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Tribunal de Contas do Rio instaura 97 processos para apurar irregularidades em contratos da Saúde do Estado

RIO — A crise na saúde do estado, onde pacientes padecem em meio a uma pandemia, se agrava por conta de denúncias de corrupção, que vieram à tona com a Covid-19 e já levaram 15 pessoas para a cadeia. Levantamento feito pelo Tribunal de Contas do Estado, a pedido do GLOBO, revela que tramitam no órgão 97 processos e três auditorias para investigar contratos da Secretaria estadual de Saúde, firmados sob o rótulo da emergência, para combater o coronavírus. Há suspeita de superfaturamento, falhas de gestão e compras desnecessárias. Somados, os contratos tratam de verba pública que totaliza R$ 1,68 bilhão, o equivalente a 22,7% do orçamento da pasta (R$ 7,39 bilhões) para este ano. Desse total, R$ 400,9 milhões já foram pagos.

 

Diante da série de casos de dilapidação de recursos do Tesouro, a Secretaria de Saúde, que este ano já teve três titulares, informa que todos os contratos emergenciais estão sendo revisados junto com a Controladoria e a Procuradoria-Geral do Estado. Também estão na mira desse pente-fino os contratos em vigor — estes licitados — com 11 Organizações Sociais (OSs), no total de R$ 2,4 bilhões. A Lagos, a OS aquinhoada com mais verbas em 2020, é acusada de desvio de R$ 9,1 milhões pelo Ministério Público estadual. Na semana passada, quatro pessoas foram presas.

Há, entre os fornecedores emergenciais, os que têm uma residência como endereço comercial. Há ainda os que movimentam milhões, mas são microempresas que, pela Receita Federal, só poderiam faturar até R$ 300 mil por ano. E há até empresas cujo produto, de fato entregue, nada tem a ver com o que consta na listagem de 41 contratos publicados pela pasta da Saúde para atender a um pedido de mais transparência do TCE.

São histórias como a da Sysgraphic Comércio e Serviços de Equipamentos Gráficos que deve fornecer máscaras N-95. De acordo com o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), a Sysgraphic é uma microempresa que tem como atividade principal o “comércio atacadista de máquinas e equipamentos para uso industrial”. Entre as atividades secundárias, consta o comércio atacadista de materiais médicos. Mas, de acordo com os dados da Receita, a firma funciona numa rua de classe média alta de São Francisco, em Niterói, que, na última quinta-feira, não tinha ninguém. Um vizinho diz que o local está sempre silencioso:

— Não tem movimento de gente nem de carro. Dia desses, vi pessoas do governo do estado, que chamaram bastante, mas desistiram e foram embora.

O jornal também foi verificar onde funciona a Avante Brasil Comércio “Eireli” — este último nome identifica um modelo de empresa limitada, com um único sócio, criado em 2011. A Avante tem seis contratos num total de R$ 20 milhões para fornecer medicamentos. No endereço que está no CNPJ da empresa, em Coelho da Rocha, em São João de Meriti, um homem, que ocupava um modesto sobrado, se identificou como Fernando. Ele confirmou que o endereço estava correto, mas que, como não era o dono, informaria um e-mail de contato. Procurada, a empresa disse que é idônea e “está tomando as devidas providências para apresentação de sua defesa”. Em um dos contratos, o TCE encontrou fortes indícios de sobrepreço, e, em outro, não achou justificativa para a quantidade de produtos demandada.

A Carioca Medicamentos, outra “Eireli”, tem sete contratos de R$ 71,7 milhões. Em três, o TCE levantou suspeitas de irregularidades. A sede fica num imóvel de três andares no Porto Novo, em São Gonçalo, com um galpão anexo. Procurada por e-mail, a empresa não se manifestou.

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Apesar de reconhecerem a necessidade de compras emergenciais numa pandemia, especialistas dizem que é preciso fazer bom uso do dinheiro público.

— O que se contesta é a qualidade do gasto, que foi péssima, fruto da ganância. Mas há também problemas de gestão técnica — diz o deputado Renan Ferreirinha (PSB), relator da comissão especial da Assembleia Legislativa do Rio que apura a aplicação de verbas de combate à Covid-19.

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Pesquisador da Fiocruz, o ex-secretário municipal de Saúde Daniel Soranz destaca:

— A questão é o que contrataram e por quanto.

De hospitais a cestas

Os contratos emergenciais analisados pelo TCE envolvem a implantação e a operação de sete hospitais de campanha — até hoje só funcionam as unidades do Maracanã e de São Gonçalo, mesmo assim parcialmente. O crivo dos técnicos recai ainda sobre o funcionamento do Samu, a compra de medicamentos, equipamentos (como ventiladores pulmonares), materiais (como máscaras, luvas e testes rápidos) e o fornecimento de leitos privados. E não é só. Eles estão investigando a aquisição de cestas básicas e a logística para distribuí-las a moradores de rua, além de serviços de limpeza e de reforma de enfermarias.

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O maior contrato sob análise, de R$ 835,7 milhões, foi assinado com o Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas) para implantar os hospitais de campanha. Embora os dois únicos em operação sejam geridos hoje pela Fundação Saúde do estado, a OS já recebeu R$ 354,8 milhões. O TCE mandou suspender novos desembolsos, exigiu justificativas sobre os valores contratados e questionou a capacidade técnica do instituto.

Os desvios investigados na compra de mil ventiladores pulmonares já levou 11 pessoas à prisão, incluindo Gabriell Neves, que era subsecretário de Saúde, e Carlos Frederico Verçosa Duboc, que ocupava a Superintendência de Orçamento da pasta. O TCE aponta superfaturamento de R$ 123 milhões em três contratos de R$ 180 milhões. Desse total, R$ 36,9 milhões foram pagos.

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