Pouco a pouco
Quase a metade dos 31 partidos políticos do país estará excluída, neste ano, do rateio das verbas do fundo orçamentário —dinheiro público— destinado a manter tais agremiações. Essa é uma boa notícia.
Se o pluripartidarismo costuma ser um sinal de vitalidade de uma democracia, a existência de mais de três dezenas de siglas constitui uma anomalia que resulta de distorções do sistema político-eleitoral brasileiro e as agrava.
Resultante de normas por demais permissivas, a proliferação de siglas em nada ajuda os eleitores na hora de decidir o voto. Grande parte delas opera como meros escritórios especializados em amealhar recursos públicos, seja diretamente do fundo partidário, seja negociando cargos e verbas por meio de seus membros eleitos.
A fragmentação dificulta a governabilidade. Presidentes precisam cercar-se de uma miríade de legendas médias e pequenas, a custos elevados, para formar maiorias no Legislativo e aprovar seus projetos —ou, ao menos, para evitar CPIs e ameaças de impeachment.
O país só agora começa a colher os resultados de reformas aprovadas a duras penas para lidar com o problema. A primeira, de 2015, fixou exigências maiores para a coleta de assinaturas necessária para a criação de partidos.
Depois, em 2017, a chamada cláusula de desempenho impôs votações mínimas, crescentes a cada pleito até 2030, para que as siglas tenham acesso ao fundo partidário e à propaganda eleitoral paga com dinheiro do contribuinte.
Desde o início das mudanças, a quantidade total de legendas, graças a fusões e incorporações, diminuiu de 35 para as atuais 31. A cifra deve recuar em breve para 29, com dois processos ainda em análise na Justiça Eleitoral.
Mais importante, o número de agremiações representadas na Câmara dos Deputados caiu do recorde de 30, em 2018, para 23 agora, com perspectiva de recuo para 20. Se consideradas as federações, nas quais as siglas se unem por prazo limitado para cumprir a cláusula de desempenho, a cifra pode chegar a 16 forças em atuação.
Obviamente, não se está diante de alguma panaceia. Falta muito, ainda, para que mais partidos busquem se estabelecer em bases mais duradouras, com coerência programática e inserção na sociedade. Nesse sentido, o financiamento público de campanhas também deveria ser reexaminado.
De todo modo, a estratégia de aperfeiçoamentos graduais parece mais realista e promissora do que alguma tentativa de reviravolta total das normas eleitorais do país.
Lembra do Trem-Bala? Ele voltou
Por Elio Gaspari / o globo
Com jeito de quem não quer nada, na quarta-feira a Agência Nacional de Transportes Terrestres divulgou sua Deliberação nº 47, com três artigos. Outorgou à empresa TAV Brasil, constituída em fevereiro de 2021 com capital de R$ 100 mil, autorização para “a construção e exploração de estrada de ferro entre São Paulo e o Rio de Janeiro pelo prazo de 99 anos”.
Ganha um lugar na viagem inaugural desse trem quem conseguir explicar o que essa autorização significa, pois faltam o capital, o projeto de engenharia e a demonstração da demanda.
É o velho Trem-Bala que ressuscita. Pelo que se promete, em junho de 2032 ele ligará as duas cidades em 90 minutos. A autorização da ANTT custou-lhe uma folha de papel. Esse trem custaria algo como R$ 50 bilhões, cerca de US$ 10 bilhões.
Sonhar é grátis. Lula já disse que pretende reativar os estaleiros do Rio. Seria o quarto polo naval que sua geração financia, coisa inédita na história das navegações. Agora reaparece o Trem-Bala. Ele foi um sonho do consulado petista, acabou em pesadelo e só serviu para produzir uma empresa estatal.
Antes que se dê outro passo com o Trem Bala 2.0, convém revisitar o que aconteceu com o primeiro projeto.
Em 2004, durante o primeiro mandato de Lula, foi constituído um Grupo de Trabalho para estudar a “ligação ferroviária por trem de alta velocidade entre as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro”. Seu coordenador era José Francisco das Neves, o “Doutor Juquinha”, presidente da estatal Valec — Engenharia, Construções e Ferrovias S.A..
Os doutores visitaram fábricas da Itália e da Alemanha e, em abril de 2005, o grupo de trabalho recomendou o projeto da italiana Italplan. O Trem-Bala ligaria o Rio a São Paulo em 88 minutos, sem paradas, transportando cerca de 90 mil passageiros por dia. A obra levaria sete anos, e a concessão duraria outros 42.
A conta ficaria em US$ 9 bilhões, sem que a Viúva tivesse que botar um centavo. (Em 2004, o dólar estava a R$ 3)
Um curioso intrigou-se com o fato de que o trem iria do Rio a São Paulo sem qualquer parada. Todos os outros trens de alta velocidade param no caminho.
O Doutor Juquinha disse-lhe que essa era a proposta dos italianos e que não havia motivo para preocupação, pois a ministra Dilma Rousseff havia incluído o Trem-Bala no Programa de Aceleração do Crescimento, o falecido PAC. Qualquer dúvida, os italianos esclareceriam. Procurados os italianos, deu-se o seguinte diálogo:
Por que o trem vai do Rio a São Paulo sem paradas? Porque pediram um projeto sem paradas.
O TCU parou o trem
Em 2007, o BNDES e o Tribunal de Contas da União (TCU) mastigaram as contas do projeto da Italplan. Saltou aos olhos que o Trem-Bala precisaria de subsídio. Além disso, sua malha começou a espichar indo até Campinas. Espichou também o custo, subindo para US$ 11 bilhões.
Em abril de 2008, Lula anunciou que a licitação do trem aconteceria em outubro. Ele estaria nos trilhos durante a Copa do Mundo de 2014 com oito paradas. Não houve a licitação, mas o custo estimado pulou para US$ 15 bilhões. Tudo isso, sem que houvesse um projeto de engenharia, numa obra que teria 16 quilômetros de túneis.
Em 2010 (ano eleitoral), o assunto estava no Tribunal de Contas e lá percebeu-se que a estimativa de demanda (e da renda) havia sido grosseiramente manipulada. O TCU freou o projeto por algum tempo, e os italianos foram mandados passear.
Candidato ao governo de São Paulo, o petista Aloizio Mercadante prometia trabalhar para que o trem fosse também a Sorocaba, Bauru, Ribeirão Preto e Rio Preto. Nessa campanha eleitoral, Lula comparou a audácia da obra à da construção da Torre Eiffel, em Paris. O trem só deveria rodar em 2017, mas em 2010 seu projeto produziu sua estatal, a Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade, Etav. Durante a campanha, o Trem-Bala foi uma cereja de bolo. Chegou-se a anunciar que ele poderia ir a Curitiba.
Passada a eleição, adiou-se a licitação da obra. Consórcios de China, França, Coreia e Espanha, que teriam interesse na obra, caíram fora. (Alguns, como o coreano, podem ter se reciclado.)
Um grande empresário nacional ironizava: “Se o empreiteiro é o sujeito que convenceu o faraó a empilhar aquelas pedras no deserto, com esse trem o faraó (ou faraoa) quer fazer a pirâmide, mas os empreiteiros não querem.” O leilão foi adiado três vezes e nunca aconteceu.
Em setembro de 2011, a ANTT informou que os estudos de engenharia demorariam pelo menos um ano. A essa altura o Trem-Bala já havia consumido R$ 63,5 milhões, e o custo da obra estava estimado em US$ 20,1 bilhões. (Em 2005 falava-se de US$ 9 bilhões.)
Em 2014, Dilma Rousseff admitiu que o Trem-Bala havia deixado de ser prioridade.
Litígio na Itália e Juquinha na cadeia
A única coisa que andou foi um litígio judicial aberto pela Italplan na Itália. A empresa, que em 2004 tinha a preferência do grupo de trabalho, processou o governo brasileiro e em março de 2016 pedia na Justiça cerca de R$ 1 bilhão por serviços prestados.
Em julho de 2012, por conta de outras malfeitorias praticadas na Valec, o “Doutor Juquinha” foi preso. Dormiu poucas noites na cana. Anos depois, ralou uma condução coercitiva.
Andou também a estatal Etav. Transformou-se na Empresa de Planejamento e Logística (EPL). Em 2017, empregava 143 pessoas e custava R$ 99 milhões anuais. Já a Valec tinha 1.027. Ambas sobrevivem, fundidas na Infra S.A..
Cinco personagens em busca de um trem
Lula comparou as críticas ao projeto do Trem-Bala, nascido em 2004, às que foram feitas à construção da Torre Eiffel. A torre ficou pronta em menos de dois anos.
O ministro dos Transportes, Renan Filho, informa que a autorização dada pela ANTT para a construção e operação por 99 anos do Trem-Bala de Lula 3.0 é um projeto inteiramente privado da TAV Brasil. A autorização da ANTT é inteiramente pública. Renan tinha 24 anos e acabara de se formar em economia quando o grupo de trabalho do “Doutor Juquinha” dizia a mesma coisa.
Geraldo Alckmin, atual vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, conhece a história do Trem-Bala desde 2009, quando era secretário de Planejamento do governo de São Paulo. Em 2010, como governador eleito, ele sugeria que o trem não passasse pelos aeroportos de Guarulhos e Viracopos, mas que eles fossem servidos por duas outras ferrovias expressas.
Aloizio Mercadante, defensor da extensão da malha do Trem-Bala para Sorocaba, Bauru, Ribeirão Preto e Rio Preto, é o atual presidente do BNDES.
Tarcísio de Freitas, atual governador de São Paulo, foi um implacável diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (Dnit) em 2011, durante a “faxina ética” que Dilma Rousseff fez no setor de transportes do seu governo. Conhece a história da Valec e do Trem-Bala de cor e salteado.
População sem casa sobe 150% em uma década na França
Por Fernando Eichenberg, Especial Para O GLOBO — Paris
O número de pessoas sem domicílio na França mais que dobrou na última década, passando de 133 mil para 330 mil, segundo a Fundação Abbé Pierre. A contagem sobe se incluídos os indivíduos sem moradia pessoal, hospedados por terceiros ou em um alojamento provisório: 1,098 milhão. Quando se acrescentam os franceses morando em “condições muito difíceis”, chega-se a 4,148 milhões.
O diagnóstico da entidade — fundada em 1992 pela luta do direito à habitação — alertou para o agravamento das dificuldades na busca por um teto no país, tanto para a população de baixa renda ou em situação precária, incluídos desempregados e imigrantes, como para uma classe média com perda de poder aquisitivo face ao crescente valor dos aluguéis.
O relatório destaca uma série de fatores para o agravamento da situação de moradia na França: uma conjuntura inóspita após a pandemia da Covid-19, a retomada da inflação em 2022 e a emergência de uma crise energética no rastro da guerra na Ucrânia. E, além disso, a fundação indica a ineficiência dos poderes públicos em enfrentar o problema dos sem-teto e a precariedade habitacional, piorando a situação.
A sexta edição da “Noite da solidariedade” — operação para ajudar pessoas sem abrigo, realizada em Paris e em 27 municípios dos arredores — realizada dia 26 de janeiro, contabilizou 6.633 pessoas vivendo nas ruas. Só na capital francesa o número chegou a 3.015 sem-teto, contra 2.598 em 2022, sendo 105 menores de idade. O vice-prefeito de Paris, Emmanuel Grégoire, reconheceu o ineditismo de um número “tão importante de crianças”, em um quadro considerado por ele “excepcional e preocupante”.
O número de telefone 115, principal dispositivo de urgência da “rede de segurança” do serviço público, recebe milhares de ligações todos os dias de pessoas à procura de uma vaga em um dos centros de acolhimento ou de um dos quartos reservados para sem-teto em determinados hotéis. Os números são “terríveis”, aponta a Fundação Abbé Pierre. Só na noite de 5 de dezembro de 2022 em Paris, 122 crianças de menos de 3 anos não conseguiram um lugar para dormir com o serviço público em Paris. Nessa mesma data, segundo a Federação dos Agentes da Solidariedade (FAS), cerca de 5 mil pessoas que telefonaram para o 115 em âmbito nacional não encontraram uma solução de pernoite, sendo 1.346 crianças.
2,3 milhões na espera
Para o sociólogo Christophe Robert, coordenador do relatório da Fundação Abbé Pierre, situações como essa são “bastante tensas” em grandes cidades como Paris, Marselha, Lyon, Lille, Montpellier ou Toulouse.
— Muitos nem ligam mais para o serviço, pois além do longo tempo em espera, sabem que não terão uma resposta positiva. Mas só aumentar o número de alojamentos de urgência não será suficiente, e enquanto não houver uma conscientização disso, não se resolverá o problema — sustenta.
Robert refere-se a políticas públicas e medidas legislativas que abordem os diferentes ângulos da questão dos sem domicílio na França. Como uma solução mais “duradoura”, defende um reforço no investimento nas Habitações de Aluguel Moderado, os chamados HLM, na sigla em francês, moradias sociais construídas com a ajuda do Estado, de valores de aluguel bem abaixo do mercado e estritas regras de acesso.
— A construção dos alojamentos sociais caiu muito nos últimos anos — constata o sociólogo. — Há dois anos ficamos abaixo de 100 mil novas habitações por ano, antes este número era de cerca de 120 mil, e chegamos a atingir 135 mil. É um quadro que nos inquieta muito quando vemos que há em torno de 2,3 milhões de candidatos.
Para Didier Vanoni, diretor do Fors-Pesquisa Social — organismo independente especializado na avaliação das políticas públicas — nos últimos anos houve um desmoronamento de um sistema que cada vez perde mais sua pertinência:
— A estrutura HLM se enfraqueceu. O 115 está saturado. Há o fluxo migratório. É preciso haver mais auxílios para as pessoas em situação de subemprego. Os salários estão completamente desconectados dos valores de aluguel do mercado, exceto para os 20% mais ricos e aqueles que herdaram um apartamento de família ou usufruem de uma locação antiga. Hoje, mesmo as classes médias têm dificuldades em alugar um imóvel.
O relatório estuda o perfil das famílias francesas para ampliar esta análise.
— Quem tem renda inferior a metade da média dos franceses não tem chance. E quando tem, se vê bloqueado ao se acrescentar os custos de eletricidade, seguro ou transporte. A questão é fazer com que as evoluções do poder aquisitivo e do valor dos aluguéis acabem se encontrando — diz Vanoni.
Existe uma regra implícita na França adotada pelos proprietários que desejam alugar seu imóvel: o salário do locatário deve ser pelo menos três vezes maior do que o valor do aluguel. Trata-se de uma norma de prudência que na origem não é ruim, nota Robert, pois se essa proporção for ultrapassada, poderão faltar recursos para alimentação, saúde e aquecimento.
— Em 1990, o aluguel representava 20% das despesas de um francês, contra 27,8% em 2021. E isso é uma média, pois para muitos o índice chega a 40% ou mesmo 60%.
Limite ao AirBnb
O relatório sugere, entre as medidas, até a limitação ou o fim das vantagens fiscais para plataformas de locação turística tipo AirBnb. O estudo tem ainda um capítulo dedicado às desigualdades e discriminações relacionadas ao gênero na questão da moradia, focado no âmbito das mulheres. Problemas são detectados para as pessoas LGBT+, mas, segundo a Fundação, as maiores adversidades concernem as mães solo.
— As mulheres ganham em média um salário entre 20% a 22% inferior aos dos homens — diz Robert. — E a situação mais difícil que vimos nesse relatório foi a de mulheres solo com filhos. Elas são duas vezes mais atingidas pelo problema de habitação do que os homens. Com um filho, 40% delas têm dificuldades em encontrar moradia, contra 20% para o conjunto da população. Mas se têm dois ou mais filhos, este índice sobe para 60%. É um grande problema.
Numa separação conjugal — cerca de 420 mil por ano na França — a capacidade financeira das mulheres diminui em média de 13% a 14%, enquanto a dos homens aumenta de 3,5%, aponta o relatório.
— Para muitas mulheres, essa perda chega a mais de 40% — acrescenta Robert. — E as pensões de aposentadoria são inferiores em 40% paras as viúvas em comparação aos viúvos. Há, hoje, cerca de 500 mil aposentadas, sós, afetadas pela crise da habitação. O número de mulheres nas ruas, sem teto, embora ainda inferior ao dos homens, infelizmente não cessa de aumentar, como o das crianças.
Batalha errada
Boa parte do golpismo bolsonarista se ampara em uma interpretação tresloucada do artigo 142 da Constituição, que trata das Forças Armadas e suas atribuições na democracia brasileira.
"As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem", reza o caput do artigo.
O texto, decerto, poderia ser mais sucinto e claro —o que é compreensível, dado que os constituintes de 1988 precisavam se equilibrar entre a necessidade de superar a ditadura e a de evitar crises com os militares que deixavam o poder.
Mas daí a entender que a Carta autoriza uma intervenção da caserna contra algum dos Poderes, como querem seguidores extremistas de Jair Bolsonaro (PL), há uma distância que só se percorre com fanatismo ou má-fé.
É preciso ignorar o espírito inequivocamente democrático de todo o texto constitucional para fazer a leitura de que o trecho em questão daria às Forças o papel de arbitrar eventuais conflitos entre os Poderes. Argumentos, porém, não convencerão os que rejeitam o resultado das urnas e querem impor sua vontade a qualquer custo.
Não se justifica, do mesmo modo, a intenção de parte da bancada do PT e de aliados à esquerda de trabalhar por uma emenda constitucional para reformular o artigo 142 —retirando, por exemplo, a menção à garantia da lei e da ordem.
Para as agremiações, a empreitada talvez tenha a utilidade de fomentar a polarização ideológica, que afinal as beneficia. Mesmo essa suposta vantagem, porém, não compensa os riscos envolvidos.
Se o texto da Carta não autoriza intervenção militar, não há por que alterá-lo. Uma eventual tentativa nesse sentido, se é que seria bem-sucedida em um Congresso de expressiva presença bolsonarista, reavivaria a babel de teses e interpretações estapafúrdias.
No que diz respeito às Forças Armadas, o aperfeiçoamento institucional mais relevante a ser buscado é restringir legalmente, de forma drástica, a presença de militares da ativa em postos de governo. Esse avanço depende de debate amadurecido e entendimento político, não de embates viscerais.
Arautos da gastança
A terceira encarnação do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) repetiu o estratagema de escalar equipes com orientações divergentes para administrar a economia.
Desse modo o presidente, que nunca tolerou quem lhe fizesse sombra por perto, fragmenta o poder de cada ministro e talvez espere beneficiar-se da variedade de opiniões na hora de tomar decisões.
Como toda fórmula pré-fabricada aplicada à dinâmica administrativa, essa também não garante por si só o sucesso. Em doses excessivas, semeia impasses que atravancam e desgastam toda a gestão.
Garantido mesmo é o conflito entre as equipes, que já mostra sua face quando o mandato nem sequer completou o segundo mês.
Há divergências de amplitude moderada entre os perfis da Fazenda, sob Fernando Haddad (PT), e os do Planejamento, sob Simone Tebet (MDB). E há a mãe de todas as clivagens, que se dá entre esses dois ministérios, de um lado, e o BNDES comandado por Aloizio Mercadante, do outro.
No primeiro grupo, pacificou-se o entendimento de que é necessário controlar o déficit e o endividamento público a fim de que a economia possa recobrar o crescimento sustentado, de que o governo e a popularidade presidencial seriam beneficiários diretos.
No segundo, repousa uma cogitação estapafúrdia, na contramão do acervo das evidências, de que não há problema em o governo torrar dinheiro a descoberto quando a sua dívida está denominada em moeda local. Tampouco faz sentido, alardeiam os arautos da gastança, o Banco Central aumentar os juros para controlar a inflação.
Nas suas duas primeiras passagens pela Presidência, Lula soube manter Mercadante à distância das manivelas da política econômica. A sucessora, Dilma Rousseff, não teve o mesmo tirocínio, decerto porque concorda com as teses do economista do PT e as aplicou até as últimas consequências, que foram a profunda recessão de 2014-2016.
Sob Dilma, o atual presidente do BNDES foi mais longe e tornou-se auxiliar e conselheiro na área política da administração. Não evitou o impeachment. Na campanha de 2022, Mercadante coordenou um programa de governo que propôs a retomada de diretrizes que produziram o descalabro dilmista.
Com a falta de sutileza habitual, o petista abriga no banco de desenvolvimento próceres da farra orçamentária, que criticam o arcabouço vigente e a atuação do Banco Central. Enfiou o BNDES no debate da nova âncora fiscal, em que não é chamado, por meio de um seminário para avaliar a proposta da Fazenda, diretamente afrontada.
Seria melhor, para o país e o governo, que Lula freasse o assédio contra seus ministros da economia.
Fracasso de países ricos em honrar promessa de financiamento climático é 'piada', diz Pnud
O fracasso dos países desenvolvidos em cumprirem o compromisso de uma década atrás de pagarem US$ 100 bilhões (R$ 517,8 bilhões) em financiamento climático anual aos países em desenvolvimento é uma "piada", disse Achim Steiner, administrador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), nesta sexta-feira (24).
As nações ricas, que são as maiores responsáveis pelo aquecimento global, ainda não cumpriram a promessa de 2009 de fornecer US$ 100 bilhões por ano para ajudar os países em desenvolvimento a lidarem com as consequências do aumento das temperaturas globais.
"Uma piada. Digo isso com toda a honestidade", disse Steiner à Reuters durante uma entrevista nos bastidores de uma reunião do G20 em um resort nas proximidades da cidade indiana de Bengaluru.
"Acho que muitos países deveriam se perguntar se este pode ser um dos erros mais trágicos da história, que 10 anos depois de fazerem tal promessa, o compromisso de US$ 100 bilhões ainda não foi cumprido."
Países vizinhos da Índia no sul da Ásia, Sri Lanka, Bangladesh e Paquistão, buscam resgate do Fundo Monetário Internacional (FMI) devido a uma desaceleração econômica causada pela pandemia de Covid-19 e pelo conflito na Ucrânia.
Steiner disse que os países do G20 precisam decidir sobre a reestruturação da dívida e que descontos devem ser feitos uma vez que 52 países em desenvolvimento estão perto de situações de risco de default ou estresse financeiro.
"Precisamos analisar alguns descontos, precisamos analisar algumas reprogramações e reestruturações", afirmou Steiner.