Não se aplica - J.R.Guzzo, O Estado de S.Paulo
Está escrito na lei brasileira o seguinte: “São crimes de responsabilidade dos ministros do Supremo Tribunal Federal: 1. Alterar por qualquer forma, exceto por recurso, decisão ou voto já proferido em sessão do tribunal”. O que poderia haver de mais claro que isso? A lei, por sinal, foi aprovada em 1950, quando os deputados e seus redatores ainda sabiam escrever em português. Se vale o que está escrito, então, e segundo requer a lógica mais comum, a ministra Cármen Lúcia, que acaba de fazer exatamente o que a lei diz que é crime, deveria estar dando alguma satisfação sobre o que fez; pelo menos isso. Mas aí é que está: ela não precisa fazer absolutamente nada. No Brasil de hoje, que é o Brasil como o STF quer que ele seja, é mais fácil o simpático camelo da Bíblia passar pelo buraco de uma agulha do que a lei valer alguma coisa quando os ministros supremos não querem que valha. A solução universal, então, é dizer: “Nesse caso a lei não se aplica”. Pronto: tudo resolvido e vida que segue, até a próxima.
A lei obviamente não se aplica à ministra, nem a qualquer dos seus dez colegas, nem sobre qualquer decisão que o STF possa tomar – afinal, entre outros portentos, os ministros tocam há mais de um ano um inquérito policial que não têm nenhum direito de tocar, prendem deputados federais, anulam leis aprovadas legitimamente no Congresso Nacional, decretam o que é proibido fazer, decretam o que é obrigatório que se faça. Se fazem tudo isso, por que iriam implicar com Cármen, ainda mais quando ela está fazendo exatamente o que eles querem que seja feito?
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Não existe rigorosamente nada de certo na decisão que a ministra tomou para considerar o juiz Sérgio Moro “suspeito” de agir de maneira parcial na condenação do ex-presidente Lula por corrupção e lavagem de dinheiro – sentença que foi confirmada por outros oito magistrados superiores a ele. Quando julgou a história da suspeição, na abertura do caso em 2018, Cármen disse em seu voto que Moro não era suspeito de nada. Agora, três anos depois e com a condenação de Lula já passada em terceira e última instância, ela dá um voto exatamente ao contrário do primeiro. Não aconteceu nada de novo entre um momento e o outro, a não ser a apresentação de “provas” obtidas através de gravações ilegais – um crime. Tudo o que houve nesse período, segundo diz Cármen, foram “conversas” com o “ministro Gilmar Mendes”.
Cármen não fez apenas um reparo ou ajuste técnico em seu primeiro voto; fez um voto novinho em folha, decidindo simplesmente o oposto do que já tinha decidido. A mudança também não foi feita “por recurso”, como pede a lei; Cármen começou, dias atrás, a espalhar na imprensa que poderia dar um “voto novo”, e assim que o caso foi reaberto para o julgamento final, com um placar de 2 x 2, ela anulou sua própria decisão e deu a vitória a Lula. É verdade que os votos, tanto o que era à brinca como o que foi à vera, não foram dados em sessão plenária do STF, e sim na “Segunda Turma” d qual ela faz parte; mas foi decisão oficial.
Mas e daí, não é mesmo? Nada disso tem a mais vaga importância para o STF. O tribunal vive no seu próprio Brasil, um universo no qual é proibida a entrada de fatos ou pontos de vista diferentes, e onde só vale a vontade pessoal dos ministros. Eles têm a sua própria realidade. O ministro Gilmar, por exemplo, diz que o que desmoraliza a Justiça brasileira não é o Supremo, mas sim a Operação Lava Jato – uma “vergonha mundial”, nas suas palavras.
O STF é isso: a mais bem-sucedida ação da Justiça contra a corrupção, em toda a história, é um erro, o culpado é o juiz e o condenado é um mártir.
JORNALISTA
Brasileiro quer líder que priorize o País e não as eleições
28 de março de 2021 | 14h00
“Só um ano de atraso”, foi uma das frases irônicas que invadiram as redes sociais após o anúncio, na quinta-feira passada, da criação de um comitê para discutir e pôr em prática ações integradas de combate à covid-19 no Brasil. Após reunião com os presidentes da Câmara, do Senado, do Supremo Tribunal Federal (STF), alguns governadores e ministros, o presidente Jair Bolsonaro prometeu um trabalho conjunto e disse acreditar que o melhor caminho para tirar o País da crise é “sem qualquer conflito, sem que haja politização”.
A postura e o discurso do presidente, porém, destoam da forma como o Brasil assistiu à condução da pandemia nos 13 meses anteriores. Em meio a uma crise sanitária sem precedentes e um número cada vez maior de mortos, o período foi marcado por conflitos do presidente – que se opôs a medidas de isolamento e criticou vacinas – com governadores e prefeitos.
Uma consequência desta “pane” federativa pode ser vista num levantamento da Ipsos e do Global Institute for Women’s Leadership publicado neste mês: após um ano conturbado de pandemia, uma parcela majoritária dos entrevistados no Brasil disse querer que seus líderes coloquem os problemas do País como prioridade à frente de suas próprias ambições políticas.
É o que pensa a advogada Valéria Martins, de 35 anos, do Rio de Janeiro, que acompanhou de perto o drama de amigos que perderam familiares para a doença ou que estão desempregados na crise. “Essas brigas políticas só pioram a nossa situação, tanto na questão da saúde, como financeira. Estão pensando nas eleições e não em ajudar o povo”. A mineira Amanda de Paula, que trabalha com administração de empresas, tem o mesmo ponto de vista: “Eu esperava que atitudes tivessem sido tomadas bem antes do caos todo”.
O estudo da Ipsos pediu a mais de 20 mil entrevistados de 28 países que apontassem cinco características prioritárias que esperam de um líder para reverter a crise do coronavírus. Entre os brasileiros, a principal urgência, citada por 42% dos participantes, foi o desejo de que políticos priorizem os interesses do País ao invés de suas próprias carreiras. Esta e outras características como “ser honesto”, “tomar decisões certas na hora certa” e “agir rápido para proteger as pessoas” tiveram, entre os brasileiros, suporte mais alto do que a média dos países pesquisados.
“Essas questões são mais percebidas como mais importantes por aqui”, disse Marcos Calliari, presidente da Ipsos no Brasil. “A capacidade de enfrentar a pandemia e suas desastrosas consequências, em um país que foi particularmente atingido, requer, no olhar da população brasileira, capacidade de entender os problemas da população e protegê-la, comunicar-se bem e pensar no País.”
Apesar de agora abrandar o tom negacionista e falar que o governo nunca se opôs à vacinação, durante meses Bolsonaro duvidou da eficácia das vacinas, chegando a barrar uma decisão do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, de comprar a Coronavac e chamou o imunizante de “a vacina chinesa de João Doria”. Filiado ao PSDB, o governador de São Paulo é um potencial adversário de Bolsonaro na disputa presidencial do ano que vem. “É normal que haja dissenso em alguns pontos do combate à pandemia como houve com o auxílio emergencial acerca do valor e até do auxílio em si, mas a disputa política não pode se tornar algo nocivo ao País e à população. Foi o que vimos com a vacinação”, disse o advogado Augusto Costa, de 25 anos, morador de Sertãozinho, no interior de São Paulo.
Medidas de isolamento social durante a pandemia também estão entre as principais discordâncias de Bolsonaro com gestores estaduais e municipais. Na semana passada, o presidente chegou a ingressar com uma ação no STF para tentar reverter restrições na Bahia, Rio Grande do Sul e Distrito Federal; o pedido foi negado. Recentemente, governadores e prefeitos de grandes capitais se desentenderam publicamente na adoção de medidas de restrição. Casos como o do prefeito do Rio, Eduardo Paes (DEM), e do governador do Estado, Cláudio Castro (PSC), de Doria e do prefeito paulistano, Bruno Covas (PSDB).
O Supremo assegurou a Estados e municípios a autonomia para tomar medidas contra a propagação da doença, mas não exime a União de realizar ações e de buscar acordos com gestores locais.
“Colocar o País à frente da política é um apelo por responsabilidade coletiva, tomar medidas no tempo certo, sem conflito e sem procrastinação é olhar para as necessidades do povo”, diz o cientista político e escritor Sérgio Abranches. “Hoje vivemos uma ameaça existencial e, em muitos lugares, como o Brasil, governos em completo divórcio com o país, com o povo. Várias lideranças, aqui e em quase todos os países democráticos, já entenderam esse anseio coletivo.”
Para o analista de risco político Creomar de Souza, da consultoria Dharma, a combinação de crises na pandemia – sanitária, política, econômica e social – indica uma tendência de debate político mais focado nas necessidades urgentes do País para o pleito do ano que vem. “As duas grandes tendências de debate são saúde pública e desemprego. O debate eleitoral tende a girar nesses dois temas por causa da pandemia, a dificuldade do governo em atender os doentes e a disponibilização de vacinas.”
O cenário de polarização dialoga com outro dado da pesquisa Ipsos: apenas 4% dos entrevistados brasileiros citaram como prioritária a necessidade de que líderes saibam dialogar e atuar conjuntamente com quem pensa diferente. Nenhum outro país do estudo aparece com uma porcentagem tão baixa neste quesito. “Uma parte do eleitorado brasileiro passou firmemente a acreditar nos últimos anos que dialogar com o diferente é uma corrupção de valores. Isso é ruim para a sociedade”, diz Creomar.
Para Calliari, da Ipsos, o dado indica que a percepção de prioridade deveria desconsiderar as diferenças ideológicas: “Parece haver a percepção de que trabalhar apesar das diferenças políticas não é importante por si só. Há sinais de que a população vê a polarização política, mas importante é trabalhar para atacar o que o País enfrenta, com honestidade, empatia, transparência e competência, independentemente de qual seu espectro ideológico.”
Avanço na mortandade e fracasso na economia
28 de março de 2021 | 03h00
Com pandemia solta e economia emperrada, o Brasil supera 300 mil mortes pela covid-19, acumula recordes de óbitos e encerra março com uma combinação perversa: inflação em alta, desemprego elevado e dezenas de milhões de pessoas à espera de uma nova rodada de auxílio emergencial, suspenso em janeiro. Completado um ano de pandemia, o presidente da República nomeou seu quarto ministro da Saúde e patrocinou a formação de um comitê coordenador de ações contra a covid. Ao atribuir a liderança ao senador Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso, Jair Bolsonaro se manteve, cautelosamente, longe dessa função. Pressionado, defendeu a vacinação, mas aproveitou a ocasião para propagandear, mais uma vez, seu famigerado tratamento precoce. Há ociosidade na maior parte da indústria, mas excesso de trabalho em funerárias e cemitérios.
Grandes erros do governo converteram o País em epicentro da pandemia, fator de risco para todo o mundo e ameaça grave aos vizinhos. Mas isso é apenas parte de um balanço raro, se não único, no chamado mundo ocidental. Além de se destacar pelo fracasso federal na crise sanitária, o Brasil saiu do grupo das dez maiores economias. Passou da 9.ª para a 12.ª posição, em 2020, segundo a Austin Rating, ficando abaixo de Canadá, Coreia do Sul e Rússia, elevados aos 9.º, 10.º e 11.º lugares.
Mas a saúde econômica do Brasil é pior que a de muitos países a partir da 13.ª posição – concorrentes com mais investimentos produtivos, maior integração global e melhor educação. Pelo tamanho do produto interno bruto (PIB), Austrália, Espanha e Indonésia ficaram logo abaixo do Brasil, segundo a Austin Rating, e os dois primeiros países poderão ultrapassá-lo em 2021.
Não se trata, no entanto, de enfrentar um concurso internacional, mas de reconhecer e atacar problemas acumulados em muitos anos. O Brasil já andava muito mal quando chegou a pandemia. Em 2019 o PIB cresceu só 1,4%, menos que em 2018, segundo ano de retomada depois da recessão de 2015-2016. No primeiro trimestre de 2020 a produção foi 2,1% menor que nos três meses finais do ano anterior. No ano passado, o recuo de 4,1% resultou também de problemas anteriores à covid-19. O crescimento em 2021, estimado em 3,6% pelo Banco Central, será insuficiente para anular a queda. Realinhar o País ao resto do mundo será ainda mais demorado.
O governo Bolsonaro parece jamais haver percebido a dimensão e as características da crise brasileira, iniciada muito antes do novo coronavírus e já visível no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. A industrialização, iniciada há cerca de um século e acelerada a partir dos anos 1940, vem sendo revertida. Mas essa desindustrialização é um desmoronamento, em nada comparável com as mudanças observadas no mundo mais avançado, onde ocorre, há anos, a passagem para uma chamada fase pós-industrial.
O governo, segundo alguns analistas, vai mal na economia por ter abandonado sua agenda liberal. Mas nunca existiu essa agenda, e se tivesse existido teria sido uma bobagem. Problemas de competitividade vão muito além de falhas sanáveis com base em cartilhas liberais para jardins de infância.
É bobagem falar sobre o peso da tributação e ignorar a qualidade – e a funcionalidade – dos impostos. Antes de ser pesada, a tributação brasileira é ruim: encarece o investimento produtivo, afeta a competitividade e é tremendamente regressiva, limitando o poder de consumo da maioria. Mudanças, no entanto, envolvem custos. Vamos diminuir os impostos indiretos e aumentar os diretos, atingindo a escala superior de rendimentos, como nos países desenvolvidos? Estão todos de acordo? Mais ou menos?
Outras questões também ultrapassam a cartilha. Como explicar o poder de competição do agronegócio e de algumas indústrias de transformação, exemplificadas pela Embraer? Pessoas andam impressionadas com as maravilhas tecnológicas produzidas por fintechs e aplicadas à atividade rural. São maravilhas, sim, mas, antes da atuação dos jovens produtores de belos equipamentos, a agropecuária brasileira já era uma das mais competitivas, com décadas de modernização e de aumento de produtividade.
Dá para entender essa história sem a contribuição da Embrapa, de outras instituições de pesquisa, de grandes escolas de agronomia e de boas políticas de financiamento e de garantia de preços? E a Embraer – ela saiu do nada, a partir da decisão de um grupo de empresários corajosos e criativos, num ambiente aberto ao livre empreendimento? Não há relação, por exemplo, com o Instituto de Tecnologia de Aeronáutica, ou com o empurrão inicial proporcionado pelo governo, ou com alguma ideia de estratégia nacional e com as condições de financiamento?
Políticas de desenvolvimento podem resultar em protecionismo e em distribuição de favores, como no caso dos “campeões nacionais”. Mas, concebidas e aplicadas com seriedade e inteligência, podem ser fontes de vigor e de progresso econômico e social. Que tal deixar o besteirol de liberalismo versus antiliberalismo e redescobrir a boa discussão sobre desenvolvimento?
JORNALISTA
A perseguição - CARLOS JOSÉ MARQUES
Está em curso por esses dias uma das mais abjetas campanhas de intimidação de opositores ao governo, com requintes arbitrários típicos de episódios pretéritos, da época de um autoritarismo de botinas que deitou raízes no País há mais de meio século e que ninguém esperava ver de volta. A democracia pontifica como pináculo de uma construção coletiva, conquista civilizatória. Não está restrita ao condomínio de partícipes e vassalos lambe-botas da Corte, à patota de privilegiados acomodados desde sempre no avarandado do poder.
Dela participa a sociedade em geral, por opção e direito, e nela projeta-se, como pilar e sustentáculo, fincado em bases sólidas, a liberdade de expressão, essa jamais sujeita a qualquer tipo de intervenção ilegítima, ameaça ou cassação, seja por quem for. A faculdade da livre comunicação é inegociável, não pode ser tolhida por desejo ou incômodo de pretensos soberanos.
Caberia contra ela, quando muito, questionamentos diante de eventuais práticas de calúnia ou difamação, dentro do devido Código Penal. Porém, vergastar tal liberdade, por meio da força, de táticas policialescas e intimidatórias, regidas no bolor da ultrapassada Lei de Segurança Nacional (LSN), é de um desassombro sem tamanho. Algo tenebroso, a ferir de morte os direitos individuais e legítimos. Quando um capitão do mato brasiliense, filhotes radicais e apedeutas bajuladores do mandatário arvoram-se o papel de censores e deliberam pedidos de condução coercitiva daqueles que levantam a voz aos seus desmandos, algo está muito errado. E vem acontecendo. Com uma frequência espantosa, sem precedentes ou propósito. Recentemente, foi o youtuber Felipe Neto intimado a depor na Polícia Civil por suposta injúria passível de condenação na LSN. Tudo errado. No método e na forma. O pedido de intimação havia sido despachado com base em queixa de Carlos Bolsonaro, que fazia uso do aparato estatal para claramente perseguir um desafeto. Carluxo não é ministro da Justiça, nem poderia apelar à LSN. A Polícia Civil não possui legitimidade para agir dessa maneira, arrastando a torto e a direito como se viu. Dentro da obsoleta LSN está previsto inquérito mediante requisição do Ministério Público ou de autoridade militar responsável.
Nada disso existiu. Na avalanche de rasgos cesaristas, dois docentes da Universidade Federal de Pelotas foram forçados a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), proposto pela Controladoria-Geral da União, se comprometendo a não criticar o governo Bolsonaro dentro do ambiente da Instituição. Ambos haviam questionado, durante uma “live”, a conduta federal no combate à pandemia e sofreram a reprimenda, em forma de retaliação e ameaça, demonstrando a debilidade de caráter e pendor despótico do governo. Algo inimaginável e descaradamente ilegal.
O livre exercício de opinar e criticar tem sido posto à prova e vilipendiado em todos os quadrantes onde o Planalto enxerga supostos inimigos. Algo que também o sociólogo Tiago Costa Rodrigues, agora investigado a pedido do ministro da Justiça, sentiu na pele por espalhar outdoors contra o presidente. Assim como a influenciadora Tina Mattos que, após publicações nas redes sociais atacando a “Primeira Família”, passou a ser coagida por falanges de seguidores a mando do “zero três” Eduardo Bolsonaro. Vítimas do aparato de Messias, elas reforçam a impressão de que ocorrências dessa natureza, a refletir os abusos do poder central, não são mais ocasionais, nem isoladas. Resta saber quem irá barrar a escalada totalitária. Quase que diariamente, afrontas à Carta Magna estão sendo chanceladas. E por meio de uma peça legislativa, herdada da ditadura militar, que está, por demais, caduca.
Monstrengo do ordenamento jurídico, a LSN havia sido esquecida desde a redemocratização. Era tida como letra morta, resquício dos porões baseado em penas exageradas e instrumentos cerceadores sem serventia desde estão. Até aqui, a LSN não havia sido abolida por absoluta inércia legislativa – muito embora, tentativas tenham ocorrido. Na delinquente gestão Bolsonarista, ela resgatou fôlego e recuperou um protagonismo sinistro no arcabouço de ferramentas de combate do chefe da Nação. Nada menos que 77 vezes ela foi usada nos últimos dois anos, mais do que o dobro do período imediatamente anterior, compreendido entre 2015 e 2018. Vale dizer nesse contexto: é completamente equivocada a interpretação de que a LSN se presta a tutelar a honra do presidente da República.
Quando muito, legisla sobre ameaças ao Estado e não à figura do mandatário. No entender dos magistrados do Supremo Tribunal, trata-se de um fóssil normativo, que infringe garantias fundamentais e está em desalinho com a letra constitucional, ferindo o próprio espírito da Carta. A bem da verdade, a LSN virou, há muito tempo, um corpo estranho no aparato legal, um espectro vagando no mundo jurídico, que precisa ser exorcizado ou enquadrado na devida dimensão. No conjunto de preceitos mostra-se incompatível com a ordem democrática e deverá ser banida ou ter trechos retirados, como almeja o STF. Mesmo assim, o capitão do Planalto anima-se em usá-la e sai a trombetear absurdos normativos como o do Estado de Sítio.
Fez isso, novamente, na semana passada, deixando um País inteiro sobressaltado. O titular da Suprema Corte, Luiz Fux, teve de cobrar explicações do autor da bravata -prontamente negada, embora as declarações nesse sentido ficassem à prova para demonstrar o contrário. De que argamassa é feita a sandice presidencial? Implacavelmente ele lança infâmias aos gritos, como a de desafiar ordens dos magistrados, bradando um “acabou porra”, e não é advertido. Sente-se à vontade para extrapolar limites, indo contra instituições, em um desvario capaz de incitar a balbúrdia da militância miliciana, simpática a sua causa, que acaba por pedir o fechamento do Congresso e a prisão de ministros do Supremo, sem resistência à altura.
É nesse sobranceiro atrevimento que ocorre o avanço dos sinais de arbitrariedade. Inútil a espera por moderação da parte do chefe do Executivo. Aguardar pacientemente uma mudança de postura equivale à conivência com os malfeitos. As diretrizes do golpismo almejado pelo caudilho estão traçadas, urdidas nos gabinetes de fiéis seguidores. Intoleráveis, repugnantes, movimentações nesse sentido crescem gradativamente. O ministro da Justiça bolsonarista, André Mendonça, por exemplo, parece usar a Polícia Federal como instrumento persecutório, aplicando sem pestanejar a agenda de viés autoritário do capitão. Onde vai acabar tanta prepotência? É passível de aceitação geral o clima de revanchismo? A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), finalmente, começou a reagir e mobilizou-se, por meio de parecer, para questionar o risco do Estado de Defesa ou de Sítio, colocado em cena pelo “mito”. Há quem julgue como “ato de desespero” as manobras. O presidenciável Ciro Gomes, que também está sendo alvo de inquérito pela Polícia Federal por suposto desacato à honra de Jair Bolsonaro, alerta como perigosas as libertinagens federais. Não há dúvidas sobre a urgência de uma resposta eficaz.
A mais coerente delas seria a do impedimento do mandatário, declarando-o incapaz. Sentimento nas mentes e corações de muitos, ele brotou e ganha corpo diante da constatação de que é inaceitável o perigo à democracia decorrente da onda de tantos brasileiros seguirem anestesiados e chocados pela contínua violência aos seus direitos por parte de um capitão. Alguém precisa fazer alguma coisa! ISTOÉ
Fiocruz entrega 728 mil doses de vacina contra covid-19
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) informou hoje (26) que está entregando ao Ministério da Saúde um carregamento de 728 mil doses de vacina de Oxford/AstraZeneca, produzida pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos).
Na próxima semana, a Fiocruz deve entregar mais 2,1 milhões de doses da vacina contra a covid-19, totalizando 3,9 milhões no mês de março.
Insumos
A Fiocruz informou ainda receberá amanhã (27) mais duas remessas do ingrediente farmacêutico ativo (IFA), insumo usado na produção de vacinas, suficientes para produzir 12 milhões de doses. Na próxima semana, está prevista mais uma carga de IFA para a produção de 5 milhões de vacinas.
Somando-se à remessa recebida ontem, a Fiocruz conseguirá entregar mais 23 milhões de doses da vacina AstraZeneca. As vacinas produzidas com esses insumos deverão ser repassadas ao Ministério da Saúde nos meses de abril e maio deste ano.
Edição: Fábio Massalli
Covid-19: Brasil bate novo recorde e registra 3.650 mortes em 24 horas
O Brasil bateu seu novo recorde de mortes registradas em 24 horas, com 3.650. Este total supera a maior marca anterior, de 3.250, na terça-feira (23). É mais de 50% acima da média móvel da última semana epidemiológica (14 a 20 de março), que ficou em 2.236 óbitos.
A marca ainda não inclui os dados do Ceará, que vem apresentando problemas técnicos para atualizar seus dados de novas mortes e casos. Com a soma de óbitos desse estado, o número deve aumentar.
O total de vidas perdidas para a pandemia alcançou 307.112. Ontem, a soma estava em 303.462 óbitos. Ainda há 3.538 mortes em investigação por equipes de saúde. Isso porque há casos em que o diagnóstico sobre a causa só sai após o óbito do paciente.
O país também teve 84.245 novos diagnósticos confirmados entre ontem e hoje. Ontem, o país teve pela primeira vez mais de 100 mil novos casos confirmados em 24 horas. O total de pessoas que pegaram covid-19 desde o início da pandemia alcançou 12.404.414. Ontem, o total de pessoas infectadas até o momento estava em 12.320.169.
Os dados estão na atualização do Ministério da Saúde divulgada na noite desta sexta-feira (26). O balanço é produzido com as informações coletadas pelas autoridades estaduais e locais de saúde.
O número de pessoas recuperadas chegou a 10.824.095. Já a quantidade de pacientes com casos ativos, em acompanhamento por equipes de saúde, ficou em 1.273.207.
Estados
O ranking de estados com mais mortes pela covid-19 é liderado por São Paulo (70.696), Rio de Janeiro (35.758), Minas Gerais (22.887), Rio Grande do Sul (17.349) e Paraná (15.939). Já as Unidades da Federação com menos óbitos são Acre (1.224), Amapá (1.265), Roraima (1.318), Tocantins (1.912) e Alagoas (3.444).
Vacinação
Até o início da noite de hoje, haviam sido distribuídos 32,2 milhões de doses de vacinas. Deste total, foram aplicados 16,7 milhões de doses, sendo 12,8 milhões da primeira dose e 3,9 milhões da segunda dose.
Edição: Bruna Saniele