Brasil está no seu pior momento fiscal da sua história, diz Ciro Gomes
No dia em que o Tesouro Nacional anunciou o maior rombo fiscal num mês em toda uma série histórica iniciada em 1997, o ex-governador do Ceará Ciro Gomes elencou nesta segunda-feira, 29, um conjunto de medidas com o objetivo de levantar cerca de R$ 3 trilhões em ganhos de arrecadação num horizonte de dez anos.
Entre as medidas citadas pelo ex-ministro, algumas delas propostas na campanha da eleição presidencial que elegeu Jair Bolsonaro em outubro de 2018, Ciro apontou a tributação de dividendos, para levantar R$ 90 bilhões por ano, a redução de 20% das renúncias fiscais, que gerariam, nas contas da equipe dele, R$ 64 bilhões, e a taxação de grandes patrimônios, com alíquotas progressivas de 0,5% a 1%, o que permitiria uma arrecadação anual entre R$ 80 bilhões e R$ 90 bilhões.
“Teríamos aí R$ 3 trilhões para decidir o que fazer com eles. Brasil tem caminhos para fazer esse tipo de coisa”, disse Ciro Gomes ao participar do Brazil Forum UK, seminário organizado por estudantes no Reino Unido e transmitido pelo Estadão.
Após dizer que as contas públicas do Brasil estão “no pior momento da história”, o ex-ministro salientou que a dívida pública, dada a queda da atividade econômica e explosão dos gastos, deve extrapolar os 100% do Produto Interno Bruto (PIB), o que leva o mercado a precificar as emissões do Tesouro a um preço 3 pontos porcentuais acima da taxa básica de juros, assim como leva a um encurtamento dos prazos das captações.
“A deterioração real do conjunto de medidas de austeridade fiscal simplesmente vai nos obrigar a olhar para isso com mais inteligência e menos paixão”, assinalou Ciro.
Também presente ao debate, a economista Monica de Bolle classificou como superada a política de Estado mínimo do ministro da Economia, Paulo Guedes.
“Como eu já havia dito, e outros economistas também, essa agenda de Estado mínimo é uma agenda dos anos 60 ou talvez 70. Depois disso, essa não é mais uma questão debatida no mundo”, observou Monica.
Segundo ela, o debate hoje dos formuladores de política econômica em organismos como Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI) centra-se no papel do Estado como agente de redução da desigualdade. Isso porque, de acordo com a economista, o aprofundamento da desigualdade deixou de ser exclusividade de países pouco desenvolvidos e tornou-se uma questão global, por atingir também países desenvolvidos, incluindo Estados Unidos.
“O Estado mínimo não cabe na constituição. A gente tem a mania de falar que o orçamento não cabe na constituição. Isso é bobagem porque a constituição é soberana”, afirmou Monica. “A agenda do Estado mínimo pré-pandemia já não fazia sentido e não fará depois”, concluiu. ISTOÉ
Pandemia da Covid-19 está 'longe de ter terminado', diz diretor-geral da OMS: 'O pior ainda está por vir'
O Globo e agências internacionais
GENEBRA — O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, alertou nesta segunda-feira que a pandemia do coronavírus está longe de ter terminado e que o "pior ainda está por vir". No domingo, o total de infectados pelo novo coronavírus no mundo ultrapassou a marca de 10 milhões e 500 mil mortes, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins.
— Todos nós queremos que isso acabe. Todos queremos continuar com nossas vidas. Mas a dura realidade é que isso não está nem perto de terminar. Embora muitos países tenham feito algum progresso globalmente, a pandemia está realmente acelerando — alertou Adhanom. — A maioria das pessoas permanece suscetível, o vírus ainda tem muito espaço para se movimentar.
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Apesar do tom pessimista, o chefe do programa de emergências da OMS, Mike Ryan, celebrou o enorme progresso na busca por uma vacina segura e eficaz para prevenir a doença, mas lembrou que ainda não há garantia de que o esforço conjunto será bem-sucedido.
O Ministério da Saúde anunciou, no sábado, a produção de 30,4 milhões de doses da vacina contra a Covid-19 em parceria com a Universidade de Oxford, com investimento de US$ 127 milhões. Os testes estão em fase final e o primeiro lote deve ser produzido em dezembro deste ano, e o segundo em janeiro de 2021 pela Bio-Manguinhos.
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A América Latina, onde o vírus chegou tardiamente, superou a Europa no total acumulado de casos — a América do Norte, porém, está à frente do ranking das mortes. Os Estados Unidos respondem por 25% de todos os óbitos mundiais. Em seguida vem o Brasil, com 10% dos óbitos, embora tenha menos de 3% da população mundial. Em comum, os dois países têm presidentes com histórico de minimizar a doença. O americano Donald Trump, porém, mudou de posicionamento e incentivou o aumento da testagem. Jair Bolsonaro, por sua vez, reclamou na última quinta-feira do “excesso de preocupação” de governadores e prefeitos com a Covid-19.
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A OMS já havia alertado, na semana passada, para o recrudescimento de infectados na Europa, onde muitos países já avançam na retomada das atividades. Na semana passada, o continente teve um aumento no número de casos semanais pela primeira vez em meses.
Por causa disso, alguns países precisaram recuar na flexibilização do isolamento. Um dos casos é o da Alemanha, que determinou o retorno do confinamento a uma região onde vivem 600 mil pessoas depois do surgimento de um novo foco de infecções no maior matadouro da Europa. Portugal também reinstituiu a quarentena em alguns bairros de Lisboa.
O resto do mundo também não está em uma situação tranquila. A China, que conseguiu controlar a pandemia com uma quarentena rígida no começo do ano, isolou neste fim de semana meio milhão de pessoas no cantão de Anxin, localizado 60 quilômetros ao sul de Pequim, após o surgimento de novas infecções.
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A OMS foi criticada por alguns países-membros, especialmente os Estados Unidos, que afirmam que o combate à doença foi muito fraco, muito lento e muito "centrado na China". O governo Trump anunciou em maio o rompimento com a organização, da qual os EUA eram o principal financiador.
Na entrevista coletiva, Ghebreyesus disse ainda que está se preparando para enviar uma equipe à China para determinar a origem do novo coronavírus.
— Poderemos combater melhor o vírus quando soubermos tudo sobre ele, incluindo como ele começou. Enviaremos uma equipe para a China na próxima semana para nos prepararmos para isso, e esperamos que nos ajude a entender como o vírus começou e o que podemos fazer no futuro para nos preparar — afirmou.
Outros membros pediram uma revisão da resposta à pandemia, com a Austrália exortando a OMS a ter mais poderes, permitindo que ela responda mais rapidamente a uma crise de saúde.
Cientistas chineses identificam novo vírus da gripe em porcos
Pesquisadores chineses identificaram uma nova variante do vírus da gripe, com potencial para se espalhar com facilidade entre a população mundial, no organismo de porcos criados em diversas províncias do país asiático.
O vírus suíno detectado pelos cientistas tem algumas características preocupantes. De um lado, as atuais vacinas contra gripe não parecem conferir proteção significativa contra ele; de outro, apesar da origem em animais, ele não tem dificuldades para infectar células humanas. Alguns dos criadores de porcos da China, ao que tudo indica, já pegaram o vírus e se recuperaram, a julgar pela presença de anticorpos em seu sangue.
Dados sobre a nova cepa do vírus influenza, como também é conhecido o causador da gripe, acabam de ser publicados na revista da Academia Nacional de Ciências dos EUA (PNAS), em pesquisa coordenada por George Gao, do Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças.
Gao e seus colegas integram um esforço de mapeamento epidemiológico dos vírus influenza em porcos que, entre 2011 e 2018, coletou quase 30 mil amostras de muco do focinho de porcos em dez províncias chinesas que abrigam grandes populações de suínos. Ironicamente, o trabalho foi encaminhado para publicação em dezembro de 2019, pouco antes que a crise de saúde pública causada pelo novo coronavírus ganhasse corpo na China.
Ficar de olho na evolução dos vírus de porcos é uma medida lógica porque o organismo desses mamíferos domésticos é considerado um “misturador” natural de diferentes cepas de gripe, como as que circulam em aves (tanto selvagens quanto domésticas) e em seres humanos.
Não é por acaso que a pandemia de influenza de 2009 ganhou o apelido de “gripe suína”, e sabe-se inclusive que, durante aquele episódio pandêmico, houve transmissão de mão dupla, com a gripe passando de humanos para porcos.
Diferentes formas do vírus da gripe frequentemente “embaralham” seu material genético dentro do organismo de seus hospedeiros, um processo que costuma dar origem a novas combinações, as quais podem pegar de surpresa as defesas de futuras vítimas. É o que parece ter acontecido com as novas variantes identificadas pelos pesquisadores chineses, apelidadas por eles de G4 (genótipo 4).
Assim como o vírus da gripe de 2009, os vírus G4 são classificados como H1N1 (sigla de duas moléculas importantes que compõem o vírus, responsáveis por sua entrada e saída das células infectadas). Mas eles sofreram tantas mutações que a vacina contra os vírus H1N1 já conhecidos não é capaz de neutralizá-los.
Além disso, outras moléculas do vírus vêm de misturas genéticas com duas outras cepas, uma similar à gripe de aves e outra que circulava na América do Norte. Trata-se, portanto, de uma junção de três formas anteriores do vírus influenza, numa combinação que não tinha sido vista até agora.
Experimentos feitos com células humanas e com furões (animais muito usados para estudar a evolução da gripe) mostraram que os vírus G4 infectam com facilidade esse tipo de célula e causam sintomas típicos de gripes relativamente graves. Uma análise de anticorpos no sangue dos que trabalham com criação de porcos nas mesmas províncias chineses, um grupo de mais de 300 pessoas, revelou que 10% delas parecia ter tido contato com a nova cepa.
Os especialistas defendem a intensificação do monitoramento e do controle entre suínos para evitar que o novo vírus, que tem potencial pandêmico, consiga se espalhar mais entre os seres humanos.
Os escândalos de estimação - ISTOÉ
A gente está tão acostumado a ser roubado, enganado, ludibriado pelos políticos que elegemos que, talvez para não passar atestado de otário, sempre que acontece um escândalo, rapidamente damos um apelido carinhoso.
São nomes sempre no aumentativo ou no diminutivo, para criar rápida empatia, como se fosse, sei lá, um poodle.
“Mensalão”, por exemplo.
Olha que graça.
O apelido reduzia a importância do crime a um quase nada.
Crime? Que crime?! Imagine… era só um mensalãozinho de nada.
Muito menos grave do que o primeiro escalão de uma presidência da República corrupta pegar dinheiro de empresários corruptos para pagar a membros do Congresso Nacional corruptos.
Era só uma mesadinha… um estimulo. Nada mais do que isso.
Aliás, o próprio nome, “Mensalão”, era ótimo porque ao mesmo tempo em que aliviava a gravidade do crime, nos ajudou a, inconscientemente, aceitar que fosse um crime recorrente, que se repetia todos os meses.
Um gênio quem inventou.
E pronto. Engolimos sorrindo o que não aceitaríamos jamais em nossas vidas.
Imagine que o sujeito que corta o queijo na padaria, fosse ao caixa todos os meses e pegasse um maço de dinheiro.
Flagrado, diria:
– Calma gente! Não estou roubando! Isso é só o Mensalão que a gente pega todo mês.
– Ah tá. Então tá.
E segue o enterro.
Enquanto gastávamos fortunas em recursos e pessoal para investigar o Mensalão, nossos políticos já se apressaram para criar outro amor de escândalo.
– É assim, presidente, a gente vai superfaturar obras da Petrobras e repassar o dinheiro que sobrar pro pessoal que tá sentindo falta do Mensalão, entende?
– E se descobrirem?
– Quando descobrirem, a gente dá um nome bacana.
– Chamamos de que? – o presidente pergunta, preocupado com o que realmente importa.
– Que tal Petrolinho? – sugere um assessor.
– Acho fofo. – responde o mandatário.
Depois de alguma discussão fecharam em “Petrolão”, porque o diminutivo poderia ofender os diretores de alguma empreiteira.
E assim foi.
Agora estamos testemunhando a gênese de mais um escândalo meigo.
E mais uma vez, estamos todos quietinhos, assistindo comovidos.
É mais ou menos assim como se você, leitor, fosse um alto funcionário de uma empresa, talvez um engenheiro, ou um advogado.
Você estudou muitos anos para o cargo importante que ocupa.
A empresa monta uma equipe para trabalhar sob seu comando.
Profissionais que vão auxiliá-lo a entregar um trabalho ainda mais competente.
Então você faz um acordo com sua equipe.
– Todo mês, quando vocês receberem o salário, uma parte vocês depositam aqui na conta do Genival e ele repassa para minha conta, combinado?
– Mas, chefe, como assim? Isso não é roubo?
– Roubo?! Tá doido? Claro que não! Isso é “Rachadinha”!
– Ah tá. Então tá.
Só que, no caso atual, o Rachadeiro não é você ou eu.
As investigações, que ainda estão em curso indicam que o responsável pode ser o filho do presidente.
Ora, ora, que surpresa.
Mais um governo, mais um escandalozinho.
A receita é tão eficiente, que fico aqui pensando se o Ministério da Justiça não deveria mudar o nome de todos os crimes logo de uma vez…
Assassinato poderia ser rebatizado de “Passadão”, sequestro de “Sumicinho” e assalto a banco, quem sabe, de “Repossinha”.
Todos felizes, viveríamos num país onde o afeto ao crime não se limitaria apenas aos políticos.
E a Justiça, desobstruída, poderia cuidar de coisas que realmente importam.
Impeachment, por exemplo.
A roubalheira política ganhou um tom fofo por causa da singeleza dos nomes das operações /
Mentor Neto / ISTOÉ
Tribunal de Contas do Rio instaura 97 processos para apurar irregularidades em contratos da Saúde do Estado
RIO — A crise na saúde do estado, onde pacientes padecem em meio a uma pandemia, se agrava por conta de denúncias de corrupção, que vieram à tona com a Covid-19 e já levaram 15 pessoas para a cadeia. Levantamento feito pelo Tribunal de Contas do Estado, a pedido do GLOBO, revela que tramitam no órgão 97 processos e três auditorias para investigar contratos da Secretaria estadual de Saúde, firmados sob o rótulo da emergência, para combater o coronavírus. Há suspeita de superfaturamento, falhas de gestão e compras desnecessárias. Somados, os contratos tratam de verba pública que totaliza R$ 1,68 bilhão, o equivalente a 22,7% do orçamento da pasta (R$ 7,39 bilhões) para este ano. Desse total, R$ 400,9 milhões já foram pagos.
Diante da série de casos de dilapidação de recursos do Tesouro, a Secretaria de Saúde, que este ano já teve três titulares, informa que todos os contratos emergenciais estão sendo revisados junto com a Controladoria e a Procuradoria-Geral do Estado. Também estão na mira desse pente-fino os contratos em vigor — estes licitados — com 11 Organizações Sociais (OSs), no total de R$ 2,4 bilhões. A Lagos, a OS aquinhoada com mais verbas em 2020, é acusada de desvio de R$ 9,1 milhões pelo Ministério Público estadual. Na semana passada, quatro pessoas foram presas.
Há, entre os fornecedores emergenciais, os que têm uma residência como endereço comercial. Há ainda os que movimentam milhões, mas são microempresas que, pela Receita Federal, só poderiam faturar até R$ 300 mil por ano. E há até empresas cujo produto, de fato entregue, nada tem a ver com o que consta na listagem de 41 contratos publicados pela pasta da Saúde para atender a um pedido de mais transparência do TCE.
São histórias como a da Sysgraphic Comércio e Serviços de Equipamentos Gráficos que deve fornecer máscaras N-95. De acordo com o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), a Sysgraphic é uma microempresa que tem como atividade principal o “comércio atacadista de máquinas e equipamentos para uso industrial”. Entre as atividades secundárias, consta o comércio atacadista de materiais médicos. Mas, de acordo com os dados da Receita, a firma funciona numa rua de classe média alta de São Francisco, em Niterói, que, na última quinta-feira, não tinha ninguém. Um vizinho diz que o local está sempre silencioso:
— Não tem movimento de gente nem de carro. Dia desses, vi pessoas do governo do estado, que chamaram bastante, mas desistiram e foram embora.
O jornal também foi verificar onde funciona a Avante Brasil Comércio “Eireli” — este último nome identifica um modelo de empresa limitada, com um único sócio, criado em 2011. A Avante tem seis contratos num total de R$ 20 milhões para fornecer medicamentos. No endereço que está no CNPJ da empresa, em Coelho da Rocha, em São João de Meriti, um homem, que ocupava um modesto sobrado, se identificou como Fernando. Ele confirmou que o endereço estava correto, mas que, como não era o dono, informaria um e-mail de contato. Procurada, a empresa disse que é idônea e “está tomando as devidas providências para apresentação de sua defesa”. Em um dos contratos, o TCE encontrou fortes indícios de sobrepreço, e, em outro, não achou justificativa para a quantidade de produtos demandada.
Políticos com patrimônio milionário têm auxílio emergencial liberado pela Caixa
RIO - Políticos com patrimônio milionário fazem parte da lista de beneficiários do auxílio emergencial, pago pela Caixa Econômica Federal.
Um levantamento feito pelo GLOBO com base em dados do Ministério da Cidadania e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) identificou que candidatos a cargos públicos nas eleições de 2016 e 2018, cujas declarações de bens ultrapassam R$ 1 milhão, estão recebendo a ajuda do governo.
O cruzamento de dados encontrou 136 casos de candidatos com mais de R$ 1 milhão em bens que constam na lista de beneficiários. São pessoas que mesmo declarando patrimônio elevado ao TSE, tiveram cadastro aprovado e começaram a receber a segunda parcela.
Na lista estão postulantes aos cargos de prefeito, vice-prefeito, vereador e deputado estadual e federal.
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Problemas no cruzamento de dados para o pagamento do auxílio e nos critérios definidos têm feito com que pessoas das classes A e B, que não seriam o público-alvo da política, figurem entre os beneficiados.
Há casos em que o nome da pessoa foi incluída no cadastro por outra pessoa, sem seu conhecimento, mas há também muitos indícios de fraudes, que estão em investigação por órgãos de controle.
Segundo a Dataprev, responsável pelo cruzamento de dados do auxílio emergencial, nos critérios estabelecidos pelo Ministério da Cidadania, não houve “previsão legal para verificação do patrimônio dos requerentes”, o que poderia ter identificado inconsistências cadastrais e omissões na renda domiciliar na inscrição e no Imposto de Renda.
Os dados do TSE só foram usados para identificação de mandato eletivo, segundo a estatal.
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A falha, segundo Gil Castello Branco, fundador e diretor-executivo da ONG Contas Abertas, ocorre devido aos sistemas de informação do governo federal, classificados por ele como “colcha de retalhos”. Os dados são disponibilizados em sistemas independentes, que não cruzam a informação entre si.
— Como o governo federal estava pressionado para agir de maneira rápida e não existe um cadastro único, você pega as fraudes depois do pagamento. Isso deveria ter acontecido antes. Muitas pessoas não conseguem receber enquanto outras estão fraudando o sistema.
O engenheiro Hélio Raimundo, ex-prefeito de Vila Boa (GO), entre 2013 e 2016, pelo PSD, está entre os beneficiários. Na tentativa de se reeleger, em 2016, Raimundo declarou ao TSE ter mais de R$ 5 milhões em bens, distribuídos em uma casa, um loteamento, uma fazenda de mais de mil hectares, quatro lotes e um veículo na garagem.
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No dia 27 de abril, Raimundo entrou com a documentação para receber o auxílio de R$ 600. Foi aprovado pela Caixa no dia 15 de maio.
Raimundo disse estar desempregado e que vendeu o patrimônio para pagar dívidas de campanha em 2012 e 2016, além de enfrentar um bloqueio judicial referente ao período em que foi prefeito. Os custos das campanhas, no entanto, foram de R$ 67 mil e R$ 23 mil, respectivamente.
— Esse é o declarado, a gente não declara tudo. Não tem como declarar (todos os gastos para TSE), eu gastei uns R$ 2 milhões na campanha de 2016 — disse ele, reiterando que desde 2017 está sem renda e que precisa do auxílio.
Segundo o TSE, a omissão de gastos de campanha é considerado crime eleitoral. Durante sua passagem na prefeitura, Raimundo foi alvo de uma liminar da Justiça Estadual que o proibiu de usar a caminhonete da prefeitura para fins pessoais.
Segundo o Ministério Público de Goiás, ele usou o veículo oficial para visitar a filha em sua cidade natal, com abastecimento feito com uso de dinheiro público.
'Não estou sabendo'
Embora receba o auxílio emergencial desde o dia 15 de abril, Gil Diniz Neto, que foi candidato a vice-prefeito de Contagem (MG) pelo DEM, e tem patrimônio declarado de R$ 7,6 milhões, agradeceu o contato do GLOBO porque disse não saber que constava na lista dos beneficiados.
— Não estou sabendo que estou recebendo, foi até bom você ligar. Vou ver o que aconteceu, não sei o que pode ter sido — disse.
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A ex-servidora pública estadual, Verbena Macedo (PDT), que foi candidata à prefeitura de Estreito, no Maranhão, é mais uma na lista. Com R$ 3,23 milhões declarados, distribuídos entre uma casa, três terrenos, dois prédios e um carro, ela consta na lista de beneficiários desde abril. Ao saber o motivo da ligação, Verbena disse apenas que estava doente:
— Estou hospitalizada, não posso falar —disse e desligou.
O GLOBO tentou ligar por sucessivas vezes no contato da candidata, mas não houve sucesso.
Empresas milionárias
No interior do Piauí, em Piripiri, o empresário Paulo Roberto Limeira dos Santos, então candidato pelo PR ao cargo de prefeito, declarou declarou ter sociedade em quatro empresas da área de construção, mineração e energia, cujo valor declarado é de R$ 38 milhões. Além desses bens, disse possuir um carro estimado em em R$ 33,3 mil.
Apesar de constar com todos esses bens, Santos aparece como recebedor de duas parcelas do auxílio emergencial.
Questionado sobre o recebimento desses recursos ao passo que declarou fortuna milionária no TSE, Limeira afirmou que esses projetos nunca ocorreram, apesar da empresa existir desde 2000.
Ele afirma que o que foi declarado iria ser integralizado a empresa, o que não ocorreu, e que hoje está desempregado:
— Eu nunca fui milionário, queria ser, mas nunca fui. Isso é um factóide, é um sonho — afirmou — Foram projetos que eram pra terem ocorridos, que não ocorreram, não tem nada de ilegalidade de solicitar isso, não tenho renda suficiente, tampouco tenho renda pra me manter nesse sentido.
Apesar de negar, as empresas de Limeira constam no sistema da Receita Federal com capital social acima de R$ 10 milhões, acima dos limites de microempresa, previsto pelos critérios do auxílio emergencial.
Em nota, o Ministério da Cidadania informou que tem feito parcerias com a Controladoria-Geral da União (CGU) e com o Tribunal de Contas da União (TCU) para averiguar inconsistências.
Segundo a pasta, quem burlar a legislação terá de ressarcir os cofres públicos dos valores recebidos, além de sanções civis e penais.
Para Castello Branco, um dos legados da pandemia vai ser a necessidade de consolidação desses dados através de um novo sistema de cruzamento:
— A tecnologia da informação do governo federal é uma colcha de retalhos. Não existe um cadastro único, e sim um emaranhado de sistemas. O pagamento dos militares, por exemplo, só foi descoberto quando cruzaram os dados do auxílio com as folhas de pagamento dos militares, que roda diferente que a dos civis.
Ele continua:
— O mesmo aconteceu com os doadores de campanha, que foi através de um cruzamento de dados do TSE, que não teve todas as suas informações aproveitadas. Você alcançaria os doadores e a declaração de bens.