STF ‘cumpriu seu papel’ ao ordenar abertura de CPI da Covid, diz cientista política
10 de abril de 2021 | 14h37
Ao contrário do que sustenta o presidente Jair Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal (STF) “cumpriu seu papel” ao determinar a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a atuação do governo federal na pandemia. A avaliação é da cientista política e professora doutora da Universidade de São Paulo (USP) Maria Tereza Sadek. Estudiosa do sistema de justiça, ela defendeu o papel da Corte na atual crise de enfrentamento da covid-19. Em entrevista ao Estadão, Maria Tereza lembra que o Supremo só age se for provocado, o que tem ocorrido com frequência por causa da atuação dissonante entre os Poderes, a União, Estados e municípios. “O Judiciário tem sido provocado porque o governo não tem respeitado as medidas demonstradas pela ciência.” Confira os principais trechos da entrevista.
Como a sra. avalia hoje a atuação do Judiciário na manutenção das garantias constitucionais e democráticas?
Vivemos hoje um clima de muita incerteza. Veja a liminar do ministro Kassio Nunes Marques sobre a realização de missas e cultos na pandemia. Sou capaz de apostar que, se não estivesse em jogo a aposentadoria do ministro Marco Aurélio (Mello), a discussão não teria tomado esse rumo. Muitas vezes é complicado entender a pauta e os argumentos se ficamos estritamente presos na letra da lei. Para analisar qualquer questão relativa ao Judiciário, Legislativo e Executivo, é preciso olhar o contexto geral.
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Por que teria sido diferente?
Marco Aurélio vai se aposentar e temos vários candidatos ao posto. O presidente Jair Bolsonaro já falou que queria um ministro “terrivelmente evangélico” e os discursos no julgamento do Supremo (de André Mendonça, ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), e Augusto Aras, procurador-geral da República) foram assim. Me pareceu que tinha um recado.
A sra. falou que vivemos um clima de incerteza. O Judiciário tem contribuído com esse cenário?
O Judiciário é mais um ator nesse grau de instabilidade e incerteza que vivemos. Ele deveria ser um fator de previsão, pois trabalha com as leis e com a Constituição. Mas quando isso não ocorre, aumenta a instabilidade. Mas o Judiciário não é o único. Todos (os Poderes) estão contribuindo para esse cenário.
A insegurança jurídica se restringe ao STF ou está em todo o judiciário brasileiro?
É do primeiro ao último grau. A insegurança jurídica é a ideia de uma roleta. Ou seja, a decisão sobre uma mesma questão pode variar de juiz para juiz. E isso cria áreas de incerteza.
Como resolver essa questão?
O Judiciário tem mecanismos para tomar decisões mais previsíveis. Por exemplo, a utilização da súmula vinculante (interpretação pacífica ou majoritária adotada por um Tribunal a respeito de um tema específico), da reforma de 2004. A pergunta é: por que são tão poucas as súmulas vinculantes?
O ministro Luis Roberto Barroso invadiu as atribuições do Senado ao determinar a abertura da CPI da Covid-19?
O ministro cumpriu seu papel, assim como o STF, que só age provocado. Todos os requisitos constitucionais foram cumpridos para a instalação da CPI. Não houve "ativismo jurídico" nesse caso.
Mas a decisão tem desdobramentos políticos...
Sem dúvida. Mas aqui cabe uma definição básica que se aplica de forma geral: qualquer ação ou decisão que provoque consequências no ambiente social e político é política. Nesse sentido, a determinação de Barroso foi política, sim.
Os ministros Edson Fachin e Kassio Nunes Marques recentemente tomaram decisões monocráticas sobre temas de grande repercussão. As liminares não deveriam ser exceção?
Sim, deveriam. Quando o atual presidente da Corte assumiu (Luiz Fux) , disse que iria mudar essa estrutura, mas não conseguiu até agora. Acho que cada um age muito voltado para os interesses aos quais está sujeito. Quando um ministro ou juiz não quer que determinada questão seja discutida, ele engaveta. A questão da colegialidade vem sendo desrespeitada há muito tempo.
As decisões monocráticas têm levado a reviravoltas jurídicas no País. Qual a consequência desse cenário?
Aumenta a descrença na Justiça, pois a confiança na Justiça é um pilar básico de legitimidade.
O STF tem sido provocado a dirimir uma série de questões relacionadas à pandemia. Acredita que a Corte tem cumprido adequadamente seu papel?
Em algumas questões, me parece que sim. Sobre o direito à saúde, por exemplo, ele tem respondido, assim como a questão federativa. Mas você vive em uma situação tão pouco previsível que alguns obedecem e outros se acham no direito de não obedecer e, inclusive, contestar.
As decisões do STF na pandemia são uma resposta à falta de gestão do governo federal?
Isso é claro. Todas as deficiências por parte do Executivo acabaram nos braços do Judiciário. Se o governo tivesse dado prioridade à questão de resolver a saúde e minimizar os efeitos da pandemia, certamente não teriam tantos processos no Judiciário. O Judiciário só age por provocação. E ele tem sido provocado porque o governo não tem respeitado as medidas demonstradas pela ciência.
Essas decisões podem ser vistas como um ativismo jurídico do STF?
Toda vez que se fala em ativismo é como se a instituição estivesse extrapolando os limites. Nesse momento, de pandemia, acredito que não seja o caso. O Supremo tem sido muito provocado. Faço até uma associação: quanto maior o grau de negacionismo, maior a probabilidade de se entrar com questões a serem resolvidas no Judiciário. E ele tem que responder.
No dia 14 o plenário do STF deve decidir sobre a anulação das condenações proferidas pela 13ª Vara de Curitiba. Qual sua perspectiva sobre essa discussão?
Na situação atual não consigo fazer nenhum tipo de previsão. O que sabemos é que os ministros estão divididos. A decisão provocará consequências, algumas delas, inclusive, desconhecidas, já que poderão afetar outros processos.
Qual o impacto da Lava Jato no desempenho do Judiciário?
A Lava Jato, desde sua origem, provocou divisões entre os ministros. Distintos supostos e interpretações sustentaram diferentes decisões e, muitas vezes, tais posições foram expostas fora das sessões de julgamento. Não há como ignorar que todo o processo da Lava Jato provocou impactos, bastaria observar as profundas alterações na arena politico-partidária decorrentes da última decisão da 2ª turma do STF.
Era clara a divisão do tribunal antes da Lava Jato?
O tribunal, desde sua origem, nunca foi um colegiado marcado pela unanimidade, o que caracteriza os últimos tempos é o grau e a forma em que são explicitadas as divisões. Foram as questões criminais que provocaram esse grau de cisão. Ter divergência é absolutamente normal em um colegiado e em uma sociedade democrática, o que se supõe é que os embates ocorram obedecendo parâmetros de civilidade.
Quando o STF começou a ter uma atuação mais política? Tem a ver com a criação da TV Justiça?
Acredito que essa é uma variável importante, embora não seja a única. A constituição de 1988 responde em grande parte por essa possibilidade. No que se refere à TV justiça, faria duas observações: de um lado, aumentou o grau de transparência, o que é positivo, e os ministros tornaram-se mais conhecidos da população. Criou uma situação nova, como a de você estar na fila do ônibus ou do mercado e ouvir pessoas falando que tal ministro é bom ou ruim. Por outro lado, a TV alimentou um grau de exposição e competição entre ministros, e, segundo pesquisas, os votos ficaram mais longos.
O Supremo também tem sido palco de discursos inflamados – como o de Gilmar Mendes no julgamento da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro. Isso reforça a imagem de parcialidade da Corte?
Isso tem impactos na imagem da justiça, afetando sua legitimidade, discursos críticos ou elogiosos são sempre possíveis. O que é questionável é o tom e o grau. Afinal, o que está em jogo não é apenas o juiz, mas a instituição.
Jardineiro é libertado após passar 15 anos preso sem que houvesse processo contra ele, no Ceará
Por Isayane Sampaio G1
Mais de 15 anos após ser preso por um crime que não responde na Justiça, o jardineiro Cícero José de Melo se tornou um homem livre ao deixar, nesta sexta-feira (9), a Penitenciária Industrial Regional do Cariri, em Juazeiro do Norte, no interior do Ceará, onde estava encarcerado.
Aos 47 anos, Cícero alega que, mesmo tendo consciência da sua plena inocência, foi preso em novembro de 2005 sob suspeita de tentativa de homicídio. O G1 teve acesso à decisão da juíza Maria Lúcia Vieira, que após solicitação do advogado de defesa de Cícero, determinou que fosse expedido alvará de soltura em favor do jardineiro.
"Me considero como se eu tivesse sido sequestrado por um crime que eu não cometi nem contra o estado e nem contra a sociedade. Hoje eu fui colocado em liberdade. A doutora do presídio compreendeu o ato injusto que cometeram comigo me mantendo em cárcere. Passei 15 anos preso injustamente e a juíza se sensibilizou e me soltou", disse Cícero, emocionado.
Ainda na decisão da juíza, ela afirma "não ter sido constatado motivação para sua manutenção em cárcere". Em entrevista ao G1, o advogado criminalista Roberto Duarte afirmou ter tomado conhecimento do caso por meio de outro detento que era seu cliente, informando sobre um colega que estaria preso há mais de uma década sem a existência de processos contra ele e sem ter passado por nenhum julgamento, ou até mesmo audiência de custódia.
Foi então que o advogado protocolou junto à direção da Penitenciária Industrial Regional do Cariri (Pirc) requerimento de dados, tais como tempo de prisão, número de processos, comportamento, origem do interno e momento de eventual transferência para a penitenciária.
Jardineiro é libertado após passar 15 anos preso sem que houvesse processo contra ele, no Ceará — Foto: Arquivo pessoal
A prisão
Natural do Crato, no interior do Ceará, Cícero relata que estava na cidade quando foi abordado por policiais que, segundo ele, já chegaram dizendo que ele havia cometido um crime.
"Fiquei sem saber o que fazer. Não pediram nem identificação. Me colocaram dentro da viatura, me fizeram passar vergonha. As pessoas olhando para mim como se eu tivesse cometido crime mesmo. Eu falando que era inocente e eles rindo de mim, rindo da minha cara", contou.
Após a prisão, o jardineiro foi levado para a delegacia da cidade. De lá, ele foi conduzido para a cadeia do município.
"Fui transferido para Pirc no dia 1º de janeiro de 2009. Nunca tive visita. Eu vivi no abandono. Quem me confortava era Deus e meus parceiros de cela".
O que diz a Justiça
Em nota, o poder judiciário, por meio da 2ª Vara Criminal da Comarca de Juazeiro do Norte, informou que, ao ser comunicado pela unidade prisional sobre a situação de Cícero José de Melo, "realizou, imediatamente, pesquisas em sistemas de dados prisionais a fim de localizar registros processuais sobre a prisão dele. Também encaminhou o ofício, enviado pela Penitenciária Industrial Regional do Cariri, ao Ministério Público para apresentar manifestação sobre o caso."
"Não sendo encontrados registros nos sistemas que justificassem a prisão, o Juízo da 2ª Vara Criminal de Juazeiro do Norte determinou, nessa quinta-feira, o relaxamento da prisão, com expedição imediata de alvará de soltura, para que fosse posto em liberdade."
Após passar 15 anos preso por um crime que sequer reponde na Justiça, Cícero almeja recomeçar a vida. Ele está em busca de familiares, já que durante todo o tempo em que esteve preso, não recebeu nenhuma visita. "Eu servi ao exército e meu sonho era colocar meus filhos no colégio militar e esse sonho tiraram de mim", conta Cícero.
CNH, cadeirinha, farol: veja mudanças na lei de trânsito que começam a valer nesta segunda
As mudanças na lei de trânsito aprovadas no Congresso e sancionadas pelo presidente Jair Bolsonaro em outubro passado começam a valer nesta segunda-feira (12).
Dentre as alterações estão a ampliação de 20 para até 40 pontos do limite para a suspensão da Carteira Nacional de Trânsito (CNH) e o aumento da validade do documento para até 10 anos.
Longa discussão
Desde que foi apresentado pelo próprio presidente, em 2019, o texto passou por diversas mudanças na Câmara e no Senado. O projeto original foi criticado por entidades de segurança viária, que pediram, na época, diálogo e estudos técnicos para embasar as futuras regras.
O Congresso manteve ampliação do limite de pontos para a suspensão da CNH, mas acrescentou um escalonamento, conforme o nível de gravidade das infrações cometidas, e a exigência de não constar infrações gravíssimas na carteira do motorista.
Da mesma forma, as normas para o transporte de crianças, onde o governo propôs a troca da multa por advertência por escrito, em caso de não cumprimento, acabaram sendo endurecidas pelos parlamentares.
Alguns itens do texto aprovado no Congresso foram vetados por Bolsonaro na época da sanção. Parte desses vetos foi derrubada pelos parlamentares no mês passado. Elas têm relação com exames médicos e psicológicos dos condutores habilitados (veja ao fim da reportagem).
Veja as principais mudanças e como era a proposta do governo:
Suspensão da CNH por pontos
Como ficou: haveráuma escala com três limites de pontuação, para que a CNH seja suspensa:
- 20 pontos, se o condutor tiver duas ou mais infrações gravíssimas em um período de 12 meses;
- 30 pontos, se tiver apenas uma infração gravíssima no mesmo período;
- 40 pontos, se não constar entre as suas infrações nenhuma infração gravíssima nesse intervalo.
No caso de motoristas profissionais, a medida foi flexibilizada: eles poderão atingir o limite de 40 pontos independente da natureza das infrações cometidas.
Quem é a mineradora que venceu o leilão da ferrovia parada há 10 anos
Por
Entre o futuro porto da cidade de Ilhéus, no litoral da Bahia, e as minas de ferro de Caetité estão 537 quilômetros de uma ferrovia inacabada, em obras desde 2011 pelo governo federal
Para a a Bahia Mineração (Bamin), controlar esse caminho era só o que faltava para que a empresa fechasse um círculo e conseguisse escoar o minério de ferro produzido na mina Pedra de Ferro por conta própria, algo estratégico para a empresa.
Agora não falta mais. A empresa, que é dona da minas de ferro e parceira do governo da Bahia nas obras do Porto Sul, venceu nesta quinta-feira o leilão da Agência Nacional de Transportas Terrestres (ANTT) para terminar e operar o trecho 1 da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL).
Hoje, como a empresa não consegue escoar seu minério via a ferrovia e o porto de Ilhéus, que não estão prontos, a descarga da produção acontece na ferrovia FCA, que leva o minério em direção à região metropolitana de Salvador.
A Bamin, que tem escritórios em Salvador, Ilhéus, Caitité e Belo Horizonte faz parte do grupo Eurasian Resources Group (ERG), que é um dos maiores grupos internacionais de mineração e exploração de recursos mundiais.
Única interessada no leilão, a Bamin agora tem o direito de operar a estrada de ferro por 35 anos. Para isso, ofereceu 32,7 milhões de reais e deve investir R$ 2,2 bilhões.
Desse total, R$ 1,6 bilhão será utilizado para a conclusão das obras, que estão com 80% de execução. Segundo a ANTT, a subconcessão da Fiol vai permitir a criação de 55 mil empregos diretos, indiretos e efeito-renda ao longo da concessão.
A expectativa é de que esse trecho concedido da Fiol comece a operar em 2025, transportando mais de 18 milhões de toneladas de carga, entre grãos e, principalmente, o minério de ferro produzido na região de Caetité pela Bamin.
Segundo a ANTT, o volume deve dobrar em 10 anos, superando 50 milhões de toneladas, em 2035.
Dose de ceticismo - FOLHA DE SP
Em tese, ao menos, existem motivos de sobra para que se instale uma CPI da Covid-19 no Senado. Não há nenhuma dúvida de que a catástrofe sanitária em curso no país foi alimentada, quando não incentivada, por decisões irresponsáveis do governo federal e de outras esferas do poder público.
São gritantes os erros e a atuação deletéria do presidente da República. Desde o início da pandemia, Jair Bolsonaro, a quem caberia a responsabilidade maior de organizar do modo mais racional e eficaz possível o combate à disseminação do vírus, insiste num negacionismo obtuso, falseia dados, mente e promove mistificações
As consequências são desastrosas —o Brasil registra número avassalador de mortes e falhas na prestação de serviços de saúde e no planejamento da vacinação.
As comissões parlamentares de inquérito são um instrumento disponível para que o Legislativo exerça sua função fiscalizadora. Permitem apurar desmandos e encaminhar à Justiça responsabilidades passíveis de punição.
A superfície já por si escandalosa da atuação federal na crise sanitária indica, com ênfase, a possível existência de fatos desconhecidos ou mal esclarecidos a elucidar.
É preciso, contudo, observar com boa dose de ceticismo o processo que ora se inicia. As CPIs acumulam evidências de politização contraproducente, conchavos obscuros e desfechos inconclusivos.
Verdade que investigações dessa natureza já tiveram momentos de protagonismo, em especial na década de 1990 —como nas averiguações sobre Paulo César Farias, que levaram ao impeachment do presidente Fernando Collor, em 1992.
Deploravelmente, casos subsequentes deslizaram para o espetáculo fácil e ruidoso, fazendo das comissões palco para ameaças, ofensas, chantagens e negociação de interesses entre grupos políticos e Poderes da República.
Citem-se aqui, a título de exemplo, as três CPIs criadas com o intuito de investigar esquemas do chamado Petrolão na administração petista, que em nada contribuíram para a apuração de desmandos.
Pesa ainda o fato de que a instauração da CPI da Covid tenha sido fruto de uma determinação do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal.
Há argumentos constitucionais que amparam o magistrado, dado que estavam reunidas as assinaturas necessárias para a instalação da comissão parlamentar.
Entretanto não deixam de causar incômodo interferências do Supremo na seara de outros Poderes. Nesse sentido, convém que o plenário da corte examine o tema com presteza e serenidade.
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A César o que é de César - O Estado de S.Paulo
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou a tentativa de transformar um julgamento jurídico em debate religioso e palanque político. Por 9 votos a 2, os ministros entenderam que o Estado de São Paulo pode restringir temporariamente a realização de atividades religiosas coletivas presenciais, como medida de enfrentamento da pandemia de covid-19.
Proposta pelo Partido Social Democrático (PSD), a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 811 postulava que o Decreto 65.563/2021 – que, entre outras medidas emergenciais, vetou “a realização de cultos, missas e demais atividades religiosas de caráter coletivo” – violava a liberdade religiosa.
Em sua manifestação, o advogado-geral da União, André Mendonça, recorreu à Bíblia e à sua compreensão do que é o cristianismo. “Não há cristianismo sem vida comunitária, não há cristianismo sem a casa de Deus, sem o dia do Senhor. É por isso que os verdadeiros cristãos não estão dispostos jamais a matar por sua fé, mas estão sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião e de culto”, disse.
A agravar a confusão, o próprio Ministério Público Federal aderiu à tese de que não seria possível proibir celebrações religiosas durante a pandemia. Segundo o procurador-geral da República, Augusto Aras, medidas restritivas ofenderiam “o núcleo essencial do direito fundamental ao livre exercício dos cultos religiosos”.
A argumentação é inteiramente descabida. Assim como outras medidas restritivas adotadas por governadores e prefeitos em todo o País, o decreto do governo do Estado de São Paulo não priva ninguém de sua liberdade religiosa. A ninguém foi imposto determinado credo, como também ninguém foi impedido de professar sua fé. A liberdade religiosa permanece intacta.
Por mais fervorosos que tenham sido os discursos de André Mendonça e de Augusto Aras – numa demonstração de especial temor ao Palácio do Planalto –, na ADPF 811 não estava em discussão a liberdade religiosa, e sim se atividades religiosas devem se submeter às regras gerais estabelecidas pelo poder público. A rigor, num Estado Democrático de Direito, tal questão está definida por princípio, tal como exige a laicidade.
Todas as pessoas, físicas ou jurídicas, devem respeitar a lei e as normas vigentes. Não há ninguém acima da lei. Por isso, também as igrejas devem obedecer às regras relativas ao enfrentamento da pandemia, assim como devem cumprir a legislação urbanística, tributária e sanitária. Por exemplo, as igrejas devem respeitar os horários de silêncio noturno, da mesma forma que todos os outros estabelecimentos. Tal restrição não é nenhuma violação à liberdade religiosa.
Além do evidente e necessário cuidado com a saúde pública, a decisão do STF faz valer um importantíssimo princípio constitucional, o da igualdade de todos perante a lei. A profissão de uma determinada crença – mesmo tendo uma dimensão comunitária, como a do sr. André Mendonça – não confere um privilégio sobre os demais cidadãos. Todos estão submetidos às mesmas limitações.
Vale notar que a mentalidade de privilégio não se manifesta apenas na oposição às medidas de isolamento social relativas à pandemia de covid-19. Muitas igrejas acham que não precisam pagar os tributos relativos a suas atividades. Segundo revelado pelo Estado, igrejas têm R$ 1,9 bilhão em débitos inscritos na Dívida Ativa da União.
A Constituição proíbe “instituir impostos sobre templos de qualquer culto”, mas há igrejas que se consideram imunes de qualquer obrigação tributária. Por exemplo, entre as dívidas com a União, há casos de não pagamento de contribuição previdenciária e do Imposto de Renda já descontados do salário dos empregados.
Sem diminuir a liberdade de religião e de crença, o Supremo reconhece que os entes federativos têm o poder – a rigor, o dever – de zelar pela saúde da população. As liberdades e garantias fundamentais continuam válidas. O que não cabe é conferir, especialmente em uma pandemia, privilégio a alguns grupos. Todos estão sob as mesmas regras.