Desemprego acelera e 1,5 milhão de vagas são fechadas na última semana de junho
Com o fechamento de 1,5 milhão de postos de trabalho, a taxa de desemprego acelerou no fim de junho, atingindo o maior valor desde o início de maio, quando o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) passou a divulgar a evolução semanal do mercado de trabalho durante a pandemia.
De acordo com o instituto, 12,4 milhões de brasileiros estavam em busca de trabalho na semana encerrada em 27 de junho, o que equivale a uma taxa de desemprego de 13,1%. São 2,6 milhões de pessoas a mais do que a primeira edição da pesquisa, na semana encerrada no dia 9 de maio.
Em nota, a coordenadora da pesquisa, Maria Lúcia Vieira, diz que a piora do indicador é resultado tanto da queda da população ocupada quanto do aumento do número de pessoas atrás de emprego. "A população desocupada em busca de ocupação aumentou 26% em relação à primeira semana de maio", disse ela.
A pesquisa do IBGE identificou que 82,5 milhões de brasileiros tinham trabalho na última semana de junho, contra 84 milhões na semana anterior. Foi a primeira vez que a queda no número de ocupados superou um milhão de pessoas desde o início da pesquisa.
O instituto não analisou as razões para a forte queda no número de empregados no país, que ocorre num momento de relaxamento das medidas de isolamento social, com a reabertura de lojas e serviços em grandes cidades que foram epicentros no início da pandemia.
Segundo o IBGE, caiu também o contingente de pessoas que têm emprego mas estavam afastadas do trabalho devido ao isolamento social, que passou de 11,1 milhões para 10,3 milhões de pessoas. Na comparação com o início de maio, são 5,5 milhões de pessoas a menos.
"Isso é resultado de pessoas que podem estar retornando ao trabalho, mas também devido a um possível desligamento dessas pessoas do trabalho que elas tinham", disse a coordenadora da pesquisa do IBGE.
Houve queda também no número de trabalhadores informais, que passou de 29,9 milhões no início de maio para 28,5 milhões na última semana de junho, em um indicativo de que a aceleração do desemprego também atingiu aqueles que não têm carteira assinada.
A taxa de desemprego reflete o contingente de pessoas que diz estar em busca de uma colocação. Segundo o IBGE, porém, há 26,9 milhões de pessoas no país que gostariam de trabalhar mas não procuraram trabalho no período.
Com o relaxamento das medidas de isolamento, caiu o número de pessoas que alegam que a pandemia limita a busca por emprego. No início de maio, eram 19,1 milhões. Já na última semana de junho, foram 17,8 milhões de pessoas.
"A pandemia vem, cada vez mais, deixando de ser o principal motivo que as pessoas alegam para não ter procurado trabalho", afirmou Vieira. Entre os ocupados, 8,6 milhões trabalhavam de forma remota, número que segue estável desde a primeira semana da pesquisa.
Nesta quinta (17), o IBGE divulgou a primeira edição de uma pesquisa sobre os impactos da pandemia nas empresas, que indicou que 522 mil negócios suspenderam atividades ou fecharam definitivamente as portas após o início da crise.
O problema atingiu de forma mais intensa pequenas empresas do setor de serviços, que é uma grande empregador e sofre mais com as restrições à abertura de estabelecimentos comerciais. Nesse segmento se enquadram, por exemplo, bares, restaurantes, hotéis e atividades culturais.
'Diminuir como?' Médicos respondem a Bolsonaro sobre como reduzir as mortes por Covid-19
Célia Costa / O GLOBO
RIO — Especialistas responderam à pergunta feita na live desta quinta-feira pelo presidente Jair Bolsonaro sobre como "diminuir mortes" pelo novo coronavírus. Todos lembram que, se medidas tivessem sido adotadas desde o início da pandemia, muitas mortes poderiam ter sido evitadas. De acordo com dados do consórcio de veículos de imprensa, o Brasil tem 2.015.382 casos e 76.846 mortes por Covid-19. Isolamento social, testagem, rastreamento de contatos e uma coordenação central sob o comando do governo federal são alguns dos aspectos enfatizados pelos especialistas na enquete promovida pelo GLOBO sobre como salvar mais vidas de brasileiros em meio à pandemia.
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Orientar a população sobre a proteção individual e evitar a prescrição e a propaganda de medicamentos sem qualquer eficácia comprovada são algumas das medidas urgentes a serem tomadas pelo próprio governo federal para ajudar a reduzir o crescimento dos números trágicos no Brasil, apontam os cientistas.
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Margareth Dalcomo, pneumologista, pesquisadora do Centro de Referência Professor Hélio Fraga, da Fiocruz, e colunista de A Hora da Ciência, de O GLOBO:
- Isolamento social: Não fizemos a quarentena de maneira correta em nenhum lugar do Brasil. Se fosse feito o fechamento total durante duas a três semanas quando tínhamos poucos casos, teríamos poupados vidas. Teríamos diminuído a taxa de ocupação de leitos das Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs), evitado a pressão sobre o sistema de saúde e reduzido o número de mortes em casa.
- Testagem: Não houve investimento na testagem. Se o Brasil tivesse testado, feito o rastreamento de contatos e isolado as pessoas infectadas, a doença poderia ter sido contida.
- O que deve ser feito: A população precisa ser orientada sobre os cuidados de proteção individual, como o uso de máscara de proteção e evitar aglomerações. Redirecionar o investimento nos hospitais de campanha. Essas unidades podem ser usadas para acolher pacientes como sintomas leves a moderados que não têm condições de fazer o isolamento e o acompanhamento dentro do domicílio.
.Guilherme Werneck, professor do Departamento de Epidemiologia da Uerj e da UFRJ.
- Distanciamento físico: Se o isolamento social tivesse sido incentivado como medida de prevenção, em nível nacional, poderíamos ter adiado o crescimento acelerado do número de casos e, como consequência, o número de mortes. No entanto, por falta de uma liderança do Ministério da Saúde, cada cidade fez do seu jeito. Algumas conseguiram fazer, outras não.
- Sistema de saúde: O despreparo do sistema de saúde ficou evidenciado com a sobrecarga causada pelo grande número de casos. Não houve preparação. Faltaram equipes de profissionais, equipamentos e até medicamentos. Não se pode pensar que todo paciente grave vai morrer. Tivemos vários exemplos que mostraram o contrário.
- O que deve ser feito: É preciso aumentar a vigilância dos casos fazendo testagem e rastreamento de contatos, medidas eficazes em vários países. Não pode haver uma retomada total em locais com situações diferente. Para muitas cidades, ainda não é hora de reabrir. Isso pode aumentar o número de casos e de mortes.
Natália Pasternak, microbiologista, presidente do Instituto Questão de Ciência e colunista de A Hora da Ciência do GLOBO:
- Quarentena: Muitas mortes poderiam ser evitadas se desde o início do crescimento do número de casos o país tivesse adotado o isolamento social. Nunca houve uma regulamentação da quarentena, uma orientação que mostrasse a real necessidade.
- Comando central: O país está sem um comando central no controle da pandemia. Nem ministro da Saúde temos (referindo-se ao fato de que há dois meses Eduardo Pazuello está interino na pasta). É necessário um comando central para que não haja mensagens confusas para a população, como o presidente fez desde o início da pandemia ao não respeitar o distanciamento e promover aglomerações.
- O que deve ser feito: É preciso investir na testagem e isolamento dos infectados. Ainda há tempo para adotar medidas e diminuir o número de mortes.
Com projetos aprovados na Rouanet, Mario Frias diz que PT usou a lei para 'comprar classe artística'
Jan Niklas / O GLOBO
RIO — O secretário especial de Cultura, Mario Frias, publicou uma mensagem afirmando que a Lei Rouanet "foi usada para o PT comprar a classe artística". Na postagem em sua conta no Instagram, o ator comentou uma notícia sobre a exoneração do servidor Odecir Luiz Prata, apontado por produtores culturais como um dos maiores especialistas na lei de incetivo do país.
"Maior especialista em Lei Rouanet? É notório que essa lei foi usada para o PT comprar a classe artística e aquela parte da grande imprensa sempre ignorou esse fato. Por que nossa maravilhosa imprensa agora se importa? Estranho seria manter esse tipo de pessoa num governo honesto", publicou Frias.
Porém, em seu histórico como produtor, Mario Frias usou por duas vezes o mecanismo. Através da empresa Mercúrio Produções, uma da três produtoras da qual é sócio, ele teve um projeto aprovado pela Lei Rouanet, em 2003, no valor de R$ 284 mil. Mas, só conseguiu arrecadar R$ 59mil.
O projeto era peça "Dê uma chance ao Amor" desenvolvido por Heloísa Perissé especialmente para ele e a atriz Nívea Stelman, sua esposa na época. Segundo a descrição da obra, a apresentação visava a divertir e estimular "essencialmente o público jovem a pensar a relação a dois". O projeto teve as contas aprovadas.
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Em outra iniciativa, a montagem do espetáculo teatral "O rei dos urubus", a produtora de Frias teve autorização para captar R$ 700 mil, mas não conseguiu arrecadar nada. O projeto foi arquivado em 2007.
Quadro técnico demitido
Servidor de carreira do extinto Ministério da Cultura, Odecir Luiz Prata estava no cargo de diretor do Departamento de Fomento Indireto, da Secretaria Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (Sefic). Esta é a subpasta da cultura que é responsável pela aplicação da Lei Rouanet.
Prata foi exonerado dias após Frias assumir a pasta. O servidor é apontado por funcionários da secretaria e por produtores culturais como um dos mais competentes quadros técnicos na Cultura. Ele chegou a assumir interinamente o cargo de secretário especial da Cultura, após a queda de Roberto Alvim, demitido por publicar um vídeo com referências nazistas.
O presidente Jair Bolsonaro possui um histórico de ataques à Lei Rouanet. No ano passado, afirmou que o mecanismo era uma "desgraça". Já Mario Frias, elogiou a lei em conversa com o deputado Eduardo Bolsonaro publicada no "YouTube".
Porém, no mesmo vídeo, o ator criticou o que ele chama de "barões da Lei Rouanet" e disse que trabalhará para "democratizar" o mecanismo. Em seguida, deu a entender que concorda com as restrições de Jair Bolsonaro a determinados tipos de produção artística.
"Tenho um outro patrão", disse Frias. "E nao adianta: o patrão quer uma linha estética. E essa linha estética vai ser privilegiada".
Crivella exonera controladora que apontou rombo de R$ 4 bilhões nas contas da prefeitura do Rio em 2019
RIO - O prefeito Marcelo Crivella exonerou nesta sexta-feira, dia 17, a controladora-geral do município, Márcia Andréa dos Santos Peres, que apontou um rombo nas contas estimado em R$ 4,24 bilhões nas contas da Prefeitura do Rio do ano passado. A notícia foi dada em primeira mão por Berenice Seara, na coluna "Extra Extra", após a publicação no Diário Oficial do município. Na justificativa, o diplomático complemento "a pedido" consta no texto da exoneração, que acontece no momento em que a prefeitura precisa prestar explicações das contas, já que o Tribunal de Contas do Município (TCM) estava prestes a examinar o exercício de 2019.
Os conselheiros estavam decididos a, pela primeira vez na história do tribunal, reprovar as contas de um prefeito do Rio. E logo no último ano de governo — e quando Crivella vai tentar a reeleição. Apresentadas pelo município em 15 de abril deste ano, as contas de 2019 fecharam com um rombo recorde estimado em R$ 4,24 bilhões. As despesas com pessoal chegam a 54,32% das receitas, acima do limite máximo permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que é de 54%. O GLOBO apurou que a gestão de Crivella recebeu parecer contrário de pelo menos uma parte da equipe técnica da corte. Por isso, pediu para que a Câmara de Vereadores adiasse o julgamento.
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Em ofício publicado no Diário Oficial da Câmara na segunda-feira, dia 13, Crivella pediu que o prazo fosse adiado por mais 90 dias. Ele argumentou que não teve tempo para responder ao Tribunal devido ao afastamento de parte dos servidores do trabalho presencial em decorrência da pandemia da Covid-19. Originalmente, o prefeito tinha cinco dias úteis para responder aos questionamentos, em ofício enviado pelo conselheiro Luiz Guaraná no dia 4 de junho.
Na quarta-feira, dia 15, a Câmara autorizou a prorrogação do prazo para que o prefeito Marcelo Crivella responda a questionamentos do TCM) sobre o exercício financeiro de 2019. Na prática, o acolhimento do pedido de Crivella pelo TCM pode adiar o julgamento das contas da prefeitura para o final do ano. Isso porque, após a entrega das respostas do prefeito, a corte terá até 60 dias, prazo já previsto na Lei Orgânica do Município, para dar seu parecer sobre a prestação, que passa, então, por votação na Câmara. Se as contas forem reprovadas, o prefeito pode ficar inelegível por oito anos.
Para o lugar de Márcia Peres, Crivella nomeou Francisco Harilton Alves Bandeira, servidor de carreira, também oriundo da Controladoria, e que ocupava o cargo de subsecretário de Gestão da Secretaria municipal de Assistência Social e Direitos Humanos desde que a deputada estadual Tia Ju assumiu o cargo, em janeiro.
Rombo nas contas
Os rombos nas contas de Crivella têm aumentado. No primeiro ano, faltaram quase R$ 2 bilhões, para fechar o caixa . Em 2018, o déficit chegou a R$ 3,25 bilhões, conforme cálculos feitos também pelo TCM, que, no entanto, deu parecer favorável à aprovação naquele ano.
"Não se tratam de obrigações com parcelas ainda por vir, tais como parcelas de operações de crédito, mas sim de valores de exibilidade imediata, que podem ser reclamados por seus titulares a qualquer momento, inclusive por via judicial’’, diz um trecho do documento enviado ao prefeito, sobre as contas de 2019.
As irregularidades encontradas nas contas são detalhadas em ofício enviado à Câmara, que reproduz as perguntas do TCM que o conselheiro Luiz Guaraná, relator das contas, encaminhou ao prefeito no mês passado. No documento, a corte pede uma série de explicações para o prefeito, que seriam avaliadas no julgamento.
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O TCM quer saber, por exemplo, se a prefeitura identificou, por intermédio da Controladoria-Geral do Município quem seriam os responsáveis pelas despesas sem cobertura orçamentária. E que medidas foram tomadas para punir os responsáveis por essas despesas.
Em outro trecho do documento, a corte diz que a prefeitura perdeu o direito de cobrar créditos de R$ 261,5 milhões em impostos, entre outros tributos, porque deixou prescrever o prazo de cinco anos para executar as dívidas. O tribunal lembrou que, na análise das contas de 2016 (do antecessor Eduardo Paes), e de 2017 e 2018 havia recomendado mais agilidade para evitar o risco de prescrição. O ESTADÃO
Eleições municipais e possibilidade de abuso de poder político
As eleições municipais de 2020 são bastante peculiares sob vários aspectos, mas, principalmente no tocante à desigualdade entre os candidatos. O adiamento para novembro pode ajudar um pouco na divulgação de nomes que concorrem pela primeira vez, mas, por outro lado conferem mais tempo para que candidatos à reeleição se beneficiem das facilidades proporcionadas pelo exercício de cargos e funções públicas. Uma significativa peculiaridade foi apontada pelo jornal O Estado de São Paulo de 14/07/20. Reportagem assinada por Camila Turtelli, mostra que as eleições poderão ter um número recorde de parlamentares candidatos, pois estes, além de já serem conhecidos, não precisam deixar o cargo para fazer campanha. Destaca ela, também que "Esta será a primeira vez que as campanhas de candidatos a prefeito e a vereador serão pagas com recursos do fundo eleitoral, criado em 2017. Ao todo, serão R$ 2,035 bilhões divididos entre as 32 siglas do País."
A divisão é feita considerando o número de parlamentares de cada bancada. Assim, o PT, que tem a maior bancada, ficará com 201,3 milhões de reais. A segunda bancada é a do PSL, com 199,4. Enquanto o PT é um partido tradicional, consolidado, o PSL era um partido nanico, legenda de aluguel, que, como tal, foi utilizada para a candidatura do Presidente Jair Bolsonaro, acarretando uma enxurrada de votos para uma sigla sem tradição, sem expressão e de escassa representatividade.
Outro fator de desigualdade está nos parágrafos 9º, 10 e 11, do Art. 166 da Constituição Federal (com a redação dada pela EC 86/15), que tornaram vinculantes e de execução obrigatória as emendas de parlamentares à lei orçamentária. Com isso, os atuais parlamentares alimentam seus currais eleitorais, numa troca espúria de favores e apoios. Conforme destacou o Prof. Modesto Carvalhosa (Da Cleptocracia para a Democracia”, pgs. 55 e 74) fica perfeitamente escancarada a desigualdade entre os novos candidatos e os já titulares de mandatos legislativos. Estes dispõem de um exército de "assessores" (cabos eleitorais), da estrutura inteira do gabinete, verbas para correio, gasolina etc. e, principalmente, das emendas individuais ao orçamento, consistentes em verbas públicas que cada parlamentar pode destinar, livremente, a qualquer atividade de interesse de seus apoiadores (seu curral eleitoral) e que o Chefe do Executivo não pode deixar de atender.
Essa situação de patente desigualdade viola o disposto no Art.14 da CF, no sentido de que "A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos". Tal a importância disso para a própria sobrevivência do sistema republicano democrático, que a matéria é disciplinada já diretamente pelo texto constitucional. Numa leitura descuidada, que não ultrapasse os limites da literalidade, essa parte final poderia significar, apenas e tão somente, uma proibição ao voto de qualidade. Mas, na verdade, aí está dito muito mais: está afirmado o princípio da igualdade entre os eleitores, que determina, entre outras coisas, a igualdade de informação eleitoral, a igualdade de acesso aos locais de votação, a proteção contra influências do poder econômico e, também, do poder político.
O parágrafo 9º, desse Art. 14, determina a edição de uma lei complementar (a atual LC nº 135, de 04/06/10) estabelecendo casos de inelegibilidade, para assegurar, entre outras coisas, “a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”. Positivamente esses objetivos não serão concretizados nas eleições municipais de 2020, pois o voto não será igual para todos, dada a influência dessas vantagens todas no momento de escolha de seu candidato pelo eleitor. A liberdade de voto de cada eleitor será fatalmente tisnada pelas gritantes diferenças entre os candidatos, em favor daqueles que já estão no exercício de função pública.
Tradicionalmente, as eleições eram marcadas pelo abuso do poder econômico, especialmente porque grandes empresas, que mantinham contratos superfaturados, faziam generosas doações. Esse grave problema foi, em grande parte, solucionado quando o STF declarou inconstitucional o financiamento de campanhas eleitorais por empresas, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4650, que depois foi incorporado à legislação em 2015. Para as eleições deste ano, a Resolução TSE nº 23.607/2019 disciplina rigorosamente o recebimento de doações e os gastos dos partidos. Todas as doações devem ser devidamente identificadas, inclusive pelo CPF do doador, e feitas por via bancária (não se admite doação em dinheiro), devendo o partido divulgar tais doações, com os nomes dos doadores e respectivos valores. Isso não acaba com os abusos de poder econômico, pois sempre haverá meios de contornar os obstáculos, mas, sem dúvida, contribui muito para a melhoria da representatividade.
Entretanto, resta o abuso de poder político, pois, salvo raríssimas exceções, quem exerce o poder normalmente pretende ou postula nele se perpetuar, seja por si mesmo, seja mediante sua sucessão por alguém de sua confiança ou, no mínimo, de seu grupo político. Isso mostra o especial cuidado que se deve ter com a influência que detentores de cargos políticos possam ter sobre o processo eleitoral. Se, de um lado, é perfeitamente legítimo que um partido político pretenda atingir e permanecer no poder, por outro lado, é preciso assegurar a possibilidade de alternância no poder, pois sem isso não existe democracia. Os princípios e normas que disciplinam as atividades político-partidárias e eleitorais visam assegurar essa possibilidade de alternância, estabelecendo limites à atuação dos postulantes, limites esses cuja ultrapassagem configura abuso.
O tema abuso de poder costuma ser objeto de estudo pelos administrativistas porque esse fenômeno ocorre com inquietante frequência no exercício da função administrativa. Mas ele pode também ocorrer na prática dos chamados atos políticos ou de governo, tendo como sujeitos agentes políticos tanto do Executivo quanto do Legislativo. Nestes últimos casos, algumas vezes a ilicitude está voltada para a obtenção de vantagens indevidas de ordem econômica, mas também ocorre com demasiada frequência motivada por propósitos partidários e especialmente eleitorais, violando a legitimidade do processo eleitoral. Em síntese, ocorre abuso de poder político quando uma autoridade pública, no uso de prerrogativas inerentes ao poder/dever de que está investida, ultrapassa os limites da legalidade e da legitimidade, ainda que inconscientemente, produzindo ou podendo produzir situações de indevido favorecimento a correligionários, aliados ou determinados postulantes a cargos eletivos.
O abuso de poder no processo eleitoral é um problema bastante sério, quando decorrente de fatos ou situações que efetivamente ocorrem no âmbito da sociedade. A dificuldade de solução aumenta muito quando se inventa como fator de abuso algo evidentemente despropositado, como é o caso do suposto abuso de poder religioso. No âmbito do TSE, sustenta o ministro Edson Facchin: "A imposição de limites às atividades eclesiásticas representa uma medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral, dada a ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da comunidade". Do lado oposto, o ministro Alexandre de Moraes adverte que: "Não se pode transformar religiões em movimentos absolutamente neutros sem participação política e sem legítimos interesses políticos na defesa de seus interesses assim como os demais grupos que atuam nas eleições." (Abuso de poder religioso, OESP 02/07/20).
O posicionamento do ministro Facchin, como oportunista e faccioso, foi destacado em artigo do jornalista Fernão Lara Mesquita ("Notícia de falecimento", OESP, 07/07/20), lembrando que, na caminhada para a tomada do poder, um passo importante foi "cooptar a Igreja Católica, que tinha a capilaridade nacional, sem a qual não se chega ao poder". "Mas o mundo dá voltas... A partidarização da Igreja Católica fez a maioria dos brasileiros mudar de religião. Não por acaso, o ministro Facchin, que veio desse catolicismo militante, teve a ideia de propor que também o "abuso de poder" religioso" seja declarado "antidemocrático", o bastante para derrubar um governo eleito."
É preciso lembrar que a influência recíproca entre governo e religião sempre existiu, desde que o mundo é mundo. No Brasil, a religião católica já foi oficial e, durante muito tempo, foi absolutamente predominante. Há uma infinidade de cidades e acidentes geográficos com nomes de santos católicos e os feriados religiosos são também católicos. Nunca houve objeção quanto a isso, pois se trata de um valor aceito pela coletividade social brasileira. Porém, agora, há um sensível crescimento das igrejas cristãs evangélicas, com uma forte representação no Legislativo. Em resumo, não se pode ignorar que o ministro Fachin foi ativista de esquerda e está adotando um posicionamento claramente político, travestido de questão constitucional.
Em síntese, já é mais do que tempo de se abandonar a legislação eleitoral temporária e casuística. A normalidade institucional e a maturidade democrática são incompatíveis com o amoldamento da legislação aos interesses dos detentores temporários do poder. Somente uma legislação permanente, disciplinando a atividade política partidária e eleitoral com o propósito de definitividade, ou, pelo menos, de constância, de continuidade, pode trazer um aprimoramento técnico e moral, além da segurança e da certeza jurídicas.
Adilson Abreu Dallari é professor titular de Direito Administrativo da PUC-SP e consultor jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 16 de julho de 2020, 8h00
Confúcio Moura defende um novo pacto federativo
O senador Confúcio Moura (MDB-RO) afirmou, em pronunciamento nesta quinta-feira (16), que o Brasil deve aproveitar a pandemia para promover um novo pacto entre a União, estados e municípios. Na opinião dele, é injustificável a incompatibilidade existente entre as obrigações desses entes da Federação e o quanto cada um deles dispõe para executá-las.
Ele informou que, do total de impostos arrecadado, quase 58% ficam nos cofres da União, 27%, nos dos estados e o restante (15%) nos dos municípios.
Mesmo com a fatia menor, observou o senador, os prefeitos são responsáveis por prestar à população serviços de saúde, educação, limpeza urbana, segurança pública e manutenção de estradas vicinais, entre outros. Como os recursos são insuficientes, continuou Confúcio Moura, eles são obrigados a se deslocar a Brasília todos os anos para pedir mais dinheiro à União.
Por isso, na opinião do senador, é importante uma relação federativa nova, "mais ética, moral e sustentável", a partir do redirecionamento da economia.
— Tem de ter o repasse de dinheiro com compromisso de mudanças. Ajuste nas suas contas, com suas gastanças desnecessárias, com salários altos, muitas vezes nos municípios. Nós devemos nos adequar a um Brasil simples. Só repassar dinheiro mediante o compromisso de mudanças com a educação, com melhorias na saúde, com a aplicação dos recursos em investimentos e na criação de emprego para as pessoas — ponderou.
Confúcio Moura disse ainda que a pandemia e o cenário com ela revelado mostram que o Brasil, por falta de dinheiro, não consegue comprar ou produzir insumos básicos nem investir em instituições de pesquisa científica, iniciativas fundamentais para combater esse tipo de crise.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
Fonte: Agência Senado