Universidade deveria ser para poucos, diz ministro da Educação de Bolsonaro
O ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou na noite desta segunda-feira (9) que a universidade deve ser para poucos. A declaração foi dada no programa Sem Censura, da TV Brasil, no qual o ministro também disse ter tomado um susto ao saber de algumas das atribuições do MEC (Ministério da Educação) quando assumiu o cargo no governo Jair Bolsonaro (sem partido) no ano passado.
Indagado sobre os institutos federais de educação, ciência e tecnologia, ele afirmou que serão as “vedetes do futuro”.
“Com todo o respeito que tenho aos motoristas, é uma profissão muito digna, mas tem muito engenheiro, muito advogado dirigindo Uber porque não consegue colocação devida. Mas se ele fosse um técnico em informática estaria empregado, porque há uma demanda muito grande”, disse.
“Então acho que o futuro são os institutos federais, como é na Alemanha. Na Alemanha são poucos os que fazem universidade, universidade na verdade deveria ser para poucos nesse sentido de ser útil à sociedade”, afirmou.
A declaração é semelhante à que deu em 2019, ao jornal Valor Econômico, o primeiro titular do MEC do governo Bolsonaro. Na ocasião, Ricardo Vélez disse que as universidades deveriam “ficar reservadas para uma elite intelectual”.
Na entrevista desta segunda-feira, Ribeiro disse também não ver problema em jovens “filhinhos de papai” ocuparem vagas das universidades públicas.
Após citar a Lei de Cotas, o ministro lembrou que 50% das vagas das federais são reservadas a alunos de escolas públicas e as demais, segundo ele, vão para alunos com melhores condições.
“O que também eu acho justo, considerando que os pais desses meninos tidos como filhinhos de papai são aqueles que pagam os impostos no Brasil que sustentam bem ou mal a universidade pública", afirmou.
Os institutos federais elogiados pelo ministro foram criados em 2008, no governo Lula, a partir de escolas federais de ensino técnico já existentes. Eles oferecem cursos tecnológicos profissionalizantes de nível médio e superior.
Na entrevista, Ribeiro se referiu a eles como uma boa descoberta no cargo. “Quando eu cheguei lá [no MEC], outra surpresa que eu tive é que nós temos 38 institutos que faziam um trabalho extraordinário.”
Não foi a única surpresa que Ribeiro, ex-reitor do Mackenzie, disse ter tido ao virar ministro. “Quando eu cheguei no MEC, tomei um susto. A maior parte da população brasileira não sabe que eu administro 50 hospitais universitários através da Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), que eu tenho que organizar, sem poder interferir, o ensino público para mais de 40 milhões de estudantes em todo o Brasil.”
Alinhado com a agenda ideológica de Bolsonaro, Ribeiro disse também que um reitor das universidades federais “não precisa ser bolsonarista, mas não pode ser esquerdista, não pode ser lulista”.
“As universidades federais não podem se tornar um comitê político do partido A, nem de direita, mas muito menos de esquerda.”
Desde que assumiu a Presidência, Bolsonaro desconsiderou o primeiro colocado da lista tríplice das universidades em 40% dos casos ao escolher o reitor. Ribeiro disse já ter levado dez reitores para visitar o presidente.
O Ministério da Educação terminou 2020 com o menor gasto em educação básica na década.
Bolsonaro vetou lei que obrigava o governo federal a financiar a conectividade nas escolas. Ribeiro justificou na entrevista que a prioridade é investir em escolas sem condições básica de infraestrutura, como saneamento.
E, na linha contrária à de estudos que mostram que a reprovação aumenta as taxas de abandono escolar e não melhora o rendimento futuro dos alunos, Ribeiro defendeu a retenção de estudantes em função da aprendizagem.
“Temos que voltar a essa questão de repetir de ano sim, não é vergonha, é uma ajuda para a criança e o país.”
Inflação pelo IPCA sobe 0,96% em julho; INPC acelera para 1,02%
A inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede o reajuste nos preços para as famílias com renda entre um e 40 salários mínimos, subiu 0,96% em julho, o maior resultado para o mês desde 2002, quando a alta foi de 1,19%. Os dados foram divulgados hoje (10), no Rio de Janeiro, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No ano, o indicador acumula alta de 4,76% e, em 12 meses, 8,99%, ficando acima do registrado nos 12 meses imediatamente anteriores (8,35%). É a maior taxa desde maio de 2016, quando o IPCA ficou em 9,32% em 12 meses. Em julho do ano passado, a taxa mensal foi de 0,36% e, em junho de 2021, de 0,53%.
Segundo o IBGE, oito dos nove grupos pesquisados apresentaram alta no mês, com o maior impacto vindo do aumento de 3,10% na habitação, grupo pressionado pela alta de 7,88% na energia elétrica.
Por região, o reajuste tarifário da energia elétrica foi de 11,38% em São Paulo, 8,97% em Curitiba e 9,08% em uma das concessionárias de Porto Alegre. Em 12 meses, a energia elétrica acumula reajuste de 20,09%.
Segundo o analista da pesquisa, André Almeida, esse custo muitas vezes é repassado pelo comércio ao consumidor final, com o peso grande da energia elétrica.
“Além dos reajustes nos preços das tarifas em algumas áreas de abrangência do índice, a gente teve o aumento de 52% no valor adicional da bandeira tarifária vermelha patamar 2 em todo o país. Antes, o acréscimo nessa bandeira era de, aproximadamente, R$ 6,24 a cada 100kWh consumidos e, a partir de julho, esse acréscimo passou a ser de R$ 9,49”, explicou.
Destacou, a seguir, o aumento no grupo dos transportes, que subiram 1,52%, puxados pelas passagens aéreas, que aumentaram 35,22% depois da queda de 5,57% em junho. O transporte por aplicativo passou de -0,95% para 9,31% de um mês para o outro e o aluguel de veículo foi de 3,99% em junho para 9,34% em julho.
Os combustíveis aceleraram 1,24% em julho, depois de subirem 0,87% em junho. A gasolina teve alta de 1,55% no mês e acumula reajuste de 39,65% em 12 meses. O etanol caiu 0,75% no mês, mas teve aumento de 57,27% em 12 meses. O óleo diesel subiu 0,96% no mês e 36,35% em 12 meses.
Alimentos e bebidas
O grupo alimentos e bebidas subiu 0,60%, acima da taxa de junho (0,43%). O item alimentação no domicílio passou de 0,33% em junho para 0,78% em julho, puxado pela alta do tomate (18,65%), do frango em pedaços (4,28%), do leite longa vida (3,71%) e das carnes (0,77%). As quedas no mês foram verificadas no preço da cebola (-13,51%), batata-inglesa (-12,03%) e do arroz (-2,35%).
O acumulado em 12 meses ficou em 42,96% para o tomate, 34,28% nas carnes, 21,88% no frango em pedaços e 11,29% para o leite longa vida. A cebola teve queda de 40,38% em 12 meses e a batata-inglesa diminuiu 19,71%. O arroz, apesar da queda no mês, tem alta de 39,69% em 12 meses. Segundo Almeida, vários fatores contribuíram para a alta da inflação.
“Ao longo dos últimos 12 meses tivemos uma alta nos combustíveis e na energia elétrica, itens que pesam bastante no orçamento das famílias. A gasolina é o item com maior peso no IPCA. As carnes também, todos esses fatores contribuíram para esse aumento”, explicou o analista.
O único grupo que teve queda nos preços em julho foi o de saúde e cuidados pessoais. Ficou 0,65% mais barato com a redução dos preços dos planos de saúde (-1,36%), após a autorização da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) do reajuste negativo de -8,19%, justificada pela diminuição da utilização de serviços de saúde suplementar durante a pandemia.
Por região, entre as 16 capitais pesquisadas, o maior índice foi anotado em Curitiba (1,60%) e o menor resultado foi o de Aracaju (0,53%).
INPC acelera 1,02%
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a inflação para as famílias com rendimentos de um a cinco salários mínimos, acelerou para 1,02% em julho, após a alta de 0,60% em junho. A alta acumulada em 12 meses é de 9,85%, acima dos 9,22% dos 12 meses imediatamente anteriores. Em julho do ano passado, o indicador ficou em 0,44%.
O acumulado de 12 anos no INPC vem numa curva crescente desde julho de 2020, quando a taxa acumulada estava em 2,69%.
Edição: Kleber Sampaio / AGÊNCIA BRASIL
Mudanças climáticas, o maior desafio global
10 de agosto de 2021 | 03h00
Não há precedentes em milhares de anos para as atuais mudanças no clima da Terra. Apenas as ações diretas do homem foram responsáveis pelo aumento recente de 1,07°C na temperatura do planeta, fato “inequívoco e irreversível” – e pela primeira vez mensurado. Hoje, todos os pontos do globo são afetados por algum “evento climático extremo”, como enchentes, secas e ondas de calor. Estes são causados, em grande medida, por alterações provocadas no meio ambiente. Só uma substancial redução das emissões de CO2 e outros gases causadores do efeito estufa na atmosfera será capaz de interromper a progressão das mudanças climáticas. Porém, ainda que todas as medidas necessárias sejam adotadas pelos principais países emissores, entre os quais o Brasil, poderá levar 30 anos para que a temperatura da Terra atinja um patamar de estabilidade relativamente seguro.
Estas são algumas das principais conclusões contidas na primeira de três partes do inquietante relatório Climate Change 2021: The Physical Science Basis, elaborado por mais de 200 cientistas de 66 países, inclusive o Brasil, que foram reunidos pelo Painel Intergovernamental sobre o Clima (IPCC) da ONU.
O estudo revela que a temperatura da Terra aumentará 1,5°C em relação à era pré-industrial até 2030, uma década antes do previsto inicialmente. Isto significa que os chamados “eventos climáticos extremos” serão cada vez mais frequentes nos próximos anos. O quão devastadores eles serão dependerá das ações coordenadas de governos e sociedades no mundo inteiro a partir de já.
A janela de oportunidade para manter o aquecimento global limitado a 2°C até 2100, meta definida pelos signatários do Acordo de Paris, é cada vez mais estreita.
A primeira ação a ser tomada – a mais sensata e responsável de todas – é dar ao documento do IPCC/ONU o devido crédito. Não por acaso, a palavra “irrefutáveis”, em referência às evidências científicas das mudanças climáticas, aparece nas primeiras páginas do longo relatório. À medida que o tempo passa, mais caro ficará o negacionismo de líderes irresponsáveis, que tomam um dado científico como “arma” de uma suposta “guerra cultural”. É o caso do presidente Jair Bolsonaro e de figuras como o ex-chanceler Ernesto Araújo e o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.
Especialistas alertam que o Brasil poderá sofrer severamente com o desequilíbrio dos ecossistemas, sobretudo na Região Amazônica. No pior cenário, ou seja, caso nenhuma medida para conter as emissões de gases seja tomada pelo governo federal, o País poderá sofrer com crises humanitárias, inclusive a decorrente da queda na produção agrícola. A atividade industrial brasileira não é a maior vilã das emissões de gases do País, mas sim o desmatamento ilegal. Sob Bolsonaro, registra-se recorde atrás de recorde de desmatamentos ilegais. Nesta hora grave, o Brasil está entregue a um presidente que não dá a devida importância às mudanças climáticas, o que é terrível para o País, para os brasileiros e para o mundo. Embora o Brasil seja o 6.º maior emissor de CO2 do planeta, aqui estão grandes biomas e a maior biodiversidade do planeta. Portanto, o País é ator fundamental em qualquer discussão de políticas globais de contenção dos danos causados pelas mudanças climáticas.
Em última análise, o negacionismo científico, não apenas aqui, resultará em cada vez mais vidas perdidas, seja em decorrência direta de tragédias climáticas – como a devastação de áreas costeiras pelo aumento do nível dos oceanos, incêndios florestais ou enchentes causadas por chuvas muito acima dos níveis médios –, seja por causas associadas, como a fome decorrente da queda da produção de alimentos ou a proliferação de doenças em desordenadas migrações em massa.
Conter o avanço das mudanças no clima é o maior desafio global em muitas gerações. O que é feito em conjunto hoje, desde a esfera privada individual até políticas públicas concertadas entre nações, determinará como será a vida na Terra, não num futuro distante, mas nos próximos anos.
Presidente da Anvisa critica recusa de imunizante: 'Vamos deixar de bobagem e vamos vacinar'
10 de agosto de 2021 | 10h00
RIO - O contra-almirante e médico Antônio Barra Torres, de 57 anos, chegou ao cargo de diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) por indicação do presidente Jair Bolsonaro. Em dezembro de 2019, alguns dias antes dos primeiros registros de covid-19 em Wuhan, na China, ele assumiu interinamente o cargo, do qual viraria titular no ano seguinte.
Alguns meses depois, participou, ao lado do presidente, de um ato público em Brasília sem máscara. Críticos temeram que, pela proximidade entre os dois, a agência tivesse uma gestão mais política do que técnica em meio à maior epidemia em um século. Aos poucos, porém, o presidente da Anvisa descolou sua imagem da de Bolsonaro, assumindo um discurso de defesa da ciência.
Desde o início da pandemia, a Anvisa autorizou mais de cem estudos clínicos de medicamentos e vacinas contra a covid-19 e teve papel importante no enfrentamento da pandemia no País. Em entrevista ao Estadão, Barra Torres defende com ênfase as vacinas contra a covid-19 , prega o uso de máscaras e pede à população que evite aglomerações desnecessárias - posturas bem diferentes daquelas adotadas por Bolsonaro. "Vejo com reserva essa flexibilização, principalmente de eventos de massa".
Ele ainda responde às críticas à sua gestão e condena o discurso negacionista e as notícias falsas. “As fake news são um inimigo desnecessário, que só somam problemas a uma situação que já é difícil”, afirma. “Estamos vivendo a maior pandemia de todos os tempos. Vamos deixar de bobagem e vamos vacinar.”
Leia a entrevista a seguir:
A OMS recomendou que a eventual dose de reforço da vacina seja aplicada apenas depois que todo mundo tiver recebido as duas doses. Alguns países ricos, no entanto, já estão aplicando dose de reforço. Como vê essa situação? Essa dose de reforço é realmente necessária? Ou apenas para algumas vacinas?
O tema, no momento, não está definido, mas existem estudos em andamento para aferir a necessidade da dose de reforço. A questão toda, e isso está muito claro desde o início da pandemia, é que não há parametrização com eventos passados. É um cenário totalmente novo, que demanda constantes ajustes e reajustes. A toda hora, a própria pesquisa científica tem de se repensar.
Ainda é cedo para dizer se vamos ter, ou se não vamos ter de maneira alguma. A OMS (Organização Mundial da Saúde), com essa recomendação, fez o papel dela, que é defender a maior amplitude vacinal possível. O mais importante é que o cidadão que acompanha as notícias tenha a tranquilidade de entender que, diferentemente de outras situações, as verdades podem sofrer modificações em um espaço muito curto de tempo. Não pode haver ansiedade. Tudo o que envolve a pandemia é um processo dinâmico e pode mudar.
Pode existir a necessidade de terceira dose? Pode. Para qual vacina? Não sabemos. Mas os estudos estão encomendados, em breve começaremos a ter respostas. Estamos diante de um evento novo, um agente patogênico que não tinha ainda se manifestado. Estamos ajustando a música conforme a toada.
Se, como o senhor apontou, temos um dinamismo inédito das pesquisas científicas, com resultados sendo revistos o tempo todo, temos também uma enxurrada de fake news. Como fazer o público entender a diferença?
É uma questão difícil. O advento da internet e das mídias sociais é muito positivo, mas permite a quem quer que seja emitir conceitos e produzir confusão no sistema. São os dois lados da mesma moeda. A Anvisa possui, através de seu portal, que ainda é pesado, não muito amigável para o leigo, a preocupação de ter janelas de informação ao cidadão não iniciado no assunto regulatório. Nosso painel de vacinas é atualizado todos os dias. É uma maneira que a gente tem.
A Anvisa não tem dotação orçamentária para campanhas nacionais, que é atribuição do ministério. Mas tentamos fazer a nossa parte no portal. A Anvisa é a primeira colocada no ranking da transparência e do combate às fake news entre os órgãos de Estado e governo. E quando a imprensa nos procura, tentamos sempre esclarecer a questão das fake news, que são um inimigo desnecessário, que só soma um problema a uma situação que já é difícil.
A UFMG encaminhou à Anvisa em julho a documentação para o pedido de autorização para iniciar testes clínicos em humanos com a vacina desenvolvida na instituição. A UFRJ, por sua vez, anunciou a submissão da documentação. O Butantan já está em fase de testes clínicos de sua nova vacina. O senhor acha que ainda este ano teremos uma vacina 100% nacional pronta para ser aplicada?
Alguns processos estão em fase inicial, outros estão um pouco mais adiantados. Mas acredito que sim, que vamos ter, como já disse recentemente, uma vacina 100% nacional. Difícil dizer se será até o fim deste ano. Sou avesso a criar expectativas e ter de desdizer depois. Estamos em agosto, até o fim deste ano acho difícil dizer que alguma vacina estará pronta para ir para o braço. Mas acredito piamente que vai acontecer, talvez num horizonte temporal um pouco mais longo, entrando para o ano que vem. Acho que é uma expectativa mais realista.
E sobre as vacinas internacionais? Qual é a situação? Há uma semana a Anvisa suspendeu a autorização temporária para importação e distribuição excepcional da Covaxin....Isso tem relação com as investigações da CPI?
A questão vacinal está resolvida. Algumas vacinas já têm registro definitivo, outras foram autorizadas para uso emergencial. E a Sputnik V e a Covaxin tiveram autorização temporária para importação com condicionantes, por causa da carência de informações apresentadas.
A autorização da Covaxin foi suspensa porque ela está sem representante no Brasil. Há de haver um representante nacional para a negociação. Enquanto isso não for resolvido não tem como avançar. O representante que tínhamos registrado era a Precisa, mas houve um descredenciamento. De resto, não temos nada na fila neste momento. Vale ressaltar que o Brasil está entre os três primeiros do mundo em número de vacinas já aprovadas.
Até que ponto a população deve se preocupar com possíveis efeitos colaterais das vacinas? A Anvisa já fez alertas para episódios da síndrome de Guillain-Barré e de alguns problemas com as grávidas.
Os efeitos colaterais possuem gradação em sua gravidade; dos mais simples, como dor no local da injeção e reação inflamatória discreta, até as reações de maior gravidade, com eventuais correlações com síndromes graves, como Guillain-Barré, e até mesmo ameaças à vida. Alguns casos de morte foram registrados no mundo entre gestantes.
O que vai sempre pesar é a análise do risco/benefício em relação ao número percentual de indivíduos vacinados. Essa conta tem sido favorável às vacinas aprovadas em todo o mundo. Mas ajustes têm de ser feitos o tempo todo. O que é dito hoje amanhã pode já não fazer sentido. O importante é termos um trabalho de monitorização que, no Brasil, está sendo feito pela Anvisa. Além disso, temos a Secretaria de Vigilância Sanitária e as vigilâncias sanitárias de Estados e municípios. No cômputo geral, essa relação de risco/benefício é francamente favorável à adesão da população à vacinação.
Três medicamentos já foram aprovados pela Anvisa para o tratamento da covid-19 no Brasil, sendo que um já está registrado definitivamente (o Rendesevir) e os outros dois em uso emergencial. Além disso, há pedidos de autorização para uso emergencial para outros três remédios. Que balanço o senhor faz dessa questão dos medicamentos?
Até o presente momento, são treze estudos de análises de medicamentos e produtos biológicos, alguns deles já autorizados. São medicações de uso hospitalar, de custo mais elevado, mas que são importantes. Agora, a disponibilização desses medicamentos é uma atribuição do Ministério da Saúde.
E o que dizer da alteração de bulas de remédios originalmente destinados a outras doenças, mas que já estão sendo usados nos hospitais no tratamento da covid?
Alterações de bula, inclusão de nova indicação terapêutica ou exclusão, o que é mais raro, ou qualquer outro ajuste, partem de uma iniciativa do laboratório fabricante, mediante apresentação de documentação que sustente essa premissa. Essa documentação deve ser submetida para análise da agência. Só assim se pode executar uma alteração de bula. Até o momento não tivemos nenhum pedido.
A variante Delta, considerada mais contagiosa, já representa 23% dos casos de covid da Grande São Paulo e 45% na cidade do Rio. A entrada da Delta em vários países está fazendo muitos governos retrocederem de medidas de flexibilização que vinham sendo adotadas. O que a Anvisa está fazendo para impedir a disseminação da Delta no Brasil?
Temos atribuições bem específicas de vigilância sanitária de fronteira. É que quando falamos em barreira sanitária vem logo à mente a imagem de um obstáculo, um muro. Mas não é isso. É um conjunto de procedimentos, processos, atividades e ações de pessoas. Até porque, num mundo globalizado, se formos buscar a barreira antiga, o tal do muro, talvez ela só exista hoje em três ou quatro países. Com a globalização, o vírus digital vem pela internet e o vírus biológico pela velocidade da turbina do avião.
Mesmo países rigorosos, com barreiras e procedimentos restritivos não conseguem impedir a entrada. Nenhum país é uma ilha. Estamos sem cruzeiros marítimos há algum tempo, mas e os gêneros alimentícios? Os insumos medicamentosos? Vamos barrar a entrada? Então, ser hermético na fronteira é impossível.
Pelos dados disponíveis no site do Ministério da Saúde, temos hoje no País 2% de casos de Delta. Não tenho dúvida de que estamos abaixo de outros países e isso pode ser colocado nas restrições impostas pela Anvisa a Reino Unido, Índia e África do Sul. Agora, as medidas estão em constante análise e podem ser revistas.
A variante Delta e também a Lambda estão no nosso radar. Agora, tivemos até pedidos de fechamento do espaço aéreo do País, o que é totalmente irrazoável. O País é autossuficiente? Então, não é possível, não é factível, fechar o espaço aéreo, mas até essas ideias surgiram. Temos que adotar medidas possíveis, similares às executadas no mundo todo. Não posso passar um cadeado e dizer ‘ninguém mais pisa aqui, não entra mais nada’. Iríamos padecer de outras necessidades. Acredito que temos feito o que foi usado no mundo todo, o máximo possível a se fazer.
A situação da covid-19 no País melhorou enormemente quando comparamos os números de hoje aos do mês de abril deste ano, ápice da pandemia. No entanto, a situação da doença ainda é muito pior do que a registrada ao longo de todo o ano passado. Ainda assim, muitos governadores vêm anunciando a abertura total, inclusive de eventos de grande público, já no mês que vem. Como o senhor vê essa decisão?
Particularmente, vejo essa questão com bastante cautela e preocupação. Entendo a flexibilização em maior grau diante de resultados mantidos. Gosto muito do tempo verbal particípio passado. Não gosto muito do gerúndio, que indica ação em andamento. Os números da covid-19 estão caindo, a situação está melhorando, leitos estão sendo disponibilizados, várias ações estão em andamento. Vou ficar mais tranquilo quando puder dizer ‘disponibilizado’, ‘controlado’ para uma flexibilização maior.
Lógico que os impactos na economia são brutais. Quem tem salário fixo, pede comida no aplicativo e ela chega. Mas quem precisa comprar o seu sustento tem dificuldade maior. Ainda assim, vejo com reserva essa flexibilização, principalmente de eventos de massa.
Como o senhor vê os trabalhos da CPI da Covid? As descobertas reveladas têm interferido no trabalho da Anvisa?
Não, não têm atrapalhado. A CPI faz as suas ações, nos solicita documentos. Não há nenhuma novidade nisso, a solicitação de documentos à Anvisa é constante, uma vez que, como agentes públicos, somos regidos pela Lei de Acesso à Informação. Então, todo dia tem demanda por documentos. É uma ferramenta antiga, conhecida e necessária, que vai cumprindo o seu papel com bastante naturalidade e tranquilidade. Não posso dizer que seja um problema.
Já como presidente da Anvisa, o senhor acompanhou o presidente Jair Bolsonaro num evento em que estavam todos sem máscara e aglomerados. O senhor foi indicado ao cargo pelo presidente. Muitos críticos temiam que o senhor pudesse colocar a política acima dos interesses técnicos da Anvisa e, por extensão, da população. Como o senhor encara essas críticas?
O agente público é vidraça, não pedra. O gestor público que espera que sua vidraça permaneça intacta tem uma expectativa pueril. A crítica sempre vem. Nessa questão específica que você citou, da máscara, não havia ainda um estudo conclusivo, um posicionamento sólido da OMS sobre isso. Naquele evento, nem eu nem ninguém usava a tal da máscara. Mas, de lá para cá, no avançar natural dos conceitos sanitários de prevenção da pandemia, toda a diretoria tem atuado de acordo com esses conceitos de uso de máscara, distanciamento social.
Eu deixei bastante claro na CPI que eu e o presidente temos posicionamentos e opiniões divergentes. Mas ainda que eu fosse uma pessoa disposta a impor tendência ou conduta, eu não conseguiria por uma razão muito simples: os servidores concursados são eminentemente técnicos, e são eles os responsáveis pelos posicionamentos técnicos. Sobre o servidor da casa não é possível haver pressão porque, com toda razão, ele se recusaria a assinar um parecer que fosse contra a boa técnica. Todas as decisões são afinadas com a ciência, não tem como bloquear ou aprovar algo sem estribo na área científica. Na esfera dos diretores, a diretoria é colegiada, cada um vota como entende.
Os diretores são indicados pelo presidente que está sentado na cadeira naquele momento. Quando eu cheguei, há exatamente dois anos, todos os diretores tinham sido indicados por Dilma (Rousseff), (Michel) Temer e (Luiz Inácio) Lula. Teríamos que inferir que eles vão impor a forma de pensar daqueles presidentes? Claro que não. O diretor-presidente é o último a votar, quando o resultado já está definido.
O quanto o posicionamento negacionista do presidente Jair Bolsonaro e também a divulgação de fake news pelo governo interferem na Anvisa?
Eu falei antes do desafio das fake news, do quanto é ruim, de como representa um problema para quem está no combate à pandemia. Óbvio que qualquer posicionamento contra o que a ciência vem comprovando representa no mínimo uma criação de dúvida. ‘Poxa, eu confio tanto naquela pessoa, fiquei na dúvida.” Tenho buscado não fazer comentários sobre agentes políticos, prefeitos, governadores, presidente. Primeiro porque estaria tentando tomar o emprego dos analistas políticos e dos jornalistas, e esses profissionais não podem fazer o meu trabalho. Segundo porque considero antiético e acho que soma confusão ao sistema. Mas não vou fugir da pergunta. Eu repito o que disse na CPI, acredito no convencimento, na pessoa ser convencida através da argumentação, da lisura, da transparência, da constância. Sem cavalo de pau, assinando o que escreve e escrevendo o que fala. Ainda que agentes políticos tenham discursos e posicionamentos diferentes, o que a gente vê nas ruas são as pessoas de máscara, o álcool gel em cada mesa de restaurante. Então vemos que isso convenceu as pessoas. Nosso estribo é a ciência.
Muitos negacionistas são contrários à vacina. O argumento mais frequente é de que não poderia haver vacinas seguras desenvolvidas em tão pouco tempo. Como o senhor responde a essa argumentação?
As vacinas não tiveram um desenvolvimento rápido, do zero. São plataformas vacinais que já vinham sendo desenvolvidas de forma acelerada e foram ajustadas ao novo coronavírus. Estamos vivendo a maior pandemia de todos os tempos, não é razoável usar este argumento para denegrir as vacinas. Vamos deixar de bobagem e vamos vacinar. Sem shopping de vacina. A vacina boa é a que está no posto de saúde e vai para o seu braço. Todas elas estão aprovadas pela Anvisa em consonância com a OMS.
Então, temos que vacinar e contagiar amigos e parentes com informação sobre a vacina, convencer outras pessoas a se vacinarem. Agora, isso não quer dizer que o problema esteja resolvido. Nenhuma vacina, nem hoje nem nunca, tem uma eficácia de 100%. A infecção pode ocorrer. Não dá ainda para abrir mão da máscara, precisamos manter o distanciamento social, fugir das aglomerações evitáveis, manter os hábitos de higiene. A guerra está melhor, mas ainda não está vencida. Vamos guardar a comemoração, a hora não é agora.
Novas regras do Imposto de Renda podem ser votadas em Plenário nesta quarta, diz relator
O relator da proposta que altera a cobrança no Imposto de Renda de pessoas físicas e jurídicas e da tributação de lucros e dividendos (PL 2337/21), deputado Celso Sabino (PSDB-PA), afirmou que o texto deve ser votado nesta quarta-feira (11). O projeto já está na pauta do Plenário da Câmara dos Deputados.
Segundo ele, a proposta garantirá uma redução da alíquota da tributação sobre as empresas, mas sem perda de repasse para os fundos constitucionais para estados (FPE) e municípios (FPM). “O maior desafio desse projeto é passar de forma clara para o cidadão brasileiro o benefício que estamos fazendo para nossa economia e para todos com a redução do Imposto de Renda”, disse.
Sabino propõe que, para empresas com lucros de até R$ 20 mil por mês, a alíquota será reduzida dos atuais 15% para 5% no primeiro ano e para 2,5% no segundo ano. Já a taxação do Imposto de Renda para empresas com lucros acima de R$ 20 mil cai dos atuais 25% para 12,5%. O governo havia proposto que a alíquota geral do Imposto de Renda para Pessoas Jurídicas (IRPJ) seria reduzida dos atuais 15% para 12,5% em 2022 e para 10% a partir de 2023.
O relator ainda não fechou os cálculos para definir se uma eventual redução da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) poderá ser incluída no relatório. “Na CSLL, estamos fazendo cálculo para encontrar uma contrapartida para não prejudicar a seguridade social”, afirmou Sabino.
O deputado se reuniu na tarde desta segunda-feira (9) com o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Saiba mais sobre a tramitação de projetos de lei
Reportagem – Tiago Miranda
Edição – Pierre Triboli
Fonte: Agência Câmara de Notícias
O poder sui generis das CPIs e os seus limites necessários
As Comissões Parlamentares de Inquérito, no pleno e regular exercício das suas atribuições, "podem muito, mas não podem tudo". Essa velha máxima se encaixa perfeitamente às CPIs, afinal todo órgão e toda autoridade — sem distinção — devem atuar adstritos à Constituição e sob controle de legalidade num Estado democrático de Direito.
Ocorre que, na defesa do interesse público e coletivo, o poder da CPI é considerado sui generis — único em sua espécie. Em análise ampla, a singularidade peculiar do órgão de investigação do Parlamento tem se demonstrado, na prática, passível de má interpretação, em prejuízo às garantias e direitos fundamentais. Por isso, carece de especial atenção.
De acordo com a Constituição Federal, o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional — que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal —, sendo sua competência, além de criar e aperfeiçoar leis, fiscalizar e controlar o Poder Executivo, inclusive a partir da atuação de comissões temáticas permanentes e temporárias.
Desse modo, não apenas as CPIs, mas qualquer comissão pode, por exemplo, convocar autoridades; requisitar documentos e informações; solicitar esclarecimentos; apreciar programas, planos nacionais e emitir parecer; entre outros. Tratam-se de atribuições regulares do Poder Legislativo: um poder-dever parlamentar, insuscetível de renúncia.
O que difere as CPIs das demais comissões parlamentares são os poderes extras de investigação, próprios das autoridades judiciais. Com exceção a alguns atos que continuam guarnecidos pela reserva de jurisdição, a Constituição investiu os parlamentares de poderes antes inerentes apenas aos magistrados na fase instrutória de um processo, como a quebra de sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático.
Além disso, a Carta Magna prevê a possibilidade de outras ferramentas excepcionais serem convencionadas em normas dos regimentos internos das casas legislativas. Assim, apesar de não poder julgar, nem ter competência punitiva, o Supremo Tribunal Federal considera "natural que se confira às CPIs ampla autonomia", a permitir que "o Parlamento se movimente com certa discricionariedade nos quadrantes das diversas possíveis linhas investigativas a serem traçadas" (MS 33.751).
São poderes tão singulares que até a garantia de efetividade nos desdobramentos processuais restou positivada, de modo a culminar em medidas corretivas, punitivas e condenatórias. Isso porque as CPIs devem encaminhar a órgãos como o Ministério Público relatório conclusivo circunstanciado e documentado para responsabilizações. Há de se considerar, ainda, nesse espectro, que a Lei nº 10.001/2000 determina às autoridades responsáveis o impulsionamento prioritário dos feitos oriundos das CPIs, num claro aceno de cooperação institucional para eficácia das investigações parlamentares.
Dessa forma, não há dúvidas que o Congresso assume uma espécie de "superpoder" ao constituir uma CPI para a apuração de fato determinado, em que se congregam atribuições e competências do Poder Legislativo e do Poder Judiciário para investigação à fundo de atos do Poder Executivo. Justamente por isso, nasce a necessidade de exaustiva regulamentação, constante acompanhamento e contínuo controle institucional e jurisdicional das CPIs, para que sejam evitados abusos ou mesmo flertes autoritários.
Nesse sentido, o ex-ministro e decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, sabiamente pondera que "as CPIs somente podem exercer as atribuições investigatórias que lhes são inerentes, desde que o façam nos mesmos termos e segundo as mesmas exigências que a Constituição e as leis da República impõem aos juízes" (MS 30.906).
Não por outra razão, a Lei ordinária nº 1.579/1952, ao prever a tomada de depoimentos, oitivas e inquirições, inclusive de testemunhas sob compromisso, traz a aplicabilidade subsidiária da legislação penal nos procedimentos das CPIs. É preciso que as excepcionalidades investigativas garantidas ao parlamento atraiam, na prática, não apenas as prerrogativas, mas também os deveres constantes de normas como o Estatuto da Advocacia da OAB, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, a Lei de Abuso de Autoridade, entre outras.
Não há direito absoluto, mas há princípios a nortear a complexidade social, com garantias constitucionais também inescusáveis: que ninguém seja submetido a tortura (e aqui se destaca a de origem psicológica), nem a tratamento desumano ou degradante; que sejam resguardadas a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas; que não haja juízo ou tribunal de exceção; que sejam assegurados o contraditório e ampla defesa; e que ninguém seja considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Por fim, importa destacar que, tal como preceitua a Constituição, eventuais abusos a prerrogativas asseguradas ao Congresso Nacional são incompatíveis com o decoro parlamentar — mesmo diante das excepcionalidades e do poder sui generis das CPIs.
Nessa senda, é de curial importância que uma comissão que tem por objetivo investigar, não atue açodadamente atraída pelos holofotes e pela repercussão midiática, não antecipe juízos de valor, não exponha ao massacre reputações e respeite as prerrogativas dos advogados dos depoentes, eis que esses defensores têm múnus público no exercício de suas funções advocatícias.
É dever de todos respeitar.
Michel Saliba é advogado em Brasília, professor universitário e diretor nacional da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (Abracrim).
Sóstenes Marchezine é advogado em Brasília, secretário da Comissão Especial Brasil/ONU da OAB Nacional e membro da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (Abracrim).
Revista Consultor Jurídico, 9 de agosto de 2021, 6h02