O EFEITO SUPREMO - LARRY ROHTER
Ao anular as duas condenações de Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), fez tremer num só golpe dois pilares da democracia brasileira: os sistemas político e judiciário. Afirmou que estava apenas cumprindo com as exigências da lei, mas até criança sabe que a lei e a justiça são coisas bem distintas. E neste caso ele ofereceu uma interpretação da lei muito questionável, que já semeou o caos no campo eleitoral e partidário e diminui as chances de a justiça ser feita.
Primeiro, o político: o Brasil agora terá de conviver, atemorizado, com a probabilidade do maior pesadelo imaginável na eleição de 2022: um confronto direto entre Jair Bolsonaro e Lula. Seria uma escolha pouco apetitosa. Foi o cantor Lobão que disse que “Lula era um ladrão e Bolsonaro é um facínora”, mas imagino que muitos brasileiros pensam da mesma maneira. Fico aliviado em ter apenas o direito de opinar, e não o de votar.
Foi estranhamente mansa a reação inicial do atual presidente, que me levou a crer que ou ele está dissimulando, ou vive no mundo da lua. “Acredito que o povo brasileiro não queira sequer ter um candidato como esse em 2022”, disse, porque “as bandalheiras que esse governo fez estão claras perante toda a sociedade”. Bolsonaro tem razão na segunda afirmação. Mas também está clara a incompetência de alguém responsável pela morte de 270 mil brasileiros e que sugere o charlatanismo como solução. Entre a corrupção e a ameaça mortal, entre roubar seu dinheiro ou roubar sua vida, qual o mais desastroso? Mas, sim, ter Lula novamente no Planalto seria um retrocesso terrível para o Brasil. Bolsonaro foi eleito para fazer a devassa exigida pela sociedade, que ele ainda não fez e nunca vai fazer. A pústula da corrupção continua afligindo o corpo político, ou até ganhando força, e um retorno de Lula significaria um indulto completo, o esquecimento de toda a roubalheira dos anos em que o PT esteve no poder. Seria também a garantia de futuras manobras ardilosas, ainda mais sofisticadas, para não ser pego de novo.
Por isso, achei a declaração de Arthur Lira, presidente da Câmara, tão reveladora. “Lula pode até merecer” uma absolvição, avaliou. “Moro não.” Por quê? Porque Moro incomoda os beneficiários do famigerado “mecanismo” dos partidos do centrão, PT e MDB, retratado pelo diretor de cinema José Padilha. Moro errou feio ao aceitar o Ministério da Justiça e foi longe demais em seu zelo de desinfetar o poder. Mas a suspeição dele, no exato momento em que parece que Lula vai sair ileso, é um ato cínico que corrói a imagem de imparcialidade do Judiciário que o STF pretende defender.
Devemos lembrar que Lula não foi exonerado. Pode ser que ele tenha sido julgado no foro inadequado, mas os fatos de Atibaia e do Guarujá não mudaram e continuam gritantes. É preciso repetir isso diariamente, até a exaustão, porque Lula vai adotar a técnica da grande mentira aperfeiçoada por Donald Trump e alegar que tem a ficha totalmente limpa. Também é previsível que vai bancar a vítima, alvo de uma caça às bruxas e um complô político.
A volta de Lula também seria ruim para os interesses de longo prazo do próprio PT.
Desde sua fundação em 1980, o partido está atrelado à figura de seu fundador mais célebre. Mas Lula completará 77 anos em outubro de 2022, e sua eterna hegemonia pessoal impede o surgimento não apenas de novas lideranças, mas, pior ainda, de novas ideias. Neste sentido, sua ausência em 2018 teria sido uma oportunidade disfarçada para o PT, se Lula não tivesse insistido em se inserir na campanha como “mártir” e bandeira eleitoral.
Olhando a lista de líderes da campanha pela redemocratização há 40 anos, vê-se que quase todos eles já faleceram (Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Tancredo Neves, Leonel Brizola, Mário Covas) ou tiveram a dignidade de deixar o palco e se conformar com o papel de auxiliar, como Fernando Henrique Cardoso, Eduardo Suplicy e Roberto Freire. Apenas Lula se obstina em não sair do cenário. Mas é um homem dos anos 1980, com ideias daquela época. Se o PT quer sobreviver ao inevitável desaparecimento de Lula, precisa começar o processo de transformação o quanto antes. Só que ele não permite.
Quem sabe, talvez o plenário do STF consiga desarmar a bomba ativada por Fachin. Mas a decisão “monocrática” dele já danificou o Judiciário como instituição. Bolsonaro apontou as afinidades ideológicas de Fachin para desqualificá-lo como “juiz petista”. Ao mesmo tempo, surgiram novas dúvidas sobre os julgamentos nos casos anulados e o destino de outros processos contra Lula. Todos serão deliberados em Brasília, onde a hostilidade contra a Lava Jato é notória. Como diriam Mônica e Cebolinha: Xiii!
Larry Rohter, jornalista e escritor, é ex-correspondente do “New York Times” no Brasil e autor de “Rondon, uma biografia” ÉPOCA
POR QUE DANIEL SILVEIRA CONTINUA PRESO EM FLAGRANTE DEPOIS DE 20 DIAS?
Era 16 de fevereiro, terça-feira de Carnaval, quando o deputado Daniel Silveira foi preso por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A prisão foi em flagrante, logo após o parlamentar postar na internet um vídeo atacando ministros da Corte. Nos dias seguintes, o plenário do Supremo e a Câmara dos Deputados confirmaram a prisão e mantiveram Silveira atrás das grades.
Mas por que o deputado continua preso em flagrante, mesmo passados 20 dias do episódio? Na semana passada, a Procuradoria-Geral da República (PGR) recomendou que Silveira fosse libertado e voltasse a frequentar a Câmara, com uma tornozeleira eletrônica instalada no corpo. Moraes disse a interlocutores que não levará em conta apenas esse parecer ao tomar a aguardada decisão sobre o destino do parlamentar.
Agora, importa mais para o ministro o relatório da Polícia Federal sobre os dois telefones celulares encontrados na carceragem junto com o deputado. Para Moraes, o caso é grave e comprova a insubordinação do deputado - ainda que, em videoconferência na Câmara dos Deputados, Silveira tenha pedido desculpas pelas agressões feitas contra ministros do Supremo.
Moraes precisará se equilibrar em dois extremos. De um lado, a Câmara pressiona para que Silveira seja libertado logo, nas condições sugeridas pela PGR. De outro, o ministro não quer tirar Silveira agora da prisão, para evitar protestos contra a decisão. Isso levaria o Supremo a ser novamente alvo de ataques, já que a medida dura tomada contra o deputado acabou soando bem diante da opinião pública.
Um possível meio termo seria o ministro tirar Silveira da cadeia, mas colocar em prisão domiciliar, sem dar a ele o direito a retornar às atividades parlamentares. Isso seria mais rígido do que a tornozeleira eletrônica, porém mais brando do que manter o parlamentar atrás das grades. Moraes, no entanto, não está com pressa para resolver essa equação - e, por ora, Silveira permanece atrás das grades. ÉPOCA/CAROLINA BRIGIDO
Fornecimento de água não pode ser cortado por causa de dívida antiga, diz juíza
O sistema jurídico prevê diversas formas de se cobrar o consumidor que contraiu dívidas. O que não pode ser admitido é que as concessionárias de água e esgoto continuem coagindo os seus usuários com ameaças de corte por causa de débitos antigos.
O entendimento é da juíza Elisabeth Rosa Baisch, da 3ª Vara do Juizado Especial Central de Campo Grande (MS). A magistrada decidiu que dívidas antigas e já negociadas não podem justificar cortes no fornecimento de água e esgoto.
No caso concreto, a autora celebrou contrato para fornecimento em um bairro de Campo Grande, mas foi notificada de que tinha uma dívida de R$ 295 referente ao seu endereço anterior. A dívida foi negociada e um novo contrato foi celebrado.
Em outubro de 2020, oito meses depois dos termos terem sido firmados, ela foi notificada de uma divida de R$ 529,69, ainda relativa ao endereço antigo, e teve o abastecimento de água suspenso. Segundo a decisão, no entanto, o abastecimento de água é considerado essencial e, portanto, seu fornecimento deve ser contínuo.
"Ainda que tal matéria não esteja pacificada nos tribunais superiores, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 22, dispôs que os serviços essenciais serão oferecidos pelas concessionárias em caráter contínuo. Assim, independentemente da legalidade ou não das cobranças, a concessionária não pode interromper o fornecimento de água", diz a magistrada.
Ainda segundo a decisão, "se o consumidor possuir débito, o sistema jurídico prevê várias formas de cobrança, não se podendo admitir que as concessionárias continuem a coagir seus usuários com ameaças de cortes de fornecimento, dando atenção a normas de caráter administrativo interno, em detrimento do Código de Proteção e Defesa do Consumidor”.
Atuou no caso defendendo a autora a advogada Rachel Magrini. Para ela, a concessionária feriu o direito constitucional da sua cliente, pois suspendeu o abastecimento sem antes dar a possibilidade de que fosse comprovado que a dívida já havia sido quitada.
"Não é lícito a concessionária interromper o fornecimento do serviço em razão de débitos pretéritos, pois o corte pressupõe o inadimplemento de dívida atual, relativa ao mês de consumo, sendo inviável a suspensão do abastecimento em razão de débitos antigos. Tal medida fere o direito constitucional do devido processo legal. Por isso, conclui-se que a suspensão é ilegal, pois é inviável a suspensão do abastecimento em razão de débitos pretéritos."
0800335-05.2021.8.12.0110
Tiago Angelo é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 13 de março de 2021, 9h26
PSDB pode abrir mão de candidatura em 2022 para unir centro, diz Aécio Neves
Após um ostracismo de mais de três anos, no qual deixou a condição de presidenciável favorito para ser hostilizado ao votar na sua cidade natal, Aécio Neves está de volta à cena política.
O deputado federal mineiro, 61 anos, protagonizou um embate com governador João Doria (SP), principal nome do PSDB, e nesta sexta (12) assumiu a prestigiosa Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional.
Na sua primeira grande entrevista desde que a gravação na qual combina receber R$ 2 milhões do empresário Joesley Batista veio à luz, em 2017, Aécio analisa o panorama político e apresenta sua defesa das acusações que sofreu.
Nega ser bolsonarista, mas afirma que a vocação tucana nunca é a de uma oposição radical.
A vacina não é um ativo? - Sim, seu papel foi fundamental para que o Brasil tivesse acesso a um conjunto mínimo de vacinas, mas a obsessão pelo marketing não deixa as pessoas julgarem isso positivamente.
Em relação aos governadores, por exemplo, era o espaço natural para ele assumir uma liderança. Mas ele conseguiu o oposto. Como dizia Tancredo Neves, quem quer ser general em Brasília tem de sargentear um pouco pelo país.
Falta vivência política ao governador. Mas é um dos nomes que temos em condições de nos convencer. Até agora, não aconteceu, mas talvez haja tempo para isso.
Fora do PSDB, qual o melhor nome desse centro? - Não tem um nome natural. Precisamos de um projeto para o Brasil que não seja personalista. Ele pode ter 20%, 25%, 30%. Se for para o segundo turno, tem grande chance de vitória.
O sr. foi acusado por Doria de ser bolsonarista, pelo suposto apoio ao centrão na disputa da Câmara, o que nega. O PSDB é ou não é oposição a Bolsonaro? - O PSDB é oposição. Nós nos negamos a nos aliar a Bolsonaro em Minas, por exemplo. Não teve BolsoAnasta [em oposição ao BolsoDoria] com o Antonio Anastasia [candidato derrotado do PSDB].
Mas é natural que no Parlamento haja relação entre correntes políticas. Governadores fora do Congresso podem ser mais assertivos. Condeno essa cobrança permanente.
Não é da natureza do PSDB ser uma oposição radical. Se não construirmos, o eleitorado só poderá optar pelo PT ou o Bolsonaro. Se houver mais de uma candidatura de centro, vamos nos curvar à polarização.
Defina o governo Bolsonaro. - É um governo que teve oportunidades extraordinárias e vem desperdiçando uma a uma. Mas não vejo só as agruras, há virtudes na questão econômicas.
Mas o Paulo Guedes está manietado há muito tempo. - Sim. São as oportunidades perdidas. Passos atrás em meio à tragédia da pandemia. Mas nada se compara ao mal que o PT fez ao Brasil na economia.
Nós tínhamos de apoiar o governo Michel Temer porque era uma responsabilidade com o país, e mesmo tendo de sobreviver no cargo, ele arrumou a economia.
Na política externa, foi um momento de recuperação. Estávamos submetidos ao bolivarianismo. Agora, saltamos o Rubicão e fomos para outro extremo, a subserviência ao trumpismo. Mas no meio do caminho, foi o PSDB com os chanceleres José Serra e Aloysio Nunes Ferreira, que restabeleceu nossas melhores tradições.
A Comissão de Relações Exteriores, que o sr. assumiu, era presidida pelo filho presidencial Eduardo (PSL-SP), e toda a área externa é vista como um castelo do bolsonarismo radical. É um recado ao Itamaraty? - Esse é o papel da comissão, buscar recuperar o equilíbrio. Meu papel agora é suprir as lacunas que a gestão de política externa brasileira.
Temos de tentar restabelecer a política externa, temas como o ambiente, de que o Brasil se afastou. Não podemos nos arvorar como Poder Executivo, mas temos instrumentos para discutir mecanismos para permitir a reinserção maior do Brasil no mundo.
Não é simples, mas a pandemia mostrou isso da forma mais perversa. Veja a posição do governo ante a China há um ano e agora, com a necessidade de insumos e vacinas.
Globalização não é uma opção, é uma realidade. Política externa mal conduzida afeta a vida das pessoas, falta insumo, crescimento de emprego.
A comissão trata também de Defesa Nacional, e este é um governo altamente militarizado. Prevê dificuldades? - Os militares sempre gostaram da interlocução com o Congresso. Temos democratas extraordinários nas Forças Armadas. Podemos ajudar muito do ponto de vista orçamentário.
Defesa não pode ser vista com preconceito, temos de trazer a sociedade. Não pode ser algo fechado nos gabinetes militares e no do ministro da Defesa. Já recebi manifestações favoráveis das Forças.
Doria admite disputar reeleição em aceno para rivais do centro
O governador João Doria (PSDB-SP) passou a admitir a possibilidade de ter de concorrer à reeleição no ano que vem, embora a disputa do Palácio do Planalto siga sendo sua prioridade.
A mudança de posição visa sinalizar aos partidos e rivais do chamado centro, que no Brasil é uma amálgama que vai da centro-esquerda à direita, que o tucano não quer impor seu nome como presidenciável.
Além disso, ela responde a uma realidade prática: a entrada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no jogo, com a restituição por ora de seus direitos políticos, aumentou demais a pressão sobre os nomes a terceira via entre o ex-presidente e o atual, Jair Bolsonaro (sem partido).
"Diante deste novo quadro da política brasileira, nada deve ser descartado", afirmou Doria neste sábado (13) ao jornal O Estado de S. Paulo, que havia questionado acerca da questão da reeleição.
A frase, validada por aliados do governador, tem óbvio sentido duplo. O primeiro, a tal sinalização desejada.
Segundo a Folha ouviu do entorno do tucano, Doria percebeu que seus movimentos são lidos como muito agressivos e assertivos por potenciais companheiros em 2022.
Em conversas recentes, o governador já havia admitido ter cometido um erro político no episódio em que chamou a cúpula tucana para um jantar no qual aliados seus sugeriram que ele deveria assumir a presidência do partido para controlar a sigla com um viés de forte oposição a Bolsonaro.
Entre políticos de siglas próximas em alas do PSDB distantes de Doria, há um consenso de que o nome do governador paulista se coloca por gravidade na disputa, em especial por seu protagonismo na oposição ao presidente no manejo da pandemia.
Mas eles apontam o que veem como falta de tato do tucano na condução de negociações. Ao dizer que pode buscar ficar onde está, dizem interlocutores de Doria, ele abre a porta para acomodações e talvez diminua resistências.
Com efeito, até agora Doria não disse se irá disputar as prévias nacionais do PSDB, marcadas para outubro. Seu principal rival interno, o governador gaúcho Eduardo Leite, já disse topar o embate, assim como o franco-atirador Arthur Virgílio, ex-prefeito de Manaus.
Mesmo a questão da vacinação contra a Covid-19, maior trunfo do tucano, tem pesado.
Em entrevista àFolha, um dos maiores desafetos de Doria no PSDB, Aécio Neves, resumiu a crítica que mesmo aliados do governador têm feito a seus esforços para promover a Coronavac, imunizante chinês produzido com o Instituto Butantan.
"Seu papel [de Doria] foi fundamental para que o Brasil tivesse acesso a um conjunto mínimo de vacinas, mas a obsessão pelo marketing não deixa as pessoas julgarem isso positivamente", disse o deputado federal mineiro.
O deputado sugeriu que o PSDB deveria estar pronto para abrir, pela primeira vez desde 1989, a cabeça de chapa na disputa presidencial, caso haja nomes mais viáveis para disputar com o PT e Bolsonaro.
Foi fustigado por aliados de Doria, que não se pronunciou. "Aécio se comporta como um menino mimado que não só quer levar a bola do jogo embora, quer estourar a bola", disse o prefeito de São Bernardo do Campo, Orlando Morando (PSDB).
"Ele quer jogar o partido na vala comum e deixa claro alinhamento com Bolsonaro. O governo federal, aliás avalizou ele na presidência da Comissão de Relações Exteriores da Câmara", continuou.
Para Morando, Doria tem opções abertas. "Ninguém é dono da verdade. Só achamos que há uma naturalidade da candidatura de um governador de São Paulo, mas não por imposição. Se o Brasil está sendo vacinado hoje, é mérito exclusivo de Doria."
Em segundo lugar, há a realidade em si. Não há um nome consensual no tal centro, que hoje vai de Ciro Gomes (PDT) no espectro à esquerda, até no limite da direita o ex-juiz Sergio Moro —que de todo modo parece mais um influenciador do que um candidato potencial.
No meio do caminho há Doria, Leite, o apresentador Luciano Huck, que com a proposta de herdar o lugar de Fausto Silva nos domingos da Rede Globo parece cada vez mais longe da aventura presidencial.
Na prática, só o tucano paulista tem estrutura e discurso de campanha prontos para a briga. Dentro do PSDB, contudo, ele ainda sofre resistências por ser uma figura exógena à política partidária, tendo disputado sua primeira eleição na conquista da Prefeitura de São Paulo em 2016.
Pesquisas qualitativas feitas pelo partido também indicam pouca permeabilidade do eleitorado de regiões como o Nordeste ao tucano, visto como "muito paulista". Em seu favor, a associação crescente de seu nome à Coronavac, vacina que tem a maior disponibilidade no Brasil.
Seja como for, essa faixa de frequência tende a ser espremida entre e Bolsonaro e Lula, se confirmada a presença do petista no pleito, pois o antipetismo pode acabar levando o eleitorado centrista a optar novamente pelo hoje presidente.
Por fim, a admissão de Doria traz uma questão adicional: o cenário estadual. O tucano tem um acerto com seu vice, Rodrigo Garcia (DEM), segundo o qual ele deixaria o cargo para disputar a Presidência em abril do ano que vem.
Assim, Garcia disputaria a reeleição. Só que o desarranjo do DEM com o racha ocorrido na eleição à presidência da Câmara fez com que Doria convidasse o vice a entrar no PSDB, de quebra fechando um pouco a porta ao ex-governador Geraldo Alckmin, que está no aquecimento para a eleição estadual.
Se Doria concorrer, o vice pode perder o estímulo. Afinal, deixaria de ter controle de sua sigla no estado e passaria a ser mais um líder tucano, e há muitos deles na área. Por outro lado, Garcia tem apenas 46 anos, e se fosse reeleito como vice do atual governador poderia garantir sua postulação em 2026.
O processo será adiantado. O PSDB paulista deve divulgar nesta semana as regras para sua prévia estadual, que ocorrerá um mês antes da nacional.
Antes de beneficiar Lula, Fachin rejeitou ao menos 10 vezes retirar processos da Lava Jato de Curitiba
Antes de anular as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ministro Edson Fachin se posicionou contra restringir a competência da Lava Jato e retirar de Curitiba investigações sem relação com a Petrobras em ao menos dez julgamentos.
O ministro Gilmar Mendes, por sua vez, hoje principal crítico da operação no STF (Supremo Tribunal Federal), defendeu os superpoderes da Justiça Federal no Paraná quando o tema chegou à corte, em 2015.
Na época, a operação que enfraqueceu o governo do PT estava no início e Gilmar respaldava a atuação do então juiz Sergio Moro.
Na visão de especialistas, a discussão sobre os limites da atribuição da 13ª Vara Federal de Curitiba é um exemplo de como os ministros do Supremo oscilam em temas importantes e acabam fomentando a insegurança jurídica, além de passarem a imagem de que atuam de maneira política.
Fachin votou a favor de manter sob o âmbito da Lava Jato casos que envolveram importantes nomes da política nacional, como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB), o banqueiro André Esteves e os ex-ministros do governo federal Guido Mantega (PT) e Geddel Vieira Lima (MDB).
Na maioria das vezes, ele foi vencido. Em 2017, por exemplo, Fachin enviou à 13ª Vara Federal de Curitiba os trechos da delação da JBS que mencionavam Lula e Mantega. Mais tarde, porém, a Segunda Turma do STF acolheu pedido da defesa e revogou a decisão de Fachin.
Os ministros Gilmar, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello formaram maioria para remeter a questão à Justiça Federal em Brasília por entenderem que o caso não tinha conexão com os delitos na Petrobras.
O dono da frigorífica, Joesley Batista, e um dos diretores, Ricardo Saud, afirmaram que haviam feito depósitos de US$ 150 milhões em favor de Lula e da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em contas no exterior, em troca de benefícios junto ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
O mesmo ocorreu em relação à delação da Odebrecht contra Lula. Fachin defendeu o envio dos relatos dos colaboradores sobre supostos crimes cometidos pelo petista para a 13ª Vara Federal de Curitiba, mas a maioria da Segunda Turma do STF preferiu remetê-los à Justiça Federal em São Paulo.
Fachin também mandou para Curitiba a investigação sobre supostas vantagens indevidas recebidas por Aldo Guedes, ex-presidente da Companhia Pernambucana de Gás, na obra da Refinaria Abreu e Lima. Mais tarde, porém, a decisão foi reformada e o caso foi deslocado para Pernambuco.
Na primeira vez em que tratou do tema, o Supremo discutiu o caso do ex-ministro Paulo Bernardo (PT). Na ocasião, as apurações identificaram supostos desvios do petista em contratos do Ministério do Planejamento e havia informações sobre a possível participação de sua esposa, a então senadora e atual deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR).
Como ela tinha foro especial, Moro remeteu o caso para o Supremo. Na corte, devido à importância do tema, a Segunda Turma encaminhou o debate ao plenário.
Por 9 votos a 2, o tribunal manteve a parte referente a Gleisi na corte e rejeitou pedido do Ministério Público Federal para que as provas contra as pessoas sem foro especial, como Bernardo, retornassem a Curitiba.
A tese do Ministério Público Federal é que a Lava Jato tratava de uma investigação sobre compra de apoio político partidário, e não apenas de corrupção na estatal petrolífera. Assim, todos os fatos conexos ao esquema do governo federal deveriam ficar em Curitiba.
Os ministros, porém, entenderam que a atribuição da 13ª Vara Federal de Curitiba se limitava aos crimes da Petrobras e enviaram o processo para a Justiça Federal em São Paulo, onde teriam ocorrido os crimes.
Meses depois, o STF aplicou a mesma tese a investigações vinculadas à Eletrobras e à Eletronuclear e também retirou os casos da alçada de Moro.
Ao anular as condenações de Lula na última segunda-feira (8), Fachin alegou que não tomou a decisão antes porque esse entendimento foi aperfeiçoado pelo Supremo ao longo dos anos. O ministro também afirmou que somente agora a defesa do petista apresentou um habeas corpus relacionado diretamente ao tema.
“Embora a questão da competência já tenha sido suscitada indiretamente, é a primeira vez que o argumento reúne condições processuais de ser examinado, diante do aprofundamento e aperfeiçoamento da matéria pelo Supremo Tribunal Federal”, disse por meio de novo logo após proferir a decisão.
Na decisão, o ministro citou como exemplo dessa evolução da jurisprudência do Supremo o fato de, em setembro do ano passado, a Segunda Turma ter retirado de Curitiba até casos vinculados à Transpetro, subsidiária da Petrobras.
Fachin ficou vencido ao defender a competência da Lava Jato e afirmou que os crimes estavam “associados diretamente ao esquema de corrupção e lavagem” investigados pela operação.
Em entrevista à Folha nesta sexta (12), Fachin reiterou que a decisão de anular as condenações de Lula segue entendimento que aos poucos foi adotado pela maioria dos integrantes do STF.
Quando o Supremo discutiu o tema pela primeira vez, Fachin ainda não era relator da Lava Jato. Na ocasião, ele seguiu a tese de remeter o processo para São Paulo, posição oposta à dos julgamentos que ocorreram depois de assumir a responsabilidade da operação e antes de beneficiar Lula nesta semana.
Gilmar Mendes, por sua vez, hoje principal crítico das investigações iniciadas em Curitiba, foi um dos dois votos a favor da manifestação do MPF em relação à competência da 13ª Vara Federal de Curitiba.
“A pura e simples divisão das investigações não permitiria o acompanhamento do contexto, relegando ao fracasso qualquer esforço sério de persecução”, afirmou na ocasião.
O magistrado defendeu que não deveria ficar na alçada de Moro apenas os casos vinculados à estatal e deu a entender que tudo relacionado ao então governo PT seria de responsabilidade dele.
Gilmar disse que “não se pode negar que há liame entre os fatos investigados em cada um dos inquéritos da Operação Lava Jato”.
“Sejam os crimes ligados à Petrobras ou não, todos estão inseridos no mesmo contexto. Todos parecem convergir para o já mencionado método de governar."
O ministro afirmou que o processo penal brasileiro estava “atento à necessidade de reunião de feitos” para evitar enfraquecimento de provas e deixou claro que a competência de Moro ia além da Petrobras.
“Não interessa que tenha sido usado, como meio para obter os fins, o Ministério do Planejamento, a Petrobras, a Eletrobras, ou outra estatal ou órgão público qualquer. Há uma comunhão dos meios de lavagem de recursos”, declarou Gilmar, após dizer que também havia laços políticos entre os atores envolvidos.
Gilmar, porém, afirmou que não discordava que provas encontradas sem conexão com o fato inicial deveriam ficar com o mesmo juiz, mas disse que não era disso que tratava aquele caso.
Meses depois, no entanto, o ministro passou a criticar duramente os métodos da operação e já a classificá-la como "maior escândalo judicial da história".
O debate sobre os limites de competência de cada juiz gira em torno do artigo 76 do Código de Processo Penal (CPP). A regra do Judiciário é que o magistrado responsável pelo julgamento de crimes seja o da região em que o delito foi cometido.
O dispositivo do CPP, no entanto, define que a competência pode ser deslocada da região do crime caso aquele fato tenha conexão com outra investigação em curso no Judiciário.
Ao beneficiar Lula, Fachin afirmou que tomou a decisão “em respeito à maioria” que estabeleceu que essa regra de conexão de provas só vale para casos da Petrobras. Segundo ele, a denúncia contra o petista trata de desvios em outros órgãos públicos, por isso Moro não deveria ter sido o juiz do caso.
Essa oscilação de interpretação jurídica dos ministros é criticada por especialistas. O professor da FGV Direito São Paulo Rubens Glezer afirma que essa variação gera insegurança jurídica, transmite uma imagem politizada do Supremo e o enfraquece perante os outros Poderes.
“É difícil entender exatamente qual o contexto, qual o cálculo que levou a essa decisão do Fachin, mas acho que essa percepção de politização do tribunal é ruim para a corte”, afirma.
Glezer avalia que o argumento de Fachin é razoável e defensável, mas critica o despacho. “É o que tenho chamado de catimba constitucional. A decisão é lícita, mas parece ser guiada preponderantemente por uma lógica e por valores que não são estritamente jurídicos”, diz.
O professor de direito da USP Rafael Mafei afirma que a decisão em favor de Lula é mais um exemplo de “inconsistência jurisprudencial” do STF.
Segundo ele, o problema é que as mudanças de jurisprudências do Supremo geralmente ocorrem em casos de grande sensibilidade política. “Fica difícil não desconfiar que possa acontecer decisão por motivações políticas.”
Como exemplo, ele cita a decisão de Gilmar de vetar a posse de Lula na chefia da Casa Civil do governo Dilma em 2016.
Na ocasião, o ministro tomou a decisão em um pedido feito por um partido político. “O magistrado contrariou seu entendimento estabelecido que, naquelas circunstâncias, não seria cabível mandado de segurança apresentado por partido.”
Mafei também lembra as conversas hackeadas de integrantes da Lava Jato e avalia que essa competência mais ampla da operação era necessária para atingir Lula.
“Pode ser que olhando o detalhe do caso até se consiga justificar, as pessoas que trabalham nos casos podem dizer melhor. Mas como alguém que olha de fora e hoje consegue interpretar que um dos objetivos da operação era pegar um determinado réu, essa interpretação expansiva era uma necessidade."