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O EFEITO SUPREMO - LARRY ROHTER

Ao anular as duas condenações de Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), fez tremer num só golpe dois pilares da democracia brasileira: os sistemas político e judiciário. Afirmou que estava apenas cumprindo com as exigências da lei, mas até criança sabe que a lei e a justiça são coisas bem distintas. E neste caso ele ofereceu uma interpretação da lei muito questionável, que já semeou o caos no campo eleitoral e partidário e diminui as chances de a justiça ser feita.

Primeiro, o político: o Brasil agora terá de conviver, atemorizado, com a probabilidade do maior pesadelo imaginável na eleição de 2022: um confronto direto entre Jair Bolsonaro e Lula. Seria uma escolha pouco apetitosa. Foi o cantor Lobão que disse que “Lula era um ladrão e Bolsonaro é um facínora”, mas imagino que muitos brasileiros pensam da mesma maneira. Fico aliviado em ter apenas o direito de opinar, e não o de votar.

Foi estranhamente mansa a reação inicial do atual presidente, que me levou a crer que ou ele está dissimulando, ou vive no mundo da lua. “Acredito que o povo brasileiro não queira sequer ter um candidato como esse em 2022”, disse, porque “as bandalheiras que esse governo fez estão claras perante toda a sociedade”. Bolsonaro tem razão na segunda afirmação. Mas também está clara a incompetência de alguém responsável pela morte de 270 mil brasileiros e que sugere o charlatanismo como solução. Entre a corrupção e a ameaça mortal, entre roubar seu dinheiro ou roubar sua vida, qual o mais desastroso? Mas, sim, ter Lula novamente no Planalto seria um retrocesso terrível para o Brasil. Bolsonaro foi eleito para fazer a devassa exigida pela sociedade, que ele ainda não fez e nunca vai fazer. A pústula da corrupção continua afligindo o corpo político, ou até ganhando força, e um retorno de Lula significaria um indulto completo, o esquecimento de toda a roubalheira dos anos em que o PT esteve no poder. Seria também a garantia de futuras manobras ardilosas, ainda mais sofisticadas, para não ser pego de novo.

Por isso, achei a declaração de Arthur Lira, presidente da Câmara, tão reveladora. “Lula pode até merecer” uma absolvição, avaliou. “Moro não.” Por quê? Porque Moro incomoda os beneficiários do famigerado “mecanismo” dos partidos do centrão, PT e MDB, retratado pelo diretor de cinema José Padilha. Moro errou feio ao aceitar o Ministério da Justiça e foi longe demais em seu zelo de desinfetar o poder. Mas a suspeição dele, no exato momento em que parece que Lula vai sair ileso, é um ato cínico que corrói a imagem de imparcialidade do Judiciário que o STF pretende defender.

Devemos lembrar que Lula não foi exonerado. Pode ser que ele tenha sido julgado no foro inadequado, mas os fatos de Atibaia e do Guarujá não mudaram e continuam gritantes. É preciso repetir isso diariamente, até a exaustão, porque Lula vai adotar a técnica da grande mentira aperfeiçoada por Donald Trump e alegar que tem a ficha totalmente limpa. Também é previsível que vai bancar a vítima, alvo de uma caça às bruxas e um complô político.

A volta de Lula também seria ruim para os interesses de longo prazo do próprio PT.

Desde sua fundação em 1980, o partido está atrelado à figura de seu fundador mais célebre. Mas Lula completará 77 anos em outubro de 2022, e sua eterna hegemonia pessoal impede o surgimento não apenas de novas lideranças, mas, pior ainda, de novas ideias. Neste sentido, sua ausência em 2018 teria sido uma oportunidade disfarçada para o PT, se Lula não tivesse insistido em se inserir na campanha como “mártir” e bandeira eleitoral.

Olhando a lista de líderes da campanha pela redemocratização há 40 anos, vê-se que quase todos eles já faleceram (Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Tancredo Neves, Leonel Brizola, Mário Covas) ou tiveram a dignidade de deixar o palco e se conformar com o papel de auxiliar, como Fernando Henrique Cardoso, Eduardo Suplicy e Roberto Freire. Apenas Lula se obstina em não sair do cenário. Mas é um homem dos anos 1980, com ideias daquela época. Se o PT quer sobreviver ao inevitável desaparecimento de Lula, precisa começar o processo de transformação o quanto antes. Só que ele não permite.

Quem sabe, talvez o plenário do STF consiga desarmar a bomba ativada por Fachin. Mas a decisão “monocrática” dele já danificou o Judiciário como instituição. Bolsonaro apontou as afinidades ideológicas de Fachin para desqualificá-lo como “juiz petista”. Ao mesmo tempo, surgiram novas dúvidas sobre os julgamentos nos casos anulados e o destino de outros processos contra Lula. Todos serão deliberados em Brasília, onde a hostilidade contra a Lava Jato é notória. Como diriam Mônica e Cebolinha: Xiii!

Larry Rohter, jornalista e escritor, é ex-correspondente do “New York Times” no Brasil e autor de “Rondon, uma biografia” ÉPOCA

 

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