O voto inválido
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, voltou atrás na inclinação de anular seu voto no caso de segundo turno na capital paulista entre o candidato do PSOL, Guilherme Boulos, e o coach Pablo Marçal, do PRTB. Ele anunciara a tendência numa entrevista, e Carlos, filho de Bolsonaro, indignou-se. Foi às redes sociais para afirmar que “não há voto nulo contra a esquerda”.
Tarcísio logo retratou-se, dizendo que, embora apoie o atual prefeito, Ricardo Nunes, e tenha dúvidas sobre propostas de Marçal, votará nele no caso de a disputa ser contra Boulos. Sobretudo, a reação de Carlos e o recuo de Tarcísio sugerem que os bolsonaristas de maneira geral estão liberados para votar em Marçal ainda no primeiro turno, o que deverá enfraquecer o apoio a Nunes.
Por que o voto nulo não se transforma em instrumento efetivo de protesto do eleitor? Porque a Constituição Federal de 1988 e a Lei das Eleições consideram como votos válidos somente os nominais e de legenda, determinando a exclusão de brancos e nulos para os cargos de prefeito, governador, presidente e vice-presidente. Isso significa que tanto os votos em branco quanto os nulos não são considerados no cálculo final das urnas. São inválidos e descartados na contagem eleitoral.
Por esse critério, votar em branco ou anular o voto ajuda quem estiver na frente na corrida eleitoral, pois reduz a quantidade de votos válidos necessários para alcançar a vitória. Com mais razão ainda no caso atual de São Paulo, onde três candidatos estão praticamente empatados. Ou no do Rio de Janeiro, onde o atual prefeito aparece como favorito para vencer no primeiro turno.
Quanto mais votos inválidos, de menos votos ele necessitará para confirmar as previsões das pesquisas eleitorais.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), numa jurisprudência do século passado, considera que votos nulos não existem, “é como se nunca tivessem sido dados”. Já escrevi que essa interpretação mais parece uma alienação dos especialistas em lei eleitoral que uma decisão com base técnica. Ignorar o recado que as urnas enviaram a nossos políticos, considerando que os votos nulos nunca existiram, é um reflexo na legislação oficial da leniência com que tratamos nossas mazelas político-partidárias.
Os votos em branco eram considerados válidos até a Constituição de 1988, quando também entraram na lista dos não votos, que não influem no resultado das eleições. O historiador José Murilo de Carvalho, falecido recentemente, definia assim a questão:
— É um desrespeito à democracia desqualificar o voto nulo.
A partir das urnas eletrônicas, o voto em branco, embora não válido, tem uma tecla só dele. O nulo exige que o eleitor digite um número que não está registrado e o confirme.
É preciso, pois, ter uma informação que não está dada na urna eleitoral para confirmar um voto nulo. Quando se digita um número inexistente, a urna informa que a escolha está errada. Mesmo assim, e com um barulho diferente que revela seu voto, você tem de confirmar o erro para anulá-lo, demonstrando toda a sua intenção. A decisão dos constituintes de excluir nulos e brancos dos votos válidos vai de encontro ao desejo do eleitor, já que, como temos a obrigatoriedade de comparecer às urnas, quem escolhe essa maneira de votar revela sua insatisfação com a situação política, ou pelo menos com os candidatos apresentados.
A abstenção pode ter inúmeras razões além do descontentamento do eleitor, mas a decisão de anular o voto, ou de votar em branco, é inequivocamente um protesto. Não validar os votos nulos e em branco é retirar do eleitor o direito de expressar seu pensamento na urna. Especialmente o que anula o voto, pois não há tecla específica para o ato.
Creche precisa ser tema nas eleições municipais
Um dos temas mais importantes a serem debatidos nas eleições municipais é o da educação na primeira infância (0 a 6 anos). Ações voltadas para essa faixa etária repercutem ao longo de todo o percurso escolar e no futuro profissional, o que contribui para a qualidade de vida dos indivíduos e o desenvolvimento do país.
Ademais, pesquisas evidenciam o papel de tais políticas na diminuição da desigualdade de gênero, já que a maternidade afeta os salários e a empregabilidade das mulheres.
O ponto de partida dessa trajetória é a creche, que atende a faixa de 0 a 3 anos. As deficiências brasileiras nessa seara, em quantidade e qualidade, são históricas, apesar de melhorias pontuais.
Segundo levantamento divulgado pelo Ministério da Educação na terça-feira (27), 632,8 mil crianças esperam por vagas em creches, e 44% dos municípios têm filas para esse serviço. Na pré-escola (4 e 5 anos), são 78,2 mil ausentes, sendo que metade (39 mil) não está em sala de aula por falta de vagas.
Pela lei, a matrícula na rede de ensino é obrigatória aos 4 anos, mas o Estado tem de atender o público de 0 a 3 anos se houver demanda.
De acordo com o Censo Escolar de 2023, 4,1 milhões estão em creches públicas e privadas, o que representa 39% das crianças nessa faixa etária. Apesar do aumento gradual (em 2005, a taxa era de 17%), não se atingiu a meta estipulada em 2014 pelo Plano Nacional de Educação, de 50% em 2024.
Há grande desigualdade regional também. Os índices são menores no Norte (21%), no Centro-Oeste (32%) e no Nordeste (35%); Sudeste e Sul (46%) estão acima da média nacional. A região amazônica de fato apresenta desafios, como a geografia e as enormes distâncias.
Creches são de responsabilidade das prefeituras, mas governos estaduais e federal têm obrigação de apoiar as redes municipais. Cumpre que o tema faça parte dos programas dos candidatos para as eleições que se avizinham.
A gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu, no ano passado, dar continuidade a obras paradas no setor de educação, mas até o momento nenhuma foi retomada. De um total de 3.783 construções abandonadas, 1.317 (35%) são para creche e pré-escola.
Os principais gargalos da educação brasileira se concentram no ensino básico, cujo pilar é a atenção à primeira infância. Eliminação de filas e planos pedagógicos precisam ser prioridades locais.
Candidatos à Prefeitura de Fortaleza concentram debate em saúde e segurança pública
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O segundo debate entre os candidatos à Prefeitura de Fortaleza, realizado na noite desta terça-feira (27), foi marcado por embates diretos entre os candidatos André Fernandes (PL), Capitão Wagner (União Brasil), Evandro Leitão (PT), George Lima (Solidariedade), José Sarto (PDT) e Técio Nunes (Psol).
Saúde e segurança pública foram os temas que mais dividiram os postulantes à Prefeitura da Capital no encontro promovido pelo jornal O Povo. As discussões giraram em torno das áreas que são apontadas como prioridades para a população, de acordo com a primeira pesquisa Quaest sobre a disputa deste ano. O levantamento demonstrou que as áreas foram apontadas como gargalos da cidade para 25% e 45% dos entrevistados, respectivamente.
O debate foi dividido em quatro blocos. Os trechos foram marcados por embates diretos entre os postulantes na dinâmica de perguntas e respostas, sendo a última parte dedicada para as considerações finais.
Os seis candidatos voltam a se enfrentar no Debate PontoPoder, marcado para esta quarta-feira (28), a partir das 17h. A transmissão será realizada de forma simultânea no Youtube do Diário do Nordeste (site, YouTube e Instagram), na Verdinha FM 92,5 e na TV Diário.
PRIMEIRO BLOCO
O primeiro embate do encontro se deu entre Evandro Leitão e José Sarto acerca da saúde. O candidato do PT disse que a área vive um “descaso” por parte da Prefeitura. “Nós vamos retomar todas as unidades [fechadas]. Entregar o Hospital da Mulher. No Conjunto Ceará, o [hospital] Nossa Senhora da Conceição. Iremos instituir o terceiro turno, a ampliação do horário até às 21 horas”, propôs.
Por sua vez, Sarto respondeu às críticas dizendo que vai “fazer exatamente o que o seu governo não está fazendo”, em referência à gestão de Elmano de Freitas (PT). “Já entreguei três hospitais, construí 24 novos postos de saúde, estou entregando pela primeira vez medicamento em casa. Nós estamos fazendo aqui a maior revolução na atenção da saúde pública de Fortaleza.”
Na sequência, Sarto escolheu questionar Capitão Wagner sobre a sua gestão à frente da Secretaria de Saúde de Maracanaú, que ele classificou como “desastre absoluto”. O candidato do União Brasil rebateu a fala dizendo que Sarto “fantasiou um fato”. “Eu assumi a gestão em fevereiro de 2023 e a nota que o Ministério da Saúde, que hoje é administrado pelo PT, dava era 5. Ampliando a cobertura das mulheres gestantes, ampliando a cobertura vacinal, ampliando a consulta de hipertensos e diabéticos, nós melhoramos a saúde preventiva e levamos essa nota para 9”, ressaltou.
O debate seguiu em torno da saúde no embate entre André Fernandes e George Lima. Os dois, inclusive, protagonizaram ofensas um ao outro quando o deputado federal chamou o candidato do Solidariedade de “inexpressivo”, que rebateu chamando o postulante do PL de “louco”.
Sobre a área, André defendeu a descentralização. “Precisamos fazer parcerias com a iniciativa privada. Está na hora de tirar tanto dinheiro da mão de duas ou três grandes empresas, que há décadas administram a saúde aqui em Fortaleza, e colocar em várias clínicas populares particulares, colocar o povo para ser atendido de forma gratuita.”
George Lima, por sua vez, avaliou que é importante uma parceria com a rede estadual e federal para melhorar o atendimento. “Tenho também uma ideia que é entregar para a população de mais de 60 anos, para pressão alta e diabetes, bancado pela Prefeitura. Fazer saúde é cuidar de quem precisa, e com dinheiro”, apontou.
Técio Nunes fechou o bloco protagonizando críticas contra André, após também ter sido chamado de “inexpressivo” pelo parlamentar. O candidato do Psol utilizou ainda parte do seu tempo para falar sobre segurança pública. “Nós queremos uma mudança verdadeira na nossa cidade. Nós queremos fazer esse debate em torno da segurança pública de forma responsável”, salientou.
SEGUNDO BLOCO
A pauta de segurança pública dominou o início do segundo trecho, quando José Sarto questionou a Evandro Leitão sobre a fuga do presídio de Itaitinga, dizendo que um dos fugitivos tinha “uma perna só”. “A segurança de Fortaleza está em colapso graças ao seu partido, o PT, que serve cafezinho para bandido”, completou o candidato à reeleição na réplica.
Leitão respondeu dizendo que não ia debater “segurança pública de forma irresponsável”. “Nós vamos criar pelotões da Guarda Municipal em todas as regionais. Através desses pelotões, vamos fazer o patrulhamento das paradas de ônibus, areninhas, trazendo mais segurança para a população.”
Na sequência, Wagner foi questionado por Evandro sobre propostas para gerar emprego e renda. “A gente precisa gerar oportunidades para a nossa juventude para diminuir esse fosso, que é a grande desigualdade social, que foi criada por esse grupo que está há 20 anos no poder”, respondeu Capitão.
No bloco, André Fernandes também utilizou seu tempo para falar sobre segurança pública. Ele disse que a Prefeitura usa seu aparato para “fechar” negócios que estão “fora dos padrões”, mas não utiliza a estrutura contra o crime organizado. “Eu criarei a ROMU, Ronda Ostensiva Municipal, com a Guarda Municipal, que perseguirá bandido, não cidadão de bem”, frisou.
George Lima utilizou parte do seu tempo para rebater falas que o chamaram de “garganta de aluguel”. “A campanha ainda tem muitos dias e vão ver que eu sou a ‘garganta da verdade’. Estou aqui representando um partido e o povo de Fortaleza, sem nenhuma amarra.”
Ao final do bloco, Técio Nunes falou sobre saúde e manifestou ideias para a área. “Precisamos zerar as filas, as filas precisam ser transparentes, porque é um absurdo o que acontece hoje nas filas, que isso fica na mão do cabo eleitoral. E precisamos acabar com os esquemas das OS [Organizações Sociais] que faturam milhões todo ano.”
TERCEIRO BLOCO
O início da terceira parte do debate foi marcado pelo embate entre André Fernandes e Evandro Leitão. O candidato do PL chamou o deputado estadual de “covarde” por ter se afastado da presidência do Ceará Sporting Club e por não ter votado para a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), para investigar o narcotráfico no Estado, em 2018.
Evandro Leitão falou do “orgulho” pelos títulos à frente do Ceará e rebateu as críticas sobre o trabalho no Legislativo cearense. “Essa CPI foi criada com um único objetivo: desestabilizar a segurança pública do nosso Estado, criando um palanque eleitoral”, respondeu, chamando André de “desequilibrado”.
Na sequência, Capitão Wagner foi questionado sobre as propostas no âmbito da educação. Entre as ideias, o candidato disse que deseja criar 50 ‘cuquinhas’, com escolas abertas no final de semana. “O grande desafio do gestor da cidade de Fortaleza é gerar oportunidades para que os nossos jovens tenham sucesso na sua vida, foi com educação que eu transformei a minha vida.”
Já Técio Nunes e José Sarto protagonizaram o debate em torno das mudanças climáticas. “A nossa cidade não está preparada para esse novo momento de crise climática. Nós precisamos de uma cidade que trate o seu resíduo sólido orgânico, nós precisamos de alternativas também acerca da mobilidade, que combata a emissão de carbono”, disse o candidato do Psol.
Já Sarto, defendeu os projetos que vêm sendo desenvolvidos na cidade. “Fortaleza tem a maior política pública de sustentabilidade das capitais brasileiras. (...) Nós estamos requalificando todos os parques urbanos”, disse o prefeito, citando espaços como o Rachel de Queiroz e o Rio Branco.
Por sua vez, George Lima falou sobre educação. “Educar é dar um encaminhamento, é chamar o adolescente para um projeto de vida. Saber o que ele quer da vida e acompanhar para entregar para o Ensino Médio, sabendo que ele vai virar um trabalhador e vai precisar do primeiro emprego”, enfatizou o candidato.
QUARTO BLOCO
Capitão Wagner e Evandro Leitão abriram o último bloco debatendo a taxa do lixo em Fortaleza. Os dois criticaram os pontos de lixo na cidade e prometeram acabar com o imposto.
“A taxa do lixo, além de onerar o bolso do contribuinte, do cidadão que na compra da feira tem dificuldade, ainda deixou a cidade de Fortaleza imunda”, disse o candidato do União Brasil.
“Fortaleza tem 1.200 pontos de lixo. (...) A cidade continua suja. E infelizmente, o prefeito que abandonou a cidade, colocou mais esse ônus para você, fortalezense, para pagar e, infelizmente, nós não temos nenhum resultado”, afirmou o candidato do PT.
Na sequência, Sarto rebateu as críticas dizendo que a cidade não tem 1.200 pontos de lixo e sim, 900. Ele disse que considera o número elevado, mas prometeu acabar com todos eles. “O que eu criei em Fortaleza foi a maior taxa de isenção”, frisou o prefeito, alegando que o marco regulatório do saneamento básico “obriga” a implementação do tributo.
André Fernandes também falou sobre o âmbito da limpeza pública no último bloco, citando uma possível promessa de Sarto para acabar com os pontos de lixo. “Fortaleza continua cheia de lixo. O próprio candidato acabou de dizer que são aproximadamente mil pontos de lixo na cidade de Fortaleza”.
Já Técio Nunes voltou a falar sobre segurança pública. “A Prefeitura tem um papel muito importante nesse processo. Precisamos apostar em uma política cooperada, está na hora de o próximo prefeito chamar a responsabilidade para si e apresentar em um programa alternativo que pense em inteligência.”
George Lima aproveitou o tempo final para falar sobre as propostas na área de moradia. “Estou trabalhando várias ideias, como o bolsa aluguel. Já existe o aluguel social do governo federal, mas o bolsa aluguel seria em outro sentido, seria uma proposta público privada para um investimento. Ao longo de 35 anos a Prefeitura iria pagar isso aos investidores.”
A parte final do debate foi destinada às considerações finais dos candidatos.
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Marçal testa limites
Pablo Marçal é um influenciador com discurso radical de direita antissistema. Em condições normais, seria um candidato nanico à prefeitura paulistana, pois sua legenda é o inexpressivo PRTB, que não tem direito a tempo de rádio e TV nem ao fundo partidário, recebendo tão somente uma migalha do fundo eleitoral.
Mas Marçal é um desses fenômenos da internet e subiu nas pesquisas do Datafolha, empatando na margem de erro com Guilherme Boulos (PSOL) e o prefeito Ricardo Nunes (MDB), com quem disputa o voto bolsonarista. Cumpre aguardar novas sondagens de intenção de voto para verificar se a ascensão é efêmera ou mais durável.
Não são poucas as vulnerabilidades do postulante, que incluem uma condenação por furto qualificado, que acabou prescrita, e a acusação de vínculos com o PCC.
A conduta tresloucada de Marçal em manifestações públicas, quando se mostra disposto a ataques gratuitos e sem fundamento a adversários, criou problemas até para a organização dos debates.
A candidatura populista se tornou também alvo da Justiça Eleitoral, dado que em um curto período de tempo desde a pré-campanha acumulou um número expressivo de irregularidades em potencial.
A providência judicial mais dura até aqui foi a suspensão dos perfis de Marçal nas redes sociais, a partir do argumento de que o candidato comete abuso de poder econômico ao premiar com dinheiro seguidores que divulgam na internet vídeos curtos de participações dele em entrevistas e debates.
O efeito prático da medida, porém, foi favorecer o punido —que criou novas contas, reforçou seu discurso de vítima do establishment e teve sua visibilidade multiplicada nas plataformas digitais.
Nos meios político e jurídico, avalia-se que os desmandos de Marçal podem levar até à inabilitação de sua chapa. Já houve, por parte do Ministério Público Eleitoral, um pedido de suspensão da candidatura, negado em primeira instância.
Se tem a obrigação de zelar pelo cumprimento de uma legislação por vezes muito detalhista, a Justiça Eleitoral precisa atuar com celeridade, de modo a tomar as decisões antes da abertura das urnas, e também autocontenção.
Na democracia, cabe aos eleitores, não a magistrados, definir quem serão os governantes. Idealmente, portanto, as cortes deveriam reservar inabilitações e cassações a raras e extremas situações.
Eleição municipal não pode ignorar agenda climática
Por Editorial / O GLOBO
Os efeitos das mudanças climáticas já fazem parte do dia a dia dos brasileiros há algum tempo. Em maio, o país se comoveu com o drama dos gaúchos ante a devastação sem precedentes causada por chuvas inclementes, que mataram mais de 180 moradores, deixaram cidades submersas, arrasaram a infraestrutura e impuseram prejuízos bilionários.
Nos últimos meses, em meio a secas severas e temperaturas abrasadoras, incêndios têm se alastrado, destruindo vegetações e causando transtornos à população. Seria de esperar que tal realidade fizesse das mudanças climáticas um dos principais temas da campanha municipal país afora. Não é o que acontece, porém.
Como mostra a série de reportagens do GLOBO “Cidades resilientes”, os candidatos a prefeito parecem passar ao largo da preocupação, apesar de medidas de adaptação e mitigação dos efeitos do aquecimento global dizerem respeito sobretudo à esfera municipal. Todo candidato deveria tratar do assunto em suas propostas e planos de governo. Mas, com exceção do Sul, onde as cicatrizes das chuvas ainda se fazem presentes, a reportagem revela que a maior parte dos programas trata o tema de forma vaga, relegando a segundo plano medidas de longo prazo.
As promessas mais comuns dizem respeito a ações de Defesa Civil (sistemas de alerta), obras de drenagem, criação de parques ou plantio de árvores. Não que tais iniciativas sejam pouco importantes. Mas a emergência climática exige mais. Candidatos deveriam explicar com clareza suas políticas para evitar a ocupação de áreas suscetíveis a desastres (como encostas e margens de rios) e estratégias para reassentar famílias vulneráveis.
Mesmo impopulares, são providências incontornáveis para minimizar os efeitos das tragédias resultantes de eventos climáticos extremos, mais e mais frequentes.
Responsáveis pela ordenação do uso do solo, os municípios arcam com responsabilidade fundamental na prevenção de desastres. A tragédia no Rio Grande do Sul mostrou que a ocupação das cidades precisa ser repensada. Não há como impedir que rios transbordem ou encostas deslizem sob chuvas torrenciais, mas é possível reduzir os efeitos das tragédias planejando melhor a ocupação. Certas áreas, pelos riscos óbvios, não podem receber moradias.
Mas só 13% das cidades brasileiras têm plano específico para reduzir perigo de desastres, revelou levantamento da Associação de Pesquisa Iyaleta. Menos de um terço dispõe de plano diretor com prevenção a inundações. Sistemas de alerta estão em apenas 8%.
Num cenário de eventos extremos mais intensos, os candidatos deveriam apresentar propostas que contemplem reflorestamento de encostas, arborização de ruas, refrigeração dos transportes e de escolas, preparação das redes de saúde, com atenção sobretudo a crianças e idosos. Não se trata mais de projeção para o futuro. Em pleno inverno, cidades brasileiras têm registrado temperaturas acima dos 40 graus.
As campanhas não podem ser tão desconectadas da realidade. Não é improvável que chuvas torrenciais, ondas de calor, secas prolongadas e incêndios devastadores aconteçam nas próximas semanas, meses ou anos. As cidades precisam estar preparadas para dar respostas. Na campanha, os candidatos podem até fugir do tema. Mas, uma vez eleitos, certamente serão expostos a ele. Não poderão alegar surpresa.