Autores pedem 'retratação' de estudo sobre cloroquina publicado na 'The Lancet' e pesquisa é 'despublicada'
A revista científica "The Lancet" publicou, nesta quinta-feira (4), uma nota de retratação dos autores do estudo com cloroquina e hidroxicloroquina para Covid-19 publicado por ela própria no dia 22 de maio. Os cientistas afirmaram não poder mais garantir a veracidade dos dados usados para fundamentar a pesquisa, que havia constatado risco no uso das substâncias contra o novo coronavírus.
A pesquisa, que analisou dados médicos de 96 mil pessoas, motivou a OMS a suspender os testes com hidroxicloroquina nos ensaios clínicos Solidariedade, iniciativa internacional coordenada pela organização. Na quarta (3), depois da publicação de uma "manifestação de preocupação" sobre o estudo pela ''The Lancet", a entidade decidiu retomar os testes com a substância.
A retratação do estudo é o passo seguinte à manifestação de preocupação, que faz com que ele não possa ser citado, no futuro, em outras pesquisas científicas.
Nesta quinta (4), a revista comunicou a decisão dos autores de pedir a retratação do estudo e afirmou que a pesquisa será atualizada e terá a informação sobre a retratação "em breve".
Veja íntegra da nota da 'The Lancet':
"Hoje, três dos autores do artigo "Hydroxychloroquine or chloroquine with or without a macrolide for treatment of COVID-19: a multinational registry analysis" pediram a retirada de seu estudo. Eles não conseguiram completar uma auditoria independente dos dados que sustentam sua análise. Como resultado, eles concluíram que não podem mais "garantir a veracidade das fontes de dados primárias". A "The Lancet" leva a sério as questões referentes à integridade científica e há muitas questões pendentes sobre a empresa Surgisphere e os dados que supostamente foram incluídos neste estudo. Seguindo as diretrizes do Comitê de Ética em Publicações (COPE, em inglês) e do Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (ICMJE, em inglês), análises institucionais das colaborações de pesquisa da Surgisphere se fazem urgentes e necessárias.
A nota de retratação foi publicado hoje, 4 de junho de 2020. O artigo será atualizado e vai conter essa informação em breve."
Bases de dados
Os autores do estudo não fizeram ensaios clínicos: eles analisaram os dados da base da empresa "Surgisphere", coletados de 671 hospitais em 6 continentes, e concluíram que a cloroquina e a hidroxicloroquina não tinham benefícios no tratamento da Covid-19. Além disso, também constataram que as substâncias traziam, supostamente, maior risco de arritmia cardíaca aos pacientes.
Ambos os medicamentos são usados para tratar alguns tipos de malária e de doenças autoimunes, como o lúpus. g1
PL contra fake news é confuso e ameaça liberdade de expressão, diz Collor
O senador Fernando Collor de Mello (Pros-AL) afirmou nesta quarta-feira (3/6) que o projeto de lei contra as fake news (PL 2.630/20) é confuso e coloca em risco a liberdade de expressão. A declaração foi feita durante entrevista concedida à jornalista Joyce Pascowitch no Instagram.
"Manifestei minha absoluta falta de simpatia pelo projeto. Embora haja boa vontade dos que elaboraram, é um projeto que ficou um pouco confuso. Tenho muitas dúvidas se não vai atingir as raias da censura", afirmou.
O projeto, de autoria do deputado Angelo Coronel (PSD-BA), já acumula 62 emendas, uma delas, de autoria do próprio Vieira. O PL seria votado ontem no Senado, mas acabou retirado da pauta pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre.
A proposta pretende transformar em crime o uso de contas falsas nas redes sociais ou de robôs sem o conhecimento das plataformas. O PL, no entanto, foi acusado de podar a liberdade de expressão e incentivar a censura online.
“O território da internet é muito democrático e deve assim permanecer. Nenhum de nós é a favor das fake news, de robôs. Mas para evitar isso você entra em um caminho que nos leva para a questão da censura”, diz Collor.
O projeto de lei será tema do seminário Saída de Emergência, transmitido pela TV ConJur nesta sexta-feira (5/6), às 15h. A discussão contará com a presença do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE); do deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP); da conselheira do CNJ Maria Tereza Uille e do professor da Universidade de São Paulo Juliano Maranhão. O conselheiro do CNMP Otavio Luiz Rodrigues mediará a conversa.
Arrependimento e flerte com o fascismo
Na live desta quarta, Collor, que foi presidente do Brasil entre 1990 e 1992, quando renunciou antes da abertura de processo de impeachment, aproveitou para reafirmar que se arrependeu de ter bloqueado a poupança dos brasileiros em sua gestão.
"O confisco de ativos bancários da população me causou muito sofrimento. Não foi uma decisão só minha. Era a única saída na época para controlar uma inflação de 80% ao mês. Hoje não faria isso. Tentaria descobrir outro jeito de lidar com a situação. Já pedi perdão a todos que sofreram com os bloqueios", disse.
Por fim, o senador comentou a gestão de Bolsonaro, que, segundo ele, flerta com o fascismo, colocando a democracia em risco.
"Esse apoio do Bolsonaro às manifestações que semanalmente contrariam a Constituição me preocupa porque é a gestão de um conflito institucional sério. Ele convive com aquelas faixas que pedem o fechamento do congresso e Supremo Tribunal Federal. O atual presidente flerta com um regime fascista."
Revista Consultor Jurídico, 4 de junho de 2020, 12h39
PESQUISA REVELA PESSIMISMO ENTRE MÉDICOS SOBRE PICO DE CASOS DE CORONAVÍRUS
O estudo foi divulgado nesta segunda-feira, em meio a estudos e divulgação de medidas de retomada de atividades em várias cidades do país. O tema preocupa médicos e especialistas. O Brasil já ultrapassou 500 mil casos da doença, e registra mais de 30 mil óbitos em decorrência de Covid-19, segundo boletim do Ministério da Saúde.
"O pessimismo não poderia ser diferente", diz José Luiz Gomes do Amaral, presidente da Associação Paulista de Medicina. "Temos visto nos ambientes de trabalho o número de pacientes se multiplicar, e os leitos de internação de terapia intensiva ainda cheios, recrutando médicos de diferentes especialidades. Nada indica que estejamos chegando em uma situação estável, ou até de arrefecimento da doença."
Para o médico, considerando ainda a subnotificação nos números oficiais, o cenário parece distante de uma solução. E o pessimismo entre os médicos entrevistados só reforça a preocupação com uma flexibilização da quarentena nas cidades brasileiras.
"Imagina, você volta do hospital depois de um plantão, exausto, se deita e acorda no dia seguinte com as pessoas discutindo a flexibilização. Você já pensa quantos pacientes vão aparecer daqui a duas semanas no hospital. Isso certamente não contribui para a redução da ansiedade", afirma Amaral, que defende o isolamento, aumento de testes e a solidariedade como caminhos para tentar frear a expansão do novo coronavírus.
A pesquisa ouviu mais de 2.800 médicos das redes pública e particular de todo o país. A maioria (68,6%) afirma que colegas e colaboradores estão "apreensivos", quando perguntados sobre o clima do ambiente de trabalho. A percepção de falta de insumos adequados e segurança ainda é citada por profissionais de saúde, mas caiu em relação a uma pesquisa anterior da associação.
"Há que se louvar certo esforço em se disponibilizar esses itens. Por outro lado, a falta de testes para todos os sintomáticos é uma insuficiência a ser considerada, e deve ser tratada com atenção. Ao menos 40% dos entrevistados dizem que não conseguem testes para todos os pacientes", conta o presidente da Associação Paulista de Medicina.
Violência na saúde
O estudo mostrou ainda que 58,5% dos entrevistados já presenciaram ou souberam de casos de violência contra médicos e outros profissionais de saúde por conta da pandemia de Covid-19. As ações mais citadas são agressões verbais (53%), além de agressões psicológicas (29%). Agressões físicas foram citadas por 17% dos entrevistados que relataram ter sabido ou presenciado cenas de violência.
"A violência no sistema de saúde é crônica. Ou endêmica, para usar o jargão da epidemiologia. À impaciência e insatisfação com as filas no sistema de saúde, que há tempo fazem parte do dia a dia de hospitais, se unem o excesso de demanda e desinformação com a tensão pelos casos de coronavírus", diz Amaral.
O presidente da APM afirma que as autoridades têm papel fundamental de esclarecer a população sobre uma situação em que todos têm medo, e debater aspectos da doença, ações de prevenção e de cuidados com os próprios profissionais de saúde.
"A informação atenua o pânico. À medida que os casos vão acontecendo, os gestores precisam aprender e agir", diz Amaral, que faz um apelo à capacitação dos profissionais de saúde. "Houve um deslocamento de profissionais de saúde para atenção à Covid-19. Mas muitos não estão capacitados para atender moléstias infecciosas, e passam a praticar em um ambiente desconhecido. É preciso aumentar a preocupação para capacitá-los, principalmente no sistema público, até porque estamos chegando a um recorde de profissionais infectados."
TSE autoriza convenção partidária virtual para escolha de candidatos a prefeito e vereador
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) autorizou os partidos a realizarem suas convenções para as eleições municipais de 2020 de forma virtual em razão da pandemia do coronavírus.
Por unanimidade, os ministros decidiram que os partidos têm autonomia para utilizar as ferramentas tecnológicas que entenderem necessárias para as convenções que escolherão os candidatos a prefeito e a vereador.
Mesmo com a pandemia, o calendário eleitoral foi mantido. As convenções devem ser realizadas de 20 julho a 5 de agosto. A eleição segue marcada para outubro.
A decisão do TSE foi tomada em uma consulta feita pelo deputado federal Hiram Manuel (PP-RR). O congressista questionou se, diante do quadro de pandemia e a necessidade de manutenção do distanciamento social, medidas alternativas aos encontros presenciais poderiam ser adotadas.
Os ministros definiram também que as regras e procedimentos adotados pelos partidos para a realização da convenção física deverão seguir também no campo virtual.
Um parecer elaborado pela área técnica da corte afirmou não haver impedimento jurídico para a realização de convenções partidárias de forma virtual desde que mantido os regramentos atuais.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem afirmado que há um entendimento entre os líderes partidários no sentido de adiar as eleições municipais de outubro, sem, contudo, prorrogar os mandatos dos atuais prefeitos e vereadores.
Um grupo de senadores e deputados deve ser criado para debater a proposta, que ocorreria em caráter excepcional devido à pandemia. Ainda não há definição sobre quem irá compor esse grupo e qual é o prazo para deliberação.
Pelo calendário eleitoral, que segue as diretrizes estabelecidas pela Constituição, o primeiro turno das eleições ocorrerá em 4 de outubro, e o segundo turno, onde necessário, no dia 25 do mesmo mês.
Eventual mudança nas datas das eleições deve exigir a aprovação de uma PEC (proposta de emenda à Constituição), que exige apoio de pelo menos três quintos dos deputados e dos senadores, em dois turnos de votação na Câmara e no Senado.
Alterações eleitorais devem ocorrer com o mínimo de um ano de antecedência, mas há uma defesa de que essa exigência deve ser flexibilizada em situações de calamidade pública, como a atual.
Na última segunda-feira (1º), o presidente do TSE, ministro Luis Roberto Barroso, afirmou aos presidentes dos 27 Tribunais Regionais Eleitorais que é possível que as eleições, inicialmente previstas para ocorrerem em outubro, precisem ser adiadas para novembro e dezembro.
Segundo ele, o Congresso Nacional –a quem cabe aprovar a emenda constitucional que estabelecerá esse adiamento– já está estudando a hipótese de que o primeiro turno da votação para prefeitos e vereadores ocorra no dia 15 de novembro e, o segundo, no dia 6 de dezembro.
Barroso disse ainda que o TSE, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal concordam que o adiamento deve ocorrer pelo menor tempo possível, de modo que não seja necessária a prorrogação dos mandatos dos políticos.
“Fazer com que as eleições não se constituam em risco para a saúde dos eleitores e dos colaboradores da Justiça Eleitoral tem sido uma grande preocupação do TSE”, afirmou Barroso.
Também para minimizar o contato físico e a possibilidade de transmissão do novo coronavírus, o presidente do TSE informou que, provavelmente, a identificação dos eleitores por meio da biometria será dispensada nas eleições deste ano.
Em entrevista à Folha em 12 de abril, Barroso reconheceu que a aglomeração das convenções partidárias e a fase de testes das urnas eletrônicas eram entraves à realização das eleições municipais de outubro em meio à pandemia.
Na ocasião, Barroso defendeu que o pleito fosse adiado por poucas semanas e também se disse contrário à prorrogação do mandato de prefeitos e vereadores para depois de 1º de janeiro de 2021.
Outra consulta sobre o mesmo tema foi analisada na sessão desta quinta. Os ministros rejeitaram o questionamento do partido Republicanos sobre a possibilidade de alterar a data das convenções. O Plenário decidiu que o prazo de 180 dias antes do pleito, estabelecido pela Lei das Eleições, não pode ser flexibilizado sem decisão legislativa.
VEJA AS PRINCIPAIS DATAS DAS ELEIÇÕES
4 de abril
A data marcou o fim do prazo para que detentores de mandatos no Executivo renunciassem aos cargos para se lançarem candidatos
6 de maio
Foi o último dia para que os eleitores regularizassem sua situação junto à Justiça Eleitoral
15 de maio
Foi permitido iniciar a arrecadação facultativa de doações, por meio de plataformas de financiamento coletivo credenciadas
30 de junho
Pré-candidatos que apresentem programas de rádio ou TV ficam proibidos de continuar a fazê-lo
20 de julho a 5 de agosto
Início das convenções partidárias para a escolha dos candidatos. Também a partir de 20 de julho, os candidatos passam a ter direito de resposta à divulgação de conteúdo difamatório, calunioso ou injurioso por veículo de comunicação
15 de agosto
Última dia para os partidos registrarem as candidaturas
20 de agosto
Caso o partido não tenha feita o registro, o candidato pode unilateralmente fazer o seu pleito até esta data
16 de agosto
Passa a ser permitida a propaganda eleitoral, inclusive na internet. Os comícios poderão acontecer até o dia 1º de outubro
28 de agosto
O horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão passa a ser veiculado de 28 de agosto a 1º de outubro
19 de setembro
A partir desta data, os candidatos não poderão ser presos, salvo no caso de flagrante delito. Eleitores, por sua vez, não poderão, em regra, ser presos a partir do dia 29 do mesmo mês
4 de outubro
O primeiro turno de votação para vereadores e prefeitos
25 de outubro
Segundo turno para municípios com mais de 200 mil eleitores
18 de dezembro
Diplomação dos eleitos
Auxílio emergencial deve ser estendido em mais duas parcelas de R$ 300
Com o prolongamento da crise causada pela pandemia do coronavírus, o governo bateu o martelo e irá propor ao Congresso um valor adicional de R$ 600 por pessoa que já tem direito ao auxílio emergencial. Segundo fontes ouvidas pelo blog, a preferência do presidente Jair Bolsonaro é que o valor seja dividido em duas parcelas de R$ 300.
O auxílio foi criado em abril, com previsão original de ser pago em três parcelas de R$ 600, até junho. Os beneficiários são trabalhadores informais que ficaram sem renda na pandemia.
Ao discutir as parcelas extras, a equipe econômica trabalhava com a ideia de estender a ajuda a três pagamentos de R$ 200. Segundo uma fonte próxima do presidente, Bolsonaro achou o valor de R$ 200 baixo. Por isso, a ideia de transformar em duas parcelas de valor maior.
O governo se preocupa ainda com o pagamento indevido a pessoas que não precisam receber e omitem dados ao se cadastrar. Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), mais de 8 milhões de pessoas podem ter recebido indevidamente o auxílio. Além disso, 11 milhões de pedidos ainda aguardam análise.
A proposta do governo precisará passar pelo Congresso Nacional, onde o tema é sensível. O primeiro auxílio chegou ao Congresso com o valor de R$ 200 reais mensais e, após acordo com o governo, subiu para R$ 600 ao mês. O impacto do auxílio que vem sendo pago é de mais de R$ 150 bilhões nas contas do governo. PORTAL G1
Liberdade de expressão na internet: não joguem a criança fora
Temos o melhor Marco Civil Da Internet (MCI) do mundo. A Europa se inspira no Brasil. Mas, como o assunto é fake news, lá vem um "remédio" forte que, além de não curar o doente — é como aumentar penas de crimes, que nunca funcionou — vai mata-lo.
O tal "remédio" está em dois frascos (vejam: não duvido da boa intenção dos proponentes!): um na Câmara (PL 1429) e outro no Senado (PL 2630), que pretendem regular a liberdade de expressão na internet, no Brasil.
O PL 2630 seria apreciado em Plenário em 2 de junho — retirado de pauta no mesmo dia. O problema é que os projetos voltarão. E aí é que mora o perigo. Como há muita água suja — e ninguém nega isso — o perigo é de os projetos atirarem junto a criança fora. A probabilidade é grande.
Ponho aqui minha colher nesse angu. Já existe bastante material nas redes falando do assunto. Os principais institutos estão tratando do tema, além de um belo texto de José Rollemberg no Blog do Fausto Macedo (aqui).
Embora Umberto Eco tivesse razão ao dizer que a internet deu voz aos néscios e imbecis, ela deu também voz aos sábios, aos democratas, aos professores, aos velhinhos, às crianças etc.
OK, tem os discursos de ódio e as fake news. Tenho uma tia analfabeta que virou cientista política e espalha que o AI-5 foi uma coisa boa e coisas do gênero. Mas isso não nos permite concluir que temos de manietar a Internet. E nem proibir a tia a priori. E tampouco exigir que os provedores controlem a tia.
Portanto, Eco tinha razão? Sim. Porem, disso não se tira que a frase dele virou sucesso por causa das plataformas. Certa vez, há uns 20 anos, um "profeta" anunciou que o livro iria acabar. E para isso escreveu... exatamente um livro. Pois é. Sem a internet a frase de Eco teria ficado escondida.
Brasil: a construção legislativa do Marco Civil da Internet durou três anos, com amplo debate dos setores e atores do processo. MCI é elogiado internacionalmente. O MCI é uma conquista do direito civil, fazendo com que se recuperasse e realçasse o seu estatuto epistemológico, como sempre bem lembra o professor da USP Otavio Luiz Rodrigues Junior.
Tudo isso poderá ser desconstruído em poucos dias. Como disse o grande juiz Sir Edward Coke ao rei absolutista no início do século XVII, isso não pode ser assim. É nossa tarefa alterar os perigos de projetos sem prognose.
Há coisas bizarras nos desejos regulatórios, como a determinação de que uma mesma mensagem não pode ser remetida para mais de cinco pessoas ou grupos — isso já acontece. Bom, logo será uma mensagem por pessoa e por dia. Acho que os legisladores estão se inspirando nos modelos "vencedores" da Indonésia ou China.
Ora, liberdade de expressão é pilar da democracia. E tem um custo. Cada pessoa tem de pagá-lo. Mas sem tabula rasa. Não se pode estuprar em nome da continuidade da raça, como alertava Millôr Fernandes.
A história é ciência. E tem nos mostrado que o grau de desenvolvimento da sociedade é proporcional a sua liberdade de expressão. Não depende só disso, é claro. Mas é um elemento fundamental.
Volto à tia de cada um. E à tia de cada dia. A Internet não pode ditar o conteúdo. A tia também não. Por isso não podemos julgar o papel da desinformação a partir dela mesma, a desinformação. Por quê? Porque não há elementos nos projetos de lei que nos informem, de forma confiável, que esse modelo "tipo indonésia" é melhor do que o nosso MCI já testado e aprovado.
Veja-se. Os projetos não se baseiam em dados ou elementos científicos. Tratam apenas de contentar certo imaginário. Lida com "jogos morais". Sobre os quais não tem nenhuma certeza. Na verdade, melhor: sobre os quais não nos podem dar nenhuma convicção de que melhorará o sistema.
Prognose? Nenhuma. Os proponentes dos projetos deveriam ler livros que mostram que o Direito não pode lidar com esses "jogos morais" ou "escolhas dilemáticas". Por exemplo, se o resultado que se pretende é apenas fruto de "aposta", o risco é, mesmo, o de uma aposta. Tem 50% de probabilidade de dar errado. E piorar. É como o sujeito que, para salvar cinco pessoas, mata um.
Em termos de cálculo, foi exitoso. Só que o sujeito que foi morto poderia ser o cara que inventaria a vacina contra o câncer; e entre os salvos, três terroristas que matariam centenas ou milhares de pessoas. Por isso, Direito — isto é, MCI — não pode ser utilizado para escolhas ou jogos políticos do momento. Pode dar muito errado.
Poderia listar tantas bizarrices dos projetos. Uma delas são os requisitos para abrir uma conta nos provedores.
Os discursos de ódio? Vamos combate-los impondo censura prévia? Quem fará esse juízo? Alguém posta um texto que outra pessoa não gosta ou, que ao seu juízo, seja ofensivo. O provedor tem de tirar do ar imediatamente? Cautelarmente? Quem diz o que é ofensivo? O STF já disse que não se admite discurso de ódio, a partir do famoso Caso Ellwanger. Mas nunca disse que tivéssemos que fazer censura prévia. Aliás, como diz a Ministra Carmen, "cala a boca já morreu".
O mais grave é se pretende responsabilizar os provedores, a partir de uma espécie de censura por delegação. Veja-se o artigo 10, pelo qual se busca a responsabilização dos provedores de aplicação pelos conteúdos postados por terceiros. Ou seja, o provedor terá que verificar se é verdade o postado? Como assim? Um consumidor que se queixa de um estabelecimento, fala a verdade ou mente?
Ainda sobre o artigo 10: brincando um pouco, se um advogado ou professor escreve que Kelsen separou direito e moral... o provedor terá que avisá-lo de que isso é mentira? Ora, nem vou falar da medicina. Se eu postar — e isso é fato — que o médico fulano, ao me aconselhar um tratamento para meu dedo com artrose, errou e tive que buscar outro... isso é o quê? Notícia falsa contra o primeiro médico? Mundo mundo vasto mundo, talvez os proponentes tivessem que ler algo sobre interpretação de textos. Ibis redibis non peribis íbis (irás, retornarás, não perecerás lá), disse o oráculo ao soldado, que levou sua esposa para ouvir. Passado um tempo, a esposa descobriu que o marido morrera na guerra. Foi reclamar na defesa do consumidor contra a mentira do oráculo. A defesa do oráculo foi simples. "— Você não sabe nada de hermenêutica. Eu disse Ibis, redibis non, peribis íbis (irás, retornarás não, perecerás lá)." Imagine uma postagem assim no face book...!
Na verdade, hoje o MCI resolve isso tudo no artigo 19, conquista brasileira que serve de exemplo ao mundo. Os projetos não podem ser uma espécie de AI-5 digital.
Para fechar, lembro o art. 11, mal redigido, aliás. Tentando entende-lo, diz que os provedores devem prestar esclarecimentos aos usuários sobre o conteúdo postado, e advertir igualmente aos outros utentes do seu serviço. Bom, disso já falei acima. Transformar as plataformas em oráculos (íbis, redibis...!) ou em Sodalício da Aferição da Verdade (ou Consensos Falsos?) não parece uma boa ideia, para dizer o mínimo.
Na democracia, o trânsito informacional deve ser delimitado por seu conteúdo (caso seja ilícito). De que modo podemos afirmar ou presumir que, por exemplo, o número de pessoas atingidas desinforma? Na Alemanha, no ano de 1958, no famoso caso Lüth, já disse o Tribunal Constitucional que fazer propaganda (pregar boicote) contra um filme não era vedado. Era um direito constitucional de liberdade de informação. Ou seja, no exemplo, não posso espalhar para milhares de pessoas que o filme x é ruim ou sexista ou coisa assim? E quanto ao filme ser ou não ruim ou sexista, como aferir? Eu até teria como aferir isso a partir da tese da resposta correta, porém, os usuários e os provedores não são obrigados a conhecer e concordar com essa proposta teórica, se me permitem apontar os limites e paroxismos dessa previsão do projeto.
Sem falar no problema que essa alteração legislativa provocará nas eleições. Cachorro mordido por cobra tem medo de linguiça. Porém, de novo, cuidemos apenas da água suja.
Quanto aos limites circulatórios de informações, o projeto não pode querer abarcar as inúmeras hipóteses de excessos ou mentiras, como se houvesse um centro controlador por parte do Estado. A livre iniciativa, nesse aspecto, ficará tisnada se os projetos forem aprovados. Enfim, salvemos o MCI.
Dê-se ao Estado esse Poder e ele não terá nenhum pudor em tirar as manguinhas de fora.
Lenio Luiz Streck é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.