O bom presidente - José Manuel Diogo
Um país se mede pela vontade de seus homens e mulheres, pela capacidade coletiva em superar os momentos adversos e pela qualidade dos seus líderes. A identidade de uma nação se calcula multiplicando as semelhanças que unem pelas diferenças que não separam. E essa é uma conta cada vez mais rara de fechar nos nossos tempos. Hoje os políticos se acham com facilidade gritando no WhatsApp, mas fica difícil achar algum pensando no seu povo.
Hoje os políticos preferem a confusão do ruído à beleza da calma. A facilidade do ódio à complexidade do amor, o ferro da força ao cristal do equilibro; preferem a vaidade de um momento à modéstia de toda a história.
A eleição para presidente da República de Portugal foi um hino à liberdade
Poderíamos dizer que nunca como hoje os políticos faram tão parecidos com as pessoas da rua, que nunca estiveram tão longe de ser estadistas; mas nessa ilusão de proximidade digital, nunca estiveram tão longe de ser úteis ao povo. Nunca falo aqui desse país longínquo e pequeno de onde eu venho. Mas esta semana foi bom ser português. E o mais estranho é que foi por causa de um político.
Portugal vive hoje o período mais terrível da pandemia, são os dias mais difíceis que o povo luso enfrentou em todo o século XXI, mas esta semana mesmo, algo de maravilhoso aconteceu. Mesmo quando, em média, morrem mais de 200 pessoas por dia, os (apenas) 10 milhões de portugueses que hoje vivem em Portugal deram uma lição de civilização ao mundo.
Mesmo quando o panorama é aterrador — e os hospitais já perderam a capacidade de responder à demanda, e as ambulâncias se amontoam na entrada da urgência, e os cuidados intensivos se esgotaram e pessoas morrem sem cuidados — a democracia se mostrou saudável. Mesmo estando às escolas vazias, o comércio, os bancos, transportes e serviços públicos totalmente encerrados ou cumprindo serviços mínimos, a eleição para presidente da República de Portugal foi um hino à liberdade. No meio do horror, os portugas se agilizaram para ir votar e escolher o seu presidente.
Em muitos casos a abstenção chegou mesmo a diminuir. Marcelo Rebelo de Sousa, o (de novo) presidente português, conseguiu, no meio do medo e do temor, mobilizar seu povo a votar, impedindo os radicais de avançaram mais. O presidente dos portugueses mostrou a todos durante uma campanha eleitoral — onde andou sempre sozinho, dirigindo seu próprio carro — que os afetos são sempre mais poderosos que o ódio e que a partilha tem muito mais força que o egoísmo.
Seu recato contido é um sinal grave e sereno que todos une no combate a este inimigo comum. Este inimigo invisível que não vive em nossas diferenças, mas se alimenta delas. Mais importante ainda, o bom presidente consegue fazer o seu povo acreditar nisso.
Em 'Pachinko', Min Jin Lee trata de migração forçada, xenofobia e questiona o nacionalismo senil
Lançado em 2017, nos EUA, “Pachinko” tornou-se rapidamente um sucesso de crítica e de público. Recomendado por personalidades midiáticas como Barack Obama e Oprah Winfrey, o romance da americana de origem sul-coreana Min Jin Lee foi editado em 30 países, recebeu prêmios e, em breve, será adaptado para a Apple TV. Tamanho alvoroço é pertinente. Seguindo a linha de tantos escritores empenhados em retratar suas origens, Min Jin Lee mostrou que tem muito a contribuir com esse filão ao questionar se o antigo conceito de pátria-mãe ainda é válido.
É uma ideia curiosa. Nascida na Coreia do Sul, em 1968, Min Jin Lee e sua família foram morar nos EUA em 1976 — conhecendo a fundo a experiência de abrir mão da própria terra para criar raízes em terras estrangeiras. Assim, ao acompanhar quatro gerações de uma família de coreanos vivendo no Japão durante boa parte do século XX, “Pachinko” toca, com propriedade, em temas como migração forçada, xenofobia, paixões e outras desventuras.
Eis aí um prato cheio de conflitos, material altamente inflamável e lacrimejante. Mas o bacana é que a autora não “enfeita o sofrimento” (apud Julio Barroso), escapando da lamentação mimizenta que tem sido cometida à exaustão na literatura.
Vamos, pois, a “Pachinko”. Estamos em 1910, ano em que o Japão anexou a Coreia, após um processo histórico longo. Só que Min Jin Lee não se aprofunda em questões políticas ao pé da letra. Seu foco está nos merdunchos, como dizia João Antônio a respeito das figuras invisíveis que vivem nas sombras, e isso fica claro já na frase de abertura: “A história falhou conosco, mas não importa”. Bem sacado. Aqueles à margem da história costumam render personagens fortes, como vemos nas obras de Ana Paula Maia, Toni Morrison, James Baldwin e muitos outros.
Joan Didion:A observação da vida americana entre sonho e realidade
O fio condutor da saga chama-se Sunja. Vamos conhecê-la ainda adolescente, filha única de pais humildes de uma região costeira da Coreia. Bastante cortejada pelos hóspedes da pensão que mantém com sua mãe, sempre escapa das investidas... até que sucumbe à lábia de Hansu, um sujeito rico, bem casado e cheio de filhos. O problema é que, quando Sunja descobre essas inconveniências, é um pouco tarde demais. Ela já está grávida dele, e ele, claro, some no mundo. Clichê, decerto, mas a vida tem muitos clichês do tipo.
Máquina de triturar
Para salvar o bom nome da família e o seu próprio, Sunja aceita se casar com um pastor cristão, um bom samaritano que releva o fato de criar um filho que não é seu. É assim que a família vai viver no Japão, onde coreanos, à época, eram explorados em trabalhos humilhantes e negócios criminosos, na versão nipônica da máquina de triturar imigrantes.
Depois de um breve salto no tempo, vemos Sunja e família bem remediadas. Volta à cena, então, Hansu, aquele pilantra que a deixara grávida. Pilantra profissional, diga-se, posto que se mostra como um mafioso graúdo, herdeiro do chefe do submundo — controlando inclusive salões de pachinko, casas de jogos bastante populares no Japão.
Tudo bem que o reencontro do ex-casal de ocasião é mais um clichezinho, mas ele ocorre justamente para dar um novo rumo aos personagens. Estamos agora nos últimos dias da Segunda Guerra Mundial, todos sabem que o Japão será virado do avesso, e Hansu usa sua influência para garantir fuga e segurança à família de Sunja. Que, a esta altura, está viúva.
A derrota na guerra determina o fim do domínio japonês sobre a Coreia — além da divisão deste país em duas metades politicamente antagônicas. É nesse ponto que surgem novos questionamentos para Sunja e seus pares. Que destino terão os coreanos que vivem no Japão? Devem permanecer em meio aos escombros ou voltar à velha terra miserenta?
Conflitos assim vão surgindo à medida que os mais jovens ganham espaço na narrativa. É o caso de Noa, filho de Sunja e Hansu. O garoto cresce e faz fortuna sentindo-se um japonês legítimo, escondendo sua raiz coreana até mesmo da própria mulher. Essa rejeição será sua desgraça.
Com essas e outras manhas, “Pachinko” pode ser um bom contraponto a obras e discursos que cultivam um nacionalismo senil ou um patriotismo homicida. Min Jin Lee sugere que não é de hoje que o conceito de pátria-mãe está em baixa — e nada indica que ele voltará a ser respeitado. Como percebe qualquer torcedor da seleção brasileira ao ver a falta de apreço de jogadores pela camisa canarinho, a pátria-mãe que interessa agora é aquela que rende trabalho e, se possível, fortunas insanas. Parece um exemplo ao acaso, mas ilustra um comportamento que se repete em todo o planeta. As saudades da terra que tem palmeiras onde canta o sabiá estão mortas há tempos — e quem as matou não tem qualquer drama de consciência.
Nelson Vasconcelos é jornalista
Serviço
“Pachinko”
Autora: Min Jin Lee. Editora: Intrínseca. Tradução: Marina Vargas. Páginas: 528. Preço: R$ 69,90 Cotação: Bom / o globo
Violência na quarentena -
Num ano marcado por uma pandemia viral como o de 2020, em que as cidades brasileiras se viram, em maior ou menor grau, sob medidas que restringiram a circulação de pessoas e o funcionamento de bares e casas noturnas, parece lógico esperar alguma diminuição dos registros criminais.
No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, quase todos os indicadores recuaram no ano passado quando comparados aos de 2019. No caso dos homicídios, não apenas a tendência de queda dos últimos três anos se manteve como o índice regrediu para o patamar mais baixo desde 1991.
Não foi o que se verificou em São Paulo. No estado mais rico do país, o número de assassinatos paradoxalmente cresceu durante 2020, depois de cair continuamente ao longo dos sete anos anteriores.
Os homicídios dolosos passaram de 2.778, em 2019, para 2.893, no ano passado, alta de 4,1%. Já o total de vítimas cresceu mais: 4,5%. Registraram-se 3.038 mortos em 2020, ante 2.906 no ano anterior.
O recrudescimento estadual chama ainda mais a atenção quando se observa que praticamente todos os demais indicadores recuaram. Com relação aos crimes patrimoniais, os latrocínios caíram 6,7%; roubos e furtos regrediram 14,3% e 24,8%, respectivamente. A nota dissonante foram os assaltos a bancos, que passaram de 21 para 29.
Até os estupros, que vinham subindo no estado havia quatro anos, tiveram queda de 10,9% —embora especialistas advirtam que o confinamento resultante da pandemia de Covid-19 possa ter dificultado o registro dessas ocorrências.
Verdade que, malgrado o recente aumento do número de assassinatos, São Paulo segue apresentando de longe a menor taxa de homicídios do Brasil, de 6,48 por 100 mil habitantes —um trunfo das administrações tucanas que, com interrupções pontuais, estiveram à frente do estado nos últimos 25 anos, período em que esse índice mostrou recuo expressivo.
O crescimento de 2020 figura como um acontecimento historicamente raro. Desde que tais dados começaram a ser compilados, em 2001, essa foi apenas a terceira vez que a curva de homicídios inverteu o sentido de queda.
Por essa razão, é imprescindível que as autoridades se debrucem agora sobre as estatísticas de violência. Compreender as causas do retrocesso é fundamental para que se formulem políticas adequadas de segurança e, dessa maneira, garantir que o estado preserve esse importante legado civilizacional.
Governo quer acelerar novo Bolsa Família enquanto não decide sobre auxílio emergencial
30 de janeiro de 2021 | 05h00
BRASÍLIA - O Ministério da Cidadania quer acelerar a reformulação do programa Bolsa Família para ganhar tempo e tentar aplacar a pressão por uma nova rodada do auxílio emergencial. Enquanto isso, o Ministério da Economia reúne sugestões de especialistas e de outros setores do governo para reformular as regras do benefício, criado para ajudar as famílias na pandemia de covid-19. O objetivo é focalizar a concessão do auxílio e, consequentemente, reduzir o seu custo.
O movimento coordenado sinaliza que a área econômica não pretende ceder à pressão pela renovação imediata do auxílio. A discussão sobre uma nova rodada do benefício permeou, por exemplo, a campanha dos principais candidatos à presidência da Câmara e do Senado – inclusive, daqueles apoiados pelo Palácio do Planalto: Arthur Lira (PP-AL), na Câmara, e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) no Senado. A eleição acontece na segunda-feira.
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Na área econômica, a avaliação do “grupo fiscalista” de assessores do ministro Paulo Guedes é de que é preciso esperar um pouco mais para conceder o auxílio. A renovação é dada como praticamente certa, diante do agravamento dos efeitos da doença, embora na quinta-feira o presidente Jair Bolsonaro tenha dito que uma nova rodada do auxílio “quebraria” o Brasil.
Uma fonte da área econômica disse, sob a condição de anonimato, que o mercado financeiro, resistente a que o governo se endivide ainda mais para bancar a ajuda adicional, está assimilando a nova rodada do benefício. A questão agora, porém, é o governo ter as “rédeas” do processo e evitar que o Congresso faça uma concessão ainda maior, ampliando o risco fiscal.
O ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, disse na quarta-feira passada em entrevista à Rádio Bandeirantes que o novo desenho do Bolsa Família está pronto e deve ser lançado já na próxima semana. Após ter trabalhado na reformulação, Onyx pode em breve deixar a pasta para dar lugar a um nome indicado pelo Centrão. O atual ministro migraria para uma cadeira dentro do Palácio do Planalto na reforma ministerial que Bolsonaro deve fazer para acomodar os recentes acordos políticos.
Alcance
A estratégia de usar a reformulação do Bolsa Família para aplacar o apetite por um reforço nas políticas sociais não é unânime. Dentro do governo também há o temor de que a divulgação do novo desenho do programa dê errado, aumentando o desgaste e o mau humor dos congressistas com a demora do governo para agir, já que a remodelagem não é de grande alcance.
Como mostrou o Estadão/Broadcast, o novo desenho do Bolsa Família deve elevar o valor médio do benefício dos atuais R$ 190 para R$ 200. Haverá ainda um ajuste no critério de renda para ingressar no programa, que vai permitir a inclusão de cerca de 300 mil famílias. A situação de extrema pobreza, atualmente reconhecida quando a renda é de até R$ 89 por pessoa, subirá a cerca de R$ 92 por pessoa. Já a situação de pobreza, quando a renda é de até R$ 178 por pessoa, será alterada para aproximadamente R$ 192 por pessoa.
O governo também quer criar três bolsas por mérito: escolar, esportivo e científico. A ideia é premiar estudantes de famílias do Bolsa por seus desempenhos nessas áreas.
A reformulação do programa deve ser feita por meio de medida provisória, que tem vigência imediata, mas precisa ser chancelada pelo Congresso Nacional em até 120 dias – período em que pode sofrer mudanças. Detalhes do texto foram discutidos nesta semana em reunião entre Onyx, Guedes e suas respectivas equipes.
Outras medidas também estão em avaliação, como o fortalecimento do microcrédito para beneficiários do Bolsa Família. O governo quer que essas famílias consigam tomar dinheiro emprestado para usar como capital de giro ou na aquisição de equipamentos e eletrodomésticos para seus pequenos negócios. Hoje, essas operações têm um custo elevado, por causa do risco de inadimplência e da dificuldade de obter informações da família, além da necessidade de visitas presenciais. A intenção é baratear o custo por meio de assistência técnica, fundos garantidores e mecanismos de aval solidário, em que todos os beneficiários respondem pelos compromissos do grupo, estimulando o pagamento em dia.
Ministério da Saúde confirma compra de mais 54 milhões de doses da Coronavac
29 de janeiro de 2021 | 20h16
SÃO PAULO - O Ministério da Saúde confirmou, nesta sexta-feira, 29, que efetivará a compra de mais 54 milhões de doses da Coronavac, vacina desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac e produzida no Brasil pelo Instituto Butantan. O lote se somará às 46 milhões de unidades do imunizante já adquiridas pelo governo federal.
Em nota divulgada na noite desta sexta, a pasta afirmou que "irá firmar o contrato de compra das doses junto à Fundação Butantan na semana que vem" e ressaltou que "está solicitando a antecipação do registro da vacina junto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), para ampliar a vacinação para toda a população brasileira". Por enquanto, a Coronavac tem apenas autorização para uso emergencial.
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O Butantan e o governo paulista vinham pressionando o ministério desde o início desta semana pela confirmação do novo contrato. O diretor do instituto, Dimas Covas, chegou a afirmar que, se o ministério não efetivasse a compra, iria exportar as doses excedentes a países da América Latina.
Dias depois, o governador João Doria afirmou que, caso o governo federal não manifestasse interesse até semana que vem, as doses poderiam ser vendidas para Estados e municípios.
O Ministério da Saúde justificava que, por contrato, tinha até maio para decidir sobre a compra do novo lote. A pressão de governadores e prefeitos e as críticas de especialistas sobre a demora na definição acabaram pesando para que a pasta antecipasse a decisão.
O governador Wellington Dias (PT), do Piauí, chegou a enviar na quinta-feira, 28, uma carta oficial ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) solicitando a compra do lote adicional. O documento foi assinado em nome do Fórum Nacional de Governadores e pedia ainda que, na impossibilidade de aquisição pelo governo federal, fosse "viabilizada a opção de compra por parte dos Estados brasileiros, conforme anteriormente aventado”.
Governo tenta destravar autorização para a Sputnik, tratada como possível 'vacina de Bolsonaro'
30 de janeiro de 2021 | 05h00
Pressionado a abastecer o País com vacinas contra a covid-19 e pela dependência da Coronavac, que já foi chamada no passado pelo presidente Jair Bolsonaro de a “vacina de João Doria”, o governo federal tenta avançar na compra de outros imunizantes. A Sputnik V, da Rússia, é vista como uma das mais promissoras por interlocutores do presidente e do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, mas ainda esbarra na falta de dados para a aprovação na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nos bastidores, defensores dizem que a Sputnik poderia se tornar “a vacina de Bolsonaro”.
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No Brasil, ela será produzida pela farmacêutica União Química, que planeja trazer ao País 10 milhões de doses prontas até março. Além disso, programa produzir outras 150 milhões em 2021 – e espera fabricar o insumo farmacêutico ativo no País.
Bolsonaro reuniu-se na quarta-feira com o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, e um dos temas tratados, segundo apurou o Estadão, foi a aprovação da Sputnik V. Como mostrou a Coluna do Estadão, o Ministério da Saúde disse à União Química que está “disposto a formalizar as tratativas comerciais para eventual aquisição dos lotes do imunizante”, caso a empresa receba aval para o estudo de fase 3 e peça o uso emergencial à Anvisa.
A discussão ocorreu no momento em que o governo de São Paulo e o Ministério da Saúde travavam novo duelo pela Coronavac. A gestão Doria afirmava que, sem manifestação rápida da pasta, poderia até exportar as 56 milhões de doses da vacina que o Butantan deve produzir a partir de maio. O governo – que já comprou 46 milhões de unidades – entendia que podia responder sobre a compra dos lotes restantes até 30 de maio – mas, com a pressão, o contrato será assinado na terça.
O secretário executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco, chegou a dizer anteontem, à Rádio CBN, que não descartava abrir mão da segunda compra da Coronavac, caso tivesse outras opções.
Outras vacinas
Além da Sputnik V, o ministério também trata como promissora a Covaxin, desenvolvida pelo laboratório indiano Bharat Biotech. Mas, até agora, só foram publicados dados da primeira fase de pesquisa do imunizante. O governo ainda negocia a importação de mais 10 milhões de doses prontas da vacina de Oxford/AstraZeneca da Índia e conta com a produção de imunizantes pela Fiocruz e pelo Butantan.
O Instituto Gamaleya, de Moscou, que desenvolveu a Sputnik V, divulgou que sua taxa de eficácia é de 91,4%, mas ainda não publicou em artigo científico os detalhes do ensaio clínico. Ainda não está claro, por exemplo, quanto tempo a proteção da vacina pode durar.
A distribuição da Sputnik V, porém, ainda esbarra no aval da Anvisa, que aponta falta de dados básicos para poder liberar o uso emergencial do imunizante. Faltam também pesquisas de fase 3 do produto no Brasil.
Em conversas entre Planalto e Ministério da Saúde não é descartado um drible na agência sanitária, mas há resistência. Dispensar a análise da Anvisa bateria de frente com o discurso do presidente de que apenas vacinas seguras e eficazes, certificadas pelo órgão, serão distribuídas. Foi o argumento usado para atrasar a compra da Coronavac e da vacina da Pfizer.
Ainda assim, uma ideia por enquanto remota é permitir que vacinas aprovadas na agência sanitária da Rússia pudessem receber autorização excepcional para importação e distribuição no Brasil. Esse aval chegou a ser colocado em minuta da Medida Provisória 1.026/2021, que liberou a compra de imunizantes sem registro da Anvisa, mas foi excluído do texto final. Pela MP atual, só produtos registrados em EUA, União Europeia, Reino Unido, Japão e China entram na regra. Outro caminho seria imitar a decisão da Argentina, que deu o aval para o uso emergencial, com uma recomendação pouco aprofundada de sua agência reguladora.
A Anvisa detalhou ao STF a falta de dados da Sputnik, em ofício de 22 de janeiro, onde ressaltou que sequer informações exigidas para realizar a pesquisa no País foram apresentadas. Faltam ainda dados de eficácia e segurança do produto, entre eles, os de “toxicidade reprodutiva”, que mostram que a vacina não leva à infertilidade ou prejudica o desenvolvimento de um embrião, feto ou recém-nascido. O pedido foi devolvido pela agência à empresa.
A União Química não informou ao Estadão quando enviará os dados cobrados, mas interlocutores da empresa afirmam que as exigências serão cumpridas e esperam receber o aval para os estudos em breve.