Não podemos jogar fora direito ao anonimato para combater fake news
[RESUMO] Medidas para frear a desinformação não justificam o enfraquecimento do direito ao anonimato, argumentam autores, que consideram que a exigência de identificação prévia não tem respaldo na Constituição brasileira e pode levar, em nome da proteção da democracia, à supressão de liberdades.
Fiquemos atentos. No calor dos debates sobre a responsabilização dos provedores de redes sociais na internet pelo fluxo avassalador de desinformação que carregam, podemos, inadvertidamente, pôr em risco a liberdade de expressão e a democracia.
É legítimo o anseio por impor limites à indústria das fake news, uma atividade clandestina, ilegal e muitas vezes criminosa, com o fim espúrio de manipular o cidadão e desacreditar a democracia. Essa indústria corrosiva favorece as doutrinas totalitárias, o racismo e o fanatismo anticientífico, além de bombardear sem tréguas as conquistas humanistas da modernidade. Quanto à necessidade de combatê-la, portanto, estamos todos de acordo.
No entanto, em nome de cerrar fileiras contra a desinformação antidemocrática e inconstitucional, vem ganhando adeptos o intento autoritário de varrer do mapa um direito que nos foi legado pelos costumes da melhor tradição liberal: o anonimato. Dar esse passo seria um erro terrível.
Em 1689, o pensador inglês John Locke, vivendo no exílio, ocultou a própria identidade para publicar sua célebre "Carta sobre a Tolerância", que se converteria num marco da liberdade religiosa.
O segundo exemplo é mais significativo. Entre 1787 e 1788, uma série de artigos com o propósito de convencer os americanos a ratificarem a criação da Federação foi publicada em jornais como The Independent Journal e The New York Packet sob um pseudônimo enigmático: “Publius”.
Aqueles artigos realizaram a proeza histórica de levar o país a adotar a decisão nacional que deu origem ao Estado americano tal como ele se encontra estabelecido até nossos dias e —atenção para isso— eram anônimos. Somente mais tarde, John Jay, Alexander Hamilton e James Madison assumiram publicamente a autoria dos textos, reputados atualmente como pedra fundamental do pensamento político democrático nos Estados Unidos.
O terceiro exemplo é brasileiro. As famosas "Cartas Chilenas" circularam em Vila Rica com fortes sátiras contra o governador, sob os pseudônimos Critilo e Doroteu, poucos anos antes da Inconfidência Mineira. Execradas pela Coroa Portuguesa, as cartas, cuja autoria apenas em 1940 revelou-se ser de Tomás Antônio Gonzaga, tornaram-se, para os brasileiros, símbolos de libertação.
Hoje, desavisadamente, alguns argumentam que a Constituição Brasileira vigente veda expressamente o anonimato, razão pela qual a autenticação da identidade na abertura de contas em redes sociais não mereceria qualquer objeção. É verdade que o inciso IV do art 5o da Constituição Federal prevê ser “livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, mas é um equívoco ler, nesse condicionamento, a imposição de um dever geral de identificação para qualquer forma de manifestação pública. Sejamos cautelosos nessa matéria.
O mesmo artigo 5o dispõe contrariamente ao dever de identificação. Em seu inciso XIV, lemos que “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. Ora, o sigilo da fonte não deixa de ser uma forma, ainda que mediada, de anonimato. Diz a Constituição que esse anonimato será guardado pelo profissional da imprensa, pois só este conhece a identidade de sua fonte e não poderá ser obrigado por ninguém a revelá-la.
A garantia do sigilo da fonte, mais do que um direito da fonte ou do jornalista, firma-se como uma garantia dos freios e contrapesos em sociedades livres. A liberdade de imprensa, potencializada pelo sigilo da fonte, é preciosa exatamente por se consubstanciar em um meio legítimo pelo qual as sociedades livres vigiam o exercício do poder.
Por certo, a coexistência desses dois dispositivos, um vedando o anonimato e o outro garantindo o anonimato (por meio do sigilo da fonte), intriga os intérpretes da Constituição. Como compreender essa coexistência? Estaríamos diante de uma contradição insolúvel entre princípios discrepantes?
Para compreender esse ponto, é preciso, de início, perceber que a Constituição Federal reconhece claramente que o discurso, cuja liberdade é assegurada, pode lesar outros direitos fundamentais. Segue-se, então, da liberdade de manifestação do pensamento (inciso IV), a garantia do direito de resposta e da indenização por dano material ou à imagem (inciso V). Pelo mesmo motivo, estão previstas no mesmo artigo a vedação à censura (inciso IX) e a inviolabilidade dos direitos da personalidade (intimidade, privacidade, honra e imagem).
Daí a necessidade de olharmos para o propósito do condicionamento à liberdade que aparece no inciso IV. Seu objetivo é a mitigação do risco e do potencial de dano que alguns tipos de manifestação podem causar. Sendo assim, por se tratar de condicionamento ao direito fundamental à liberdade de expressão, a vedação ao anonimato deve ser interpretada como uma restrição mínima, não passando do estritamente necessário para proteger a liberdade do outro. Em outras palavras, esse condicionamento submete-se ao princípio geral e a ele apenas apresenta uma restrição específica.
Considerando que o dano pelo discurso é apenas uma possibilidade, decorre daí que a regra não pode ser a vedação prévia ao anonimato; a regra é a liberdade e, portanto, o princípio constitucional não impõe a ninguém, nem poderia impor, o dever geral de identificação prévia daqueles que exercem livremente o direito de se manifestar. Caso contrário, haveria uma presunção de que todo discurso seria abusivo, ao arrepio da presunção de inocência da qual, pela mesma Constituição, goza todo cidadão.
Logo, deve-se ler no texto constitucional não a obrigação de identificação prévia, mas apenas que o anonimato não elide a responsabilidade. Isso significa que, como princípio, a manifestação anônima é plenamente possível e legal; resguarda-se, apenas, a possibilidade de identificação para se assegurar uma possível reação contra o exercício manifestamente abusivo da liberdade de expressão.
Fica, assim, resguardada a possibilidade de controle apenas a posteriori da autoria do discurso abusivo com sua responsabilização.
Consideremos suficiente esse ponderado e seguro mecanismo constitucional, pois a ambição de eliminar ex ante a própria possibilidade de violação não raro leva à supressão de liberdades: hoje proíbe-se o anonimato; amanhã proíbe-se a própria manifestação do pensamento a pretexto do combate às fake news.
Com isso, resolve-se a aparente contradição entre os incisos IV e XIV. O que se deve depreender do diálogo entre os dois incisos é que o anonimato não pode ser aceito numa única circunstância: a de que esteja servindo como manto protetor para aquele que abusa da liberdade de manifestar seu pensamento para lesar o outro ou a própria democracia.
Resulta bastante claro, ao mesmo tempo, que o sigilo da fonte (uma forma especial de anonimato) não apenas é aceitável aos olhos da Constituição como é por vezes necessário para que o público seja informado sobre desvios do poder. Não fosse esse sigilo, o cidadão se sentiria exposto e desprotegido quando fosse denunciar a um repórter uma irregularidade cometida por autoridades e outros poderosos.
Enfim, a Constituição legitima, e não veda o anonimato. O que ela veda, isto sim, é o artifício do anonimato como esconderijo para o ilícito.
Quanto ao mais, o ordenamento jurídico brasileiro incorporou o recurso ao anonimato em muitos níveis. Temos, por exemplo, a possibilidade legal da denúncia anônima para assegurar àquele que acusa a prática de crimes graves a proteção de sua identidade.
Também no exercício do direito ao voto, a escolha do candidato é computada de modo anonimizado. No processo eleitoral, a lei não apenas institui o anonimato como o protege. Com seu voto, o eleitor expressa o seu pensamento de forma rigorosamente anônima e nem por isso ofende o disposto no inciso IV do artigo 5o da Constituição Federal.
No âmbito dos costumes e da cultura, assimilamos com naturalidade a preservação da identidade de algumas vozes, de tal sorte que, na literatura e no jornalismo, há muito convivemos ampla e harmoniosamente com pseudônimos e autorias anônimas.
Especificamente quanto à atividade na internet, o Marco Civil da Internet faz a sábia intervenção mínima em prol da segurança pública, ao obrigar os provedores a guardarem por seis meses os registros de acesso às aplicações, justamente para viabilizar a persecução de atividade criminosa, sem invadir a privacidade e liberdade dos usuários. Qualquer passo além deve ser extremamente cauteloso e merece o mais amplo debate.
Defender o anonimato não significa defender a prática de crime. Os criminosos que agora no Brasil propagam fake news, repletas de calúnias e difamações, embora procurem se escudar numa suspeitíssima alegação de liberdade de expressão, não passam de integrantes de milícias virtuais e precisam ser investigados, localizados, identificados, julgados e punidos. Em nada podem ser comparados a John Jay, James Madison e Alexander Hamilton, que publicaram seus artigos federalistas sob pseudônimo. Os agenciadores da desinformação nas redes sociais são apenas bandidos ocultos.
Em suma, não podemos jogar fora o bem do anonimato, esse direito consagrado, mais do que pelo direito positivo, pelos costumes democráticos. Se não cuidarmos dele, pagaremos com a nossa liberdade o preço medonho de uma vigilância extrema, desenhada nos moldes das distopias mais sufocantes. Sob a alegação de proteger a democracia, não caiamos na sanha desastrada de patrocinar o autoritarismo.
Defensoria aciona STJ contra decisão que pede transferência de 6.500 presos para semiaberto
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo acionou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) questionando ação da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) que pretende transferir 6.500 detentos para unidades prisionais de regime semiaberto.
O estado de São Paulo possui, atualmente, 10 mil sentenciados que adquiriram o benefício da progressão e aguardam a movimentação. Segundo levantamento feito pela Defensoria, no entanto, até o dia 15 de junho eram contabilizadas apenas 653 vagas disponíveis para a modalidade.
"A realidade demonstrada pelo site de transparência da Secretaria não se coaduna com a existência das vagas", afirma o habeas corpus impetrado, que é assinado pelo defensor Saulo Dutra de Oliveira.
Segundo a Defensoria, os 6.500 detentos que já teriam iniciado a transferência para unidades prisionais por decisão administrativa "possivelmente estão sendo levadas para unidades superlotadas, insalubres, violando exatamente a promessa da SAP de evitar o contágio por Covid-19".
O documento pede ao STJ que a Secretaria de Administração Penitenciária forneça a lista de vagas disponíveis no prazo de 24 horas e que sejam vedadas as transferências para unidades prisionais de regime semiaberto, para alas de progressão penitenciária ou centros de ressocialização que não correspondam ao número de vagas necessárias.
Como alternativa ao impasse, a Defensoria propõe antecipar a saída de sentenciados que já estejam no regime semiaberto, de modo a abrir novas vagas, a concessão de liberdade eletronicamente monitorada, que equivale à prisão domiciliar, ou a implementação de penas restritivas para o sentenciado que progride do regime aberto para o domiciliar.
Por que eles querem cassar o mandato de Jair Bolsonaro?
20 de junho de 2020 | 13h00
BRASÍLIA – Uma crise toda semana. Foi com esse argumento que uma economista, uma dona de casa e um servidor público protocolaram na Câmara dos Deputados, no dia 19 de março, um pedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Nas 39 páginas da petição são apresentadas notícias e declarações de Bolsonaro que, para os autores do documento, significam ameaças à democracia e à liberdade de imprensa, abuso de poder e até quebra de decoro por parte do chefe do Executivo.
A petição é assinada pela economista Neide Rabelo de Souza, a mãe dela e o irmão, e agora engrossa a lista dos 48 pedidos de impeachment registrados contra Bolsonaro, nos últimos meses, à espera de um despacho do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Desse total, 24 se referem à participação do presidente em manifestações antidemocráticas, ou à defesa feita por ele do golpe de 1964, como uma atitude passível de enquadramento em crime de responsabilidade.
O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu inquérito para investigar quem tem financiado esses protestos, que pedem intervenção militar e fechamento do Congresso e da Corte. O presidente, porém, embora tenha participado de sete manifestações, não é alvo.
Na semana passada, após o cumprimento de mandados de busca e apreensão em endereços de aliados do presidente, o Supremo autorizou a quebra do sigilo bancário de 10 deputados e um senador bolsonaristas.
Além dos 24 pedidos de afastamento que têm como alvo o envolvimento de Bolsonaro em atos contrários aos alicerces da democracia, outros 20 sustentam que ele cometeu crime de responsabilidade por pregar o descumprimento do isolamento social na pandemia do coronavírus. A alegação, nesse caso, é a de que Bolsonaro trata com descaso a doença, que já matou perto de 50 mil pessoas no País.
O número de pedidos de impeachmet disparou com o início da pandemia. Até fevereiro deste ano foram sete. Depois disso, quando começam as manifestações e a crise na saúde, outros 41 foram protocolados, o que dá um pedido a cada dois dias e meio de março até hoje. “O mandato do presidente Bolsonaro está sendo atípico. É notável que em sua gestão ocorrem percalços significantes e crises no âmbito nacional e internacional”, diz o pedido de impeachment subscrito pela economista Neide.
Chama a atenção um pedido de impeachment escrito a mão por um detento de São Paulo. Em quatro páginas, João Pedro Bória Caiado de Castro diz que “o comportamento do presidente”, com relação à pandemia, “deixou de ser tão somente hilário, passou a ser criminoso e ofensivo à vida de milhares de cidadãos. As ‘piadinhas’ infames e omissões, bem como comportamentos absurdos e criminosos, precisam de resposta”.
Nem mesmo Sigmund Freud, o pai da psicanálise, foi esquecido nas petições para afastar Bolsonaro. Em uma denúncia também protocolada em março, quatro advogados liderados por Bruno Espiñeira – um criminalista da Bahia – argumentam que a circulação de Bolsonaro por Brasília, na condição de caso suspeito de infecção pelo coronavírus, foi uma “ameaça à segurança interna do Brasil”, algo também previsto na lei de crimes de responsabilidade.
“Em rasa leitura de Freud, como parece não ter resolvido suas fases oral e anal, se apresenta carregado de pulsões de morte. Adora e incentiva o confronto e o conflito, jamais trazendo um minuto de paz que seja à sociedade, permanentemente tensa com a nova asneira do dia seguinte”, descreve a petição.
O pedido de impeachment mais robusto foi apresentado no fim de maio por partidos de oposição. Assinam a peça líderes do PT, PC do B, PSOL, PCB, PCO, PSTU e UP, além de representantes de mais de 400 entidades e movimentos sociais críticos a Bolsonaro, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Mesmo assim, as forças de esquerda não agem de forma coesa. Nos bastidores, adversários do presidente avaliam que somente após o fim da pandemia um processo dessa envergadura poderá ir adiante.
Rodrigo Maia tem dito, por sua vez, que é preciso cuidado para não agravar a crise política e criar mais conflitos. “Não podemos por mais lenha na fogueira”, afirmou ele, recentemente.
O número de pedidos de impeachment contra Bolsonaro teve aumento expressivo desde o início da pandemia do coronavírus, em março, quando a Câmara passou a fazer boa parte do atendimento pela internet. Das 48 petições pelo impedimento do presidente, 85% foram protocoladas por meio digital.
Com 998 páginas, um documento protocolado pelo Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero traz um compêndio do que classifica como atuação contra a honra e o decoro do cargo de presidente. “A conduta de Jair Messias Bolsonaro na condição de presidente da República despreza limites vitais do exercício de seu cargo, mediante sua verborragia injuriosa sem filtro”, diz a peça.
Até hoje, um único pedido de impeachment apresentado contra Bolsonaro – o primeiro de todos, ainda de fevereiro de 2019 – foi arquivado. Era um documento também escrito a mão pelo autônomo Antonio Jocelio, que acusava Bolsonaro de manter o País “refém da dívida pública”. Jocelio estendia o pedido aos chefes dos demais Poderes por “omissão”.
USO MASSIVO DE MÁSCARAS PODE 'IMPEDIR SEGUNDA ONDA DE COVID-19', DIZ ESTUDO
BBC News Brasil / ÉPOCA
O mundo tenta sair da quarentena, mas a pandemia do novo coronavírus não deixa.
Nos últimos dias, vários países que tentaram retomar suas atividades tiveram que voltar a adotar medidas restritivas devido ao aumento de infecções.
Em Pequim, seis grandes mercados foram fechados. Na Índia, houve um recorde de casos diários. E nos Estados Unidos, seis Estados relataram que seus hospitais estavam ficando cheios rapidamente.
Ao mesmo tempo, enquanto em algumas partes do mundo a taxa de contágio pareça estar diminuindo, globalmente, a pandemia está piorando, disse Tedros Adhanom Ghebreyesu, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS).
É o caso da América Latina, o novo epicentro da pandemia. Em 12 de junho, a região tinha mais de 1,5 milhão de casos e mais de 70 mil mortes.
O contágio também está se acelerando na África, segundo a OMS. No início deste mês, o continente já havia registrado mais de 200 mil infectados.
No total, já existem no mundo mais de 7,9 milhões de infectados e mais de 434,8 mil mortes, e não existe ainda uma vacina ou um remédio eficaz contra a covid-19.
Então, o que podemos fazer para nos proteger ao sair de casa?
Um estudo recente da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, oferece novas evidências de que as máscaras podem ser cruciais para evitar uma nova onda de infecções.
PROTEÇÃO EFICAZ
A pesquisa afirma que os lockdowns sozinhos não serão suficientes para impedir futuras ondas de contágio, a não ser que isso seja combinado com o uso massivo de máscaras para retardar a propagação da doença.
Mesmo máscaras de pano caseiras, que têm eficácia limitada, podem "dramaticamente" reduzir a taxa de transmissão se usadas por um número de pessoas suficiente.
"Nossas análises apoiam a adoção imediata e universal de máscaras faciais pelo público", disse Richard Stutt, pesquisador de epidemiologia da Universidade de Cambridge e coautor do estudo, em um comunicado.
"Se o uso generalizado de máscaras pelo público for combinado com distanciamento físico e algum confinamento, poderá oferecer uma maneira aceitável de lidar com a pandemia e retomar a atividade econômica muito antes de haver uma vacina."
COMO SE CHEGOU A ESSA CONCLUSÃO?
O Saers-CoV-2 é transmitido por meio de gotículas exaladas por pessoas infectadas, principalmente quando se fala, tosse ou espirra.
Para o estudo, os pesquisadores usaram modelos matemáticos dos vários estágios de infecção e da transmissão pelo ar e pelas superfícies.
A ideia era analisar diferentes cenários para o uso das máscaras em combinação com medidas de distanciamento.
Para o estudo de epidemias, os especialistas usam a taxa de reprodução do vírus, ou Rt, que indica quantas pessoas podem ser contaminadas por quem já tem o vírus. Para uma pandemia ser contida, o Rt deve ser menor que 1.
Os modelos mostraram que, se uma pessoa usa máscara sempre que sai em público, isso é duas vezes mais eficaz para reduzir o Rt do que quando alguém usa a máscara só depois que tem sintomas.
Eles também indicaram que, se pelo menos metade da população usa máscara rotineiramente, o Rt é reduzido para menos de 1.
Dessa maneira, as curvas de contágio podem ser achatadas, e as medidas de contenção, afrouxadas.
MÁSCARAS CASEIRAS
Pesquisas afirmam que máscaras caseiras feitas de pano também podem reduzir a propagação da covid-19. "Máscaras que capturam apenas 50% das gotas exaladas ainda proporcionam um benefício à população", afirma o estudo.
Isso pode ser vital nos países em desenvolvimento, onde um grande número de pessoas carece de recursos, disse Chris Gilligan, coautor da pesquisa. "Máscaras caseiras são uma tecnologia barata e eficaz."
A forma mais eficaz de retomar a vida cotidiana é incentivar todos a usarem máscara sempre que estiverem em público, disse John Colvin, da Universidade de Greenwich, outro autor da pesquisa.
Os cientistas de Cambridge resumem o resultado de suas pesquisas com uma mensagem: "Minha máscara protege você, sua máscara me protege".
Os autores do estudo reconhecem, no entanto, que ele tem limitações por ser baseado em modelos matemáticos e alertam que, "em uma nova doença, é impossível obter evidências experimentais precisas para possíveis intervenções de controle".
Brooks Pollock, cientista da Universidade de Bristol que não participou da pesquisa, ouvido pela agência de notícias Reuters, acredita que o impacto das máscaras pode ser muito menor do que o previsto.
O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS SOBRE O USO DE MÁSCARAS
Os resultados da pesquisa de Cambridge vão ao encontro de outro estudo recente da Universidade Texas A&M.
Esse trabalho analisou as tendências de propagação e medidas de combate aplicadas em Wuhan, na China, na Itália e em Nova York, nos Estados Unidos, e concluiu que o uso de máscaras em público é uma maneira eficaz e barata de prevenir o contágio.
"Juntamente com o distanciamento social, a quarentena e o rastreamento de contatos, isso representa uma oportunidade de parar a pandemia da covid-19", diz o estudo.
No início da pandemia, o uso generalizado de máscaras não era recomendado. "Na época, os especialistas ainda não sabiam até que ponto as pessoas com covid-19 podiam transmitir o vírus antes que os sintomas aparecessem", diz o site da Clínica Mayo, nos Estados Unidos.
"Também não se sabia que algumas pessoas têm covid-19, mas não apresentam nenhum sintoma. Ambos os grupos podem transmitir o vírus a outros sem saber."
Mas agora, a OMS diz que "as máscaras devem ser usadas como parte de uma estratégia abrangente para suprimir a transmissão e salvar vidas".
No entanto, alerta que o uso da máscara não é suficiente e deve ser combinado com o distanciamento social de pelo menos um metro, lavagem frequente das mãos e evitar tocar no rosto ou na máscara.
Quanto ao uso de máscaras de pano, a OMS afirma que há "evidências limitadas de sua eficácia" e não recomenda seu uso maciço como controle da covid-19.
No entanto, a organização afirma que, em áreas de alta transmissão, onde há pouca capacidade de tomar medidas de controle ou é difícil manter a distância física, como no transporte público, lojas e ambientes lotados, as autoridades devem incentivar o uso de máscaras de pano.
Nos Estados Unidos, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças recomenda o uso generalizado de máscaras de pano.
No site da Universidade Johns Hopkins, a epidemiologista Lisa Maragakis é clara quando perguntada se a máscara deve ser usada como proteção contra o coronavírus: "Se você estiver em um local público onde se encontrará com outras pessoas, use uma máscara".
A LAVA JATO ACABOU E NINGUÉM PERCEBEU
A chegada dos primeiros pedidos de abertura de inquérito da Lava-Jato ao Supremo Tribunal Federal (STF), em 6 de março 2015, gerou comoção nacional. Jornalistas engalfinharam-se em uma salinha da Corte para ouvir a então assessora de imprensa, Débora Santos, anunciar em voz alta cada um dos suspeitos que seriam investigados. Seria a manchete de todos os sites e, nos meses seguintes, a principal notícia de todos os jornais.
Passados mais de cinco anos, o termo “Lava Jato” não causa mais espécie. Na última terça-feira, uma ação penal decorrente do escândalo da Petrobras estava em julgamento na Segunda Turma no STF, com sessão transmitida pela internet. A notícia não teve qualquer destaque na imprensa. Na mesma sessão, ministros fizeram discurso de repúdio ao autoritarismo do Estado e a ataques ao Judiciário. As falas de Celso de Mello e Cármen Lúcia ganharam espaço privilegiado no noticiário.
Na sessão desta semana, o réu em destaque era o ex-senador Valdir Raupp (MDB-RO), acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Segundo a denúncia, ele teria recebido propina de R$ 500 mil para financiar sua campanha de reeleição ao senado em 2010. O julgamento foi interrompido para ser retomado na próxima sessão.
Valdir Raupp nem senador é mais. Ao longo da sessão, ouvir nomes como o de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de abastecimento da Petrobras, parecia levar o espectador a uma vida passada. Como se o país já tivesse avançado várias temporadas na série sobre corrupção, e agora um videoteipe do passado fosse transmitido pelo Supremo.
Se antes a cobrança era para que os julgamentos da Lava Jato fossem realizados logo, agora eles acontecem a toda hora. Ninguém mais quer ver, porém. No dia 9, por exemplo, a Segunda Turma do STF condenou o ex-deputado Aníbal Gomes (DEM-CE) por corrupção e lavagem de dinheiro. Ele foi acusado de receber R$ 3 milhões em propina com outro réu. A notícia também não repercutiu.
Dois fatores colaboram para o esquecimento da Lava Jato. O primeiro é o longo tempo passado entre o cometimento dos crimes, a descoberta deles e o julgamento final dos réus - que, hoje, já não apitam mais em nada na vida nacional. Diga-se: a culpa não necessariamente é de eventual lentidão do Supremo. O sistema da Justiça, com prazos a serem cumpridos e regras de tramitação, é o principal fator dessa demora.
O segundo motivo é o Brasil, um país que gosta de intercalar casos graves de corrupção com crises institucionais. Agora, as atenções estão todas voltadas para os desentendimentos instalados entre o Palácio do Planalto e os outros dois Poderes: Judiciário e Legislativo. Claro, com uma pandemia no meio, para dar emoção extra.
Enquanto isso, a Lava Jato teima em avançar silenciosamente no Supremo. Levantamento do gabinete do relator dos processos, Edson Fachin, revela que, desde fevereiro de 2017, quando assumiu a condução dos casos, já proferiu 11.468 decisões e despachos relativos à investigações.
O documento mostra também que foram arrecadados R$ 920 milhões em pagamentos de multas fixadas em 113 acordos de colaboração premiada, homologados desde 2015, quando o relator ainda era o ministro Teori Zavascki, morto em um acidente aéreo em 2017. Até agora, foram julgadas quatro ações penais da Lava Jato pela Segunda Turma. Entre os resultados estão três condenações e uma absolvição.
Fachin ainda tem no gabinete 37 inquéritos da Lava Jato, fase processual anterior à ação penal. Ou seja: embora tenha caído no ostracismo, o escândalo da Petrobras ainda vai ser tema de muitos julgamentos no Supremo.ÉPOCA / CAROLINA BRIGIDO
Embora indícios apontem crime, preventiva de Queiroz é frágil, dizem advogados
O juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, decretou na última terça-feira (16/6) a prisão preventiva de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).
O mandado foi cumprido nesta quinta-feira (18/6), no curso da investigação que apura um esquema de "rachadinha" na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Segundo o Ministério Público, funcionários de Flávio devolviam parte do salário e o dinheiro era lavado por meio de uma loja de chocolate e de investimentos em imóveis.
O crime teria ocorrido entre abril de 2007 e dezembro de 2018 e envolve ao menos 11 ex-assessores que possuem parentesco, vizinhança ou amizade com Queiroz. Neste período, ele teria recebido, via transferências bancárias e depósitos em espécie, mais de R$ 2 milhões. À época, Flávio era deputado estadual.
De acordo com o Ministério Público, há indícios de que Queiroz incorreu nos crimes de peculato (artigo 312 do Código Penal); lavagem de dinheiro (artigo 1º da Lei 9.613/98); organização criminosa (artigo 2º, caput, da lei 12.850/13); e obstrução de justiça (artigo 2º, parágrafo 1º, da lei 12.850/13).
O MP também afirma ter evidências contundentes de que Queiroz exercia a função de operador financeiro dentro do esquema de "rachadinhas" que funcionava no gabinete de Flávio. O senador seria o líder da organização criminosa.
Frágil
Para advogados ouvidos pela ConJur, embora a investigação apresente uma série de evidências de que havia um esquema criminoso ocorrendo na Alerj, a decretação da prisão preventiva é genérica e pode ser derrubada em breve.
"A decisão narra eventos que teriam acontecido nos anos anteriores. Para a prisão preventiva se justificar, ela tem que ser urgente, precisa ser a única alternativa. Deve demonstrar que, se a medida não for tomada agora, irá acontecer algum crime", afirma Priscila Pamela, advogada criminalista e presidente da Comissão de Política Criminal e Penitenciária (CPCP) da OAB-SP.
Ao decretar a preventiva, o magistrado considerou preenchidos três requisitos presentes no artigo 312 do Código de Processo Penal: a garantia da ordem pública, a conveniência da instrução criminal e a necessidade de assegurar a devida aplicação da lei penal.
Pamela explica que há, ainda, um outro requisito: a necessidade da constrição ser aplicada apenas quando houver fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a sua adoção. As previsões estão presentes nos artigos 312, parágrafo 2º, e 315, parágrafo 1º, do CPP.
"A liberdade é a regra, a privação de liberdade é a exceção. Partindo disso, a Constituição determina que as pessoas só podem ser presas em algumas circunstâncias e o CPP destrincha quais são essas hipóteses. Os tribunais superiores já reverteram decisões fundamentadas de forma genérica na garantia da ordem pública, conveniência da instrução e aplicação da lei", diz.
A advogada considera que não há na decisão menção à ocorrência de fatos recentes que justifiquem a alegação de que Queiroz poderia ameaçar testemunhas, incorrer em novas práticas de obstrução de justiça e fugir. Para ela, as informações são antigas e, não havendo nada de novo, fica afastado o periculum libertatis exigido para a prisão preventiva.
"O juiz não pode partir de futurologia, de imaginação. Não pode fazer um exercício do que pode vir a ser, sem um fato concreto. Decisões como essa são muito passíveis de reforma", afirma.
Para o criminalista Daniel Bialski, o decreto de prisão "conquanto tenha tentado exaustivamente pontuar indícios de participação em supostas ilucitudes, se mostra inidôneo, quando observado e examinado sob a ótica da legalidade".
"A mudança da legislação processual justamente contemplou a absoluta necessidade da contemporaneidade, o que não se vê no caso, já que os fatos são de anos atrás. A prudência recomendava se aguardar o deslinde do processo e se esperar o pronunciamento de culpa ou inocência. Mas prisão automática, baseada em clamor inexistente e um mar de conjecturas, é totalmente descabida porque nenhum fato novo a justifica", finaliza.
Exame cuidadoso
O criminalista Conrado Gontijo, doutor em Direito Penal pela USP, também ressalta que a decretação traz informações graves sobre o possível esquema de "rachadinhas", e que as evidências apresentadas aparentam consistência.
No entanto, diz o advogado, "no que toca aos requisitos da prisão preventiva, há questões que precisarão ser examinadas com cuidado, para que se avalie se a medida cautelar é mesmo necessária".
Ainda de acordo com ele, "ao que parece, as supostas tentativas de manipular provas não são tão recentes, o que pode gerar dúvidas sobre a existência de contemporaneidade entre os fatos reveladores do periculum libertatis e o decreto prisional", afirma.
Gontijo destaca, por fim, que o estado de saúde de Queiroz, o fato dos crimes pelos quais o ex-assessor responde não envolverem violência ou grave ameaça, aliado à epidemia do novo coronavírus, podem levar a uma reversão da decisão.
"Podem ser aplicadas medidas cautelares alternativas, nos termos do artigo 319 do Código de Processo Penal e da Recomendação 62/20, do Conselho Nacional de Justiça. A situação é complexa e caberá avaliar se estão presentes os requisitos necessários para a manutenção ou a revogação da prisão preventiva."
A Recomendação 62, citada pelo advogado, visa diminuir o ingresso de pessoas no sistema prisional e socioeducativo, orientando que os magistrados reavaliem preventivas em que crimes foram cometidos sem violência ou grave ameaça, optando por prisões domiciliares, em especial quando o réu fizer parte do grupo de risco do novo coronavírus. Esse é o caso de Queiroz, que trata de um câncer.
Pamela concorda que a epidemia deve ser levada em conta. "Temos pregado muito a questão de que o controle de danos para a população prisional no que diz respeito ao coronavírus é o desencarceramento. Portanto, a prisão deve ocorrer em casos extremos, em que ela se demonstra extremamente necessária. Não me parece oportuno que em um momento de pandemia alguém que sequer estava foragido tenha mandado de prisão decretado. Sabendo de onde ele estava, não me parece ser a decisão mais acertada levá-lo para dentro do sistema e colocá-lo em risco", diz.
Defesa
O advogado Paulo Emílio Catta Preta, que representa Fabrício Queiroz, entrou nesta sexta-feira (19/6) na Justiça com pedido de substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar. O Habeas Corpus cita o tratamento a um câncer no intestino, uma cirurgia de próstata feita há dois meses e o risco de contágio por estar no grupo de risco em meio à pandemia causada da Covid-19.
"É medida humanitária que busca compatibilizar a necessidade de segregação cautelar com outros direitos subjetivos do investigado ou acusado, como o direito à vida e à integridade física", explica, em um dos trechos.
O pedido, com exames e atestados médicos anexados, ainda cita a necessidade de continuidade do tratamento de quimioterapia contra o câncer. "O juiz poderá substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente estiver extremamente debilitado por motivo de doença grave", complementa.
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0118938-48.2020.8.19.0001
Tiago Angelo é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 19 de junho de 2020, 17h59