A desmoralização do Estado - O Estado de S.Paulo
O presidente Jair Bolsonaro já declarou que está “lutando contra o sistema, contra o establishment”. Como parte dessa guerra particular, o chefe de Estado tudo faz para desprestigiar justamente o Estado que deveria chefiar. Sempre que pode, trata de caracterizar a estrutura administrativa como pouco confiável, quando não francamente hostil a ele. Para o presidente, até mesmo algumas das pessoas próximas no seu governo são suspeitas de conspiração – há algum tempo, chegou a desabafar: “Já levei facada no pescoço dentro do meu gabinete”.
Assim, Bolsonaro busca construir para si um “Estado” paralelo, distante dos controles institucionais. O próprio presidente confirmou essa intenção ao mencionar, na infame reunião ministerial de 22 de abril, que dispõe de um “sistema de informações” pessoal. “Sistemas de informações, o meu funciona. O meu particular funciona. Os que têm oficialmente desinformam”, declarou o presidente.
Esse sistema pessoal, como mostrou reportagem do Estado, é composto por amigos e conhecidos do presidente. No mês passado, ele chegou a dizer que “graças a Deus tenho amigos policiais civis e policiais militares no Rio de Janeiro”, pois por meio desses contatos ficou sabendo que algo “estava sendo armado para cima de mim”, citando a “possibilidade de busca e apreensão na casa de filhos meus, onde provas seriam plantadas”. É esse o tipo de informação que Bolsonaro considera importante para o desempenho de suas funções, e não as que os sistemas formais lhe oferecem. E os cerca de 10 mil contatos do presidente em seu celular, todos certamente ávidos para lhe parecer úteis, tratam de alimentar suas paranoias com teorias da conspiração – que Bolsonaro leva muito mais a sério que a realidade reportada por funcionários de carreira nos órgãos estatais.
Como bom demagogo, Bolsonaro encaminha as mensagens que recebe desse sistema pessoal para que assessores tomem providências. Desse modo, submete o Estado, cuja estrutura é legalmente impessoal, aos caprichos de bolsonaristas com acesso ao WhatsApp presidencial. Órgãos da administração pública perdem precioso tempo – e recursos públicos – com delírios dos sabujos de Bolsonaro.
Espanta que o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, suporte esse comportamento do presidente. Afinal, como responsável formal por fornecer as informações necessárias para que o presidente governe, o ministro Heleno deveria ser o primeiro a envergonhar-se diante do fato, agora público, de que o presidente prefere se informar com amigos pelo WhatsApp do que pelos relatórios do GSI. Do mesmo modo, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), vinculada ao GSI, foi olimpicamente ignorada por Bolsonaro quando lhe encaminhou relatórios alertando sobre a necessidade de isolamento social para enfrentar a pandemia de covid-19. Bolsonaro preferiu, em vez disso, acreditar em palpites sobre drogas miraculosas contra o vírus.
Se serve de consolo para o ministro Augusto Heleno, vários outros órgãos de Estado já foram menosprezados – quando não hostilizados – por Bolsonaro. Basta lembrar, por exemplo, que Bolsonaro chamou de “mentirosos” os dados sobre desmatamento produzidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Mais recentemente, pressionou o Ministério da Justiça e a Polícia Federal a lhe darem informações às quais ele legalmente não pode ter acesso, e vem esnobando as diretrizes do Ministério da Saúde para enfrentar a pandemia, promovendo aglomerações em comícios.
Nos casos citados, os responsáveis pelos órgãos ou se demitiram ou foram afastados. Já o ministro Augusto Heleno, a despeito das humilhações, segue firme no cargo – mesmo depois que o GSI, falhando em sua missão precípua, deixou de informar ao presidente sobre a folha corrida do indicado para presidir o Banco do Nordeste, que teve de ser exonerado um dia depois de nomeado pois sobre ele pairam suspeitas de irregularidades.
É para evitar esse tipo de vexame, entre outras razões, que o Estado precisa de um sistema de informações robusto e profissional. Mas, por melhor que seja esse sistema, não é possível fazer milagres quando o presidente da República trabalha com afinco para desmoralizá-lo e o chefe do GSI se conforma com a situação.
O caminho do arbítrio - *Denis Lerrer Rosenfield, O Estado de S.Paulo
Urge que o presidente Bolsonaro pare sua escalada rumo ao autoritarismo, mediante o uso indiscriminado do arbítrio. Decisões presidenciais num Estado democrático passam por uma série de mediações, sendo as mais importantes o Legislativo e o Judiciário, e no que concerne a este último, o STF. Arrogar a si a verdade e a decisão arbitrária só é fonte de confrontos incessantes.
Acontece que o presidente e sua família operam segundo a concepção schmittiana da distinção entre amigo e inimigo, fazendo que qualquer crítica ou divergência seja vista sob o prisma do inimigo a ser atacado. O mesmo vale para amigos em definições mutáveis, pois, ao passarem a ser considerados uma ameaça, tornam-se inimigos a ser abatidos – os casos mais eloquentes, Bebianno, Moro e Santos Cruz.
A distinção amigo-inimigo não é, todavia, exclusiva da extrema direita, vale também para a esquerda. O próprio Carl Schmitt, após ter sido apoiador entusiasta de Hitler, escreveu, no pós-guerra, que Mao e Lenin se encaixavam na mesma concepção, tecendo-lhes elogios. Chávez e agora Maduro são seus discípulos. A distinção lulopetista entre “nós” e “eles” é dessa mesma estirpe.
No caso da experiência venezuelana, considerada por Lula um exemplo de democracia, processou-se a subversão da democracia por meios democráticos. As instituições democráticas foram inicialmente preservadas, enquanto o seu interior foi progressivamente minado. A imprensa e os meios de comunicação em geral foram, passo a passo, calados, o Legislativo perdeu suas funções, com o presidente passando a legislar por decretos, e o Supremo Tribunal, após ser atacado, foi cooptado. Milícias foram criadas e passaram a violentar e controlar os cidadãos.
No Brasil, estamos vivendo um processo semelhante nos seus inícios, só que de sinal trocado. Da extrema esquerda passamos para a extrema direita. Os ataques sistemáticos à imprensa, aos meios de comunicação em geral e o financiamento e operação organizada de grupos encarregados de difundir fake news mostram essa tática de ataque ao “inimigo”. A ameaça de ruptura institucional, apesar de apresentada como defesa da democracia contra o espantalho do comunismo, é outro de seus braços. A constituição de milícias digitais, agora tornadas milícias de rua, até mesmo armadas, caso do grupo liderado por Sara Winter, é outro de seus instrumentos. A antiga bandeira preta da Ucrânia, símbolo da extrema direita naquele país, é o seu símbolo.
Na mesma linha, a declaração presidencial de que população brasileira deve ser armada para não ser escravizada procura, na verdade, a servidão dessas forças ao domínio da extrema direita. Uma coisa é a posse de armas no legítimo exercício da autodefesa, um direito; outra, muito diferente, é armar a população para se opor às autoridades, como os governadores de Estado, por suas políticas de combate à pandemia.
Contudo parar esse processo rumo ao precipício exige moderação do presidente, com a subsequente alteração da equipe governamental mediante o afastamento dos mais exaltados, os ideológicos. A perseguir tal política, as crises sanitária, política e econômica só tendem a se agravar, levando o País a um impasse perigoso, estando o próprio mandato presidencial em questão.
As recentes manifestações de reação a este autoritarismo por meio de vários manifestos pela democracia exibem uma sociedade atuante, ciente de que suas instituições devem ser defendidas independentemente dos governos. A democracia é tida por um valor maior, situado acima das contendas políticas e partidárias. No entanto, não deveria esse processo ser conduzido sob o modo de uma nova polarização, embora possa ser necessária num primeiro momento, sob pena de outra forma de autoritarismo surgir novamente no horizonte. O impasse institucional seria o seu resultado.
Salta à vista que dois terços da população brasileira não são pró-democracia, apesar de serem anti-Bolsonaro. Aí estão incluídos, por exemplo, os responsáveis pelo mensalão, que minaram o sistema representativo com a corrupção e o descalabro fiscal, para além das tentativas, felizmente infrutíferas, de controle da imprensa e dos meios de comunicação, apresentadas naquele então como sendo a verdadeira democracia. Para não falar das milícias do MST infernizando o campo brasileiro. Convém estar atentos a esses “novos democratas”.
Deve-se olhar igualmente com precaução a participação de torcidas organizadas nas manifestações, pois considerá-las como democráticas é outro equívoco. Na pressa de uma oposição atuante nas ruas, corre-se o risco de confundir alhos com bugalhos, na medida em que se caracterizam por serem uma espécie de quadrilhas, cujo prazer é extraído do uso da violência.
A sociedade brasileira deve sair da polarização, tendo como norte a democracia, sob pena de perpetuarmos o impasse pelos próximos dois anos e meio, além de corrermos o perigo de nele permanecer por mais quatro anos, seja sob a égide da extrema direita, seja da extrema esquerda.
PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL (UFRGS)
No Rio, manifestantes anti-Bolsonaro se reúnem no Centro
Cerca de 500 manifestantes estão reunidos na Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio, na tarde deste domingo (7), num ato a favor da democracia, a igualdade de gênero, contra a violência policial, o racismo e o governo de Jair Bolsonaro.
A passeata teve início no monumento a Zumbi dos Palmares, nas proximidades do Sambódromo, e segue pela pista central em direção à Igreja da Candelária. E reúne dois grupos, “Vidas Negras Importam”, inspirado pelo movimento americano “Black Lives Matter”, e “Torcedores contra o racismo e pela queda de Bolsonaro”.
A Polícia Militar também foi alvo de críticas. Os manifestantes lembraram a morte do adolescente João Pedro, em São Gonçalo, durante operação policial na comunidade do Salgueiro, e da vereadora Marielle Franco.
Os organizadores pediram que os integrantes do ato mantivessem distanciamento social. E que não participassem pessoas que estão no grupo de risco do Covid-19 ou que convivam com pessoas vulneráveis em casa.
Mais cedo, a Praia de Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro, foi reuniu grupos contra e a favor ao governo. Os manifestantes com críticas a Bolsonaro se concentraram no posto, enquanto apoiadores de Bolsonaro, em grupo bem menor, ficaram no posto 5.
O ato foi convocado por redes sociais e reúne integrantes do movimento negro e a favor do regime democrático. Também acontecem manifestações e panelaços anti-Bolsonaro em Brasília, São Paulo e Belo Horizonte. VEJA
Manifestação contra Bolsonaro termina em confronto em São Paulo
Terminou em confronto o ato contra o presidente Jair Bolsonaro que aconteceu ao longo do dia no bairro de Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo. O confronto aconteceu na Rua dos Pinheiros, após PMs impedirem a passagem de manifestantes que seguiam rumo à Avenida Paulista. Moradores de prédios do entorno iniciaram um forte panelaço, além de atirar objetos nos PMs.
O ato antirracista e contra Bolsonaro aconteceu de maneira pacífica durante a tarde no Largo da Batata, conhecido ponto de protestos da capital paulista. E reuniu representantes do movimento negro, membros de torcidas organizadas do Palmeiras, do Corinthians e do São Paulo, assim como pessoas contrárias ao governo de Jair Bolsonaro.
Esse protesto terminou por volta das 16 horas. Em seguida, uma parcela dos protestantes decidiu caminhar pela Rua dos Pinheiros para chegar à região da Avenida Paulista. Após percorrerem 1 quilômetro, os manifestantes encontraram uma barreira formada por PMs do Grupo Tático e do Batalhão de Choque, que impediram o percurso com bombas de efeito moral. Os manifestantes, então, se dispersaram.
A PM afirmou que o bloqueio foi necessário para evitar confrontos na Avenida Paulista, já que lá se reuniam manifestantes pró-Bolsonaro, e que cumpria decisão do Poder Judiciário. Na noite de sexta-feira, a Justiça de São Paulo proibiu que grupos anti e pró-Bolsonaro se reunissem para manifestações no mesmo local e horário. Os dois protestos estavam marcados para acontecer na Avenida Paulista. Com a decisão, o ato contra o governo foi deslocado para o Largo da Batata, na região Oeste da capital.
VEJA
CELSO DE MELLO INCOMODA O PODER DESDE O GOVERNO SARNEY
Quem vê as críticas do presidente Jair Bolsonaro ao ministro Celso de Mello talvez não saiba que o hoje decano do Supremo Tribunal Federal (STF) incomoda o governo desde 1989. O ministro foi nomeado para a Corte por José Sarney. A indicação foi feita pelo então Consultor-Geral da República, Saulo Ramos, de quem Celso era secretário. Anos mais tarde, no livro “Código da Vida”, o mesmo Saulo Ramos, morto em 2013, chamou o ex-subalterno de “juiz de merda”.
No livro, Ramos lembra que Sarney queria fixar o domicílio eleitoral no Amapá e, no julgamento, Celso teria votado por último, contra o pedido, quando o placar já estava definido a favor do ex-presidente. Para Saulo, Celso só votou assim para aparentar independência porque, antes do julgamento, uma reportagem informou que o ministro votaria a favor de Sarney. Depois do julgamento, ainda segundo o livro, Celso teria telefonado para Ramos para dar essa explicação.
Quando o livro saiu, o decano negou o telefonema para Ramos e disse que votou contra Sarney por convicção. Na mesma obra, o autor escreveu que Celso tinha a tendência de “favorecer poderosos”. Certos episódios da vida do decano mostram o contrário.
Antes de ser ministro do STF, Celso de Mello foi promotor do Ministério Público de São Paulo. Acabou fichado no Serviço Nacional de Informações (SNI) por dois episódios, embora nunca tivesse participado de qualquer grupo de militância contra a ditadura. Como promotor, elaborou um parecer para licenciar uma diretoria estudantil que o regime militar considerava subversivo. A segunda menção no SNI foi por um discurso proferido na inauguração do fórum de Osasco, em São Paulo. Com cerca de 500 pessoas no auditório, ele disse duras palavras contra o Ato Institucional 5.
Em 2018, durante o julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o decano voltou a se insurgir contra os militares. Ele rebateu a declaração do então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, feita pouco antes. De acordo com o decano, intervenções militares diminuem o “espaço institucional reservado ao dissenso, limitando, desse modo, com danos irreversíveis ao sistema democrático, a possibilidade de livre expansão da atividade política e do exercício pleno da cidadania”.
Se a fala recente de Celso não rendeu nenhuma represália das autoridades, a manifestação feita na ditadura foi responsável por estacionar a carreira dele no Ministério Público por anos. Cabia ao governador – na época, Paulo Maluf – autorizar as promoções de procuradores. Aprovado em primeiro lugar no concurso, Celso de Mello sempre era promovido por merecimento. Depois do discurso, isso mudou.
Mas nem sempre Celso de Mello se alinhou contra os poderosos. Em dezembro de 1994, o decano participou de seu primeiro julgamento histórico. Na época, o STF absolveu o ex-presidente da República Fernando Collor de Mello das acusações de corrupção passiva. Celso votou com a maioria. Entendeu que não havia provas suficientes para justificar a condenação.
Em 2012, entretanto, o ministro foi duro com os réus do mensalão. Na maioria dos casos, votou pela condenação. Em um voto, o decano disse que o esquema foi um verdadeiro assalto à administração pública, pôs em risco a legitimidade do processo democrático e a integridade do sistema financeiro nacional. Na ocasião também chamou os políticos corruptos de “marginais do poder”.
Entre os réus do mensalão, estava um que morou com ele em 1968 numa pensão em São Paulo: o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, apontado como chefe da quadrilha responsável por desviar dinheiro público e comprar o apoio de deputados no Congresso Nacional. Segundo o decano, embora coabitassem, os dois nunca foram amigos.
Apesar de incomodar, Celso de Mello alçou o posto de personalidade pública acima de bem e do mal ao longo dos anos. Em seu gabinete, há uma foto simbólica, capturada no fim da década de 1990. Celso era presidente do STF; Michel Temer presidia a Câmara dos Deputados; Antonio Carlos Magalhães, o Senado; e Fernando Henrique Cardoso era o presidente da República. Estavam todos enfileirados diante do ministro aguardando um cumprimento.
Há pelo menos 20 anos, ouve-se na corte rumores de que Celso vai antecipar a aposentadoria. Agora, às vésperas de completar 75 anos, em novembro, quando será aposentado compulsoriamente, o decano mostra que ainda está disposto a afrontar o poder. COLUNA/ÉPOCA
O QUE IMPEDE FORMAÇÃO DE FRENTE AMPLA DE OPOSIÇÃO NO BRASIL?
Thiago Herdy e Juliana Dal Piva / ÉPOCA
No final de 2019, o deputado Eduardo Bolsonaro disse calmamente em uma entrevista que, se a “esquerda” no Brasil “se radicalizasse”, o governo poderia propor um plebiscito para aprovar um “novo AI-5”, instrumento da ditadura para reprimir com prisões, tortura ou morte qualquer atividade opositora. A fala chocou, mas foi tomada com descrédito em razão do absurdo que representava — e o zero três não foi punido pelo que disse.
Pouco mais de sete meses depois, o país assiste a seu presidente da República alardear a fantasia de usar as Forças Armadas para avançar sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) e observa seus aliados sugerirem uma interpretação lunática do artigo 142 da Constituição para forjar uma intervenção militar. Tal agravamento da crise institucional fez lideranças políticas que caminhavam isoladas se unir em busca de um denominador comum para defender a democracia de um presidente mal-intencionado. Mas interesses eleitorais e desavenças políticas não parecem deixar que uma barreira de contenção se consolide para conter uma escalada autoritária do governo.
Quando Eduardo Bolsonaro mencionou o AI-5, a historiadora Heloisa Starling, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), de imediato se preocupou. Em dezembro, ela publicou em ÉPOCA um artigo em que relembrava a Frente Ampla, criada em 1966 — uma união até então impensável de adversários políticos temerosos da ditadura que se instalava no Brasil. Os opostos se uniram em defesa de uma pauta comum: a restauração do poder civil, o pluripartidarismo, o direito de greve, a Constituinte e as eleições diretas.
Algo semelhante parece estar em curso no Brasil hoje — sobretudo depois que as forças políticas se convenceram de que os militares da reserva não estariam tão curados assim do ímpeto totalitário de 1964, vide a carta enviada pelo general Augusto Heleno para ameaçar o STF. Seja em prol do impeachment de Bolsonaro ou da mera defesa da democracia, alguns partidos têm conversado, mas sem chegar a um lugar concreto.
No campo político de centro-esquerda, a resistência a Bolsonaro uniu PSB, PDT, Rede, PV e Cidadania, criadores do movimento Janelas pela Democracia, que defende o impeachment e pretende realizar eventos virtuais para angariar apoio. A ação partidária, no entanto, ainda está restrita a uma ala da esquerda que já se relaciona entre si — ou seja, não “fura a bolha”. Entre os partidos alinhados à centro-direita, as movimentações são menos contundentes, ainda que alguns políticos tenham sido signatários dos manifestos recentemente produzidos.
Em 2020, além das desavenças políticas e dos interesses partidários que dificultam uma união, o tempo também pode voltar a ser o inimigo, como em 1966. As ameaças do passado eram bastante claras: os militares estavam no poder e não havia democracia. Mas hoje não se sabe quando, nem como, nem o que Bolsonaro poderá fazer num próximo arroubo autoritário. Essa incerteza faz com que o senso de urgência por ação não seja o mesmo para todos que estão dispostos a defender a democracia. O que pode dar origem a uma frente bem-intencionada, mas cheia de buracos e passível de um novo naufrágio.
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