8 DE JANEIRO: PGR VOLTA ATRÁS E PEDE ARQUIVAMENTO DE INQUERITO DE DEPUTADO BOLSONARISTA
Por Isabella Alonso Panho / O ESTADÃO
A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu nesta segunda-feira, 10, o arquivamento do inquérito aberto contra o deputado André Fernandes (PL-CE), vice líder da sigla na Câmara e membro da CPMI do 8 de Janeiro, por causa de publicações feitas pelo parlamentar no dia em que as sedes dos três poderes em Brasília foram atacadas por manifestantes bolsonaristas. A investigação foi aberta a pedido da própria PGR.
O parecer, assinado pelo subprocurador Carlos Frederico Santos, afirma que não há elementos suficientes para que fique comprovada a efetiva participação do deputado nos atos. “É evidente que uma publicação em rede social pode sim levar a uma influência causadora de um resultado delitivo, mas, neste caso, replicar um conteúdo já conhecido por milhares torna impossível conhecer o nível de influência da postura do investigado”, diz o parecer.
Fernandes é investigado pela Polícia Federal pela suposta prática de dois delitos: incitação ao crime e tentativa de abolição do estado democrático de direito, por causa de duas publicações que ele fez nas redes sociais. Na primeira, do dia 6 de janeiro, o deputado convocou os seguidores para as manifestações que aconteceriam dali a dois dias. “Neste final de semana acontecerá, na Praça dos Três Poderes, o primeiro ato contra o governo Lula. Estaremos lá.”
A segunda publicação foi feita no próprio 8 de janeiro. Fernandes compartilhou nas redes sociais uma foto de um armário depredado, com o nome do ministro Alexandre de Moraes, e a legenda “quem rir vai preso”. No dia 11 de janeiro, data em que pediu a abertura de investigação, a PGR disse que o deputado “estimulou a prática de ações criminosas”.
Quando foi intimado para depor, Fernandes negou os crimes pelos quais é investigado e disse que a foto do armário depredado foi uma “crítica ao ativismo judicial”. Na data das manifestações, ele não estava em Brasília, e sim no Ceará, seu estado natal.
O inquérito tramita sob a tutela do Supremo Tribunal Federal, que chamou para si a competência de investigar todos os casos vinculados aos ataques do 8 de Janeiro. Por isso, o arquivamento dependerá de uma última palavra de Moraes, relator do caso. Ele pode anuir com o arquivamento ou solicitar a produção de novas provas, possibilidade mais remota.
Como os crimes pelos quais Fernandes é investigado são de ação penal pública, eles dependem do Ministério Público oferecer uma denúncia para darem início a um processo criminal. O parecer apresentado pela PGR nesta segunda diz justamente que o órgão não vê provas suficientes para esse gesto, reduzindo as chances do deputado ir para o banco dos réus.
Influencer, caminhoneiro, faxineira: seis meses depois, 211 pessoas continuam presas por atos golpistas
Por Daniel Gullino e Paolla Serra / O GLOBO
Em sua última postagem no Instagram, o nutricionista Felipe Feres Nassau, de 38 anos, alertou sobre a importância de beber 1,8L de água diariamente, comer 250g de vegetais, dar três mil passos e dormir antes das 23h. A publicação, feita em 6 de janeiro desse ano, foi curtida por 2.227 dos seus 78 mil seguidores. Dois dias depois, o profissional de saúde foi preso em flagrante por participar dos atos antidemocráticos na Praça dos Três Poderes, em Brasília, e permanece até hoje no Centro de Detenção Provisória II.
De lá para cá, as redes sociais de Felipe receberam comentários como: “Vai continuar dando dicas de saúde na Papuda?”. Assim como o influencer, 211 pessoas — 147 homens e 64 mulheres — ainda estão em duas unidades prisionais por supostamente atuarem na invasão e depredação dos prédios do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF), em 8 de janeiro.
Seis meses após os atos golpistas, levantamento do GLOBO mostra que o STF já analisou 1.290 denúncias, pouco mais de 90% das 1.390 apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Em todos os julgamentos as denúncias foram aceitas e os investigados viraram réus. Nesse período, as investigações avançaram mais rápido em relação aos presos em flagrante nos dias 8 e 9 de janeiro.
Entre os presos, também na Papuda, o caminhoneiro maranhense Claudiomiro da Rosa Soares, de 48 anos, contou ao ser detido ter se deslocado em um ônibus para participar das manifestações em frente ao Quartel-General do Exército, no início de janeiro. No depoimento, negou ter cometido danos ao prédio na ocasião.
Já na Penitenciária Feminina do Distrito Federal, estão 64 mulheres atrás das grades pelos mesmos crimes. Uma delas é a faxineira paulista Edineia Paes da Silva dos Santos, de 37 anos, que disse participar de uma caminhada quando percebeu que havia começado uma confusão com bombas sendo lançadas perto do Palácio do Planalto. Ela afirmou ter se escondido em um fosso quando foi vista por policial e também negou atos de vandalismo.
Análise por blocos
As denúncias já analisadas pelo STF envolvem dois grupos. Os que foram presos em flagrante dentro do Palácio do Planalto, do Congresso ou do STF são apontados como executores dos atos. Já os detidos na manhã do dia seguinte, no Quartel-General do Exército, são acusados de atuar como incitadores.
Para contornar o alto volume de casos, o STF realizou a análise por blocos, sempre no plenário virtual, sistema no qual cada ministro deposita seu voto, sem discussão direta. Até agora foram oito blocos de denúncias, analisando até 250 casos de uma vez.
Cada caso é analisado de forma individualizada, mas a PGR adotou uma espécie de padrão nas denúncias, para casos semelhantes, o que foi repetido nos votos do relator, Alexandre de Moraes, e dos demais ministros.
Agora, nos processos em que as denúncias já foram aceitadas, foi aberta uma ação penal e começou a fase da instrução processual, com a coleta de provas. Nessa fase, são realizados depoimentos de testemunhas de acusação e defesas. As primeiras audiências de instruções já começaram a ser feitas.
Em junho, Moraes estimou que os casos mais graves, dos réus que seguem presos, serão julgados em até seis meses. O relator afirmou que as ações penais devem ser julgadas em blocos de 30 réus.
Investigações contra parlamentares
Também foram abertos inquéritos contra três deputados federais: André Fernandes (PL-CE), Clarissa Tércio (PP-PE) e Sílvia Waiãpi (PL-AP). A Polícia Federal (PF) apontou que Fernandes teria cometido incitação ao crime, enquanto Tércio e Waiãpi teriam cometido crime de opinião. No caso das duas deputadas, a PGR discordou e pediu o arquivamento das investigações. O órgão ainda não se manifestou sobre Fernandes.
Investigações sobre os financiadores e sobre a suposta omissão de autoridades do Distrito Federal ainda não geraram denúncias. Ao todo, o STF tem sete inquéritos para investigar os episódios do 8 de janeiro, além de investigações preliminares que tramitam de forma sigilosa.
Na área cível, a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou sete ações pedindo o ressarcimento dos danos causados na destruição das sedes dos Três Poderes. Os alvos são 250 pessoas, três empresas, uma associação e um sindicato que foram presas ou que são apontadas como financiadoras dos atos. A AGU quer que elas sejam condenadas a pagar R$ 26,2 milhões, valor que representa a estimativa de prejuízo causado.
OS LIMITES DO JUDICIÁRIO
Por Hugo Nigro Mazzilli / ADVOGADO / O ESTADÃO
Pode o Poder Judiciário alterar ou impor políticas públicas no País?
Por meio dos chamados litígios estruturais, essa questão já tem sido enfrentada pelos tribunais. O objetivo desses processos é obter uma reforma estrutural num ente ou instituição para restabelecer um direito fundamental e implantar ou corrigir uma política pública, como nos litígios decorrentes de grandes danos ecológicos (por exemplo, o rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais).
De um lado, os reparos ambientais de enorme vulto e extrema complexidade desafiam as regras do processo civil tradicional, mas, de outro lado, despertam a dúvida: como poderia o Judiciário impor ao Estado providências fora das políticas públicas em vigor ou, mais ainda, fora dos limites orçamentários?
Pode ou não o juiz se imiscuir nessas questões? Investido para aplicar a Constituição e as leis, o juiz tem ou não legitimidade para criar ou alterar, do jeito que bem queira, as políticas públicas do País?
Os chamados litígios estruturais podem e devem, sim, ser ajuizados, desde que neles se encontrem justos limites, pois não cabe ao Judiciário administrar no lugar do administrador nem legislar no lugar do legislador. Identificando-se omissão ou desvio do ente público em tema de direitos fundamentais de caráter social, admite-se seja determinada a correção ou a implantação de políticas públicas. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem exigido três requisitos para viabilizar a incursão judicial no campo dos litígios estruturais (RE n.º 440.028-SP):
- a política pública reclamada deve ter natureza constitucional;
- é necessária correlação entre a política pública reclamada e os direitos fundamentais; e
- deve-se provar a omissão ou a prestação deficiente pela administração pública sem justificativa razoável.
Embora se devam flexibilizar os rigores processuais nos litígios estruturais e valorizar soluções consensuais com a participação das comunidades lesadas, em primeiro lugar o juiz tem de ater-se ao que foi pedido pelas partes, não podendo decidir fora daí.
Além disso, é preciso dizer que, por piores que sejam os membros do Poder Executivo e do Poder Legislativo – e muitas vezes o são –, o povo, titular da soberania, pode questionar suas políticas públicas e pô-los na rua de quatro em quatro anos. Mas, no tocante aos juízes, tudo o que se faça contra eles ou suas decisões depende deles mesmos. Por isso, o impeachment de membros do Judiciário é mais teoria do que prática, e, por sua vez, o controle do Conselho Nacional de Justiça tem caráter apenas administrativo, e não jurisdicional.
Não podemos deixar de impor limites à atuação do Judiciário, pois é o Poder menos democrático e menos sujeito a controle que temos, e já tem dado mostras de que, quando quer desviar-se, desvia-se sem emenda, como nossa maior Corte quando julga fora dos limites de sua competência constitucional.
É possível usar o processo estrutural para questionar políticas públicas, sim, mas com cuidados e limites, pois não se pode dar carta branca ao Judiciário, haja vista que, num suposto papel proativo, ele já vem tomando liberdades inaceitáveis, como no inquérito das fake news, que corre há anos, de ofício e sob sigilo (inquérito n.º 4.781/19-STF); está investigando diretamente, processando e mandando prender mesmo pessoas não sujeitas a foro constitucional por prerrogativa de função; está admitindo acordos de colaboração premiada tomados por órgãos outros que não o titular privativo da ação penal pública; está cassando decisão de indulto que a Constituição pôs na competência exclusiva do chefe do Executivo; fora dos casos autorizados pela Constituição, está criando normas abstratas que são verdadeiras leis materiais. Viola-se, assim, a separação de Poderes, descura-se a investidura democrática e põe-se a perder a imparcialidade dos magistrados e a segurança do sistema.
Em nosso sistema republicano, em tese todos os Poderes deveriam controlar-se reciprocamente, mas na prática o Judiciário controla os demais e não é por eles efetivamente controlado, pois, embora em teoria possível, jamais tivemos impeachment de magistrados do mais alto tribunal.
Não basta dizer que o processo estrutural é realidade com a qual temos de conviver e, com isso, tacitamente aceitar que o Judiciário faça o que bem queira, impondo ou alterando políticas públicas a seu talante. Não se trata apenas de questão acadêmica discutir a separação de Poderes. Basta ver as sucessivas decisões judiciais que invadem o campo da discricionariedade administrativa – e aqui, por óbvio, não estou falando das legítimas decisões que cassam atos administrativos ilegais. Estou falando, sim, do erro em substituir o juízo de conveniência do administrador pelo do juiz, em matérias que a Constituição e as leis deram discricionariedade ao administrador, que foi eleito para tomar essas decisões.
Não podemos aceitar um Judiciário como Poder deslegitimado e incontrolável, o que não se coaduna com os princípios democráticos e republicanos.
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CNJ pede investigação sobre infiltração de facção paulista em concursos para TJ e MP de São Paulo
Por O Globo — Rio de Janeiro / O GLOBO
A Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) solicitou, na última sexta-feira, ao Departamento de Segurança Institucional do Poder Judiciário que seja feita uma investigação sobre a suspeita de infiltração de membros de uma grande facção paulista nos processos seletivos de carreiras do Tribunal de Justiça e do Ministério Público de São Paulo.
O ofício enviado pelo corregedor Luis Felipe Salomão pede que a denúncia seja investigada pela Polícia Federal. A suspeita é de que a facção esteja investindo "na formação de candidatos de concursos para juízes e promotores, com o objetivo de infiltrar na polícia, no Ministério Público e no Judiciário", segundo o órgão.
— A imprensa noticiou e nós recebemos a informação de que estaria havendo agentes infiltrados em concursos para a magistratura e outras carreiras. A partir dai conversando com a Polícia Federal e outros agentes de segurança nós resolvemos encaminhar um ofício solicitando uma investigação aprofundada — disse Salomão, em entrevista ao portal Migalhas, durante um evento na Universidade de Coimbra, em Portugal.
"A organização criminosa, que antes já investiu na formação de advogados, agora estaria focada na preparação de infiltrados para concursos públicos", diz ainda a nota divulgada pelo CNJ.
STF determina pagamento de piso de enfermagem no setor privado se não houver acordo coletivo
O STF (Supremo Tribunal Federal) determinou o pagamento do piso de enfermagem aos trabalhadores do setor privado nos casos que não houver um acordo coletivo entre as partes, conforme a proclamação do resultado de julgamento feita pelo relator de uma ação sobre o assunto e presidente em exercício da corte, Luís Roberto Barroso, na noite de segunda-feira (3).
O julgamento realizado no plenário virtual foi retomado no último dia 23 e encerrado na sexta-feira passada.
Segundo o comunicado do STF, o chamado voto médio definiu que há a prevalência da obrigação da negociação sindical coletiva e, se não ocorrer, vale o fixado na lei. A aplicação da norma só ocorrerá após 60 dias passados da publicação do resultado do julgamento, mesmo que eventuais negociações ocorram antes do prazo.
O voto médio decorre do fato de que, no julgamento que abrangeu o setor privado, houve três diferentes correntes de votos.
Ao todo, quatro ministros —o relator Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e André Mendonça— haviam dado um voto que, entre outras iniciativas, prevê que a implementação do piso na rede privada "deverá ser precedida de negociações coletivas entre as partes, como exigência procedimental imprescindível, levando em conta a preocupação com demissões em massa ou prejuízos para os serviços de saúde".
Se não houver acordo em um prazo de 60 dias, valerão as regras previstas na lei do ano passado que instituiu o piso.
Outros quatro ministros, encabeçados por Dias Toffoli, haviam se posicionado a favor da implementação do piso salarial de forma regionalizada, mediante negociação coletiva nas respectivas localidades e com a prevalência do negociado sobre o legislado. Seguiram esse entendimento Alexandre de Moraes, Nunes Marques e Luiz Fux.
Em minoria, os ministros Edson Fachin e Rosa Weber, presidente do STF, haviam votado para que o piso fosse implementado imediatamente tanto pelo setor público quanto pelo privado sem qualquer tipo de restrição.
Questionada pela CNS (Confederação Nacional de Saúde), a norma aprovada pelo Congresso institui piso salarial de R$ 4.750 para os enfermeiros; 70% desse valor aos técnicos de enfermagem; e 50% aos auxiliares de enfermagem e parteiras, tanto do setor público quanto do privado.
Até a tarde de segunda, o Supremo ainda não tinha divulgado o acórdão da decisão, resumo das teses jurídicas abordadas e fixadas ao final do julgamento, o que dificultava uma estimativa do alcance da ação.
Em setembro do ano passado, o piso havia sido suspenso inicialmente por Barroso em ação movida pela CNS que havia questionado a lei que instituiu o piso nacional. Na ocasião, ele havia entendido que a entrada em vigor imediata do piso poderia ter impacto na prestação dos serviços de saúde.
A norma tinha sido aprovado pelo Congresso Nacional e sancionada em agosto pelo então presidente Jair Bolsonaro.
Para o advogado Marcus Pessanha, especialista em direito administrativo e sócio do Schuch Advogados, o entendimento que deve prevalecer para a iniciativa privada é o do pagamento do "piso condicionado à prévia negociação sindical, pois agrega as posições dos grupos de ministros" e permite a participação da iniciativa privada nos processos decisórios, já que a implementação do piso levará a modificações no equilíbrio financeiro de hospitais e clínicas particulares.
Segundo a advogada trabalhista Tayane Dalazen, sócia do Dalazen, Pessoa & Bresciani Advogados, o pagamento do piso ficará condicionado à negociação, o que enfatiza o novo papel dos sindicatos diante da prevalência do negociado sobre o legislado à luz da recente reforma trabalhista.
Em outro julgamento, o STF reconheceu a validade da adoção da jornada de trabalho de 12 horas seguidas por 36 horas de descanso ininterruptas desde que sejam respeitados os intervalos para repouso e alimentação.
Para o especialista em direito do Trabalho Marcos Saraiva, também sócio do Dalazen, Pessoa & Bresciani Advogados, a medida, adotada na reforma trabalhista, "privilegia a autonomia da vontade, permitindo que as partes envolvidas na relação de emprego disciplinem seus interesses de acordo com suas preferências, sem interferência sindical".
BOLSONARO PODE FICAR INELEGIVEL NO JULGAMENTO DO TSE, E NÃO PERDER OS DIREITOS POLITICOS
Por Rayanderson Guerra e Gabriel de Sousa / O ESTADÃO DE SP
RIO – O ministro Benedito Gonçalves, relator da ação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), votou nesta terça-feira, 27, pela condenação do ex-mandatário por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Gonçalves decidiu pela inelegibilidade de Bolsonaro por oito anos. A decisão do ministro, no entanto, não acarreta na perda ou na suspensão dos direitos políticos, como direito ao voto e de participação na organização partidária, do ex-presidente.
A inelegibilidade e a suspensão dos direitos políticos são punições eleitorais diferentes. Enquanto a primeira proíbe o condenado de ser candidato a qualquer cargo político pelo período de oito anos, a outra cassa o direito ao voto, à filiação e participação partidária e, consequentemente, a elegibilidade do alvo do processo.
Caso os outros seis ministros que analisam o caso de Bolsonaro acompanhem o relator, o ex-presidente ficará inelegível, mas manterá os direitos políticos, como explica o advogado Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral.
“A inelegibilidade é uma sanção que está prevista na Lei da Ficha Limpa, usada como um dos argumentos jurídicos no voto do ministro Gonçalves. A punição acarreta na perda da capacidade eleitoral passiva, isto é, somente ser votado. Não pode ser candidato. É menos abrangente que a suspensão e a perda dos direitos políticos”, explicou Rollo.
Segundo o advogado, em casos de suspensão ou perda dos direitos políticos, a possibilidade de se candidatar é apenas um dos direitos cassados em casos de condenações com base no artigo 15 da Constituição.
A Constituição prevê a perda ou suspensão dos direitos políticos em casos de cancelamento da naturalização, incapacidade civil absoluta (em casos de menores de 16 anos ou portadores de doenças mentais graves, por exemplo), condenação criminal transitada em julgado, recusa de cumprimento de obrigação a todos imposta (como o serviço militar obrigatório) e condenações por improbidade administrativa.
Na prática, a perda definitiva dos direitos políticos só é possível em duas hipóteses: com o cancelamento da naturalização e a perda da nacionalidade brasileira.
“A suspensão de direitos políticos é mais abrangente. Prevê a perda da capacidade eleitoral ativa e passiva. Ou seja, a suspensão é temporária e fica vigente no período em que as condenações estiverem em vigor. Já a perda é definitiva. Um exemplo são as pessoas que se naturalizaram brasileiros e depois perderam a naturalização por irregularidades no processo”, afirmou Alberto Rollo.
Especialista em Direito Eleitoral, o advogado Fernando Neisser explica que um brasileiro nato, que nasceu no País, não pode perder os direitos políticos definitivamente.
“A diferença fundamental entre a suspensão dos direitos políticos e a inelegibilidade é que a suspensão é mais e a inelegibilidade é menos. O conjunto de direitos políticos inclui votar e ser votado, ajuizar ação popular, assinar apoiamento para criação de novos partidos, se filiar a partido político, assinar apoiamento de projeto de lei popular, ser mesário. A inelegibilidade, de todos esses direitos, só limita o de ser eleito”, disse.
Cabo eleitoral
De acordo com Acácio Miranda, doutor em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, o ex-presidente ainda terá o direito de votar nas eleições de 2024 e 2026. Segundo Miranda, Bolsonaro ainda poderá ser utilizado como um cabo eleitoral de outras formas.
“Hoje, no Brasil, o cabo eleitoral, ele faz de forma gratuita, a rigor, e parte de uma liberdade de expressão. Uma vez que, eu estou externando a minha opinião política”, explicou.
Defesa rejeita inelegibilidade
Na quinta-feira passada, 22, o advogado Tarcísio Vieira, ex-ministro do TSE que atua na defesa do ex-presidente Bolsonaro, tentou convencer os magistrados que os ataques golpistas em Brasília, no dia 8 de janeiro, nada têm a ver com o processo em curso na Corte nem foram incitados por Bolsonaro. “A defesa entende que só pode ser apreciado o que constou no processo até o despacho saneador em 8 de dezembro”, afirmou o advogado do ex-presidente.
A jornalistas, Vieira disse ainda que não havia motivo para pressa para a conclusão do julgamento. “Não tem eleição neste ano. Tem no final do ano que vem. O presidente não tem mandato. Ele vai ficar inelegível em relação ao quê? A uma eleição que ocorra no ano que vem, daqui a três anos? Não há necessidade de aceleração desse julgamento”, afirmou.
Bolsonaro recupera vídeo de Carlos Lupi, do PDT, para rebater voto no TSE
Por Pedro Guimarães* / O GLOBO
Em sua primeira fala pública após o voto a favor de sua inelegibilidade, o ex-presidente Jair Bolsonaro resgatou um vídeo em que o ministro da Previdência Social e presidente licenciado do PDT, Carlos Lupi, defende a emissão de um recibo impresso após o voto. O partido é o autor da ação que está sendo julgada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e que pode deixar o ex-mandatário fora da disputa eleitoral por oito anos.
— No dia de ontem, 27 de junho, o senhor ministro Benedito Gonçalves, relator, deu o seu voto pela minha inelegibilidade por oito anos, sob a acusação de abuso de poder político numa reunião com embaixadores. Agora, o autor da ação é o senhor Carlos Lupi, presidente do PDT e atual ministro da Previdência Social do Lula. Veja o que ele disse há poucos meses sobre esse mesmo assunto — diz Bolsonaro.
O vídeo é seguido com a fala de Lupi. A publicação original do atual ministro foi feita em maio de 2021, no twitter. “Sem a impressão do voto, não há possibilidade de recontagem. Sem a recontagem, a fraude impera”, afirma a postagem.
Nesta terça-feira, o corregedor-geral da Justiça Eleitoral Benedito Gonçalves leu seu voto no plenário do TSE. No documento, ele apontou a responsabilidade de Bolsonaro e pediu a inelegibilidade do ex-presidente. A ação é referente à reunião com embaixadores em julho de 2022, quando o então chefe do Executivo, a 76 dias do pleito que elegeria Lula como presidente, atacou a lisura do processo eleitoral sem apresentar provas.
— No mérito julgo parcialmente procedente o pedido para condenar o primeiro investigado, Jair Messias Bolsonaro, pela prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação na eleição de 2022 em razão da responsabilidade direta e pessoal pela conduta ilícita em benefício de sua candidatura à reeleição. Declaro sua inelegibilidade por 8 anos seguintes ao pleito de 2022 — votou o relator.
O julgamento será retomado nesta quinta-feira, quando os demais ministros devem apresentar seus votos.
Veja a ordem de votação:
- Raul Araújo
- Floriano de Azevedo Marques
- André Ramos Tavares
- Cármen Lúcia (vice-presidente do TSE)
- Kassio Nunes Marques
- Alexandre de Moraes (presidente do TSE)
Caso ocorra um pedido de vista, o integrante do TSE poderá ficar com o processo por até 30 dias, prorrogáveis por mais 30 dias. A possibilidade, no entanto, é parcialmente descartada pelos magistrados da Corte Eleitoral.
O dever coletivo do STF
O ESTADÃO DE SP
Têm sido cada vez mais frequentes as críticas à atuação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na relatoria dos inquéritos abertos para investigar as ameaças contra a Corte e as instituições democráticas. Os questionamentos apontam, nas decisões do ministro, erros e incompreensões sobre o Direito e sobre as próprias circunstâncias vividas no País – afinal, se ao longo do governo de Jair Bolsonaro a democracia pareceu estar sob risco, o que poderia justificar medidas excepcionais, hoje não há ameaças que fundamentem decisões desse tipo.
No entanto, uma crítica que focalizasse exclusivamente na pessoa de Alexandre de Moraes seria injusta. Verdade seja dita, até agora a 1.ª Turma e o próprio Plenário do STF têm confirmado suas decisões. Ou seja, os órgãos colegiados do Supremo têm manifestado um apoio irrestrito ao ministro. Nas circunstâncias concretas da campanha eleitoral do ano passado, essa atitude de ratificação generalizada foi importante, mas agora pode gerar o efeito contrário, com o enfraquecimento da autoridade do STF e da própria defesa do regime democrático.
O Supremo não pode ignorar que, agora, a realidade é inteiramente diferente. Para começar, não estamos mais em ano eleitoral, e, portanto, a legislação específica para o período de campanha, que serviu para fundamentar muitas intervenções do Judiciário, sobretudo nas redes sociais, só fazia sentido no contexto eleitoral, pois era preciso proteger a igualdade de condições entre os candidatos. Agora, o cenário factual e normativo é outro.
Medida especialmente desproporcional de Alexandre de Moraes, por exemplo, foi o recente bloqueio, decretado de ofício, de todas as redes sociais de um podcaster, como resposta a manifestações críticas à Justiça Eleitoral e ao próprio Moraes. Além do equívoco em si – no Estado Democrático de Direito um juiz não tem a atribuição de moderador do debate público –, a decisão é mal fundamentada, com presunções que fazem lembrar abusos típicos de regimes autoritários (ver editorial Não se defende a democracia com censura, de 17/6/2023).
Também suscitou grande preocupação a decisão de Alexandre de Moraes estabelecendo o que o Google e outras empresas poderiam dizer sobre o projeto de lei relativo à regulação das redes sociais. Neste espaço, advertimos que a medida se baseava em uma “profunda incompreensão do papel do Judiciário no Estado Democrático de Direito” (ver editorial O sr. Moraes não é juiz do debate público, de 4/0/2023).
Até aqui, a resposta a quem acusava o ministro Alexandre de Moraes de impor uma suposta ditadura judicial no País foi lembrar a vigência do duplo grau de jurisdição. Ou seja, todas as decisões do ministro estiveram e estão sujeitas à revisão do colegiado do STF, seja pela 1.ª Turma, seja pelo Plenário. O poder de Alexandre de Moraes nunca foi ilimitado. Sempre esteve sob a supervisão da Corte. É assim que funciona no Estado Democrático de Direito.
Agora, recordando a plena vigência da garantia do duplo grau de jurisdição, é preciso afirmar a responsabilidade dos outros ministros do STF pelo controle da atuação do relator dos inquéritos das ameaças à Corte e dos atos antidemocráticos. O Supremo não pode fechar os olhos ao que vem ocorrendo. Da mesma forma que a diligência de Alexandre de Moraes foi fundamental, no ano passado, para a proteção do regime democrático, é essencial que a Corte seja diligente em sua tarefa de controle da legalidade e constitucionalidade das decisões monocráticas. Não se defende a democracia com atropelos judiciais nem com decisões judiciais mal fundamentadas. A proteção da democracia passa por um constante e irrevogável compromisso com a Constituição.
Parte importante da tarefa de controle que compete agora ao STF consiste em assegurar o fim dos inquéritos abertos, com a conclusão das investigações e a revisão das medidas judiciais neles proferidas. Trata-se de passo importante para a normalidade democrática, que demanda efetivo respeito à legalidade e às garantias e liberdades individuais. É hora de o Supremo agir.
STF invalida regras de distribuição do Fundo de Participação dos Estados
A Lei Complementar 143/2013, que trouxe novas regras de cálculo, entrega e controle das liberações dos recursos do Fundos de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE), estabeleceu uma transição muito longa entre a nova metodologia de rateio e a original, que foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Com esse entendimento, o Plenário do STF invalidou dispositivos da Lei Complementar 62/1989 alterados pela norma de 2013, mas manteve as regras até o final de 2025 ou até a edição de uma nova legislação sobre o tema.
A sessão virtual foi encerrada na última sexta-feira (16/6). As regras do FPE eram questionadas pelo Governo de Alagoas, por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade.
A LC 143/2013 estabeleceu novos critérios de correção dos valores, válidos a partir de 2016 — dentre eles uma porcentagem de variação do Produto Interno Bruto (PIB) do ano anterior. A lei também passou a prever critérios de rateio com base em fatores representativos da população e da renda domiciliar per capita dos estados.
A ministra Cármen Lúcia, relatora do caso, explicou que, em 2010, o STF julgou inconstitucionais os critérios estabelecidos pela norma original de 1989.
Na ocasião, a Corte entendeu que as regras eram insuficientes para manter o equilíbrio socioeconômico entre os estados. Também foi garantida a aplicação das regras até o final de 2012 ou até a edição de nova legislação — o que ocorreu no ano seguinte.
Cármen criticou a duração da transição estabelecida pela norma de 2013. Segundo ela, levando-se em conta um crescimento anual de 3% do PIB nacional, uma das regras seria aplicada somente no ano de 2280.
De acordo com a ministra, se as regras da LC 143/2013 fossem mantidas, grande parte dos recursos do FPE continuaria a ser distribuída, por longo período, com base na sistemática de coeficientes fixos, invalidada pelo STF. Para a relatora, não se pode admitir a manutenção "dissimulada" de tais regras, que não promovem a justa distribuição dos recursos.
A magistrada votou por manter a aplicação dos dispositivos da norma de 2013 até o último dia de 2025, para evitar prejuízos aos estados. Até essa data, o Congresso deve editar uma lei com os critérios de rateio, conforme os parâmetros definidos pela Corte. Com informações da assessoria de imprensa do STF.
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ADI 5.069
Revista Consultor Jurídico, 22 de junho de 2023, 18h44
‘Se qualquer dor de barriga na Câmara parar no STF, vamos suspender todas as leis’, diz Gilmar
Por Pepita Ortega / O ESTADO DE SP
O Supremo Tribunal Federal retomou nesta quinta-feira, 22, julgamento sobre a figura do juiz de garantias - em que o magistrado responsável por conduzir a investigação é diferente daquele que julga a causa - com um bate-boca entre o relator, ministro Luiz Fux, e o decano na Corte máxima, Gilmar Mendes.
A demora na análise do tema foi o centro da discussão entre os ministros que representam as vertentes destoantes no STF. Gilmar já defendeu o instituto em mais de uma ocasião, inclusive evocando ‘abusos’ da Operação Lava Jato. Fux destaca o impacto da medida sobre o Judiciário - é esperada uma posição crítica do ministro sobre o assunto.
O dissenso na sessão desta quinta, 22, começou após Fux voltar a abordar a necessidade de se postergar, ainda mais, a implantação do juiz de garantias. O ministro reproduziu parecer do ex-ministro Carlos Velloso, que apontou o problema de execução da lei, que pode gerar ‘tumulto no sistema’.
“O sistema judicial brasileiro necessita da atenção do legislador. os problema entretanto estão muito longe de serem resolvidos com a figura do juiz de garantias”, diz trecho do documento, lido por Fux.
Foi então que o decano interrompeu, alegando que faria uma observação. Indicou que há estudos no Conselho Nacional de Justiça no sentido de que a ‘implementação já teria sido possível’. “Faz três anos que o processo está interrompido. Retardamos bastante essa implementação”, afirmou. “Só não vamos exagerar. Paramos três anos isso”, ressaltou.
Fux interpelou. Lembrou que já explicou as razões para ter suspendido a implantação do dispositivo previsto na lei anticrime e completou: “Paramos três anos isso porque era necessário. E é preciso parar mais ainda”
Gilmar reagiu: “Então vamos dizer que se pare sempre. Que não se faça, se é esse o objetivo. Não dá”.
Fux retrucou: “O objetivo é enfrentar com responsabilidade os temas sem torná-los midiáticos”
Voltando a reforçar a necessidade de se julgar a constitucionalidade da figura do juiz de garantias o decano disse que não queria ficar discutindo ‘qualidade legislativa’. Nessa seara, lembrou do episódio em que disse que a Lei da Ficha Limpa foi feita por ‘bêbados’. O Supremo validou a norma. “Lei mal feita. Nem por isso a declaramos inconstitucional”
“Agora todo argumento é em torno dessa questão dois deputados, uma comissão... Essa lei (anticrime) foi aprovada por mais de 400 deputados. Se qualquer um que ficar com um ruído, dor de barriga na Câmara, achar que tem que parar no STF, nós vamos suspender todas as leis”, indicou. “A gente discute essas coisas. Mas vamos de fato julgar o caso? Se é constitucional ou não? O que é possível implementar?”
Fux mais uma vez fez referência as razões que o levaram a suspender a implantação do juiz de garantias. “Essa temática foi explorada negativamente de tal maneira que me impôs uma responsabilidade de expor as razões pelas quais eu decidi como decidi”.
O relator reforçou que não tratou da ‘qualidade’ da lei que instituiu o juiz de garantias, mas apontou um ‘erro logístico’ na norma. “Admiro a sinceridade de vossa excelência de falar isso”, afirmou Fux a Gilmar, em referência a declaração sobre a Lei da Ficha Limpa ter sido feita por ‘bêbados’.
“Vossa excelência pode esperar durante o julgamento minha sinceridade”, disse Gilmar.
Fux retrucou de novo: “Eu não tenho medo de sinceridade. Olho no olho. Não tenho medo de coisa nehuma. Agora eu vou falar a minha verdade até o fim”. Em seguida, voltou à leitura de seu voto.