CIDADE DO CEARÁ TEM ESCALADA DE CORONAVÍRUS APÓS PROPAGAÇÃO EM COMUNIDADE CATÓLICA
Rodrigo Castro / ÉPOCA
O município cearense de Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza, é conhecido como polo turístico por suas praias e resorts, entre eles o complexo aquático Beach Park. Na última segunda (30), no entanto, chamou atenção pela taxa de infectados por coronavírus, proporcionalmente a maior do estado.
Os casos dobraram em relação ao dia anterior - saltaram de sete para 14, o que preocupou a população de aproximadamente 80 mil pessoas.
No caso de Aquiraz, foi possível identificar um foco de propagação: a unidade da Comunidade Católica Shalom situada em um distrito do município. Doze casos foram registrados por lá. Existem outros 37 casos suspeitos, muitos concentrados neste grupo religioso.
A Shalom é classificada como uma “associação privada de fiéis”, chancelada pela Igreja Católica, com atuação em dezenas de países, incluindo o Brasil.
De acordo com os relatos às autoridades de saúde de Aquiraz, missionários da comunidade Shalom participaram de evento religioso em outra cidade durante o Carnaval, que teve a participação de convidados estrangeiros.
Após o encontro, dois integrantes do grupo apresentaram sintomas e fizeram o exame para detectar o coronavírus. Com o resultado positivo, a comunidade passou a ser monitorada pelas autoridades de saúde.
"Já esperávamos pela confirmação de outros casos. Não chegou a ser uma surpresa", afirmou Palloma Oliveira, secretária de saúde de Aquiraz.
Os infectados estão em isolamento. Outros casos suspeitos na mesma comunidade também foram colocados em quarentena. Desde então, funcionários da Secretaria visitam o local para monitorar os pacientes, que têm entre 23 e 45 anos.
CORONAVÍRUS: MISTERIOSA QUEDA ABRUPTA DE CASOS NA ÁFRICA DO SUL INTRIGA ESPECIALISTAS
Andrew Harding / ÉPOCA
Nas últimas duas semanas, a África do Sul passou por uma situação excepcional que os médicos ainda não conseguem explicar: uma queda brusca e inesperada na taxa diária de novas infecções pelo novo coronavírus.
Um sinal claro disso está nos hospitais do país, que tinham se preparado para receber um volume alto de pacientes.
Os leitos e enfermarias estão prontos para eles, cirurgias não urgentes foram remarcadas e ambulâncias foram equipadas, enquanto equipes médicas vêm ensaiando protocolos sem parar e autoridades de saúde passam longas horas em reuniões pela internet preparando e ajustando seus planos de emergência.
Mas, até agora, contra a maioria das previsões, os hospitais sul-africanos permanecem tranquilos: o "tsunami" de infecções que muitos especialistas previram não se concretizou. Pelo menos, ainda não.
"É meio estranho, misterioso. Ninguém sabe ao certo o que está acontecendo", diz Evan Shoul, especialista em doenças infecciosas de Johanesburgo.
Tom Boyles, outro médico de doenças infecciosas, do Hospital Helen Joseph, um dos maiores centros de saúde pública de Johanesburgo, também diz que todos estão "um pouco perplexos".
"Estamos falado que é a calma antes da tempestade há cerca de três semanas. Estávamos preparando tudo aqui. E essa tempestade simplesmente não chegou. É estranho."
Os especialistas em saúde alertam, no entanto, que é muito cedo para interpretar a falta de casos como um progresso significativo no combate à epidemia e estão preocupados com o fato de que isso pode até mesmo gerar um perigoso sentimento de complacência.
O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, sugeriu que as duas semanas de isolamento no país até agora são responsáveis por estes índices e prorrogou a vigência das restrições em todo o país, que deveriam terminar em uma semana, para o final do mês.
No entanto, outras países que também impuseram quarentenas não obtiveram resultados semelhantes.
A POLÍCIA PODE PRENDER QUEM FURA A QUARENTENA?
Bernardo Mello / ÉPOCA
MARCUS VINICIUS FURTADO COÊLHO, 48 anos, maranhense
O que faz e o que fez: atual presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB, já presidiu o Conselho Federal da OAB e foi membro da comissão de juristas do Senado que elaborou o atual Código de Processo Civil. É doutor em Direito pela Universidade de Salamanca, na Espanha
CARLOS ALBERTO DE ARAÚJO GOMES JÚNIOR, 53 anos, catarinense
O que faz e o que fez: é presidente do Conselho Nacional de Comandantes-Gerais das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros e comandante-geral da Polícia Militar de Santa Catarina. Participou da comitiva brasileira, junto à ONU, para definição da Estratégia Internacional de Redução de Desastres (Marco de Ação de Hyogo)
O senhor concorda com o uso de ação policial, inclusive com possibilidade de prisão, para garantir o distanciamento social?
MARCUS VINICIUS COÊLHO Embora eu defenda a necessidade de isolamento e a competência de estados e municípios para imporem o distanciamento social, não acredito na prisão como forma de procedimento. O braço repressivo do estado deve atuar como última alternativa, apenas quando as outras possibilidades de proteção da saúde pública falharem. A liberdade dos cidadãos também é um bem jurídico de extrema relevância para o ordenamento.
ARAÚJO GOMES JÚNIOR É legítimo que o estado limite a liberdade do cidadão em nome de benefícios indiretos à sociedade, como a prevenção de doenças e a menor ocupação de leitos hospitalares. Em um momento como este, em que se apresenta uma situação entendida como de risco iminente, nós entendemos que podem ser colocados limites aceitáveis à liberdade individual e que a força policial pode, sim, ser usada para a manutenção da ordem pública.
Que tipo de situação pode levar uma pessoa a ser detida por circular nas ruas?
MVC O Código Penal prevê a “infração de medida sanitária preventiva”, que tem sido muito discutida nos últimos dias e poderia justificar algumas ordens de prisão. Mas é importante lembrar que, na aplicação do Direito Penal, não basta ocorrer o fato. É preciso também que a pessoa tenha a intenção de descumprir a ordem do poder público. Além disso, esse artigo da lei prevê detenção de um mês a um ano. Para esses crimes, a lei assegura o direito a acordo e suspensão do processo, não resultando sequer em condenação. Não considero adequado prender alguém sabendo que ao final não haverá decisão pela prisão.
AGJ A atuação policial na manutenção da salubridade pública tem natureza administrativa. Estados e municípios não podem criar regras penais. O que se percebe muitas vezes, no entanto, é a detenção de uma pessoa para assinatura de um termo circunstanciado por desobediência a uma ordem legal. O cidadão é detido por desobedecer ao policial, e não porque descumpriu o isolamento. A detenção por desobediência não se aplica só em relação a normas ligadas à Covid-19, mas a diversas outras situações, desde problemas no trânsito até irregularidades com um alvará, por exemplo.
A prisão ou detenção de quem fura a quarentena é uma forma eficaz de garantir o isolamento social?
MVC Tem sido comum que, diante de crises, logo se busque uma solução punitivista, penalista para a questão. Mas precisamos compreender que há diversas ações preventivas muito mais eficazes e menos danosas aos direitos fundamentais. Além disso, sabemos das condições de superlotação e falta de infraestrutura dos presídios brasileiros. Será que pretender aumentar ainda mais a população carcerária, num momento de pandemia, representaria a solução ou, ao invés disso, criaria outro problema?
AGJ A sanção não pode ser vista como o centro da norma e não pode ser pensada como tendo caráter pedagógico — por exemplo, “punir as pessoas para dar o exemplo”. Momentos de crise não justificam exceção à legalidade. Mas devemos sempre ter em vista a perspectiva de proteção coletiva. A sociedade precisa fazer um balanço entre liberdade individual e ação coletiva.
COMO UMA PEQUENA ILHA EM MARAJÓ TENTA BLOQUEAR O CORONAVÍRUS
Alfredo Mergulhão / ÉPOCA
A quase um mês isolada para evitar a chegada do coronavírus, Afuá, uma ilha do Arquipélago do Marajó, no estado do Pará, não conseguiu resistir ao avanço da pandemia e teve o primeiro caso da doença confirmado na última quarta-feira (15). O local está com a entrada e saída de barcos de passageiros proibida pela Prefeitura há um mês, mas o decreto enfrenta resistência de parte da população, que continua a chegar e sair em embarcações clandestinas.
Apesar de paraense, Afuá fica praticamente em frente a Macapá, para onde diariamente centenas de afuaenses viajam de embarcação para fazer compras, ir ao médico, passear e vender o que é produzido na ilha, como os peixes e o açaí. Essa rotina foi alterada pelo decreto da Prefeitura, que também estabeleceu, desde 21 de março, o funcionamento do comércio somente até às 18h e o toque de recolher a partir das 21h.
Em tempos normais, duas empresas fazem o transporte aquaviário entre Afuá e Macapá. Cada barco leva até 150 passageiros. O transporte de mercadorias permanece autorizado, mas os donos das embarcações ameaçaram fazer uma greve por causa proibição da entrada e saída de pessoas e conseguiram reajustar o valor do frete, que passou de 2% para 3% do valor das mercadorias na nota fiscal. Também houve aumento de preço dos produtos vendidos na ilha, mas produzidos fora dela.
"Não teve jeito, tive que repassar o aumento para o cliente. Nos grupos de Whatsapp é só reclamação, mas a queda nas vendas ainda é pequena", observou o comerciante Rosivaldo Pantoja, de 39 anos. Entre os mais inflacionados estão produtos muito consumidos na ilha, como o feijão, ovo, mortadela e principalmente a farinha, cujo saco passou de R$ 30 para R$ 60.
Neca Setubal fala sobre a mobilização do setor privado
Maria Alice Setubal, mais conhecida como Neca, participou nesta quinta-feira da "Live do Valor", série de entrevistas transmitidas ao vivo no site e no canal do Valor no YouTube. Em conversa com a jornalista Daniela Chiaretti, falou sobre as iniciativas do setor privado e o impacto da crise do coronavirus nas desigualdades brasileiras.
Educadora e socióloga, Neca Setubal é também uma das herdeiras do Banco Itaú e preside os conselhos da Fundação Tide Setubal e do GIFE, entidade que reúne 170 das maiores fundações empresariais e familiares do Brasil. Os associados do GIFE mobilizaram R$ 1 bilhão em ações sociais de enfrentamento à pandemia em um único mês, março, o equivalente ao que a entidade costuma destinar em um ano normal de atividades. VALOR ECONOMICO
Em momento de crise, governo terá de ajudar alunos da rede privada
Neste momento de crise mundial causada pela Covid-19, compete aos governos — em todas as suas esferas — o implemento célere de medidas emergenciais com a finalidade de conter o avanço dos efeitos nefastos da pandemia sobre a sociedade, especialmente sob o enfoque da saúde, ante o risco concreto e iminente da causação do efeito mais gravoso da moléstia, qual seja, a perda da vida.
A par desse cenário internacional impressionante de morte, amplamente noticiado pela mídia e que, por ora, vem assolando mais fortemente países da Europa e os Estados Unidos, temos acompanhado as autoridades brasileiras adotarem inúmeras ações no combate à pandemia, a fim de evitar a disseminação desenfreada do contágio e proteger a coletividade.
A decretação do estado de calamidade, o isolamento social, a restrição de locomoção, o fechamento do comércio e a construção de hospitais de campanha são exemplos contundentes disso.
Porém, a imprevisibilidade do momento em que cessarão os riscos da pandemia revela que desdobramentos outros impactarão a economia brasileira, atingindo indiscriminadamente os mais expostos e vulneráveis socialmente, assim como a atividade produtiva, causando queda de faturamento e, por conseguinte, expressiva perda de renda dos indivíduos e das famílias, sejam elas formais ou informais.
Não por outro motivo, governantes e legisladores movimentaram-se no sentido de amplificar auxílios emergenciais, com interferência direta nas relações privadas, com regras transitórias, visando à manutenção de empregos, a suspensão dos vencimentos de compromissos financeiros e tributários e a concessão de remuneração mínima e temporária.
Mas o quadro dramático do enfrentamento ao vírus exige mais dos gestores da crise.
Há núcleos sensíveis da atividade social que ainda merecem atenção mais direta e imediata, com o fito de permitir a estabilização das relações e, principalmente, o retorno à normalidade da vida em sociedade após a dissipação da pandemia, com minimização dos seus resultados danosos.
A educação ocupa um núcleo importante dessas atividades, de forma preponderante, pois abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
É fato que as instituições de ensino têm se empenhado na disponibilização de mecanismos que viabilizem a ministração de aulas à distância, e o governo, de seu lado, suspendeu a obrigatoriedade de cumprimento de dias mínimos do ano letivo.
Mas isso — respeitados todos os esforços — não se mostra suficiente.
Deveras, compete ao Estado garantir a fruição do direito constitucional à educação, visando à não interrupção do pleno desenvolvimento educacional da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
E a incapacidade estatal de oferecer gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais para todos os brasileiros — especialmente na rede superior — exigiu da iniciativa privada ocupar esse espaço, de natureza essencial, mediante o cumprimento das normas gerais da educação nacional e a prévia autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.
Diante da calamidade pública instalada, com projeção de seus efeitos diretamente na economia nacional e na renda das pessoas, o Estado deve — em contrapartida — ampliar imediatamente suas políticas púbicas de apoio e colaboração ao financiamento público da educação.
O risco de inadimplência decorrente da pandemia não pode representar causa de solução de continuidade dos contratos de prestação de serviço de educação privada de alunos que, até então, não se beneficiavam de programas públicos de incentivo e de financiamento.
Impõe-se, nessa toada, ao governo garantir — em cumprimento à Constituição Federal e ao princípio da segurança jurídica — o investimento de parte importante dos recursos públicos destinados à superação da crise na manutenção e conservação dos contratos de ensino.
Não se trata de isenção de pagamento, mas de financiamento, a permitir que um leque maior de estudantes possa se manter vinculados às suas instituições de ensino e concluir o ano letivo, evitando-se a evasão, e permitir que mais à frente possam pagar o socorro financeiro, em um ambiente econômico de maior normalidade.
E não basta — a cumprir esse desiderato — promover a suspensão da cobrança das parcelas dos financiamentos em curso, de estudantes na fase de utilização, ou de carência ou de recém-formados, que estavam com o pagamento das parcelas de amortização em dia antes da vigência do estado de calamidade pública decorrente da Covid-19.
O governo dispõe de todas as condições jurídicas e financeiras para abrir um excepcional processo seletivo do FIES (Programa de Financiamento Estudantil) com mitigação de suas exigências originárias, especialmente no que toca à comprovação da renda familiar bruta mensal por pessoa, presumidamente afetada em maior escala agora.
Noutras palavras, milhões de famílias terão sua renda diminuída ou cessada, de sorte que os severos efeitos econômicos e sociais da pandemia da Covid-19 justificam a formulação de políticas públicas emergenciais de financiamento estudantil — de natureza transitória — que contemplem o maior número possível de estudantes, com flexibilização dos parâmetros de caracterização da situação de vulnerabilidade social e das altas taxas de juros, maior período de carência e de amortização do empréstimo e subsídios.
Enfim, é crucial que o governo federal e os representantes do povo e dos estados brasileiros reunidos no Congresso Nacional voltem seus olhares para futuro, com a adoção de medidas ágeis no presente, a fim de destinar recursos públicos capazes de assegurar aos milhões de alunos vinculados às instituições de ensino privado o exercício constitucional do direito social de acesso e permanência aos serviços de educação como meio inabalável de superação da crise sanitária, econômica e social que nosso país atravessa.
Adib Abdouni é advogado criminalista e constitucionalista.
Revista Consultor Jurídico, 18 de abril de 2020, 6h31