres públicos.
Parte dessas obras é alvo de investigações da Lava Jato e há suspeitas de fraudes e desvios de dinheiro público durante suas execuções.
Além de essas punições não terem sido instituídas, o estado corre o risco de ter que pagar indenização a essas companhias, por ter rompido unilateralmente parte dos contratos, segundo documentos obtidos pela Folha via Lei de Acesso à Informação.
Em alguns casos, sanções às empresas chegaram a ser anunciadas pelo governo, como multas e declarações de inidoneidade, que suspendem a possibilidade de as empresas concorrerem a licitações. A justificativa era a de que as companhias teriam abandonado os canteiros e paralisado os trabalhos.
No entanto, o valor dessas multas nem sequer foi dimensionado, e os processos administrativos acabaram suspensos.
Dois casos sem sanção envolvem a Dersa, estatal paulista de rodovias envolvida em escândalos. Não foram aplicadas punições administrativas às construtoras dos contornos da rodovia Tamoios, no litoral norte, e do trecho norte do Rodoanel, na Grande São Paulo, obras paralisadas em 2018.
Também chegou a ser aberto um processo para sanção contra as responsáveis pela construção da linha 6-laranja do Metrô, obra sob a alçada da Secretaria de Transportes Metropolitanos do estado e paralisada desde 2016. A secretaria chegou a dizer que aplicaria R$ 259 milhões de multas a empreiteiras, o que não se concretizou.
No caso da Tamoios, os contratos dos contornos foram rescindidos depois de terem sido aplicados quase R$ 2 bilhões na obra. Ela era executada pela Serveng/Civilsan e Queiroz Galvão. Na versão do governo, as obras foram desmobilizadas pelas empresas.
O estado vem realizando perícias e diz que ainda "serão instaurados os devidos processos sancionatórios às empresas", com direito ao contraditório e ampla defesa.
Já no Rodoanel Norte, a Folha teve acesso à íntegra dos processos de rescisão dos contratos, que acabaram paralisados mesmo antes que o governo definisse quais valores de multas pretendia aplicar às empreiteiras.
Carolina ecoa em nós
“Escrevo a miséria e a vida infausta dos favelados. Eu era revoltada, não acreditava em ninguém. Odiava os políticos e os patrões, porque o meu sonho era escrever e o pobre não pode ter ideal nobre. Eu sabia que ia angariar inimigos, porque ninguém está habituado a esse tipo de literatura. Seja o que Deus quiser. Eu escrevi a realidade”
Nascida em 14 de março de 1914 no município de Sacramento, Minas Gerais, Carolina Maria de Jesus viveu boa parte de sua vida adulta na favela do Canindé, São Paulo, onde educou seus três filhos com o pouco que conseguia enquanto catadora de lixo. Conhecida por suas obras Quarto de despejo: diário de uma favelada, Carolina escrevia sobre o cotidiano na favela e transbordava nos papéis suas aflições e anseios.
Sua principal obra, Quarto de despejo, leva esse nome, pois, segundo a escritora: “quando começaram a demolir as casas térreas para construir os edifícios, nós, os pobres, que residíamos nas habitações coletivas, fomos despejados e ficamos residindo debaixo das pontes. É por isso que eu denomino que a favela é o quarto de despejo de uma cidade. Nós, os pobres somos os trastes velhos”. Em seu diário, Carolina mostra ao leitor, numa perspectiva enquanto favelada, a realidade crua e o dia-a-dia da favela:
“Condói-me de ver tantas agruras reservadas aos proletários. Fitei a nova companheira de infortúnio. Ela olhava a favela, suas lamas suas crianças paupérrimas. Foi o olhar mais triste que eu já presenciei. Talvez ela não mais tem ilusão. Entregou sua vida aos cuidados da vida. …Há de existir alguém que lendo o que escrevo dirá… Isto é mentira! Mas, as misérias são reais.”(p.45)
Carolina escrevia sobre a favela manifestando suas dores e miséria. As linhas que traçava sobre o sua rotina denunciavam e gritavam as condições de penúria de um povo. Sob sua visão, os moradores de uma favela nada mais eram que os “troços” abandonados no quarto de despejo. Com seu depoimento, Carolina, infelizmente, permanece muito presente nas histórias de vida de inúmeras mulheres e homens negros favelados. Sua história ainda ecoa em nós.
Além de descrever a rotina da favela, sua narrativa, cheia de pesares, revela suas vivências enquanto mulher negra e mãe solo. Apesar de quase 60 após o lançamento da primeira edição de seu diário, seu testemunho se assemelha e ainda atravessa a história de tantas outras mulheres negras que lutam para sobreviver sob condições precárias como as quais vivenciou na favela do Canindé. As obras de Carolina de Jesus nos comove não só por revelar uma realidade atual de nossas vidas nas favelas brasileiras, mas principalmente por desnudar a história das mulheres que vieram antes de nós e formaram quem somos. As vivências de Carolina são também vivências de nossas mães e avós que galgaram caminhos tortuosos.
“… Quando estou com pouco dinheiro procuro não pensar nos filhos que vão pedir pão, pão, café. Desvio meu pensamento para o céu. Penso: será que eles são melhores do que nós? Será que o predomínio de lá suplanta o nosso? Será que as nações de lá é variada igual aqui na terra? Ou é uma nação única? Será que lá existe favela? E se lá existe favela será que quando eu morrer eu vou morar na favela?”(p. 41)
No trecho, transparece seu desassossego diante da fome de suas crias e sua inquietude perante a realidade. Mesmo tentando fugir de seus pensamentos, a fala de Carolina é marcada por uma desesperança que não enxerga no futuro uma felicidade. Seus dizeres abarcam diversas narrativas de mulheres negras que encaram sozinhas a miséria e enfrentam o mundo para educar seus filhos. Quantas Carolinas você conhece?
Apesar de ter alcançado uma grande visibilidade tendo vendido mais de 1 milhão de exemplares com Quarto de despejo, obra também traduzida para 14 idiomas, sua literatura é renegada por falas que tentam deslegitimá-la enquanto escritora, falas essas que reforçar o estereótipo de “negra favelada que escrevia livros”.
Sua literatura marginalizada e desobediente, por não seguir padrões linguísticos, ainda é alvo de debates e ataques racistas, disfarçados de crítica literária, que não aturam uma mulher negra, favelada e ex-catadora de lixo como capaz de escrever. É muito comum vermos posicionamentos do tipo “se essa mulher escreve, qualquer um pode escrever”, que tentam desqualificar suas obras e a própria escritora.
Maria Carolina de Jesus tirava da sua realidade combustível necessário para conceber sua obra. Como muitos autores e autoras, tinha em suas vivências a inspiração vital para dar fruto a sua literatura que denunciava e denuncia a miséria presentes das favelas numa narrativa lancinante.
Carolina, mulher negra e escritora faria nesse mês de março 104 anos.
REFERÊNCIAS: JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: Diário de uma favelada. Edição Popular, 1963.
TELEXA, Lúcia Izabel dos Santos. Quarto de despejo; Diário de uma favelada: Carolina vai à escola. 2006. 65 f. TCC (Graduação) – Curso de Especialização Ead Gênero e Diversidade Escolar, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/173799>. Acesso em: 22 mar. 2018.
Fingindo de vivos - Rosângela Bittar, O Estado de S.Paulo
O PT, em plena pandemia, fez seu primeiro e inovador lance cibernético. Discretos, Lula e seus 111 companheiros do diretório nacional, por 12 horas, na véspera da Sexta-Feira da Paixão, ouviram e falaram com objetividade e disciplina.
Os ex-presidentes Lula e Dilma discursaram; o ex-candidato Fernando Haddad sintonizou-se; os governadores do Piauí, da Bahia e do Rio Grande do Norte transmitiram o consenso das gestões estaduais; prefeitos de Araraquara (SP) e São Leopoldo (RS) representaram os municípios; líderes na Câmara e no Senado, em nome das bancadas, contaram o estado da arte oposicionista no Congresso. Sempre dados ao excesso, foram concisos e disciplinados.
A reunião virtual do comando petista foi um sucesso surpreendente. Inovadora na forma, não se pode dizer o mesmo do conteúdo. Embora tenha mostrado um PT mais unido, ainda enraizado, bem articulado, a tese do renascimento apareceu ainda vestida por ranço antigo.
O que o PT vinha refletindo era sobre a urgência de abrir mão do protagonismo em nome da ampliação da aliança à esquerda e ao centro. O que decidiu foi reeleger como adversário o presidente Jair Bolsonaro, contrapondo-se a ele, para evitar o crescimento do centro na lacuna deixada pelo partido por tanto tempo.
Jair Bolsonaro, em plena pandemia e permanente campanha à reeleição, age, por sua vez, para transformar o PT em seu adversário eleitoral, e o faz combatendo os que podem abrir um caminho alternativo. Demonstram, com isso, inegável crescimento político do centro durante a pandemia.
Maiores ficaram os governadores, os prefeitos, os comandos da Câmara e do Senado, Judiciário, empresariado, organizações sociais, cientistas, médicos, universidades, organismos internacionais.
É contra esses inimigos que Bolsonaro sai por aí desdenhando da morte, brandindo sua espada, em comício a cada esquina, para um vírus invisível. Na mais histriônica encenação com a fantasia de médico, travestido às vezes de cientista, a profissão que abomina, o presidente da República escarnece da população aterrorizada.
É um vale-tudo. Faz a apologia de uma garrafada de feira – a cloroquina para o coronavírus, hoje, ainda é apenas isso –, toma quem acredita. Quem não acredita toma também, o que não tem remédio, remediado está. Mas sob controle e orientação abalizados. Que a inteligência proteja os que não podem tomá-la por seus efeitos colaterais, principalmente os arrítmicos, enquanto não chegam as conclusões das pesquisas.
Não foi Bolsonaro que a inventou, a droga está, desde o início, nos protocolos hospitalares, em um coquetel de fármacos que inclui antibióticos, antivirais, anticoagulantes e o que mais estiver à mão como armas de combate a inimigos desconhecidos, a exemplo do que a ciência fez com a aids. Só que sob um cerco de cuidados que Bolsonaro quer eliminar. O doutor presidente, pelo que se pode compreender, recomenda o produto como vacina, antes da doença, apressando o juízo final.
Bolsonaro está apostando no marketing da propriedade eleitoral da cura. Faz parte da mesma estratégia a escandalosa e desumana campanha contra o distanciamento social, mesmo que a pretexto de salvar empregos. Não importa se, para empregar-se, o trabalhador precise estar vivo.
Se os hospitais explodirem, azar. Azar do Brasil de chegar a um ano como este, a um momento como este, a um problema como este, com um presidente como este.
Ambos, Bolsonaro e PT, recrudescem a polarização para evitar que o centro, em crescimento evidente, os atropele. Jogam para daqui a três anos sem saber o que acontecerá daqui a três horas.
Mas já é possível prever que o voto antipetista não irá mais para Bolsonaro e o voto antibolsonaro não irá, necessariamente, para o PT. O mundo está se transformando e só as carolinas não veem.
Coronavirus sem politicagem - FERNÃO LARA MESQUITA
Muito além da cloroquina /VESPEIRO
Alexandre Fernandes, 44 anos, empresário de Joinville, esportista, não fumante, sem nenhuma “co-morbidade”, era um dos membros da comitiva de Jair Bolsonaro na fatídica viagem a Mar-A-Lago, o resort de Donald Trump em Palm Beach, Florida, no começo de março de que quase todos os participantes menos os presidentes brasileiro e americano voltaram contaminados pelo coronavirus.
Fernandes desembarcou no Brasil dia 11 de março, uma 4a feira, sentindo um certo excesso de cansaço, dor no corpo e um pouco de febre. Na 5a ligou para seu médico, o imunologista dr. Roberto Zeballos, passou no consultório em São Paulo e colheu material. Sábado já tinha o resultado: positivo para coronavirus.
Domingo começou a falta de ar. Fernandes baixou ao hospital Vila Nova Star para a primeira tomografia. O pulmão estava cheio de manchas. 20% comprometido. A saturação de oxigênio baixara a 85 quando o normal é em torno de 98. Além do cateter injetando 1 litro de oxigênio por minuto nas narinas, passou a ser tratado com remédios para baixar a febre e antibióticos para prevenir infecções oportunistas.
Segunda-Feira já não tinha forças para comer nem podia passar sem o cateter de oxigênio na dose de 2 litros por minuto. Na 3a já não tinha forças para ir até o banheiro sozinho. Na 4a passou a 4 litros de oxigênio por minuto. Na 5a o PCR, um indicador de imunologia que marca inflamação a partir do grau 4, chegara a 14 e o jovem saudabilíssimo de apenas seis dias antes não conseguia erguer o celular para … despedir-se da família.
“Senti minha vida indo embora”…
Fez a segunda tomo e a imagem que surgiu era sinistra. 80% do pulmão estava afetado. Foi para a UTI com os médicos discutindo a iminente entubação, momento a partir do qual a medicina praticamente se rende e tudo fica nas mãos de deus.
Mas ele escreve reto por linhas tortas.
Antes da decisão final o dr. Zeballos recorre ao dr. Marcelo Amato, pesquisador de renome internacional e um dos maiores pneumologistas do Brasil. Vários médicos consultados pelo Vespeiro reputam-no como “um cientista”. A sorte estava a favor de Alexandre. Amato acabara de ler um estudo do Hospital Jinyntan, de Wuhan, relatando 201 casos de pacientes com nível crítico de pneumonia relacionada ao coronavirus tratados com um novo esquema publicada apenas três dias antes no Journal of the American Medical Association (aqui). O que se relata ali é um tratamento controvertido que envolve uma espécie de “escolha de Sofia” da medicina. Mas o estado de Alexandre era crítico, a esposa dele também é médica e a proposta, embora contra-intuitiva, ia na direção de suspeitas compartilhadas por imunologistas com experiência no tratamento de quadros pulmonares semelhantes aos do coronavírus. E, agora, tinha o endosso de um dos maiores especialistas do Brasil. Todos os ingredientes necessários para uma decisão de risco como aquela estavam reunidos.
Quando falam em ciência, Bolsonaro saca o revólver
15 de abril de 2020 | 03h00
Nesta era da tecnologia, em que se combatem doenças com penicilina, vacinas e cirurgias corretivas de órgãos usando alta tecnologia cibernética, “homens da cobra” vendem mezinhas caseiras em feiras livres e praças. Não falta quem acredite nas lorotas de redes sociais (vulgo fake news) absurdas, como as que atribuem às vacinas doenças que evitam como se, ao contrário, levassem à morte. Pessoas cultas e respeitáveis adotam superstições – tais como não pronunciar a palavra câncer para evitar tumores malignos – com a naturalidade de quem toma água.
O capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro representa no posto mais alto da República esse pelotão de inimigos figadais (a palavra é exata, porque se refere ao fígado, segundo a poetisa americana Elizabeth Bishop, o órgão que no brasileiro faz as vezes de cérebro) da ciência. A ala de seu governo que se diz ideológica segue, de fato, crendices pré-históricas do tempo do Mito da Caverna, de Platão, como lembrou seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Nele a humanidade vivia presa num buraco, privada da luz solar, vendo desenhos das chamas de uma fogueira na pedra. E disposta a matar a pedradas quem subisse à superfície e levasse a revelação do Sol no céu.
Bolsonaristas autênticos, que fizeram carreata no domingo 12 de abril na Avenida Paulista, interrompendo o trajeto das ambulâncias com doentes graves para os hospitais, berrando a plenos pulmões palavrões impublicáveis, acreditam que a Terra é plana na era das viagens espaciais. E, como criam os dignitários papistas que condenaram o Galileu Galilei do eppur si muove (no entanto, se move), imóvel. Idólatras, como os adoradores do bezerro de ouro, desafiando o decálogo do Deus do profeta Moisés no Sinai, amaldiçoam a evolução das espécies de Darwin, adotando o criacionismo do Gênesis. Hoje não dão a mínima para a Fiocruz e, então, pegariam em armas pela revolução contra a vacina da febre amarela, imposta por Oswaldo Cruz com apoio do presidente Rodrigues Alves, que morreria da pandemia da gripe espanhola no começo do século 20, ironia da deusa da História, Clio.
Jair Bolsonaro tem sido um Messias fiel nessa luta contra a ciência. Em março de 2016, enquanto o País debatia o impeachment de Dilma Rousseff, ele liderou o grupo de parlamentares – do qual faziam parte seu filho Eduardo e os petistas Arlindo Chinaglia (SP), médico e líder sindical, e Adelmo Carneiro Leão (MG), professor – em defesa da “pílula do câncer”. Esse foi o caso mais bem-sucedido de picaretagem de charlatão em prol da fosfoetanolamina, mezinha inventada pelo professor aposentado da USP Gilberto Chience (que não se perca pelo sobrenome). Em clima emocional e com celeridade inusitada, contrariando evidências científicas e assumindo o risco de levarem doentes terminais a abandonarem a quimioterapia e a radioterapia, a lei foi aprovada e sancionada por Dilma pouco antes de ser deposta. O Supremo Tribunal Federal (STF) ouviu os especialistas e proibiu a venda da droga. Mas o presidente ainda prega sua liberação, contra a qual o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, lutou na Câmara dos Deputados.
Nenhum defensor da “pílula do câncer” relatou algum caso concreto de cura pela panaceia do dr. Chience. Mas, quatro anos depois, o episódio se repete na batalha ideológica entre bolsonaristas e oponentes, como o governador de São Paulo, João Doria, defensores e inimigos da hidroxicloroquina e da cloroquina. O ridículo debate político foi aberto pelo presidente dos EUA, Donald Trump, em irresponsável, como tantas, fala na Casa Branca, em 19 de março. Desde então Bolsonaro é garoto-propaganda da droga, exibindo o produto vendido no Brasil em lives nas redes sociais. E isso provocou tal procura que pacientes que tratam de malária, artrite reumatoide e lúpus, e a tomam sob controle médico, não o acham nas farmácias.
O jornalista Edilson Martins, ex-Pasquim, já teve 26 surtos da febre terçã e contou em perfil no Facebook: “Confirmada a doença, vinha um funcionário da Sucam, nas cidades, diariamente, num jipe, e dava a dose do dia. Extremamente perigosa, a medicação. Sendo grávida, a mulher abortava. Não era concedida ao paciente a prerrogativa de ficar com as pílulas ... O diabo do plasmódio atacava, é o que diziam os médicos, principalmente o fígado, derretendo meu sangue, me tornando um amarelão só. Os que sobrevivem, não poucos, têm como consequência, entre outras, impotência sexual, cirrose, já destruída sua capacidade de filtro”.
Além do absurdo de transformar uma terapia não testada, como “a pílula do câncer” e a cloroquina, numa arma mortal de palanque eleitoral, sobrevive a evidência preocupante: eleito por uma grande maioria de brasileiros aptos a votar, terá Jair Bolsonaro permissão para exercer a medicina sem a formação acadêmica exigida em lei? E, o que é mais grave, parodiando o que o marqueteiro de Hitler, Josef Goebbels, dizia sobre a cultura para a área da medicina, ofício de salvar vidas, e imitando a arma com os dedos: “Quando me falam em ciência, saco meu revólver”.
JORNALISTA, POETA E ESCRITOR
A pandemia e o MPT - O ESTADO DE SP
Se no período imediatamente posterior ao da entrada em vigor da reforma trabalhista aprovada em 2017 o Ministério Público do Trabalho (MPT) atuou numa linha mais política do que técnica, opondo-se à modernização de uma legislação anacrônica herdada do Estado Novo varguista, agora, nestes tempos de pandemia do novo coronavírus, o órgão vem exercendo de modo exemplar as funções para as quais foi criado.
Desde o avanço da pandemia da covid-19, os procuradores do MPT já receberam quase 6 mil denúncias contra empresas em todo o País e abriram cerca de mil inquéritos civis. A maioria dos casos envolve denúncias de omissão dos empregadores em matéria de segurança do trabalho. Há, também, reclamações de carga excessiva de trabalho de funcionários colocados em home office e casos de trabalhadores contaminados que demoraram para ser afastados. As queixas são encaminhadas pelos próprios trabalhadores ou pelos sindicatos aos quais estão filiados. Há, ainda, casos que são comunicados de modo sigiloso por meio de um aplicativo.
Até o início de abril, os procuradores trabalhistas também já tinham impetrado 25 ações civis públicas. E, além de estarem participando de várias audiências de conciliação, estão sendo acolhidos seus pedidos de liminares que obrigam as empresas a fornecer álcool em gel, máscaras e luvas e a adotar programas de limpeza de ambientes e de distanciamento mínimo recomendado pelas autoridades sanitárias e de flexibilização da jornada de trabalho para evitar aglomerações.
Segundo dados do MPT, as denúncias abarcam todos os setores da economia e o maior número de reclamações vem do Estado do Rio de Janeiro. Em seguida, vêm os Estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Ao receber as reclamações, os procuradores notificam as empresas pela internet e pedem que enviem informações no prazo de cinco dias. Com base nelas e apoio técnico dos Centros de Referência em Saúde dos Trabalhadores, vinculados ao Ministério da Saúde, o MPT faz recomendações às empresas, por videoconferência. E, dependendo da resposta, o caso é encerrado.
Uma das queixas mais importantes, seja pelos valores envolvidos, seja pelo número de trabalhadores, foi feita contra uma grande empresa que atua na exploração de zinco, cobre e chumbo no Estado de Mato Grosso. Depois que suas atividades foram suspensas por uma liminar pedida pelo MPT, ela se comprometeu a acatar as recomendações, beneficiando 1,5 mil funcionários. Há, também, reclamações contra dezenas de aplicativos de entrega em domicílio, cujos motoboys reivindicam mais equipamentos de proteção e ajuda financeira para os que foram afastados por suspeita de contaminação.
O mais surpreendente, contudo, é a desproporção entre o alto número de denúncias recebidas pelo MPT e o baixo número de ações judiciais. Esse é um fato positivo, revelando que os procuradores e os advogados das empresas têm dado preferência mais à negociação do que à litigância. Essa disposição ao diálogo decorre do ineditismo dos impasses surgidos nas relações trabalhistas por causa da pandemia do novo coronavírus.
Como os problemas são novos, as partes tiveram de aprender a lidar com eles. E como entre fevereiro e março vários textos legais foram aprovados com o objetivo de introduzir medidas de urgência na legislação trabalhista, os procuradores – a exemplo dos advogados trabalhistas – tiveram de estudar e avaliar as inovações. Enquanto as associações de advogados consultaram especialistas e passaram a distribuir circulares para seus associados, a cúpula do MPT editou uma série de notas técnicas para instruir seus membros sobre como agir. Além de prudente, o órgão primou pela responsabilidade – virtude que lhe faltou até recentemente, quando muitos procuradores, exorbitando de suas prerrogativas e agindo com motivação mais política do que jurídica, vinham tentando intervir em fusões e incorporações da iniciativa privada, sob pretexto de preservar empregos.