EM BUSCA DE MAIS PODER. É SÓ BOLSONARO?
O presidente Bolsonaro, insistindo em politizar o combate à Covid-19, continua defendendo a retomada da economia sem base em dados reais, e admite candidamente que se a situação piorar ele será responsabilizado: “É um risco que corro”, disse, como se fosse um herói correndo riscos para salvar o emprego dos mais pobres.
Mas o risco não é dele, não, o risco é nosso, de todo o povo brasileiro, especialmente daqueles mais pobres que supostamente estaria defendendo. Na sua cruzada contra os governadores e os demais poderes da República, Bolsonaro acusa o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de querer derrubá-lo em conluio com o Supremo Tribunal Federal.
Já havia se lamentado publicamente pelo fato de o STF ter dado aos governadores e prefeitos autonomia para definir regras de defesa sanitária em seus estados e municípios. Num populismo descarado, critica as medidas repressivas dos governos, para fazer com que os recalcitrantes cumpram o isolamento social ficando em casa.
As autoridades têm o poder, dado pela Constituição, de tomar medidas legais contra aqueles que põem em risco a vida da coletividade, tanto que o Código Penal considera crime “infringir determinação do poder publico destinada a impedir a introdução ou propagação de doenças contagiosas”.
Embora ressalvasse que não estava querendo incentivar a desobediência civil, incentivou na prática ao dizer que “prisões ilegais devem ser rechaçadas”. Talvez tenha sido um mero erro de português, mas não há maneira de rechaçar uma ação repressora sem um enfrentamento.
Bolsonaro posa de defensor dos direitos individuais, logo ele, que defende a tortura e a ditadura, vem agora falar em direito de ir e vir, em liberdades individuais. Não passa de uma jogada política arriscadíssima dele, que resolveu acelerar o processo de confronto com os outros poderes da República.
Claramente, sente a necessidade de se impor diante dos outros poderes, e não se conforma com a ideia de que existem limites numa democracia. A briga com o Congresso já é muito longa, mas na quinta-feira, em entrevista à CNN, sugeriu que o deputado Rodrigo Maia queria uma negociação na base da corrupção, e que o Congresso só o deixa trabalhar se fizer concessões não republicanas.
Com isso, joga o povo contra o Congresso e os governadores, numa disputa política que pode nos levar a um beco sem saída. Na democracia, não há como governar contra todas as instituições e todos os poderes. Creio que o espírito reformista continuará prevalecendo, mas o caminho que Bolsonaro está escolhendo para negociar com o Congresso indica mais um erro de estratégia.
Ele está chamando ao Planalto líderes do centrão, oferecendo cargos em troca de apoio parlamentar. Dificilmente conseguirá montar uma maioria estável dessa maneira, e talvez já seja tarde demais para isso. A previsão de que o pico da pandemia ainda está por vir fragiliza sua tentativa de abrir a economia em curto prazo, pois esse gesto temerário poderá deteriorar ainda mais sua imagem pública.
A perspectiva de crescimento do número de infectados e de mortes isolará o país se oficializarmos uma política sanitária contrária às orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS). O presidente Bolsonaro falou em abrir as fronteiras do país, mas do jeito que as coisas vão, temo que os países fronteiriços é que controlarão a entrada e saída pelo Brasil, com receio da medidas de relaxamento sanitário.
Uma coisa é preparar um planejamento para a volta gradativa à normalidade, outra é decidir esse passo sem cumprir as exigências mínimas da própria OMS, que prevê capacidade do sistema de saúde de testagem para controle da transmissão; minimizar surtos em asilos de idosos; administrar a importação dos casos; engajamento da sociedade e prevenção no trabalho e escolas.
Caso aconteça uma saída da quarentena não negociada com toda a sociedade, e apoiada pela maioria, estaremos diante de um impasse constitucional, pois nem o Congresso nem o Supremo aprovarão. Impasse fomentado por Bolsonaro com segundas intenções – de ganhar cada vez mais poderes.
Um terço dos adultos no Brasil está no grupo de risco do coronavírus
Juliana Dal Piva, Pedro Capetti, Juliana Castro e Marlen Couto / O GLOBO
RIO — Responsável pela morte de mais de 2 mil pessoas desde março, o novo coronavírus representa uma ameaça de vida maior para mais de 50 milhões de brasileiros que fazem parte do grupo de risco da Covid-19. O levantamento, feito a pedido do GLOBO por pesquisadores da Fiocruz que trabalham no projeto Monitora Covid-19, estima que um em cada três brasileiros (33,5%) acima de 18 anos tem ao menos um dos cinco principais fatores associados a complicações da doença: hipertensão, diabetes, doenças do coração ou do pulmão e ainda os que têm idade acima de 60 anos.
O dado foi calculado a partir das respostas do questionário da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS/IBGE), feita em 2013. O levantamento mostra como o chamado “grupo de risco da Covid-19” reúne pessoas em todas as faixas etárias.
— Essas doenças ocorrem em todos os grupos de idade. A faixa de idade de 18 a 29 anos realmente é menos afetada, mas após os 30 anos a gente já tem grandes proporções que estão em risco. É interessante chamar atenção sobre isso porque nesse isolamento vertical você está colocando pessoas que têm problemas de saúde sujeitas a ser infectadas e ter gravidade na doença — explica Celia Landmann Szwarcwald, coordenadora da PNS e do levantamento.
“Não vão me tirar daqui”, diz Bolsonaro a religiosos na frente do Planalto
O presidente Jair Bolsonaro provocou mais uma vez aglomeração entre seus apoiadores. O episódio ocorreu na tarde deste sábado, 18, na frente do Palácio do Planalto. Na aparição, de cerca de 20 minutos, o presidente atacou governadores e afirmou que o Supremo Tribunal Federal (STF) lhe tirou o poder de revogar as medidas de restrição, adotadas após a chegada ao país da pandemia do novo coronavírus. “Não vão me tirar daqui”, chegou a afirmar o presidente.
Por volta das 16 horas, Bolsonaro apareceu na rampa do Palácio para saudar um pequeno grupo de religiosos que seguravam cartazes contra o aborto. Acompanhado de seguranças e do deputado federal Hélio Lopes (PSL-RJ), o presidente foi ao encontro dos apoiadores e fez um discurso em defesa da volta à normalidade no país. Afirmou que o Brasil está mergulhando no caos, que milhões de pessoas estão perdendo sua fonte de renda e o orçamento não vai suportar essa conta.
“Não estou defendendo a economia, estou defendendo o emprego”, afirmou. Segundo o presidente, idosos e portadores de doenças devem ser protegidos, mas os demais não podem se “acovardar” e devem voltar ao trabalho.
Bolsonaro chegou a defender a volta dos campeonatos de futebol. “Tem time aí que vai decretar falência”, disse. Sem as partidas e com os estádio vazios, na sua avaliação, os clubes “que têm folhas de pagamento milionárias”, não conseguirão honrá-las.
Sem mencionar nomes, o presidente criticou os governadores que decidiram “bloquear tudo” — apesar de nenhum estado ou município ter declarado isolamento total, também chamado de lockdown, em inglês. Atualmente, o estado de São Paulo, governado pelo tucano João Doria, considerado pelo presidente um de seus principais adversários, tem tido dificuldades para alcançar 50% de isolamento.
Bolsonaro também fez questão de afirmar aos manifestantes que o STF lhe tirou poder. “O Supremo falou que eu não tenho autoridade”, disse, referindo-se à decisão unânime tomada pelo colegiado na quarta-feira, 15. O entendimento dos ministros foi que, além do governo federal, os governos estaduais e municipais têm poder para determinar regras de isolamento, quarentena e restrição de transporte e trânsito em rodovias em razão da epidemia do coronavírus.
De acordo com o presidente, a política de isolamento “começou a mudar um pouco, a partir de ontem, com a mudança”, referindo-se ao novo ministro da Saúde, Nelson Teich, que assumiu ontem a pasta, no lugar de Luiz Henrique Mandetta.
“Ei, ei, ei, Jesus é o nosso rei” e “Fora Maia”
Antes de descer a rampa do Planalto, o presidente aguardou alguns minutos, até que o número de apoiadores aumentasse. Enquanto isso, o grupo de manifestantes intercalou palavras de ordem de cunho religioso: “Jesus, eu confio em vós”, “Ei, ei, ei, Jesus é o nosso rei” e “Inha, inha, inha, Maria é nossa rainha”.
Após a aproximação de Bolsonaro, o coro passou a entoar gritos de guerra, como “Fora Maia”, disparados logo depois que o presidente afirmou que ninguém o tiraria da presidência da República. Bolsonaro tem dito abertamente que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, conspira contra a sua permanência no comando do Executivo.
Em outro momento, enquanto Bolsonaro falava que os governadores estão arrastando o país para o “caos econômico”, um apoiador gritou: “Nós vamos para a rua abrir o comércio”. Por fim, o presidente deu “parabéns” a quem está indo para a rua se manifestar pela volta à normalidade. VEJA
Presidente está preocupado com corrupção na Saúde
O presidente Jair Bolsonaro recebeu informações de que há corrupção no Ministério da Saúde. Como quem fez as denúncias não apresentou provas, o comitê de crise comandado pelo general Braga Netto, ministro-chefe da Casa Civil, reuniu um grupo de agentes da Abin e oficiais da inteligência do Exército para apurar as suspeitas. Um dos casos investigados envolve pagamentos milionários a uma clínica de radioterapia que sequer existiria.
Na semana passada, logo depois de demitir Mandetta, o presidente estabeleceu alguns critérios para a escolha do novo ministro da Saúde. Um deles, chamou a atenção dos auxiliares. Em uma reunião, Bolsonaro disse que o futuro ministro tinha de ser alguém com perfil técnico, com ampla experiência internacional, favorável à flexibilização da quarentena e que “fosse muito rico”.
Para Bolsonaro, essa última exigência era inegociável. Devido ao avanço da pandemia no país, o ministério da Saúde ganhou um reforço extraordinário em seu caixa e recebeu uma carta branca para fechar contratos sem licitações e com cifras vultosas. O oncologista Nelson Teich atendeu a todos os requisitos de Bolsonaro, especialmente o último.
Empresário e com doutorado internacional em economia da saúde, o novo ministro foi um dos fundadores das Clínicas Oncológicas Integradas (COI), vendida em 2015 para a Amil, que hoje pertence ao grupo americano UnitedHealth (UHG).
O substituto de Mandetta tem um bom trânsito entre empresários e médicos. Ele foi indicado por Fabio Wajngarten, chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) da Presidência e chancelado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Bolsonaro escalou o almirante Flávio Rocha, chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), para ajudar o novo ministro a fazer uma varredura nos contratos da pasta. VEJA
Surpresa e achaque político: a reação de Guedes às críticas de Maia
A entrevista do presidente Rodrigo Maia a VEJA pegou o secretariado do Ministério da Economia de surpresa. A belicosidade das falas de Maia em relação ao ministro Paulo Guedes foi interpretada como um movimento político, em desavença à posição do ministro quanto à aprovação do auxílio a estados e municípios, e como retaliação aos recentes achaques públicos do presidente Jair Bolsonaro ao mandatário da Câmara. A equipe econômica defende a transferência direta de 40 bilhões de reais como alternativa ao projeto aprovado na Câmara que destina 86,9 bilhões às contas estaduais e municipais para o combate ao coronavírus (Covid-19). Em reunião com os secretários, o ministro Paulo Guedes ignorou a entrevista de Maia pela manhã da sexta-feira 17. Preferiu focar na apresentação de resultados marcada para a tarde, quando a equipe apresentou os resultados das políticas econômicas para mitigar os impactos da doença.
O ministro não entendeu as críticas feitas pelo presidente da Câmara à revista e, para não aumentar as tensões, resolveu não responder às alfinetadas duras de Maia. Às Páginas Amarelas, o presidente da Casa disse que o ministro “não é sério” e pôs em xeque os números engendrados pela pasta sob o comando de Guedes, indagando a “previsão” de que os governos estaduais e municipais teriam receitas oriundas de ICMS e ISS neste ano, causando um rombo de 285 bilhões de reais às contas da União. Um assessor do ministro mostrou descontentamento com a fala de Maia. “Maia não era o Senhor Reformas? Agora virou o Senhor Pautas-Bomba?”, indagou. Integrantes da área técnica da pasta explicam que os números, consolidados pelo secretário de Tesouro, Mansueto Almeida, não preveem arrecadação zero das unidades da federação, mas apenas explicitam o potencial estrago para a gestão federal.
Membros do Ministério da Economia entendem que os governadores estão utilizando os gastos destinados ao combate à Covid-19 como mecanismo para desanuviar anos a fio de irresponsabilidade fiscal. O secretário de Fazenda, Waldery Rodrigues, vem classificando os gastos como de potencial destrutivo à gestão do orçamento público. Para isso, o Senado aprovou, na sexta-feira 17, o projeto apelidado de Orçamento de Guerra, que desvincula os gastos engendrados para enfrentar a pandemia das contas da União, autorizam o Executivo a desrespeitar amarras orçamentárias e dão prerrogativas novas ao Banco Central para servir como fiador de ações contra o coronavírus, como VEJA explicita na edição desta semana.
Guedes sempre foi um interlocutor confiável para o presidente da Câmara dentro do governo. Apesar das dificuldades de articulação política do governo para a aprovação da reforma da Previdência, o ministro e Maia incumbiram-se da missão de aprovar o texto. “Esse não é o Maia com quem negociamos a aprovação das reformas”, afirmou outro executivo do Ministério da Economia. A relação entre o Executivo e o Legislativo sempre foi, minimamente, espinhosa, mas ganhou novos contornos nas últimas semanas.
Depois da demissão de Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) da chefia do Ministério da Saúde, os presidentes da Câmara e do Senado, Maia e Davi Alcolumbre, ambos correligionários do ex-ministro, divulgaram uma nota conjunta contra a demissão de Mandetta. Em entrevista à CNN Brasil, Bolsonaro respondeu que o Maia atua para derrubá-lo e “esculhambar a economia para que eles possam voltar em 2022”. Em retaliação, Alcolumbre tirou a votação da medida provisória da Carteira Verde e Amarela da pauta de votação. A MP flexibiliza obrigações trabalhistas para fomentar a contratação de jovens entre 18 a 29 anos e pessoas acima dos 65 anos. A validade da medida, que já passou pela Câmara, é até segunda-feira, 20. Oficialmente, a posição do Senado é de focar na votação de matérias emergenciais, ou seja, medidas de combate aos danos da pandemia do novo coronavírus. VEJA
Ministério da Saúde enviou respiradores sem peças para o Amazonas
Primeiro estado a sofrer um colapso na saúde, o Amazonas vive um drama para controlar a expansão do coronavírus. Em uma semana, o número de vítimas letais cresceu 360%, para 124 mortes, e os casos confirmados da doença aumentaram 192%, para 1719 infectados. A falta de leitos e equipamentos acenderam o sinal de alerta do Governo Federal, que decidiu ajudar.
O Ministério da Saúde, ainda sob o comando de Luiz Henrique Mandetta, enviou vinte aparelhos respiradores para o estado. No entanto, metade deles não funcionava, porque não tinha dois tipos de acessórios essenciais: traqueia e cabo de força. O restante dos equipamentos era destinado a transporte – e não para leitos. Essa falha foi listada num dossiê elaborado pela Casa Civil da Presidência e usada para desgastar o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, conforme VEJA revelou.
“Demos um jeito de driblar essa situação. Tive que improvisar alguns equipamentos de última hora”, conta o governador Wilson Lima (PSC). “Utilizei as traqueias e os cabos de forças de outros respiradores antigos e os instalei nos que foram enviados pelo ministério da Saúde”, explica ele.
Antes dessa gambiarra, o governo do Amazonas havia recebido 15 aparelhos respiradores do Ministério da Saúde, emprestados de uma rede privada de hospitais. A ideia era ampliar o número de leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva), mas cinco equipamentos não estavam funcionando – e se estão em manutenção.
Mandetta foi demitido na última quinta-feira. Procurado, o Ministério da Saúde confirma que cinco aparelhos “estavam com algum problema de funcionamento e podem ser recuperados”. A pasta ainda diz que “enviou mais 20 respiradores em perfeitas condições”, mas não esclareceu se esses equipamentos estavam sem dois acessórios. “Até 30 de abril mais 20 respiradores estão previstos para serem enviados para Manaus”, afirma. VEJA