‘Evitar lockdown é a ordem’, diz ministro Marcelo Queiroga
Marcelo Queiroga, ministro da Saúde, afirmou neste sábado (3), após reunião com a OMS (Organização Mundial da Saúde) que a ordem do governo federal é evitar o lockdown.
“Evitar lockdown é a ordem, mas temos que fazer o dever de casa. Mas o dever de casa é de toda população. Por mais que nós falemos todos os dias sobre isso, não vemos a população tendo adesão às medidas”, afirmou em entrevista coletiva.
Nessa sexta-feira (2), o presidente Jair Bolsonaro havia criticado as medidas de isolamento social. A declaração acontece no pior momento da pandemia no Brasil. Em março, o País registrou o maior número de mortes, 66.868.
Ainda na entrevista coletiva, Queiroga foi questionado se Bolsonaro iria se vacinar neste sábado. O ministro se restringiu apenas a dizer que se trata de uma questão pessoal. “Ele não me falou se iria se vacinar”, complementou.
O presidente Jair Bolsonaro está com 66 anos e faz parte do grupo que poderá se vacinar a partir de hoje no Distrito Federal. ISTOÉ
País registra 1.987 mortes por covid-19 em 24 horas
Em 24 horas, foram registradas 1.987 mortes por covid-19 no Brasil. Com isso, o total de óbitos pela doença desde o início da pandemia chega a 330.193. Entre ontem e hoje, foram contabilizados 43.515 novos diagnósticos positivos. Até o momento, 12,953 milhões de pessoas foram contaminadas em todo o país. Dessas, 11,305 milhões se recuperaram.
O balanço, divulgado diariamente pelo Ministério da Saúde, reúne as informações levantadas pelas secretarias estaduais e distrital de Saúde.
Os registros de casos e mortes costumam ser menores em feriados, sábados e domingos, em razão da dificuldade de alimentação dos dados pelas secretarias de Saúde. O represamento das informações durante os fins de semana costuma inflar os dados dos dias seguintes.
Estados
São Paulo chegou a 2,5 milhões de pessoas contaminadas. Os outros estados com maior número de casos no país são Minas Gerais (1,1 milhão) e Rio Grande do Sul (859 mil). Já o Acre tem o menor número de casos (71 mil), seguido de Roraima (90,2 mil) e Amapá (98,6 mil).
Em número de mortes, São Paulo também lidera, com 76,5 mil. Rio de Janeiro (37,6 mil) e Minas Gerais (25,5 mil) aparecem na sequência. Os estados com menos mortes são Acre (1.284), Amapá (1.323) e Roraima (1.352).
Edição: Kelly Oliveira / AGÊNCIA BRASIL
Boa política - FOLHA DE SP
Por ao menos dois motivos, é bem-vindo o manifesto em favor da democracia assinado por seis candidatos potenciais à Presidência, independentemente de preferências por qualquer um dos envolvidos.
Em primeiro lugar, pelo objeto do documento, que em outros tempos pareceria mera platitude. Embora as instituições democráticas do país venham mostrando sua força diante de um presidente que busca a todo momento aviltá-las, esse é um embate a ser abertamente rechaçado por todas as lideranças relevantes da sociedade.
Note-se que o texto —endossado pelos governadores tucanos João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS), pelo ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM), pelo apresentador de TV Luciano Huck, pelo ex-banqueiro João Amoêdo (Novo) e pelo ex-ministro e ex-governador Ciro Gomes (PDT-CE)— foi divulgado no 57º aniversário do golpe de 1964 e em meio a uma crise militar.
Esta, ao menos, se deu por uma boa causa, quando os três comandantes das Forças Armadas deixaram os postos ao não aceitarem pressões de Jair Bolsonaro por apoio explícito a seu governo.
A declaração dos presidenciáveis é também alvissareira por mostrar sinal de vida da civilidade e da aceitação da divergência na política nacional, seriamente avariadas pelos conflitos dos últimos anos.
Se considerado o espectro ideológico, o grupo vai da centro-esquerda (Ciro) a eleitores declarados de Bolsonaro no segundo turno de 2018, casos de Doria, Leite e Amoêdo, incluindo um ex-integrante do atual governo (Mandetta), todos hoje na oposição.
Entre eles decerto houve e há rusgas e rivalidades, mas com o ato conjunto uns se reconhecem aos outros como postulantes legítimos ao Planalto e a outros cargos eletivos —um caminho que também o PT fará bem em trilhar, superando o discurso sectário e ressentido adotado com a derrocada do governo Dilma Rousseff.
Já os cálculos acerca de uma eventual aliança integral ou parcial entre os signatários do manifesto pertencem ainda ao terreno da especulação. São evidentes as dificuldades de uma empreitada do gênero, e mesmo a caracterização do grupo como uma união de nomes de centro se mostra duvidosa.
Trata-se, mais propriamente, de forças que buscam algum espaço entre o bolsonarismo e o lulismo, protagonistas da disputa presidencial passada —o que agora foi dificultado pela restauração dos direitos políticos do ex-presidente Lula.
Além de zelar pelo ambiente democrático, cumpre oxigenar práticas políticas e amadurecer propostas de governo. E tudo terá de ser combinado com os eleitores.
Militares não repudiam o que há de mais criminoso contra o Estado democrático
O primeiro ato do general Braga Netto como ministro da Defesa foi de obediência a Bolsonaro e de confronto com a inquietação deflagrada nos altos comandos do Exército, da Marinha e da Força Aérea.
Braga Netto frustrou o ato, muito simbólico, dos comandantes das três Forças: antecipou-se, demitindo-os, à entrega dos seus cargos em resposta à exoneração do general Fernando Azevedo e Silva, até então ministro da Defesa.
Mas as exonerações em questão eram outras. A insatisfação de Bolsonaro com a falta de pronunciamentos políticos do general Azevedo, para fortalecê-lo em seu isolamento crescente, concentrou as explicações para a turbulência.
Esses raciocínios, muito defensáveis, embalaram-se até à função das Forças Armadas e sua relação com governos e política. Por isso, soterraram uma causa primordial para a mexida de Bolsonaro na Defesa e a perigosamente importante nomeação do delegado Anderson Torres para ministro da Justiça.
Um dos personagens mais relevantes no problema entre Bolsonaro e o Exército ficou citado apenas como um dos ministros substituídos. Ministro da Saúde ideal para Bolsonaro, pela dócil obediência e, sobretudo, pela tolerância aos efeitos letais de que foi agente, para o Exército o general Pazuello veio a ser um problema.
Em parte, pela projeção do seu desempenho sobre a Força e a capacidade dos colegas. E também por ser da ativa, o que agravava a situação. O general Luís Eduardo Ramos resistiu pouco e passou à reserva, para continuar no Planalto. Pazuello, não.
O comandante do Exército, Edson Pujol, não absorveu os problemas representados pelo general da Saúde e da mortandade. Para Bolsonaro, a saída necessária não era a de Pazuello. Passava a ser de Pujol. Fora de cogitação, no entanto, para o ministro Azevedo.
Nem com um cargo prestigioso nas Forças Armadas, para compensar a obediência de Pazuello, Bolsonaro contava obter do general Pujol, considerando que também as pressões externas contra o Ministério da Saúde chegavam à saturação. Se é assim, vai-se Pazuello, mas com ele vão Azevedo e Pujol.
Braga Netto promete, desde o primeiro ato. Mas esquentou o clima, e nem no plano interno há alguma clareza sobre o que surgirá depois da fumaça.As atenções deslocaram-se para o general Paulo Sérgio Oliveira, sucessor de Edson Pujol.
Muitos atribuem especial sentido à nomeação, por serem contrárias ao cloroquínico Bolsonaro todas as suas bem sucedidas providências antipandemia no Exército. Vai ver, foi elevado a novo cargo para não dar mais entrevistas sobre a eficácia de máscaras, distanciamentos e ficar em casa.
Ou foi escolha de Braga Netto, pela eficiência sem lado.Deduzir desse entrevero todo, como tantos comentaristas e cientistas políticos (mais isso, menos aquilo), que “os militares têm consciência de que servem ao Estado e não ao governo”, e outras tiradas oníricas, vai toda a distância a que estamos da segurança institucional e democrática.
Enquanto faltar a coragem moral de reconhecer que antecessores seus cometeram crimes bárbaros e estrangularam as liberdades e demais direitos universais, os militares não estarão a serviço legítimo da sua função de Estado. Porque não repudiam o que há de mais criminoso contra os princípios da vida em comum e do Estado democrático.
Em sendo assim, pode-se até concluir que chamados de militares são uma classe de servidores armados e fardados, com privilégios que os distinguem, praticantes de política e intervencionismo por métodos próprios e proporcionados pelas armas.
Militares propriamente ditos, militares autênticos, no entanto, são profissionais apartidários em ideologia e em política, armados pela sociedade para, em seu nome, servir ao Estado e à nação. O Brasil ainda não conheceu essa classe.
OS INTERESSADOS
Seis pretendentes a candidatos à Presidência — Henrique Mandetta, Ciro Gomes, João Doria, Eduardo Leite, João Amoêdo e ainda Luciano Huck — assinaram uma carta pública apresentando-se como defensores da democracia.
Defendê-la é muito oportuno. Contudo, no caso cabem ressalvas. Qualquer político pode defender a democracia. Nenhum, porém, que tenha apoiado a eleição de Bolsonaro, ainda que de modo indireto, tem condições morais de fazê-lo.
Todos sabiam quem era Bolsonaro, conheciam suas defesas da ditadura, da tortura, sua louvação na Câmara ao criminoso coronel Ustra. Era a democracia que estava em jogo na eleição, e todos os políticos sabiam disso.
Para defendê-la, nem precisavam superar sua ojeriza ao PT, havia outros candidatos democratas. Os que apoiaram Bolsonaro quiseram Bolsonaro. Defendam a democracia, que sabemos não o fazerem por ela.
JÂNIO DEE FREITAS / FOLHA DE SP
Fundador do RenovaBR lança livro em que critica Lula e Ciro, justifica voto em Bolsonaro e celebra Huck
"Mudar a política no Brasil", utopia do RenovaBR, não é algo que se faça sem o apoio de muitos amigos nem sem deixar alguns inimigos pelo caminho, conforme o relato do empresário Eduardo Mufarej, fundador da escola de políticos, em livro que será publicado nos próximos dias.
"Jornada Improvável - A História do RenovaBR, a Escola Que Quer Mudar a Política no Brasil" (ed. Intrínseca) narra, sob o ponto de vista de Mufarej —investidor e executivo convertido em uma espécie de mecenas da renovação política—, a criação do curso para capacitar potenciais candidatos.
De 2017 para cá, quase 2.000 aspirantes a cargos eletivos, sem experiência prévia, passaram pelo treinamento. Foram eleitos 17 parlamentares no pleito de 2018 e, no de 2020, 153 vereadores e prefeitos, distribuídos entre 25 legendas, ratificando o discurso de apartidarismo da entidade.
Em sua primeira turma, o Renova elegeu deputados federais como Tabata Amaral (PDT-SP), Felipe Rigoni (PSB-ES), Joenia Wapichana (Rede-RR) e Vinicius Poit (Novo-SP). Em 2020, ajudou a levar Cris Monteiro (Novo) e Rubinho Nunes (Patriota) à Câmara Municipal de São Paulo, por exemplo.
As controvérsias, cobranças e críticas que compõem o pano de fundo da história também estão no livro, como a adaptação no formato para evitar problemas judiciais com base na proibição de doações privadas para campanhas e a permanente desconfiança sobre intenções e interesses do projeto.
Na obra, Mufarej —um dos fundadores do Novo, partido do qual se afastou ao criar o Renova— apresenta a iniciativa como fruto de sua inquietação com os rumos da política brasileira pós-2013 e o despreparo da maioria dos eleitos, com impactos na "capacidade de geração de riqueza do país".
Desfia críticas à era PT e diz que a polarização começou na corrida presidencial de 2014, vencida por Dilma Rousseff "por uma pequena diferença de votos em relação ao adversário", Aécio Neves (PSDB), "em uma eleição duríssima e muito suja".
O autor narra um encontro com o ex-presidente Lula do qual participou, meses antes daquele pleito, a convite do empresário Abilio Diniz —um dos amigos do PIB nacional que se entusiasmariam mais tarde com sua ideia de fundar um curso para preparar novos políticos.
Na obra, Mufarej conta que, "atentamente, sem raiva", escutou Lula, que ele considera ter sido, possivelmente, quem "teve a maior oportunidade de apontar o Brasil para a direção certa".
"Beneficiou-se de um período extraordinário da economia internacional e tomou medidas competentes de combate à pobreza [...]. Mesmo assim, como muitos que o antecederam, acabou fracassando por ceder às más práticas e ao personalismo", escreve sobre o petista.
Veio daí, segundo ele, a decisão de dar seu voto a Jair Bolsonaro (à época no PSL, hoje sem partido) na corrida presidencial de 2018 —no primeiro turno, foi de João Amoêdo (Novo). "Não dava para votar no PT. O partido de Lula tinha quebrado o país. [...] No segundo mandato de Dilma Rousseff vi o país na UTI."
Descrevendo-se como "um cara de centro-direita em algumas pautas e de centro-esquerda em outras", Mufarej justifica sua escolha pelo viés econômico. Diz ter optado por um caminho de responsabilidade fiscal e recuperação da confiança.
"Não o conhecia [Bolsonaro] pessoalmente nem aos filhos: meu voto de confiança, como de tantos empresários e empreendedores, foi dado a Paulo Guedes [ministro da Economia], que, na fase de composição do novo governo, chegou a sugerir que eu me juntasse aos esforços", afirma.
Seu nome foi cotado para o Ministério da Educação, área com a qual tinha proximidade, em razão do trabalho no setor privado, em companhias como a Somos Educação. Foi por causa dos negócios que Mufarej já tinha uma relação próxima com Guedes, "em quem confiava havia muitos anos".
Em entrevista à Folha em janeiro, o empresário afirmou que não se arrepende do voto em Bolsonaro porque tomou a decisão com base nas informações que tinha àquela altura.
Hoje frustrado com o presidente, ele diz no livro que fica "aliviado por não ter aderido ao governo", ocupando cargo, e que seu voto "jamais significou passar a mão na cabeça de ninguém, acontecesse o que acontecesse".
Cita entre "os inúmeros tiros no pé" de Bolsonaro "os ataques à imprensa, as brigas desnecessárias com outros países, os equívocos na política ambiental e o descuido profundo com a nossa imagem no exterior".
Outro personagem do universo político tratado no livro é o ex-ministro Ciro Gomes (PDT), que ocupou manchetes em meados de 2019 desancando o Renova no contexto da briga do partido com Tabata Amaral, pelo voto dela favorável à reforma da Previdência na Câmara dos Deputados.
Ciro atribuiu o sim ao projeto, mesmo depois da orientação do PDT para que a bancada o rejeitasse, à participação de Tabata na escola de capacitação e no movimento Acredito. Falou que a parlamentar, filiada ao PDT com o incentivo dele, compunha "partidos clandestinos" e fazia "dupla militância".
"Ciro acha que ungiu Tabata", escreve o autor, para quem o pedetista desconhece a trajetória de vida da deputada. "Aliás, é assim que alguns atores da política nacional se comportam. Na visão deles, ninguém chega por mérito: chega se alguém permitiu, e pelas mãos dessas pessoas que 'autorizaram'."
Mufarej usa a obra para repisar o mantra da renovação, a necessidade de atrair "gente boa" (um dos slogans da entidade é o de transformar pessoas comuns em "políticos fora do comum") e a defesa de uma reforma no sistema, com debates, por exemplo, sobre a volta do financiamento por pessoas jurídicas.
Sua mensagem é a de que, sem mudanças, a política "acabaria por afundar o país" e, portanto, cabe à sociedade civil organizada fazer propostas e agir. No caso do Renova, o apoio pode ser dado via doações em dinheiro, que em 2019 vieram de 1.478 pessoas, totalizando R$ 11,4 milhões.
Amigo do apresentador Luciano Huck, envolvido na criação do Renova desde o início e integrante do conselho consultivo da entidade, o empresário é breve ao falar do que pode ser um problema para a escola em 2022: a possibilidade de que Huck saia candidato à Presidência da República.
A situação é incômoda porque suscita teses como a de que a organização funcionaria como plataforma de sustentação da candidatura (o que seria desmentido pela capilaridade partidária dos inscritos). E, mesmo que o conselheiro se afaste formalmente, a bandeira de isenção ficaria sob suspeita.
Mufarej aponta no livro a preocupação de Huck em evitar sequestrar as atenções com sua participação e combate narrativas como a de que o comunicador da TV Globo seria "um dono" do projeto. Diz que torceu fortemente para que ele concorresse em 2018, por enxergar condições favoráveis à vitória.
"Não concordamos em tudo, mas nos tornamos bons amigos. Luciano é um cara muito preparado, que tem o coração no lugar certo e quer fazer as coisas do jeito certo", afirma ele, que estava com Huck no Carnaval de três anos atrás, em viagem a Angra dos Reis (RJ), quando ele recuou da candidatura.
"Não tenho dúvidas de que Luciano é a cara da renovação. Mas o Renova —nunca é demais dizer— não é um partido político [...], não tem candidato. Apoia a democracia brasileira", completa.
À Folha Mufarej diz que gostaria que o Brasil "tivesse a capacidade de produzir um novo projeto", que fuja à oposição entre Lula e Bolsonaro. "São dois projetos que não deram certo. Precisamos de um que fale menos do passado e mais de futuro. Há uma excelente oportunidade para uma terceira via."
O Renova, segundo ele, manterá a atuação voltada a candidatos novatos para o Legislativo. "Há um desequilíbrio de forças entre aqueles que detêm o poder e os que têm o desejo de participar. A mensagem mais importante é a de refutar o populismo, evitar soluções fáceis para problemas complexos."
O empresário diz que, com o livro, buscou esclarecer pontos cruciais da trajetória da iniciativa, mas sem a pretensão de colocar a escola como o único caminho. "São múltiplos caminhos, mas é importante que a sociedade se mobilize. Se esse livro servir para estimular o inconformismo, estarei feliz."
Bolsonaro provoca crise militar - Eliézer Rizzo de Oliveira, O Estado de S.Paulo
O Brasil vive uma perigosa crise de inteira responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro: a intervenção política nas Forças Armadas com o propósito de instrumentalizá-las como “partido do presidente”.
Bolsonaro teria ordenado ao general Edson Leal Pujol, comandante do Exército, que se opusesse ao Supremo Tribunal Federal (STF) em razão de decisões favoráveis ao ex-presidente Lula da Silva, seu provável adversário em 2022, a exemplo do que fizera o general Villas Bôas em abril de 2018, num erro monumental. Bolsonaro não foi atendido e exigiu a cabeça do general Pujol. Nesse contexto, o general Paulo Sérgio, em entrevista ao Correio Braziliense, abordou a política de saúde da Força em consonância com os protocolos da Organização Mundial de Saúde (OMS), não com a cloroquina de Bolsonaro. Um ano antes, diante da pandemia, o general Pujol estabelecera que salvar vidas era a guerra mais importante do Exército. Bolsonaro de um lado, Exército do outro.
Bolsonaro trocou a direção do Ministério da Defesa e os comandantes da Marinha, da Aeronáutica e do Exército. A crise não se resolveu, apenas mudou de fase. Pois o seu cerne está em Bolsonaro pretender que as Forças Armadas sejam instituições de seu governo (“meu Exército”) para pressionar o processo político, ameaçar a sociedade e forçar os governadores e os prefeitos (que verdadeiramente combatem a pandemia) a abrir a economia e abandonar o isolamento social.
Até aqui encontrou resistência das Forças Armadas e tampouco tem força política para tanto. Resta-lhe ameaçar com o estado de sítio e com a mobilização nacional, instrumentos específicos diante da ameaça de agressão estrangeira.
O presidente sempre anunciou o que pretendia fazer. Ele não necessita de um golpe militar, basta-lhe operar os processos legais a seu favor: armar a população (retirando do Exército e da Polícia Federal o controle de armas), promover a militância dos seus adeptos em grupos sociais, milícias e polícias. Mais armas liberadas, mais armas disponíveis para os grupos criminosos, mais difícil se torna o monopólio estatal da violência legal.
Disse também que a invasão de propriedades rurais e urbanas passaria a ser considerada ação terrorista; que daria cobertura legal para a violência policial e militar com o excludente de ilicitude. Bolsonaro estimula o conflito social com violência. Quando tudo isto tiver sido processado, nossa democracia não será a mesma. E as Forças Armadas?
Trata-se da estratégia de “destruir antes de construir”. Ou “combater o socialismo”, que Bolsonaro avalia estar implantado desde a Presidência de Fernando Henrique Cardoso!
E Bolsonaro está destruindo mesmo: nega a identidade cultural e étnica das pessoas negras, suas famílias e seus grupos sociais; assim também as políticas indigenistas; submete as escolas públicas estaduais e municipais com o projeto “escola cívico-militar”, que se destina a formar estudantes com valores conservadores e a dar emprego a militares da reserva; confronta a liberdade de imprensa e de expressão; quer impedir a participação de professores, discentes e funcionários na escolha de reitores das universidades federais; põe em xeque as universidades federais com a direção eclesiástico-militar do MEC, do Inep e da Capes; fragiliza o SUS; faz ruir as políticas afirmativas do meio ambiente; submete as relações exteriores às convicções antigramscistas de Bolsonaro e filhos, insuflando o conflito com a China e produzindo o fracasso na compra de vacinas; abate as políticas de direitos humanos; estimula a militância bolsonarista de policiais estaduais, de modo a confrontar a autoridade dos governadores, que Bolsonaro pretende enfraquecer com nova legislação.
Bolsonaro está fragilizado, tenta mostrar uma força que não tem.
Está em jogo a preservação do regime democrático, uma tarefa das instituições (Poderes, Ministério Público, partidos, etc.) e da cidadania. Que a sociedade civil reaja a tempo, como a imprensa faz. Que o clamor das mais de 300 mil vítimas da pandemia, de seus familiares e amigos seja um oxigênio para o SUS e a ciência na saúde pública. Que os(as) reitores(as) das universidades públicas, as associações estudantis, docentes e científicas defendam as universidades e a pesquisa.
A eleição presidencial de 2022, se a ela chegarmos, será realizada no rescaldo da presente crise. Meus votos de cidadão são: que os políticos e os partidos se preparem sobre a defesa nacional, tema em que o improviso não cabe; que as Forças Armadas se orientem, efetivamente, “pelos inarredáveis preceitos constitucionais”, palavras do demitido comandante brigadeiro Bermudez aos militares da Força Aérea; que os postulantes à Presidência da República assumam a defesa da anistia de 1979, cuja constitucionalidade foi reafirmada pelo STF.
CIENTISTA POLÍTICO, É PROFESSOR TITULAR APOSENTADO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (UNICAMP)