Supremo forma maioria para derrubar tese da ‘legítima defesa da honra’ em casos de feminicídio
Rayssa Motta, Pepita Ortega e Paulo Roberto Netto
11 de março de 2021 | 10h11
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para abolir a tese jurídica da chamada ‘legítima defesa da honra’.
O julgamento está sendo feito no plenário virtual, que permite aos ministros analisarem as ações e incluírem os votos no sistema digital sem a necessidade de reunião física ou por videoconferência. O prazo para encerramento é nesta sexta-feira, 12.
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O assunto está sendo discutido em uma ação apresentada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) em janeiro. Embora não esteja prevista na legislação, a sigla argumenta que a tese da ‘legítima defesa da honra’ continua sendo usada como argumento para justificar feminicídios em ações criminais, sobretudo quando os réus são levados a júri popular. O PDT alegou que trechos dos códigos penais abrem brecha para a interpretação e pediu que ao tribunal declare sua inconstitucionalidade e, com isso, ponha fim à controvérsia em torno da matéria.
Pela tese, uma pessoa pode matar a outra para ‘proteger’ sua ‘honra’. De acordo com um levantamento feito pelo partido, tribunais do júri têm recorrido ao argumento para absolver acusados de feminicídio pelo menos desde 1991. Em alguns casos, tribunais superiores anulam a sentença por contrariedade às provas do processo. Em outros, mantêm as absolvições com base no princípio da soberania do júri popular.
O ministro Dias Toffoli, relator do caso, abriu os votos e considerou a tese inconstitucional. Ele observou que o argumento não pode ser encarado como uma leitura da ‘legítima defesa’, prevista na legislação, ou usado para justificar crimes de feminicídio.
“Concluo que o recurso à tese da ‘legítima defesa da honra’ é prática que não se sustenta à luz da Constituição de 1988, por ofensiva à dignidade da pessoa humana, à vedação de discriminação e aos direitos à igualdade e à vida, não devendo ser veiculada no curso do processo penal nas fases pré-processual e processual, sob pena de nulidade do respectivo ato postulatório e do julgamento, inclusive quando praticado no tribunal do júri”, decidiu.
Juízes não podem tudo -
Por Malu Gaspar / O GLOBO
O Fla-Flu em que se transformou a política brasileira viveu nos últimos dias um capítulo icônico, que começou com o movimento de Edson Fachin para salvar Sergio Moro e o legado da Lava-Jato e culminou no discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em São Bernardo do Campo. Enquanto moristas e bolsonaristas se revoltavam — não necessariamente pelo mesmo motivo —, partidários de Lula comemoravam o que diziam ser o restabelecimento da justiça e da verdade no Brasil.
Os últimos lances no STF deixam claro, porém, que nada disso eliminou um dos fatores que mais contribuíram para a crise em que vivemos e continua sem ser encarado de frente: no Brasil, juízes agem como se pudessem tudo. E, ao fazê-lo, ameaçam um pilar básico da democracia: o de que ninguém está acima da lei.
A esta altura do campeonato, só um alienígena consideraria não haver elementos para discutir se Moro agiu ou não com parcialidade nos processos contra o ex-presidente. Os diálogos divulgados pela Vaza-Jato mostram que ele de fato “pulou o balcão”, como diz Gilmar Mendes, dando a procuradores instruções que não lhe competiam e tomando decisões que abriram flanco a contestações.
Entre esses atos, estão a condução coercitiva de Lula; a divulgação dos diálogos entre Lula e Dilma captados por interceptação telefônica já depois do horário permitido por lei e a liberação para o público da delação de Antonio Palocci sobre o caixa 2 do PT, dias antes do primeiro turno de 2018. Sem contar Moro ter assumido a pasta da Justiça no governo de Jair Bolsonaro, dizendo que o fazia para preservar o legado da operação.
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Em que pese não ter sido tomada uma decisão final sobre o ex-juiz, o desenrolar dos acontecimentos colocou Lula de volta no jogo eleitoral — o que, na avaliação dos mais entusiasmados, seria sinal da volta ao “estado de direito” e garantia de que não haverá mais interferências indevidas do Judiciário no cenário político.
Alguns fatos, porém, não deveriam escapar aos autointitulados garantistas. Em seu arrazoado, o ministro Gilmar Mendes criticou duramente a divulgação dos áudios interceptados em escritórios de advocacia, mas logo adiante utilizou-se de diálogos também captados ilegalmente por um hacker para sustentar seu argumento.
Afirmou, ainda, que Moro agiu como “juiz acusador”, rompendo as barreiras legais para sua atuação. Nem parecia o mesmo ministro que defende enfaticamente o inquérito das fake news, aberto depois de uma reportagem com denúncias contra Dias Toffoli.
Mesmo sendo vítima do suposto crime, Toffoli determinou a abertura do inquérito e, em vez de mandar sortear um relator, indicou Moraes para conduzi-lo e relatá-lo — contra a posição da Procuradoria-Geral da República e sob críticas de juristas. A investigação depois mudou de rumo e chegou a um esquema de disseminação de fake news por bolsonaristas — o que, para alguns, desculparia o desvio original. O próprio Gilmar já se referiu ao inquérito como uma “contribuição para o mundo civilizado”.
Na sessão desta semana, ao listar os abusos de Moro, Gilmar salientou que vários pedidos de suspeição contra o ex-juiz foram arquivados sem análise. Mas não mencionou que todas as arguições de impedimento e suspeição de magistrados do próprio STF foram arquivadas.
Algumas, inclusive, contra o próprio Gilmar, que, apesar de ter sido padrinho de casamento do filho de um empresário de ônibus do Rio preso por corrupção, não viu nada demais em conceder um habeas corpus para soltá-lo. “Ser padrinho de casamento impede alguém de julgar um caso?”, disse, na ocasião.
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A seletividade nas decisões ocorre também no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em julho passado, o ministro João Otávio Noronha concedeu habeas corpus a Fabrício Queiroz e sua esposa, Márcia Aguiar. Noronha, com quem Bolsonaro diz ter tido “um amor à primeira vista”, havia negado vários pedidos de habeas corpus de presos que diziam fazer parte do grupo de risco para a Covid-19. Mas acatou o pedido de Queiroz com base nesse mesmo argumento.
Os exemplos estão à vista de todos. Mesmo assim, há quem agora julgue que estamos mais próximos do restabelecimento das garantias individuais e do devido processo legal, porque Moro foi punido e Lula voltou a ser elegível.
Há alguns meses, ouvi de um ativo combatente da Lava-Jato uma frase que resume o espírito: “Estado direito é aquele que pune meu inimigo. Quando pune meu amigo, é estado policialesco”.
Enquanto as decisões judiciais no Brasil forem encaradas dessa forma, sempre haverá juízes que, a pretexto de fazer o bem, extravasam limites de sua atuação. Pode até ser bom para os amigos, mas é muito ruim para a democracia.
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A barafunda do STF - FOLHA DE SP
Com a devida vênia, o termo do título define a atuação do Supremo Tribunal Federal em relação à Lava Jato. Os casuísmos e heterodoxias com os quais a principal corte do país lida com a operação, embora tenham longa história, atingem agora novo patamar.
A sequência de manobras da semana começou com uma bombástica decisão do ministro Edson Fachin, que na segunda-feira (8) decretou a 13ª Vara de Curitiba incompetente para julgar quatro processos envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Com isso as condenações que pesavam contra o líder petista ficam anuladas, e ele readquire seus direitos políticos, podendo concorrer à Presidência no ano que vem.
A medida de Fachin causa estranheza porque os advogados de Lula haviam argumentado repetidas vezes ao longo de anos que Curitiba não era o foro adequado para julgá-lo, e seus pleitos foram negados em várias instâncias da Justiça, incluindo o Supremo.
Daí ter surgido a leitura de que o magistrado tenha virado o jogo agora apenas para tentar evitar que a Segunda Turma julgasse a suspeição do ex-juiz Sergio Moro —o que não conseguiu.
Se a liminar de Fachin atentou contra a ideia de estabilidade jurídica, tampouco o juízo sobre a suspeição de Moro mereceu tratamento adequado. Relator do caso, que tramita há dois anos, o ministro Gilmar Mendes, decidiu recolocá-lo em julgamento justamente na terça (9) —e a sessão acabou paralisada por um pedido de vistas de Kassio Nunes Marques.
Ao fim e ao cabo, mais confusão. Sabe-se que por ora as condenações de Lula estão anuladas; entretanto não está claro se por incompetência, suspeição ou ambas, hipótese em que teríamos outro golpe contra a estabilidade jurídica, já que ficariam abertas duas avenidas distintas para outros réus pleitearem nulidades.
O alcance delas constitui outra discussão à qual o STF não pode se furtar. Se Moro de fato mostrou-se suspeito devido a abusos e às relações indevidas com os procuradores de Curitiba, a corrupção investigada pela Lava Jato foi real.
Os casos em que juízes e procuradores tenham agido contra a lei devem obviamente ser anulados, uma exigência básica do Estado de Direito. Mas é preciso cuidado para não transformar os reparos necessários no célebre plano do ex-senador Romero Jucá (MDB-RR) —”estancar essa sangria”, “com o Supremo, com tudo”.
Quanto a Lula, todas as instâncias da Justiça farão bem em dar celeridade às decisões que envolvem um candidato em potencial à Presidência que é réu em oito processos, incluindo os dois resultantes em condenações ora anuladas.
Dois erros antigos - MERVAL PEREIRA
Nada como uma competição, dogma do sistema capitalista que nenhum dos dois, Bolsonaro ou Lula, aceita integralmente. Não gostam de privatizações, querem o Estado induzindo a economia brasileira, usando as estatais como fonte de recursos políticos e econômicos. Bolsonaro, logo depois da fala de Lula, apareceu de máscara em solenidade pública, e nas redes sociais seu filho, o senador Flávio Bolsonaro, postou a foto do pai com o slogan: “A vacina é nossa arma”. Parecia um slogan do governador paulista, João Doria.
Seria incorreto dizer que, afinal, Bolsonaro tem um adversário à altura na corrida presidencial. Mas é fato que a disputa entre um presidente no mandato contra um ex-presidente de dois mandatos é diferente. Como a pandemia se tornará o grande tema político nos próximos meses, a partir do patamar trágico de mais de 2 mil mortes diárias, o discurso do ex-presidente Lula foi um lançamento em alto estilo de sua candidatura, falando coisas sensatas e dando indicações do que faria se estivesse no governo.
Um comitê de crise, uma informação constante, com orientação à população e, sobretudo, incentivar a vacinação e não desdenhar a ciência são medidas de bom senso. Mas Luiz Mandetta, quando era ministro da Saúde, fez isso, e o governador João Doria está fazendo desde os primeiros dias da pandemia. Com vantagem para Doria, que tem o Instituto Butantan e a vacina CoronaVac para imunizar os habitantes de São Paulo e ainda distribuir doses por outros estados.
Além do mais, a economia do estado que ele governa foi a única que cresceu positivamente durante a pandemia e deve permanecer assim enquanto o resto do país sofre os desmandos do governo federal. O PSDB decidiu fazer eleições primárias entre Doria e o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, para escolher seu candidato. Fazendo isso, ganhará uma consistência partidária que dará ao escolhido condições de disputar a eleição presidencial com uma base mais sólida do que em 2018.
O ex-presidente Lula apareceu ontem reciclando o personagem Lulinha, Paz e Amor, criado pelo marqueteiro Duda Mendonça em 2002, fazendo oposição a Bolsonaro, com afirmações de que o governo não cuida dos jovens, nem da economia, nem do emprego. Não totalmente paz e amor, no entanto. Talvez tenha querido deixar o passado para trás gastando um pouco da sua bile com os inimigos costumeiros, especialmente o ex-juiz Sergio Moro, que quer ver destruído.
Normal para quem ficou preso mais de 500 dias e agora vê os processos anulados. Lula foi vítima e beneficiário de uma disputa de narrativas em torno da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF). Com o fim da prisão em segunda instância, que o levou à cadeia, foi solto e, agora, com a mudança do foro competente para julgá-lo, teve os processos anulados.
Sem surpresas, mostrou-se próximo ao atual presidente quando criticou as privatizações, também quando atacou o jornalismo profissional. Bolsonaro quer fechar jornais, Lula quer controlá-los. O passado do PT condena Lula, mas o presente lhe é favorável, pois, se não foi inocentado, seus processos foram encaminhados para a Justiça Federal do Distrito Federal.
Começar todos da estaca zero, em outra jurisdição, é o que de melhor pode acontecer a Lula, pois a prescrição fatalmente acontecerá. Mas não está inocentado, e os roubos ocorridos na Petrobras e em outras estatais estão indelevelmente marcados na História do país. Temos, então, o maior erro judiciário da história, na versão de Lula, ou o maior caso de corrupção já registrado no país, talvez no mundo. Os que delataram, os que devolveram milhões de dólares e de reais aos cofres públicos, não deixam que se esqueça o esquema que foi montado.
Assim como não se pode esquecer que o presidente Bolsonaro ganhou uma eleição sobretudo porque absorveu o espírito do tempo e apoiou enfaticamente a economia liberal e o combate à corrupção, temas alheios a ele. Só lhe resta o antipetismo, forte fonte de apoios. Mas terá que disputar com os governadores Doria ou Eduardo Leite, o ex-ministro Ciro Gomes, e outros, esse espaço. Não podemos continuar a escolher o menos pior. Dois erros antigos não se transformam em um acerto. O GLOBO
Cadastro de vacinação contra Covid-19 no Ceará é apenas para grupos prioritários
O cadastro para vacinação contra a Covid-19 no Ceará está aberto, deste segunda-feira (8), com foco nos grupos prioritários. São cadastradas, por meio da plataforma Saúde Digital, as pessoas contempladas nas quatro primeiras fases especificadas no Programa Nacional de Imunização (PNI).
Circula em redes sociais um comunicado informando que o cadastro estaria aberto e seria obrigatório para todos os cearenses acima de 18 anos. A mensagem diz ainda que o cadastramento estaria disponível por apenas 15 dias. Essas informações, no entanto, não são confirmadas pela Secretaria da Saúde do Estado (Sesa).
A Sesa explica que o foco dessa fase é cadastrar os grupos prioritários e que, à medida que as vacinas cheguem, esses grupos poderão agendar para receber o imunizante. Não há previsão de interrupção do cadastro. Também não há data para o cadastramento e vacinação de pessoas fora dos grupos prioritários.
De acordo com o Governo do Ceará, cerca de 3,8 milhões de pessoas devem ser vacinadas nas quatro fases prioritárias. No momento, está em vigência a primeira fase de imunização. A ordem de vacinação, a medida que cheguem novas doses de vacina, será mantida.
A imunização seguirá o calendário de cada cidade. Caso a pessoa não se encaixe na fase em vigência de vacinação, o cadastro ficará armazenado no banco de dados da plataforma, permitindo maior organização do plano de imunização do governo.
Veja as fases de vacinação dos grupos prioritários:
Fase 1 (em andamento):
• População indígena aldeada;
• Idosos a partir de 60 anos institucionalizados;
• Trabalhadores de Saúde;
• Pessoas com deficiência institucionalizadas;
• Idosos a partir de 75 anos.
Fase 2:
• Povos e comunidades tradicionais quilombolas;
• Idosos a partir de 60 anos.
Fase 3:
• Pessoas com deficiência permanente grave;
• Pessoas com morbidades.
Fase 4:
• População privada de liberdade;
• Funcionários do sistema de privação de liberdade;
• Forças de segurança e salvamento;
• Forças Armadas;
• Trabalhadores de Educação do Ensino Básico;
• Trabalhadores de Educação do Ensino Superior;
• Trabalhadores de transporte coletivo rodoviário de passageiros;
• Trabalhadores de transporte metroviário e ferroviário;
• Trabalhadores de transporte aéreo;
• Trabalhadores de transporte aquaviário;
• Caminhoneiros;
• Trabalhadores industriais.
Como se cadastrar para receber a vacina?
Para fazer o cadastro, é necessário informar nome completo, CPF, data de nascimento, raça e telefone para contato, por exemplo. A secretaria ressaltou a importância de preencher os dados com as informações corretas.
Quem não tiver acesso à Internet deve aguardar informações da prefeitura do município em que mora para proceder com a realização do cadastro.
Em Fortaleza, quem está cadastrado no aplicativo Vacine Já e que ainda não foi vacinado deve realizar novo cadastro no sistema estadual.
Número do Cartão Nacional de Saúde não é obrigatório
Apesar de ser solicitado no ato da inscrição, o número de Cartão Nacional de Saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) não é obrigatório para dar seguimento ao processo. A informação foi confirmada pela Sesa. Quem não souber o número pode deixar o campo em branco e seguir o cadastro normalmente. DIARIONORDESTE
De tanto fazer política, Supremo ganha uma aparência de Congresso Nacional... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/colunas/josias-de-souza/2021/03/10/de-tanto-fazer-politica-stf-ganha-cara-aparencia-de-congresso-nacional.
Às vésperas do julgamento em que o Supremo autorizou a prisão de Lula, em abril de 2018, Gilmar Mendes praticamente antecipou o seu voto contra a tranca: "Ter um ex-presidente da República, um 'asset' (ativo) como o Lula, condenado, é muito negativo para o Brasil". Chegou a afirmar que a sentença da Lava Jato contra Lula "mancha a imagem do Brasil." Nesta terça-feira, ao votar pela suspeição de Moro no julgamento sobre o caso do tríplex do Guarujá, Gilmar disse estar tranquilo, pois, diferentemente de outros ministros, não chegou ao Supremo "pelas mãos do Partido dos Trabalhadores". Sentiu a necessidade de proclamar: "Eu sou um insuspeito nessa matéria.".
Parceiro de Gilmar na cruzada contra a Lava Jato, Ricardo Lewandowski também posicionou-se a favor da suspeição de Moro. Pintou com cores fortes as violações que acusa a Lava Jato de cometer. Citou, por exemplo, a condução coercitiva de Lula para prestar depoimento, em 2018. Comparou ao "transporte de animais para o abatedouro." Na entrevista concedida por Gilmar em 2018, aquela em que ele condenou a condenação de Lula, um segundo comentário ficou piscando no letreiro da conjuntura da época: "Se alguém torce para prisão de A, precisa lembrar que depois vêm B e C". No Brasil, as coisas são mais simples do que muitos imaginam. Simples como o ABC. A, existe Lula, líder máximo do PT, que acaba de ser brindado por Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, com a anulação das condenações que a força-tarefa de Curitiba pendurou em sua biografia. Lula é amigo de Lewandowski.
B, existe Michel Temer, um presidente do MDB que ralava na época da fala de Gilmar um par de denúncias criminais. C, existem Aécio Neves e José Serra, grão-duques do PSDB, encrencados na Lava Jato até a última pluma. Temer, Aécio e Serra são amigos de Gilmar.
Deve-se a indicação de Gilmar para o Supremo a FHC. Lewandowski chegou à Corte "pelas mãos do Partido dos Trabalhadores". O próprio Lula o indicou. A origem das indicações não deveria ser motivo de atenção. Mas Gilmar proclamou-se "insuspeito" porque, a exemplo de Lewandowski, são frequentemente associados a comentários de injusta maledicência..
Ao destruir a Lava Jato no voto contra Moro, Gilmar lembrou que foi algoz do PT no julgamento do mensalão. Chegou a tachar o partido de "quadrilha". Nessa época, Lewandowski estava na trincheira oposta. Revisor do voto do então relator Joaquim Barbosa, frequentemente sugeria absolvições ou atenuações de culpas. Gilmar recobriu-o de elogios ao rememorar o julgamento, ocorrido em 2017.
Absteve-se de mencionar, naturalmente, um episódio ocorrido no dia em que a denúncia da Procuradoria contra a "quadrilha" do mensalão foi convertida em ação penal no Supremo. Lewandowski divergiu 12 vezes de Barbosa. Discordou, por exemplo, do acolhimento da denúncia contra José Dirceu e José Genoino por formação de quadrilha.
Terminada a sessão, Lewandowski foi jantar com amigos num restaurante de Brasília. A certa altura, soou-lhe o celular. Era o irmão, Marcelo Lewandowski. O ministro levantou-se da mesa e foi para o jardim externo do restaurante. Por mal dos pecados, a repórter Vera Magalhães, acomodada em mesa próxima, ouviu algumas de suas frases. "A imprensa acuou o Supremo. Todo mundo votou com a faca no pescoço", disse. "A tendência era amaciar para o Dirceu", acrescentou.
Houve quem enxergasse nas declarações de Lewandowski a fala de alguém que tentara golpear, sem sucesso, o devido processo legal. Fizera isso sem dor na consciência: "Para mim não ficou tão mal, todo mundo sabe que eu sou independente", declarou, no fatídico telefonema. Deu a entender que, não fosse pela "faca no pescoço", poderia ter divergido muito mais: "Não tenha dúvida. Eu estava tinindo nos cascos.".
Gilmar e Lewandowski esculacharam a Lava Jato servindo-se do material oferecido pela própria força-tarefa de Curitiba. Mensagens roubadas por hackers dos celulares dos procuradores expõem as entranhas da investigação. Revelam o relacionamento juridicamente tóxico que se desenvolveu entre Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol. Os dois trocaram figurinhas, combinaram ações, consultaram-se mutuamente.
Moro ultrapassou a fronteira que deveria separar o magistrado do investigador. Adotou um timbre de superioridade hierárquica, imiscuindo-se no trabalho da Procuradoria. Como consequência, a Segunda Turma do Supremo armou-se para desconstruir a sentença do tríplex. Gilmar diz que o país está diante do "maior escândalo judicial da nossa história".
Muitos dos que têm vontade de concordar com o ministro avaliam que ele pode ser parte do problema, não da solução. Uma visita rápida ao Google é suficiente para assistir a vídeos em que Gilmar conversa com encrencados com a lei —um governador que acabara de receber a visita dos rapazes da PF, um senador réu em ações penais por corrupção. Sob Temer, fazia refeições amiúde com investigados. No comando do TSE na época do julgamento da chapa Dilma-Temer, presidiu aquilo que o então relator Hermann Benjamin chamou de "enterro de provas vivas".
Como se tudo isso fosse pouco, a obtenção da maioria a favor da suspeição de Sergio Moro passa pelo voto do ministro Nunes Marques, que ganhou uma cadeira no Supremo porque dividiu goles de tubaínas com Jair Bolsonaro, no Palácio da Alvorada. Interessa a Bolsonaro a conversão de Moro de herói em vilão. Na cabeça do capitão, seria uma alternativa a menos no baralho da centro-direita para 2022..
A Bolsonaro interessa revitalizar a polarização com o PT, recriando a atmosfera de 2018. Preferiria disputar a reeleição contra o "poste" petista Fernando Haddad. Mas nem sempre se pode ter tudo na vida. Avalia que Lula, reabilitado eleitoralmente por Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, já não é um osso tão duro de roer..
A Segunda Turma transforma Moro em ex-Moro num julgamento crivado de surrealismo. Começou em dezembro de 2018, a partir de um pedido de habeas corpus da defesa de Lula. Esboçava-se na época um placar de 3 a 2 a favor de Moro. Gilmar pediu vista dos autos..
Manteve o trunfo na gaveta por dois anos, à espera do momento ideal para o bote. Ao pressentir que o momento se aproximava, Fachin deu à luz um despacho destrambelhado. Sob o pretexto de que a 13ª Vara Federal de Curitiba não era o foro competente para julgar Lula, determinou o envio dos processos para a Justiça Federal de Brasília. E anulou as sentenças, lavando a ficha suja de Lula..
Atrasando-se o relógio, chega-se a uma decisão de junho de 2016. Nessa época, o relator da Lava Jato no Supremo era Teori Zavascki, morto num acidente de avião. Teori cogitou içar as investigações contra Lula para Brasília porque um grampo que Moro mandara instalar nos telefones do ex-prestdente petista captara um diálogo dele com Dilma Rousseff..
Teori ficou uma arara porque Moro levantou o sigilo do célebre grampo em que Dilma avisa a Lula que o "Bessias" estava a caminho, levando o ato de sua nomeação para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil. Teori sustentou que, ao deparar com a voz de Dilma, autoridade com foro no Supremo, Moro deveria ter enviado os autos para Brasília. O então juiz pediu "escusas", a Procuradoria interveio, e Teori decidiu que a Vara de Curitiba tinha competência legal para investigar e julgar Lula. Reenviou os autos para Moro.
A defesa de Lula vinha tentando tirar o cliente de Curitiba havia quase cinco anos. E nada. De repente, Fachin alegou que o Supremo já havia retirado da capital paranaense outros casos que não envolviam apenas desvios praticados na Petrobras, mas em outros guichês do Estado. Do nada, concluiu que as condenações curitibanas de Lula não valiam coisa nenhuma.
Ao farejar na decisão de Fachin uma manobras para livrar Moro do julgamento sobre a suspeição, Gilmar retirou da gaveta o habeas corpus que guardava desde o final de 2018. Que não pôde ser julgado em definitivo porque o ministro bolsonarista Nunes Marques pediu vista dos autos. Esse balé de elefantes parece uma coreografia do Congresso Nacional, não da Suprema Corte..
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Corre no Supremo há dois anos um inquérito secreto que investiga ataques desferidos contra seus ministros e ameaças dirigidas à Corte. São mesmo intoleráveis os sujeitos que sistematicamente desmoralizam o Supremo, jogando a opinião pública contra o tribunal. O problema é que, infelizmente, os que fazem isso vestem toga e dão expediente na última instância do Judiciário. Têm a aparência de escândalos que ainda não encontraram um hacker. Aliciados, podem, botar a culpa em alguém. ** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL..JOSIAS DE SOUZA