Um país amarrado para o estupro coletivo
21 de abril de 2020 | 03h00
Jair Bolsonaro frequentemente não sabe o que faz. Nada mais fácil do que levá-lo ao destempero absoluto. Mas Rodrigo Maia sabe perfeitamente.
Essa macheza toda de João Doria é mau sinal. Ele não é homem de arriscar o próprio lombo. Lá da fazendinha dele no Jardim Europa, com suas fronteiras com o resto do mundo fechadas pela polícia, vocifera o seu olímpico “que coma bolos o povão, São Paulo tem de parar!” porque está certo de poder mandar a conta para Bolsonaro. Se soubesse que era a ele que caberia entregá-la ao favelão nacional, pensaria dez vezes e, como sempre, não teria a menor dificuldade em desdizer o que disse ontem com as boas palavras que faltam ao nosso inarticulado presidente para explicar os passos necessários para transitar desse mergulho de cabeça na miséria do jogo do poder para a quarentena seletiva necessária à preservação da saúde pública.
Mas poder “bate” fortíssimo. Os “nóias” dessa droga vão a qualquer profundidade por ela. Nenhuma abominação é grande demais para obtê-la. Veja-se Rodrigo Maia. O DEM veio bem até aqui pertinho. Mas foi só ser-lhe dado comer um pouquinho de melado e lambuzou-se todo. E dizer que quem o armou de ministérios bilionários e articulou a entrega do comando da Câmara e do Senado ao partido foi o próprio Bolsonaro! É quase bíblico...
O DEM sempre foi dois. Um é o tribal, que deita raízes em 64. Ainda caminham por aí assombrando o Brasil os mortos-vivos do “coronelismo eletrônico” salvos da lata de lixo da História pela distribuição de rádios e TVs do presidente por acaso José Sarney. Nos “feudos” onde ganharam o poder de falar sozinhos é da lei do machão da “casa grande” da vez manter a marca do inaugurador da dinastia - “de direita” ou “de esquerda” -, mas qualquer diferença real no comportamento pessoal ou na práxis da relação com a “senzala” ampliada do eleitorado que só come se for na mão deles está enterrada sob camadas sucessivas da cultura do comércio de privilégios que iguala a todos e entorta de cabo a rabo a política nacional.
O outro DEM é o pós-85. Desde o fim do regime militar, filiar-se ao antigo PFL, que já tinha sido Arena, passa a ser uma credencial de consistência ideológica. O sujeito entrava para o PFL, depois DEM, quando a vocação política mais a fidelidade a princípios davam uma soma maior que a sede de poder porque, de cara, essa opção matava qualquer chance real de disputá-lo. Isso era privilégio exclusivo dos 30 e tantos “partidos de esquerda” que, entre vivas à democracia, entretinham-se no nobre esporte de, alternadamente, distribuir ou agarrar tetas.
Luiz Henrique Mandetta é dos últimos representantes desse DEM vocacional, hoje circunscrito a uns cantos do Centro-Oeste, último bastião da meritocracia no Brasil. Ele foi eleito pela primeira geração de uma gente que saiu do nada e, longe do Estado, arrancou da terra o próprio sucesso e hoje sustenta este país devastado. Nada é “puro” como nada é puro, mas esse DNA é que faz a diferença que, do primeiro ao último discurso, com exceção da esparrela do Fantástico, o Brasil inteiro notou entre o que é Luiz Henrique Mandetta e o que são os chefões do partido que agora tratam de cavalgá-lo.
Rodrigo Maia, lá dos seus 74 mil 232 chorados votinhos, aderiu de corpo e alma ao movimento reacionário da esquerda apeada do poder pela revolução midiática que derrubou a dupla muralha do patrulhamento da imprensa e do financiamento público de campanha e resultou nos 57 milhões 797 mil e 847 votos que puseram Jair Bolsonaro, O Tosco, onde está na (frustrada) expectativa de um País exausto de que ele pusesse pelo menos um freio às indecências da privilegiatura “fina e chique”.
Há sinais claros de que o presidente periclitante começa, até, a arrepender-se do quanto tolheu o avanço das reformas no início, agora que as vê empurradas aos trambolhões para trás, mas é tarde. Paulo Guedes e seu programa que se queria liberal é o primeiro fuzilado da contrarrevolução. Já Nelson Teich é um natimorto. O inédito surto “federalista” do STF é o contrário do que parece. O cargo dele foi abatido antes mesmo de ele pensar em aceitá-lo pelos franco atiradores que, lá do pico mais alto da privilegiatura, vêm fuzilando, uma a uma, as últimas defesas do favelão nacional contra o saque final em preparação.
O “Orçamento de Guerra” acaba com todas as restrições legais ao gasto público. Os novos “controles” passam a ser do Congresso Nacional, o que dispensa qualquer especulação mais séria sobre sua consistência. E agora, depois da confirmação da intocabilidade do emprego público e da inimputabilidade geral do “servidor”, mesmo ladrão de sentença passada e reconfirmada, prepara-se a imposição da “estabilidade na arrecadação”, ou seja, o moto-contínuo da “renda mínima da corte” com suas lagostas e vinhos premiados, seus infalíveis aumentos anuais e seus penduricalhos de ocasião venha o que vier e dane-se o favelão, que será o tiro na nuca do Brasil.
Rodrigo Maia definitivamente abraçou o capeta. Resta torcer para que Davi Alcolumbre ainda esteja neste mundo e poupe o País de ser definitivamente amarrado para esse estupro coletivo.
JORNALISTA, ESCREVE EM WWW.VESPEIRO.COM
A força da milícia virtual: Bolsonaro tem quase o triplo de interações no Instagram do que Trump
Entre 13 de março e ontem, Bolsonaro foi no mundo o líder de um país com mais interações no Instagram: 72,6 milhões, à frente dos presidentes da Indonésia (Joko Widodo, 46,5 milhões), dos EUA (Trump, 28 milhões) e da Índia (Narendra Modi, 16,2 milhões).
Chama a atenção a disparidade entre o número de comentários que cada um recebeu em sua página. Na de Bolsonaro, foram 4,1 milhões — mais do que todos os demais 117 líderes mundiais (com conta no Instagram)... somados.
No topo do ranking de casos, RJ, SP, CE e PE têm suas UTIs perto do limite
Ana Letícia Leitão, Luiz Ernesto Magalhães, Selma Schmidt, Sergio Roxo e Vinicius Sassine / O GLOBO
RIO, SÃO PAULO e BRASÍLIA - Falta de equipamentos básicos e respiradores; inexistência de testes para doentes, médicos e enfermeiros; Unidades de Pronto Atendimento (UPA) fazendo as vezes de UTI, porque os leitos de terapia intensiva estão saturados pela epidemia causada pelo novo coronavírus. O retrato atual do sistema público de saúde do Amazonas, onde corpos já foram deixados ao lado de pacientes, serve de alerta para outros estados.
Em São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Pernambuco, quarteto que lidera o ranking nacional de casos confirmados e mortes por Covid-19, a rede de leitos aproxima-se de seu limite. Ou seja, o cenário amazonense pode, em breve, ser replicado no Sudeste e no Nordeste. Segundo levantamento do Ministério da Saúde, o Brasil chegou ontem a 2.575 vítimas fatais do coronavírus entre 40.581 infectados.
Os relatos de Manaus foram feitos ao GLOBO por enfermeiros que estão na linha de frente do combate à epidemia, ouvidos sob a condição de anonimato.
— Estamos tendo de escolher quem vai respirar ou não — resume uma enfermeira, diante da falta de equipamentos básicos no Hospital João Lúcio, onde foram gravados vídeos de corpos deixados ao lado de pacientes com Covid-19.
De acordo com o governo do Amazonas, quase 90% dos leitos de UTI estão ocupados, numa demanda que ultrapassou a capacidade do hospital de referência para Covid-19, o Delphina Aziz, em Manaus. Foi necessário recorrer a outros hospitais, como o João Lúcio, que colapsou diante da quantidade de infectados. O estado tem a segunda maior incidência de infectados no país, com 415 diagnosticados por 1 milhão de habitantes.
'A gente já vive um colapso'
Segundo um enfermeiro que trabalha em uma UPA da capital amazonense, a unidade está sendo obrigada a prestar o atendimento que seria de uma UTI:
— Não há como mandar mais para hospital de referência. Todas as unidades de média complexidade estão tendo de assumir os pacientes críticos, até que se abram vagas. No meu último plantão, recebemos nove pacientes. A gente já vive um colapso.
Teich prepara ‘saída progressiva, estruturada e planejada’ da quarentena
O ministro da Saúde, Nelson Teich, anunciou em vídeo divulgado pelo governo federal no início desta noite que está em curso um estudo para reduzir o distanciamento social em todo país. O afrouxamento da quarentena é uma das missões do novo titular da Saúde – a medida foi alvo de constantes críticas do presidente Jair Bolsonaro e um dos motivos que levaram à demissão de Luiz Henrique Mandetta, antecessor de Teiche no cargo.
O afrouxamento será atrelado ao aumento do número de testes realizados. “Isso é importante para nosso processo que está sendo desenhado de usar os testes e entender melhor a doença, a evolução, e fazer um planejamento, um projeto, que já está sendo feito, para revisão do distanciamento social”, disse o ministro no vídeo. Teich afirmou que o ministério irá comprar 46 milhões de testes para detectar coronavírus, quase o dobro do que vinha sendo divulgado pela gestão de Mandetta (24 milhões). Ele explicou que não se trata de testagem em massa, mas de usar os kits em uma amostragem da população, de acordo com ele parecida com a usada em pesquisas de opinião. “A gente vai usar o teste de uma forma que as pessoas testadas vão refletir a população brasileira. Isso vai ser fundamental nesse processo de realmente entender a doença e desenhar a saída”.
Além da compra de testes, ele anunciou o fechamento de um contrato para processar 30 mil exames por dia – no total, serão 3 milhões de procedimentos ao longo do acordo. Também divulgou a compra de mais de 3.300 respiradores. “Essa combinação do diagnóstico, do tratamento e da preparação para a saida do distanciamento faz parte da estratégia de abordagem da Covid-19. A gente está atuando em três braços que são fundamentais. Um é entender melhor a doença, fazer o diagnóstico, entender a evolução. A segunda coisa é preparar a infraestrutura para o tratamento para que, nesse tempo em que a gente está afastado, que vai ser usado para melhorar, preparar para o cuidado. E o terceiro: a gente vai com essa preparação, desenhar esse programa de saída progressiva, estruturada e planejada do distanciamento social”, disse.
Por que o preço do petróleo entrou em colapso e o impacto para o Brasil
Pela primeira vez na história, o barril de petróleo foi negociado com preço negativo. Com as principais atividades econômicas do planeta paradas e, consequentemente, com a demanda pelo combustível congelada em todo o mundo, devido ao avanço da pandemia do coronavírus, a cotação da commodity do tipo West Texas Intermediate (WTI), referência no mercado americano, entrou em colapso. O contrato futuro de maio, que expira amanhã, despencou, nesta segunda-feira, 20, dos 17,73 dólares da abertura para fechar negociado a -37,63 dólares o barril. Isso aconteceu porque os investidores começaram uma corrida para vender os contratos, porque ninguém quer receber a entrega física, já que a capacidade de armazenamento nos Estados Unidos está chegando ao limite. Os preços negativos significam que os produtores estão pagando para que os seus óleos sejam retirados – algo que nunca aconteceu desde que os contratos futuros de petróleo começaram a ser negociados em 1983. “Tem gente dizendo: ‘Leva o meu petróleo, que eu não tenho o que fazer com ele, literalmente'”, explicou David Zylbersztajn, professor da PUC-Rio e ex-diretor geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
O contrato de junho do WTI, o mais comercializado, terminou a sessão em nível muito superior ao de maio, cotado a 20,43 dólares o barril. Já o petróleo do tipo Brent, negociado em Londres, também recuou – uma queda de 9%, para 25,57 dólares o barril –, mas longe da ladeira abaixo do preço dos Estados Unidos, uma vez que globalmente há mais espaço disponível para armazenamento. As refinarias americanas estão processando muito menos petróleo que o normal, o que faz com que milhões de barris fiquem presos em instalações de armazenamento em todo o mundo. Grande comercializadoras de petróleo já contrataram navios apenas para ancorá-los e enchê-los do combustível. Um recorde de 160 milhões de barris está estocado em navios-tanque no mundo. Há pouco mais de uma semana, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo e seus aliados anunciaram um acordo com o maior corte de produção de todos os tempos, com o objetivo de conter os preços, porém, a medida não foi suficiente.
Presidente do México critica ajuda de traficantes no combate à Covid-19
Os atos de generosidade se multiplicam diante da nova pandemia de coronavírus, mas isso tem limites para o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, que nesta segunda-feira (20) criticou a entrega de alimentos por quadrilhas do crime organizado.
López Obrador disse que esses gestos dos bandidos não servem ao país, atormentado pela violência do narcotráfico, e que o verdadeiro apoio seria não se envolver em atividades criminosas.
“Ajudam ao parar com a delinquência, ao amar o próximo e a não prejudicar ninguém. Ajudam ao acabar com os confrontos e mortes”, disse o presidente numa entrevista coletiva.
“Não se trata de filantropia. Trata-se de fraternidade, verdadeira solidariedade”, acrescentou.
O presidente mencionou, assim, a distribuição de alimentos pelos cartéis de drogas, divulgada recentemente pela imprensa local nos estados de Tamaulipas (nordeste) e Jalisco (oeste), onde o Cartel do Golfo e o Cartel Jalisco Nova Geração operam.
Mas também por iniciativa de Alejandrina Guzmán, filha do famoso capo Joaquín “Chapo” Guzmán, que na semana passada distribuiu alimentos e provisões com o nome e a imagem de seu pai para idosos de Jalisco, isolados em suas casas para evitar infecções.
‘El Chapo’ cumpre pena de prisão perpétua nos Estados Unidos.
“Que eles não venham (…) como o potentado que pensa que com uma esmola já está perdoado”, disse López Obrador.
O presidente enfatizou que, diante desses casos, as autoridades não podem fazer nada.
“É algo que acontece, não pode ser evitado porque eles chegam e entregam”.
O presidente sustentou que seu governo manterá o apoio aos mais vulneráveis por meio de seus diferentes programas sociais para enfrentar a crise econômica e de saúde, surgida com a pandemia da COVID-19.
O México registra 8.261 casos confirmados e 646 mortes de COVID-19, segundo o governo. istoé