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Sem conseguir liderar oposição, Lula traça caminho isolado no pós-prisão

Sérgio Roxo / O GLOBO

 

SÃO PAULO — Sete meses depois de deixar a prisão, o ex-presidente Lula tem frustrado integrantes de legendas aliadas e colegas do próprio partido ao adotar uma linha política considerada sectária. A avaliação quase unânime é que o petista não conseguiu assumir o papel de líder da oposição ao governo do presidente Jair Bolsonaro que se esperava dele após passar 500 dias na cadeia.

 

Com a postura, o ex-presidente contribui para o isolamento do PT, que, nas palavras de um dirigente de uma sigla de esquerda, viveria uma volta a suas origens na década de 1980, quando resistiu inicialmente a se juntar a outras forças políticas nas Diretas Já, não participou do Colégio Eleitoral que escolheu Tancredo Neves como o primeiro presidente civil após a ditadura militar e votou contra a Constituição de 1988.

— Ele saiu da prisão com a cabeça completamente fora do lugar. Fez aquele discurso (dias depois de deixar a cadeia) de que o PT deveria ter candidatura em tudo quanto é lugar nas eleições deste ano, em todas as capitais. Isso não corresponde à realidade. É um erro grave —afirma Carlos Siqueira, presidente nacional do PSB.

Uma liderança petista diz que Lula se sente injustiçado e tem baseado suas movimentações nesse sentimento, e por isso estaria “sectarizado”, quando deveria ter saído da cadeia com o discurso de união nacional. Um outro integrante do partido próximo do ex-presidente o vê com dificuldade de encontrar o tom e a forma de atuar nesse novo período.

Biografia

Outra fator que estaria motivado as atitudes do ex-presidente seria o interesse em recuperar a sua biografia após a prisão e as condenações por corrupção na Lava-Jato. Um aliado acredita que a meta de Lula é ser inocentado para passar para a História sem o peso das condenações — tema que já havia dominado a agenda do PT durante o tempo em que o petista ficou na cadeia.

Apesar de falar do seu desejo de voltar a concorrer a presidente, Lula é realista, acreditam seus interlocutores, e sabe que tem poucas chances de recuperar os diretos políticos que estão cassados.

O caminho escolhido pelo ex-presidente ficou claro no começo do mês, quando ele criticou manifestos supra-partidários em defesa da democracia organizados por artistas e profissionais do Direito. Na ocasião, disse que não tinha mais idade para ser “Maria vai com as outras” e assinar “determinados documentos com determinadas pessoas”. O petista se referia ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que apoiou o impeachment de Dilma Rousseff em 2016.

Como justificativa para a sua rejeição aos manifestos, Lula tem dito que precisa se preocupar em garantir a identidade do PT e impedir que o partido se torne apenas mais uma entre tantas siglas.

O governador petista do Ceará, Camilo Santana, usou a palavra “equivocado” para classificar o gesto de Lula em relação aos manifestos. Ele acrescentou ainda que é hora de deixar de remoer o passado.

Um outro argumento usado por Lula para justificar as suas críticas aos manifestos foi a ausência de referências à “classe trabalhadora”. Para o ex-presidente, a adesão aos textos poderia significar um rompimento com as suas origens operárias. Mesmo petistas ligados ao movimento sindical têm se empenhado em convencer Lula a ser menos radical em sua atuação política.

A posição de Lula tem atrapalhado a união dos partidos de esquerda e centro-esquerda em torno do afastamento de Bolsonaro. O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), um defensor de uma frente ampla, avalia que não pode haver restrições na defesa da democracia.

— Para garantir a democracia e evitar que Bolsonaro se torne um ditador, sim. Tem que unir todo mundo — pede Dino, minimizando, porém, o distanciamento de Lula dos manifestos. — É claro que eu não concordo com a crítica, mas eu não acho que isso seja impeditivo de nada, tanto é que muita gente do PT tem participado dos manifestos.

O novo entorno

A dificuldade de Lula em assumir o protagonismo estaria provocando desencontros nas posturas das demais figuras do PT, na visão de um dirigente da sigla. Enquanto Lula critica os manifestos e se recusou a participar do ato realizado na última sexta-feira, Fernando Haddad, o seu substituto na eleição de 2018, assinou os textos e discursou na manifestação. Já o senador Jaques Wagner (BA) assinou uma nota recomendando que as pessoas não fossem aos protestos contra Bolsonaro no início do mês, enquanto a direção petista apoiou os atos.

Lula também estaria tendo dificuldades por causa do esvaziamento de seu instituto. Com as contas bloqueadas por causa das investigações, a diretoria formada pelos ex-ministros Luiz Dulci e Paulo Vannuchi e pela sua assessora na Presidência Clara Ant foi desmontada ainda em 2017.

Hoje, o círculo mais próximo de Lula no dia a dia é formado por um grupo de três assessores que se aproximaram de sua namorada, Rosângela de Silva, a Janja, no período da prisão em Curitiba. Nenhum deles tem grande bagagem política. São esses assessores que cuidam da agenda do ex-presidente, das publicações em redes sociais e intermedeiam o acesso do petista até aos temas políticos que estão sendo debatidos na internet, já que Lula não usa smartphone.

O Instituto Lula vive uma divisão forte entre esses assessores próximos de Janja e o restante dos funcionários. Em fevereiro, a namorada de Lula provocou desconforto ao fazer uma postagem no Twitter de uma foto com Lula. Ela desejou sorte ao fotógrafo Ricardo Stuckert, que faz parte do grupo, na cerimônia do Oscar com o filme “Democracia em vertigem”, do qual ele é diretor de fotografia. “Stukinha, a Panelinha está na torcida! Traz esse Oscar pra nós”, escreveu Janja.

Como justificativa para a sua rejeição aos manifestos, Lula tem dito a interlocutores que precisa se preocupar em garantir a identidade do PT e impedir que o partido se torna apenas mais uma entre tantas siglas da política nacional.Petista com atuação independente da direção partidária, o ex-governador Tarso Genro afirma que a forma com que Lula vem atuando politicamente depois da prisão é correta e compreensível:

— Não aconteceu e não era para acontecer (Lula se colocar como líder da oposição). Acho que o Lula está tendo uma posição discreta. Ele não quer atrapalhar o processo político, está ainda amarrado em alguns processos judiciais. Tem que agir com cautela, com prudência, com inteligência, emitindo suas opiniões, mas sem avocar como liderança única da luta contra o governo Bolsonaro. A posição do Lula é uma posição correta porque tem inclusive que permitir que ascendam outras lideranças no cenário político.

 

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