Adeus à normalidade -
17 de abril de 2020 | 03h00
Os filósofos sempre interpretaram o mundo. Agora que ele está revirado e quase todos recolhidos na quarentena, a tendência é uma grande produção de cenários sobre o mundo de amanhã, o pós-coronavírus.
Alguns queimaram a largada considerando a pandemia um exagero da imprensa, uma fantasia tirânica. Temiam, à esquerda, uma sucessão de ditaduras e, no outro polo, temiam o desgaste de seus populistas no poder.
Uma ditadura oportunista acabou se instalando apenas na Hungria. Noutros países segue o debate democrático sobre controle da pandemia, liberdades individuais e privacidade.
Em muitos casos, a sensação que tenho é de que as previsões nada mais são do que nossas expectativas projetadas no futuro. Talvez essa sensação pessoal venha das inúmeras vezes na história em que li a frase: o capitalismo está em crise terminal e no seu lugar virá um regime social mais fraterno e humano. Como disse o intelectual sul-coreano Byung Chul Han, o vírus não é revolucionário. As mudanças certamente vão depender das pessoas.
De fato, as esperanças de transformação se apoiavam na classe operária, houve quem as deslocasse para o lúmpen proletariado. O vírus seria o novo agente transformador?
De fato, a crise em que o capitalismo se move no momento é a mais grave de sua história, muito mais ampla e profunda que a de 1929. No entanto, alguns de seus movimentos clássicos se repetem: transformar-se e aprofundar-se com a crise.
A passagem para a economia virtual foi precipitada. As grandes empresas telefônicas, provedoras de internet, estão em alta. A Amazon contratou centenas de novos empregados. O comércio eletrônico ampliou-se, possivelmente liquidando milhares de lojas físicas que já estavam em decadência. Os patrões descobriram o home office e suas vantagens econômicas, pois sem grande perda de produtividade economizam na montagem de pesadas estruturas. É preciso ver humildemente o que vai sair daí, reconhecer também que não prevíamos a extensão da catástrofe.
O papel do Estado se acentua com a clara necessidade de sistemas de saúde universais e frentes de trabalho estimuladas pelos recursos públicos. Mas daí a afirmar que todo o processo de liberalização da economia foi um erro, é difícil. Como enfrentaríamos a pandemia sem o nível de comunicações que existe hoje, sem os milhões de smartphones espalhados pelo País? As velhas telefônicas estatais entrariam em colapso.
Da mesma forma existe uma onda real de solidariedade que nos enche de orgulho. Mas o discurso de que as pessoas serão transformadas e ficarão mais humanas e fraternais por causa do vírus lembra um pouco aquela figura do “novo homem” das utopias passadas.
O homem tal como descreveu Shakespeare e sempre existiu, com sua coragem, suas fraquezas e misérias, continua de pé. Como explicar, ao lado de tantas bondades, que exista gente roubando testes de coronavírus, insultando profissionais de saúde porque entram com suas roupas de trabalho no transporte público? E a quantidade de aplicativos falsos para lesar os que necessitam da ajuda de R$ 600 do governo?
Tudo isso não é para negar as transformações que virão. Apenas para abordá-las de forma mais modesta, como já faziam alguns intelectuais com a realidade imediatamente anterior ao vírus.
Edgard Morin, que já esteve no Basil nos anos 60, fazendo conferências, é um caso de evolução com humildade diante da complexa realidade. Na Inglaterra, Ziauddin Sardar desenvolve os estudos de pós-normalidade, uma época em que, segundo ele, muito pouca coisa faz sentido, pois as velhas ortodoxias morreram e as novas ainda não nasceram. Se os tempos anteriores ao vírus nos pareciam normais e já eram, para muitos teóricos, pós-normais, o que diríamos agora, depois da passagem do corona?
Verdade que alguns políticos previram. Barack Obama fez um discurso sobre o perigo de uma gripe do tipo espanhola de 1918 e disse que era preciso montar uma estrutura global para fazer frente a ela. Mas disse isso num país onde a ciência, o saber acadêmico, a própria imprensa já entravam em declínio sob o impacto do populismo de direita.
Os laços horizontais de solidariedade diante de políticos que se apagam na crise, o intercâmbio planetário de cientistas em busca de saídas para a crise, a entrega cotidiana dos profissionais de saúde, tudo isso é legado benéfico para os tempos que virão. Mas o gatilho de novas crises não será completamente desarmado.
Antes da chegada do vírus já vivíamos uma sucessão de eventos extremos potencializados pelo aquecimento global, negado enfaticamente pelos mesmos que negam hoje a dimensão da tragédia. Antes de entrarmos neste século perigoso, em que um vírus pode ser um acidente de laboratório, pouco adiantava lembrar que estacionamos no século 19 com nosso déficit em saneamento básico. Quem sabe agora, com dinheiro público e força de trabalho, não damos pelo menos esse modesto passo?
Os grandes lances do futuro são imprevisíveis. Mas não há desculpa para protelar os passos óbvios do presente. Em nome não somente das pessoas, mas do próprio sistema de saúde, que hoje tanto agradecemos.
JORNALISTA
Homicídios se mantêm elevados no Ceará durante isolamento
Apesar de política de isolamento social decretada pelo governador Camilo Santana (PT) em 19 de março no Ceará, a violência não diminuiu. Entre 20 de março e 13 de abril, data do mais recente registro da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), foram 302 homicídios no Estado.
A média durante esses 25 primeiros dias de isolamento social é de 12,08 homicídios por dia no Ceará. De 1º a 19 de março, no período que antecede o início do isolamento, foram 229 homicídios em 19 dias. A média é de 12,05 homicídios por dia.
A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) divulgou o número dos crimes violentos letais intencionais (CVLI) do mês de março. Foram 359 mortes violentas no mês. Em 1º de março chegaram ao fim os 13 dias de paralisação da Política Militar. O motim alavancou os assassinatos em fevereiro, que chegaram a 459. Houve, portanto, uma queda em março, com 100 mortes a menos - redução de 21%. Os CVLIs incluem homicídios dolosos/feminicídios, lesões corporais seguidas de morte e roubo seguido de morte (latrocínio).
Leia também: Fevereiro foi o mais violento já registrado no Ceará
Contudo, na comparação com o mesmo mês do ano passado, o crescimento em março de 2020 é expressivo, apesar do isolamento social. Em março de 2019, haviam sido 189 homicídios. O aumento é de 89,9%. O número mostra que não houve queda das mortes violentas durante o período de isolamento social durante a pandemia do novo coronavírus. E indica também que, apesar da queda em relação a fevereiro, os crimes contra a vida continuaram num nível elevado após o motim policial de fevereiro.
Foi registrada ainda em março a primeira morte violenta dentro de unidade prisional. O mês teve também o maior número de mortes em intervenções policiais: 10. Haviam sido 8 em janeiro e 7 em fevereiro.
O horário mais comum dos homicídios e demais mortes violentas intencionais ocorridos em março foi à noite. Foram 45,4% dos CVLIs entre 18 horas e 23 horas e 59min. No intervalo da 0 hora às 5h59min, foram 17,5% dos casos. Das 6 horas às 11h59min, 13,9%. De meio-dia às 17h59min, 23,1%.
Segunda-feira foi o dia mais comum das mortes violentas em março no Ceará. Foram 17,3% dos crimes neste dia. Já a quinta-feira foi quando menos houve homicídios, latrocínios e crimes que resultaram em lesões seguidas de morte: 11,4%. A terça concentra 15,6% dos casos; quarta, 12,3%; sexta, 13,6%; sábado, 13,9%; domingo, 15,9%.
Em pouco mais de 100 dias do ano, o Ceará totaliza 1.236 mortes violências, de 1º de janeiro a 13 de abril. Os números até março são consolidados pela SSPDS. Já os dados de 1º a 13 de abril são ainda parciais e passíveis de revisão. OPOVO
Camilo envia projeto para zerar conta de água em áreas rurais e cidades que não são abastecidas pela Cagece
Governador Camilo Santana anuncia pacote de benefícios para categorias mais atingidas pela crise do coronavírus — Foto: Reprodução
O governador do Ceará, Camilo Santana, anunciou nesta quarta-feira (15) que enviou à Assembleia Legislativa um projeto de lei que isenta mais famílias de baixa renda do pagamento de água nos próximos meses.
Conforme o governador, 123 mil famílias de área rural também terão a conta paga pelo Governo do Estado, caso o projeto seja aprovado na Assembleia Legislativa, onde Camilo Santana tem ampla maioria.
O benefício vai alcançar também famílias de baixa renda de cidades que não são abastecidas pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece).
Uma medida anterior já beneficiava famílias de baixo consumo em áreas urbanas e das cidades que são abastecidas pela Cagece.
O Ceará é um dos estados mais afetados pela doença, com mais de 2,2 mil pessoas infectadas e 124 mortes, conforme dados divulgados nesta quarta-feira (15) pelo IntegraSUS. PORTAL G1 / CE
Justiça suspende contratação da empresa gestora do hospital do PV
O Poder Judiciário do do Ceará, por meio da 3ª Vara da Fazenda Pública, determinou, na tarde desta quinta-feira, 16, a suspensão imediata do contrato administrativo entre o Município de Fortaleza, por meio da Secretaria de Saúde (SMS), e a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), responsável pela gestão do hospital de campanha do estádio Presidente Vargas.
A empresa era responsável por implementar, gerenciar e gerir o hospital de campanha construído para o enfrentamento e atendimento das necessidades de saúde pública decorrentes da calamidade pública declarada em razão do novo coronavírus. O valor da contratação seria de mais de R$ 95 milhões, como fonte de recursos Governo Federal, durante o período de quatro meses.
Segundo o processo “restam expostos por fato públicos e notórios” que a empresa contratada possa estar envolvida em vários escândalos de má gestão e de potencial corrupção em contratos públicos.
“Além das denúncias relacionadas supra, consta documentação apresentada em exordial que a referida Associação/Contratada/Requerida seria investigada em pelo menos 5 (cinco) processos, com trâmite na 5ª Câmara de Coordenação e Revisão - Combate à Corrupção, do Ministério Público Federal (fls. 51/53)”. Decisão foi assinada pela juíza Cleiriane Lima Frota. OPOVO
Marco Aurélio arquiva notícia-crime contra comportamento de Bolsonaro durante pandemia
Paulo Roberto Netto / O ESTADO DE SP
16 de abril de 2020 | 18h56
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), arquivou a notícia-crime aberta na Corte contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A decisão atende pedido do vice-procurador-geral Humberto Jaques de Medeiros, que não viu ‘elementos reveladores da prática de delito’ na ação apresentada por sete partidos de oposição (PT, PDT, PSB, PCdoB, PSOL, Rede e PCB).
As legendas acusavam Bolsonaro de cometer crime comum ao expor a população ao risco de contágio durante as manifestações de 15 de março, quando cumprimentou apoiadores enquanto ainda esperava o resultado de um dos exames que fez para coronavírus.
Documento
Os partidos citam também o pronunciamento do presidente no dia 24 de março, quando comparou a covid-19 a uma ‘gripezinha’ e pediu o fim do isolamento social. Dois dias depois, Bolsonaro passeou pelo Distrito Federal, causando aglomeração de pessoas.
Por se tratar de crime comum, Marco Aurélio solicitou manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Segundo o vice-procurador-geral, Humberto Medeiros, não há como imputar a Bolsonaro o crime de descumprimento de medida sanitária preventiva porque não havia uma ordem dessa natureza vigorando. A legislação federal sobre isolamento social apenas desaconselha a aglomeração de pessoas, e não a proíbe.
“Conforme assinalado pelo Ministério Público Federal, o livre fluxo de pessoas não configura, por si só, infração de medida sanitária preventiva”, apontou o ministro Marco Aurélio.
“Ausentes elementos, nos fatos narrados e no contexto fático, indicativos do cometimento de infração penal pelo Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, cumpre acolher a manifestação do vice-procurador-geral da República”, concluiu.
Lewandowski vota por validade imediata de acordo individual para cortar salário e jornada
16 de abril de 2020 | 17h37
Atualizado 16 de abril de 2020 | 19h08
BRASÍLIA - O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, votou nesta quinta-feira, 16, pela validade imediata dos acordos individuais firmados entre empregadores e trabalhadores para redução de jornada e salário ou suspensão temporária de contrato. O ministro reiterou que, de acordo com a própria medida do governo, os sindicatos devem ser comunicados num prazo de até 10 dias.
Os outros dez ministros do STF ainda precisam apresentar seu voto. Uma nova sessão foi marcada para amanhã para continuar o julgamento.
A necessidade de comunicação permitirá, segundo Lewandowski, que o sindicato, querendo, deflagre negociação coletiva. Mas, enquanto não houver negociação coletiva, são válidos e legítimos os acordos individuais negociados nas condições da medida provisória. Eles valerão não apenas nos 10 dias em que o sindicato precisa se manifestar mas enquanto durar a negociação coletiva, afimou o ministro.
Os trabalhadores poderão aderir à nova negociação coletiva, que prevalecerá nos dispositivos em que for mais benéfica ao trabalhador. “Na inércia do sindicato, subsistirão integralmente os acordos individuais”, esclareceu Lewandowski.
O ministro é o relator de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pela Rede Sustentabilidade que questiona a MP do governo que permite os acordos individuais para redução de jornada e trabalho ou suspensão de contratos durante a calamidade pública declarada devido à pandemia do novo coronavírus.
Na ação, o partido cita que a Constituição prevê apenas acordos coletivos para redução de jornada e salários de trabalhadores, com a participação das entidades sindicais.
Lewandowski dedicou a primeira parte de seu voto para reforçar que a previsão constitucional é uma garantia fundamental e não há, mesmo em momentos de crise como atual, caminho para qualquer flexibilização desses direitos. “Não há qualquer tergiversação na interpretação desses dispositivos constitucionais, que me parecer unívocos”, disse.
“Não tem sentido de excluirmos neste momento importante, de crise que precisamos superar e que prenuncia graves desafios no futuro do País, não é possível prescindir a participação dos sindicatos dos trabalhadores”, continuou o ministro. “Não se trata de adotar soluções alienígenas desconsiderando a realidade do País”, acrescentando que em vários países se garante a participação dos sindicatos nas negociações.
“Por que aqui vamos construir uma solução tupiniquim, que pode se traduzir em prejuízos aos trabalhadores?”, questionou.
Segundo Lewandowski, a simples previsão na MP do governo da obrigatoriedade de o empregador comunicar o sindicato da existência de uma negociação individual não garante o preceito constitucional. Ele defendeu que era preciso dar efetividade a esse dispositivo.
O ministro ainda rebateu um dos argumentos do governo em defesa da medida, de que não há redução do salário-hora do trabalhador, uma vez que jornada e remuneração são diminuídos proporcionalmente. “Trata-se de mais uma falácia sem qualquer resistência”, disse. “A Constituição assegura um salário mínimo ao trabalhador.”