Davi Alcolumbre se torna camaleão que agradou Lula e enfureceu Bolsonaro
Por Vera Rosa / O ESTADÃO
BRASÍLIA - Passava das 18h30 do último dia 1.º quando o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) foi questionado pelo Estadão sobre indícios de irregularidade envolvendo o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, que destinou R$ 5 milhões do orçamento secreto para asfaltar uma estrada em frente à sua fazenda, na cidade de Vitorino Freire (MA). Padrinho da indicação de Juscelino, que também é do seu partido, Alcolumbre desconversou.
“Não sei disso. Eu estava só pedindo voto para o Rodrigo”, respondeu ele, ao comemorar a reeleição do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que acabara de ocorrer naquela quarta-feira.
Coube a um correligionário socorrer Alcolumbre perto de seu gabinete. “Venha aqui cumprimentar o povo de Roraima!”, disse o homem. Com fama de atender “no varejo”, como um vereador, o senador assentiu e desviou da pergunta incômoda. “Eu sou bom de filosofia”, afirmou, abrindo um sorriso.
Desde que Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito presidente, Alcolumbre mudou de sintonia e passou a apoiar o PT. De aliado de Jair Bolsonaro, o senador conhecido por ser um “camaleão” logo se aproximou dos petistas e foi relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição. Ao lado de Pacheco e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), Alcolumbre ajudou o PT a aprovar no Congresso uma brecha para o aumento de gastos com o Bolsa Família e o salário mínimo.
Foi nesse vácuo de poder, no fim da gestão Bolsonaro, que o ex-presidente do Senado mostrou as cartas para Lula. Como retribuição pelos serviços prestados, ele conseguiu emplacar o deputado Juscelino Filho em Comunicações e o ex-governador do Amapá Waldez Góes em Integração e Desenvolvimento Regional. Além disso, afiançou a nomeação de Daniela Carneiro para o Turismo. Aliado de Alcolumbre, Góes também entrou na cota do União Brasil, embora fosse filiado ao PDT.
Pouco mais de um mês depois, Pacheco foi reconduzido ao comando do Senado, com o apoio de Alcolumbre e do Palácio do Planalto. Para evitar dissidências na base aliada, o governo negociou cargos, como diretorias dos Correios, da Sudene e da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).
Derrotado na disputa com Pacheco, o senador Rogério Marinho (PL-RN), que teve a candidatura respaldada pelo núcleo duro do bolsonarismo, virou líder da oposição. Mas as articulações promovidas por Alcolumbre isolaram o PL de Bolsonaro para o confronto dos próximos dias, quando haverá a divisão das cadeiras nas comissões.
INTERESSE
Além de manter o controle da Codevasf em dobradinha com o deputado Elmar Nascimento (BA), líder do União Brasil na Câmara, e de capturar estruturas ligadas aos ministérios da Integração e das Comunicações, entre outras, Alcolumbre retornará à presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). É ali que desembarcam todos os projetos de interesse do Planalto.
“Desde a transição de governo, o senador Alcolumbre mostrou que tem liderança. Ele é um importante articulador no Senado, para além do seu partido, e cumpriu o compromisso na eleição do Pacheco”, disse o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
O estilo de Alcolumbre, porém, provoca insatisfação de muitos de seus pares. A queixa é a de que ele se comporta como detentor de um monopólio no Senado e assume o papel de porta-voz do União Brasil nas negociações com o Planalto, sem ouvir as bancadas.
“Davi não é Davi. É o Golias. O Davi sou eu. Ele atropela o Congresso”, resumiu o senador Renan Calheiros (MDB-AL), em 2019, ao retirar a candidatura à presidência do Senado após perceber que perderia para Alcolumbre, até então um político do baixo clero. De lá para cá, no entanto, Renan se reconciliou com o adversário.
Impedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de buscar a reeleição, Alcolumbre vestiu o figurino de fiador de Pacheco e pôs no jogo o orçamento secreto, distribuindo dinheiro público para aliados. Na Câmara, a tarefa ficou com Lira, chefe do Centrão. “Davi exerce o poder em benefício próprio e é a eminência parda do Pacheco”, descreveu o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE). “A CCJ, sob a presidência dele, teve um apagão, com apenas seis reuniões deliberativas em um ano.”
Em 2021, Alcolumbre segurou por quase cinco meses na CCJ a sabatina de André Mendonça, o nome “terrivelmente evangélico” de Bolsonaro para o Supremo. Motivo: queria que o indicado fosse o procurador-geral da República, Augusto Aras. Não conseguiu.
No ano passado, o senador tentou votar às pressas uma PEC de sua autoria para permitir que parlamentares ocupassem embaixadas sem perder o mandato. Sofreu outro revés. Agora, até no União Brasil há dúvidas se ele entregará a Lula os votos prometidos no plenário. “Essa eleição provou que na agressão não se constrói nada”, reagiu Alcolumbre. Com planos de ser novamente presidente do Senado, a partir de 2025, o “camaleão” está à espreita: se as coisas se complicarem, tem no radar até mesmo uma possível filiação ao PSD de Pacheco.
Governo e Lira reservam R$ 3 bilhões para deputados novatos destinarem às suas bases
Por Felipe Frazão / O ESTADÃO
BRASÍLIA - O governo Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se articularam para entregar a 219 deputados novatos o direito de definir onde devem ser aplicados cerca de R$ 3 bilhões do Orçamento federal. Cada parlamentar terá direito a uma quantia na casa dos R$ 13 milhões. Com o agrado, o governo pretende assegurar votos para propostas de seu interesse no Congresso.
Por lei, os deputados que estão chegando agora não teriam direito de direcionar recursos do Orçamento de 2023 para suas bases eleitorais. Isso porque ele foi elaborado no ano passado, quando não haviam ainda assumido o mandato. Eles só manejariam recursos a partir do ano que vem.
“Se o governo estivesse forte, poderia não dar para os novos. Mas tem uma reforma tributária, não dá para pagar para ver. Se não for esse valor, uma parcela significativa vai ter”, disse o deputado Jilmar Tatto (PT-SP), deixando explícito o acordo. Ele será um dos beneficiados.
Com o fim do orçamento secreto, mecanismo revelado pelo Estadão por meio do qual o governo Jair Bolsonaro (PL) cooptava parlamentares, Lira tem buscado outros caminhos para atender deputados com recursos do Orçamento. O governo está disposto a repassar a verba aos novatos.
Redutos
Com isso, os deputados nem bem chegaram e já poderão decidir onde a administração federal deverá investir dinheiro público para, por exemplo, executar obras, contratar serviços ou comprar bens como caminhões de lixo, tratores e ambulâncias destinadas a seus redutos eleitorais.
O governo estima que tem uma base de 260 deputados. É um número insuficiente para alterar a Constituição, o que exige 308 votos. Medidas como a reforma tributária demandam votação qualificada. Anteontem, Lula disse que “quanto mais o tempo passa, mais caro fica aprovar projetos”.
Os acordos do governo em troca de votos no Congresso têm sido motivo de escândalos no País nos últimos anos. Em 2005, o governo Lula foi acusado de patrocinar o mensalão, esquema pelo qual políticos recebiam mesada de empreiteiras que mantinham contratos com o governo em troca de aprovar matérias de interesse do petista no Congresso.
No governo Dilma Rousseff (PT) veio à tona casos revelados pela Lava Jato. Deputados e senadores recebiam propina de empresas para votar com o governo. A operação desvendou a prática. Bolsonaro, por sua vez, criou o orçamento secreto. Sem que fossem identificados, os parlamentares enviavam dinheiro para prefeituras, que fechavam contratos muitas vezes superfaturados com empresas sem qualquer critério técnico. Cidades receberam até quatro caminhões de lixo, por exemplo, sem produzir quantidade suficiente de resíduos para enchê-los.
Indicação política
Os instrumentos para o governo repassar aos deputados novatos o direito de decidir onde aplicar R$ 3 bilhões do Orçamento da União ainda não estão claros. Uma das formas cogitadas seria recorrer a uma prática do passado, em que os novatos herdavam a paternidade, ou seja, a indicação política do saldo a pagar das emendas dos colegas não reeleitos.
Os deputados seriam então chamados a indicar o destino de R$ 13 milhões dentro de programas e convênios já existentes nos ministérios. Dessa forma, poderiam apontar prefeitos aliados que receberiam a verba por convênio, conforme interesses paroquiais, mas dentro dos critérios técnicos preestabelecidos pelas pastas.
Essa cota extra dos novos deputados vem sendo discutida intensamente nos bastidores da Câmara. Em um grupo de assessores parlamentares especializados em Orçamento, representantes dos deputados diziam aguardar a “fumaça branca” do Palácio do Planalto para indicação do dinheiro. Cada líder de bancada vai centralizar os pedidos dos deputados de seu partido. Eles atribuíram, ainda, a indicação dos limites de empenho a Lira.
Coalizão
Tudo indica que a “fumaça branca” virá. Ao Estadão, o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que o valor de cada deputado não estava fechado, mas indicou que o Planalto tem interesse em aumentar sua coalizão de 17 partidos e contemplar os novos deputados. O ministro já anda com uma pasta de currículos recebidos de indicados políticos de parlamentares, outra frente que o governo abriu para tentar conquistar apoios no Congresso. Os postos são de segundo e terceiro escalões na administração federal, em Brasília e nos Estados.
“Tem uma tradição de sempre buscar os parlamentares que são novos e não têm direto já a recursos destinados a eles. Se tiverem bons projetos, boas propostas, podem ser contemplados no governo”, declarou Padilha, sinalizando que os recursos podem vir do próprio Orçamento-Geral da União.
Já o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), desconversou sobre o acordo. “Não chegamos ainda nisso”, disse. “Não tratamos desse assunto ainda”, emendou o petista.
Um dos deputados da bancada de Guimarães, porém, confirmou ao Estadão que a verba para os novos deputados foi tratada até mesmo com os líderes. “Teve um conversa entre o Lira e o colégio de líderes. Foi uma reivindicação de todas as bancadas”, declarou Tatto. “O conceito está acordado. E se fala em R$ 13 milhões.”
Mágica
Tatto disse que também devem ser usados os recursos do chamado RP-2. “A mágica está no seguinte: não tem dinheiro novo, foi disponibilizado com a votação da PEC da Transição. Isso permitiu que a medida fosse votada porque os antigos (deputados) não queriam votar. O Lira garantiu voto para o governo e foi importante para ele ter o voto dos novos deputados na eleição da Câmara.”
A PEC da Transição foi votada em dezembro e ampliou os gastos do governo no Orçamento de 2023 para acomodar as promessas eleitorais de Lula, como o Bolsa Família de R$ 600 e o adicional de R$ 150 por criança de até seis anos. Para aprovar a medida, o governo negociou com o Congresso cargos na Esplanada e o rateio dos recursos herdados com o fim do orçamento secreto determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O governo deve recorrer ao modelo de emendas “extra”, que seriam empenhadas conforme interesses dos deputados, mas são recursos previstos no Orçamento como verba discricionária (RP-2) dos ministérios. Essa prática foi usada em 2019 pela articulação política do governo Jair Bolsonaro para azeitar a Reforma da Previdência, por exemplo. Ela se mostrou uma forma pouco transparente de direcionar recursos a critério dos congressistas, pois não havia e vigorou antes da criação do orçamento secreto, com as emendas de relator-geral (RP-9) turbinadas.
Com a proibição do orçamento secreto em dezembro passado pelo Supremo, o Congresso e o governo redistribuíram R$ 19,4 bilhões que haviam sido originalmente propostos como reserva para emendas de relator. Os parlamentares enviaram R$ 9,55 bilhões para emendas individuais. Cada deputado ficou com R$ 12 milhões a mais, quantia similar aos R$ 13 milhões que os novos eleitos devem dispor agora.
Outra cota similar, de R$ 9,85 bilhões, ficou com o Executivo e foi parar na rubrica de investimentos de ministérios. Daí sairiam os cerca de R$ 3 bilhões para os novos deputados. Esse é o caminho mais falado entre os parlamentares para viabilizar o pagamento. Os deputados seriam chamados a indicar o destino de R$ 13 milhões dentro dos programas e convênios já existentes nos ministérios. Dessa forma, poderiam apontar os prefeitos aliados que receberiam a verba por convênio, conforme seus interesses paroquiais, mas dentro dos critérios técnicos preestabelecidos pelos ministérios.
Lira foi procurado pela reportagem para comentar o acordo para contemplar os novos deputados, mas não respondeu. O deputado foi reeleito para comandar a Câmara pelos próximos dois anos com votação recorde de 464 votos.
E OS SINDICATOS?
Por César Augusto de Mello / O ESTADÃO / ADVOGADO, É CONSULTOR JURÍDICO DA CENTRAL FORÇA SINDICAL, CNTQ E FEQUIMFAR
Passados pouco mais de cinco anos da reforma trabalhista promovida pela Lei n.º 13.467/2017, nota-se que a estrutura da organização sindical brasileira, formada por sindicatos, federações, confederações e centrais, sofreu um forte abalo, uma vez que sua principal fonte de custeio, a contribuição sindical, passou a ser facultativa, só podendo ser recolhida mediante prévia autorização.
Como se sabe, tal contribuição equivale a 1/30 do salário do trabalhador e, nos termos do art. 589, II, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sua divisão deve ser feita da seguinte maneira: 5% para a confederação, 10% para a central sindical, 15% para a federação, 60% para o sindicato, 10% para a Conta Especial Emprego e Salário, e é importante ressaltar que a estrutura sindical patronal também é beneficiada, mas, neste caso, é paga pelas empresas, na importância proporcional ao seu capital social. Em síntese, os empregadores financiam as entidades sindicais patronais e trabalhadores financiam as entidades sindicais profissionais.
Ocorre que a arrecadação compulsória que alcançava os cofres sindicais inegavelmente gerou uma nefasta acomodação de boa parte das entidades, que se afastaram da base de representação. E, com o advento da reforma trabalhista, chancelada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), elas viram minar seu poder econômico em progressão geométrica. E mais, o Precedente Normativo n.º 119 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e a Súmula Vinculante n.º 40 do STF impedem a cobrança de qualquer tipo de contribuição de trabalhador não associado ao sindicato.
Considerando isso, o mais adequado e razoável que hoje se cogita no meio sindical é possibilitar que as assembleias, soberanas e participativas, decidam de forma plausível as questões relacionadas ao custeio das entidades.
Além disso, outras alterações legislativas, como a necessidade de autorização da parte contrária para suscitar dissídio (art. 114, § 2.º da Constituição federal), a obrigatoriedade de negociar para toda a categoria e arrecadar somente de associado (art. 8, III, da Constituição federal) e a possibilidade de terceirização de qualquer atividade (art. 4.º-A da Lei 6.019/74), fizeram com que as entidades reduzissem drasticamente seu poder negocial.
Ora, a principal função das entidades sindicais é a negocial e, se ela está enfraquecida, os sindicatos não conseguem celebrar normas (convenções e acordos coletivos) que sejam minimamente adequadas aos interesses de seus representados, o que gera natural insatisfação entre estes.
Nesse contexto, avança cada vez mais no meio sindical o entendimento de que a velha estrutura está cansada e, diante da constante evolução tecnológica, que se reflete nas relações de trabalho, é preciso encontrar novos caminhos para concretizar um sindicalismo mais representativo e achegado da atual geração de trabalhadores, sobretudo dos jovens.
Na conjuntura moderna, é necessário entender que a palavra “obrigatório”, no que se refere a custeio sindical, foi retirada definitivamente do dicionário dos trabalhadores e que a atual estruturação sindical tende a se tornar obsoleta em razão das constantes e irreversíveis inovações do mundo do trabalho.
Apesar de verificarmos que entre os deputados e senadores recém-eleitos existe “polarização”, o fato é que a chegada do presidente Lula ao Palácio do Planalto gerou nos dirigentes sindicais a expectativa de algumas alterações na estrutura sindical brasileira, mesmo que se resumam a pontos essenciais, pois trabalhadores e empregadores precisam de segurança jurídica para seguir em frente com um mínimo de solavancos. Aliás, ao receber sindicalistas em Brasília no dia 18/1/2023, o atual presidente sinalizou que pode ser favorável às mudanças e entende serem necessárias.
Informações obtidas no Cadastro Nacional de Entidades Sindicais (CNES), atualizadas até 14/12/2022, mostram que temos 13.018 entidades sindicais de trabalhadores, sendo 14 centrais, 37 confederações, 453 federações e 12.514 sindicatos. Ainda, são 5.665 entidades sindicais patronais, a saber: 16 confederações, 188 federações e 5.461 sindicatos. E, se não bastasse, em 2021 o Ministério do Trabalho recebeu 564 pedidos de registro sindical e, em 2022, 758 pedidos. Algo precisa ser feito! Precisamos urgentemente entender o futuro das relações de trabalho e promover mudanças estruturais no sentido de modernizar e equilibrar as negociações coletivas. Para tanto, é imperioso tratarmos da atualização da estrutura sindical, do custeio, da autonomia perante o Estado, do estabelecimento de regras democráticas eleitorais, da transparência na utilização e prestação de recursos e do combate à indústria de “sindicatos de carimbo”.
A representação sindical deve ser fortalecida, para que os atores envolvidos possam, com base na autonomia privada coletiva, elaborar normas que reflitam a realidade do segmento, suprindo as necessidades oriundas da célere dinâmica do mundo do trabalho que a norma legal não tem como atender.
É preciso entender a força da negociação coletiva como instrumento relevante, célere e adequado para a solução setorial de problemas advindos das relações trabalhistas, e para isso precisamos de uma discussão madura, técnica, despida de ideologias e eventuais rancores de classe, pois a modernidade tende a atropelar quem a desconsidera. O País passa por vários problemas e a reestruturação sindical é apenas mais um deles, sobre o qual precisamos nos debruçar com afinco, pois das relações coletivas de trabalho, quando bem estruturadas, podem surgir mecanismos que nos coloquem num outro patamar relacional entre empresas, trabalhadores e sindicatos, perseguindo sempre as soluções que os novos tempos impõem.
No caso Janaína Paschoal, alunos da USP praticam intolerância disfarçada de defesa da democracia
Por José Fucs / O ESTADÃO
O abaixo-assinado promovido por alunos da Faculdade de Direito da USP contra a volta da deputada estadual Janaína Paschoal (PRTB) às salas de aula da instituição revela muito sobre a intolerância que prospera hoje no País disfarçada de defesa da democracia.
Ao querer impedir o retorno de Janaína à escola, da qual ela é professora licenciada, os estudantes que controlam o Centro Acadêmico XI de Agosto, que lançou o documento, mostram que a tal da democracia em nome da qual dizem agir só vale para quem reza pela mesma cartilha política que eles.
Talvez o grande templo da liberdade no País desde a sua fundação, em 1827, ainda nos tempos do Império, a faculdade do Largo de São Francisco, no centro de São Paulo, sempre foi um exemplo da diversidade de pensamento existente na sociedade brasileira. De monarquistas a comunistas, de liberais a anarquistas, cabia de tudo nas Arcadas, tanto entre os alunos quanto entre os mestres. Ainda que, algumas vezes, a convivência tenha sido conflituosa, havia respeito, de um jeito ou de outro, às diferenças e às divergências.
Agora, em vez de honrar a tradição de defesa da liberdade política e de expressão das Arcadas, os estudantes mais mobilizados do XI de Agosto e seus apoiadores preferem manchá-la, ao relativizar o conceito de “democracia” e perseguir seus desafetos políticos, como Janaína Paschoal, sob a alegação de ela que apoiou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, avalizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não aderiu ao “manifesto pela democracia” que foi lido na faculdade durante a campanha de 2022, como se isso fosse uma obrigação de todo democrata, e tem “divergências mínimas com os movimentos de extrema direita”, seja lá o que isso signifique.
Henrique Meirelles: ‘Lula está numa volta ao passado’
Por Luiz Guilherme Gerbelli / O ESTADÃO
Comandante do Banco Central nos dois primeiros governos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Henrique Meirelles diz que o embate criado pelo petista com a autoridade monetária traz ruídos e incertezas, o que “força o BC a ser um pouco mais duro na sua política monetária”.
Na leitura de Meirelles, Lula está numa espécie de volta ao passado. “É importante mencionar que ele foi candidato em 1989, 1994 e 1998, defendendo linhas desse tipo”, afirma o economista, que também ocupou o cargo de ministro da Fazenda na gestão de Michel Temer.
“É um momento de racionalidade. Tem muitas coisas que o presidente pode fazer, áreas em que ele pode se dedicar que são muito importantes para o País, tipo a educação, saúde, meio ambiente,” diz.
A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.
Como o sr. analisa esse embate entre Lula e BC?
Esses ataques ao Banco Central, do ponto de vista objetivo do que gostaria o presidente (Lula), que é baixar a taxa de juros, têm o efeito contrário. Na medida em que ele ataca o Banco Central, cria ruídos e incertezas no mercado. E o que acontece? As expectativas de inflação sobem, o que força o Banco Central a ser um pouco mais duro na sua política monetária do que seria caso o presidente sinalizasse o contrário.
Essa disputa também coloca mais pressão em relação ao perfil dos próximos diretores que serão indicados para o BC?
Nós temos uma escolha à frente de dois diretores. Tem uma indicação (feita pelo) do BC, mas, de fato, o presidente da República tem a prerrogativa legal de sugerir os nomes para o Senado. Ele pode aceitar ou não essa indicação do BC. Ao Senado, depois cabe aceitar ou não as indicações do presidente. Isso cria uma incerteza grande em todos os agentes econômicos, todos os formadores de preço. Não só nos agentes financeiros, qualquer formador de preço, no pequeno empresário, médio e grande empresário. Na medida em que eles acham que a inflação vai subir, eles sobem mais os preços.
O sr. foi presidente do BC nos dois primeiros governos Lula. Qual sugestão faria para ele?
Deixa o Banco Central trabalhar. É a melhor forma de conseguir que os juros baixem o máximo possível. Quanto mais o Banco Central for visto como capaz de tomar as suas próprias decisões e controlar a inflação, mais caem as expectativas e mais o BC pode cortar a taxa de juros, que é o desejo de todos, inclusive do próprio Banco Central, desde que não cause inflação e seja possível dentro das projeções inflacionárias dos modelos. Em resumo, é um momento de racionalidade. Tem muitas coisas que o presidente pode fazer, áreas em que o Lula pode se dedicar que são muito importantes para o País, tipo a educação, saúde, meio ambiente - e ele está indo bem nesses aspectos.
Como o sr. vê a postura do ministro Fernando Haddad nesse embate?
Eu acho que o Fernando Haddad está fazendo o papel certo de apaziguar e tirar esse assunto de cena. O governo tem muita coisa para discutir, e discutir o Banco Central é improdutivo.
O sr. se surpreende com uma postura do Lula pouco pragmática na área econômica?
Eu vou usar uma expressão antiga: me surpreende, mas não caí da cadeira. O Lula está numa fase diferente. Ele foi presidente duas vezes, depois teve o governo da Dilma, que ele acha que foi injustiçado pelo mercado, pelas empresas. Teve uma vida pessoal difícil nesse período. O Lula acha que está num período de fazer aquilo que ele acreditava no passado. É importante mencionar que ele foi candidato em 1989, 1994 e 1998, defendendo linhas desse tipo. O Lula fez uma mudança em 2002, quando lançou a Carta aos Brasileiros, no primeiro mandato. Mas está um pouco numa volta ao passado, às campanhas que ele fez na década de 1990 e, portanto, é algo que é surpreendente considerando que ele fez um governo que deu certo, mas, por outro lado, dá para entender pela história toda o que o está influenciando a essa altura.
Perícia em celular revela única preocupação de Torres no dia 8: 'Não deixe chegar no Supremo'
Por Rayssa Motta / O ESTADÃO
"Não deixe chegar no Supremo." Essa foi a única ordem do então secretário de Segurança do Distrito Federal, Anderson Torres, ao seu substituto, o delegado federal Fernando de Sousa Oliveira, no dia 8 de janeiro. Torres está preso preventivamente na investigação sobre os atos golpistas por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).
A mensagem foi enviada às 15h56, quando os bolsonaristas radicais já haviam subido a rampa do Congresso Nacional.
A conversa foi encontrada na perícia feita pela Polícia Federal (PF) no celular de Oliveira, que assumiu interinamente a Secretaria de Segurança dias antes dos protestos extremistas na Praça dos Três Poderes para cobrir as férias de Anderson Torres. Ele entregou o aparelho espontaneamente aos policiais.
O relatório da perícia foi enviado nesta quinta-feira, 8, ao STF. O documento descarta que o secretário interino tenha sido omisso ou conivente com os radicais.
"O delegado Fernando de Sousa Oliveira realizou o acompanhamento e monitoramento dos fatos em torno dos dias que antecederam a manifestação; solicitou dados e informações adicionais aos seus comandados da SSPDF; repassou as informações, planejamentos e estratégias adotadas ao Governador do DF; e, no que foi possível, tentou gerir de forma ativa, inclusive estando in loco, a atuação da SSPDF e dos órgãos a ela subordinados, a partir do momento em que se acirraram os ânimos dos manifestantes que chegaram à Esplanada dos Ministérios", registra o relatório.
As mensagens extraídas também apontam que, dois dias antes dos protestos, a subsecretária de Operações Integradas do Distrito Federal, Cíntia Queiroz de Castro, tranquilizou Oliveira sobre a preparação das forças de segurança. "Vai dar certo doutor", escreveu em referência aos protestos previstos. "Estamos tão acostumados a fazer que já sabemos como agir", garantiu.