O QUE IMPEDE FORMAÇÃO DE FRENTE AMPLA DE OPOSIÇÃO NO BRASIL?
Thiago Herdy e Juliana Dal Piva / ÉPOCA
No final de 2019, o deputado Eduardo Bolsonaro disse calmamente em uma entrevista que, se a “esquerda” no Brasil “se radicalizasse”, o governo poderia propor um plebiscito para aprovar um “novo AI-5”, instrumento da ditadura para reprimir com prisões, tortura ou morte qualquer atividade opositora. A fala chocou, mas foi tomada com descrédito em razão do absurdo que representava — e o zero três não foi punido pelo que disse.
Pouco mais de sete meses depois, o país assiste a seu presidente da República alardear a fantasia de usar as Forças Armadas para avançar sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) e observa seus aliados sugerirem uma interpretação lunática do artigo 142 da Constituição para forjar uma intervenção militar. Tal agravamento da crise institucional fez lideranças políticas que caminhavam isoladas se unir em busca de um denominador comum para defender a democracia de um presidente mal-intencionado. Mas interesses eleitorais e desavenças políticas não parecem deixar que uma barreira de contenção se consolide para conter uma escalada autoritária do governo.
Quando Eduardo Bolsonaro mencionou o AI-5, a historiadora Heloisa Starling, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), de imediato se preocupou. Em dezembro, ela publicou em ÉPOCA um artigo em que relembrava a Frente Ampla, criada em 1966 — uma união até então impensável de adversários políticos temerosos da ditadura que se instalava no Brasil. Os opostos se uniram em defesa de uma pauta comum: a restauração do poder civil, o pluripartidarismo, o direito de greve, a Constituinte e as eleições diretas.
Algo semelhante parece estar em curso no Brasil hoje — sobretudo depois que as forças políticas se convenceram de que os militares da reserva não estariam tão curados assim do ímpeto totalitário de 1964, vide a carta enviada pelo general Augusto Heleno para ameaçar o STF. Seja em prol do impeachment de Bolsonaro ou da mera defesa da democracia, alguns partidos têm conversado, mas sem chegar a um lugar concreto.
No campo político de centro-esquerda, a resistência a Bolsonaro uniu PSB, PDT, Rede, PV e Cidadania, criadores do movimento Janelas pela Democracia, que defende o impeachment e pretende realizar eventos virtuais para angariar apoio. A ação partidária, no entanto, ainda está restrita a uma ala da esquerda que já se relaciona entre si — ou seja, não “fura a bolha”. Entre os partidos alinhados à centro-direita, as movimentações são menos contundentes, ainda que alguns políticos tenham sido signatários dos manifestos recentemente produzidos.
Em 2020, além das desavenças políticas e dos interesses partidários que dificultam uma união, o tempo também pode voltar a ser o inimigo, como em 1966. As ameaças do passado eram bastante claras: os militares estavam no poder e não havia democracia. Mas hoje não se sabe quando, nem como, nem o que Bolsonaro poderá fazer num próximo arroubo autoritário. Essa incerteza faz com que o senso de urgência por ação não seja o mesmo para todos que estão dispostos a defender a democracia. O que pode dar origem a uma frente bem-intencionada, mas cheia de buracos e passível de um novo naufrágio.
Leia a reportagem na íntegra exclusiva para assinantes da ÉPOCA:
O que é falso? J.R. Guzzo, O Estado de S.Paulo
Só se pode proibir legalmente alguma coisa se a lei diz o que é essa coisa. O que é ‘fake news’?
Está em discussão, ou pelo menos senadores e deputados dizem que está, mais um desses projetos de lei que fazem do Brasil um país realmente fora de série. É a lei das chamadas “fake news”, que se propõe a obrigar os brasileiros, a partir de sua aprovação, a dizerem só a verdade nas comunicações que fazem pela internet – nada menos que isso. Se publicarem alguma “notícia falsa” nas redes sociais, ou alguma “desinformação”, serão castigados. Ainda não se sabe direito quais seriam os castigos, mas a ideia geral é essa: banir a circulação de mentiras, nos meios de comunicação eletrônicos, em todo o território nacional.
Nunca se viu nada parecido neste país, em seus 520 anos de história oficial: políticos querendo que se diga a verdade. Num primeiro momento, tentou-se aprovar o projeto por “teleconferência”, sem reunião do plenário do Senado, sem aprovação prévia nas comissões técnicas, sem ouvir ninguém – nem os próprios senadores. Alguém lembrou que seria preciso dizer quem, exatamente, vai decidir sobre a aplicação das penas; ao que parece, estão pensando em dar esse serviço para os 18 mil juízes brasileiros. Foi apontado, também, que a correria para a aprovação da nova lei era incompreensível: não há, simplesmente, uma emergência nacional capaz de justificar esses extremos de urgência urgentíssima. No fim, adiou-se a decisão para mais tarde.
Um mínimo de bom senso comum aconselharia os nossos parlamentares, antes de qualquer outra consideração, a pensarem no seguinte: será que eles teriam, sinceramente, a capacidade de legislar sobre a verdade? Mas o bom senso comum nunca foi um elemento obrigatório na vida política nacional – e o resultado, mais uma vez, está aí. Basta, no caso, fazer uma pergunta-chave: o que é uma notícia falsa? Só é possível proibir legalmente alguma coisa se a lei diz, com 100% de clareza, o que é essa coisa. Ninguém tem dúvida sobre o que é um homicídio. O Código Penal, no artigo 121, diz que homicídio é “matar alguém”. E “fake news”? O que é?
É muito justo, claro, proibir o uso de “robôs”, identidades falsas e outras patifarias eletrônicas. Mas para que todo o resto? A única coisa boa que poderia acontecer com a lei das “fake news” é cair no arquivo morto. Notícias falsas, nas redes sociais ou em qualquer meio de comunicação, só podem ter um juiz: o público. É a ele que cabe decidir se acredita ou não no que lê, ouve ou vê – e a ele é que cabe punir, com o seu descrédito, quem está dizendo a mentira. Não pode ser tratado como um idiota, incapaz de julgar as informações que recebe. O resto é violar o artigo 5 da Constituição brasileira.
Elite intocada - FOLHA DE SP
Nutrida por generosos recursos públicos, a elite dos servidores do Estado brasileiro tem o dever de partilhar dos custos econômicos impostos a toda a população pela pandemia de Covid-19. Não é o que pensam, no entanto, as autoridades consultadas por esta Folha ao longo das últimas duas semanas.
A lista inclui o presidente Jair Bolsonaro, os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, todos os ministros do Poder Executivo e do Supremo Tribunal Federal, o procurador-geral da República, os presidentes dos dez maiores partidos políticos, governadores e prefeitos de capitais.
Questionados sobre a possibilidade de cortes em seus próprios salários e nos do funcionalismo, quase todos ficaram calados ou se manifestaram contra a ideia.
A elite pública brasileira parece crer em uma realidade paralela de fartura de recursos. Nem de longe é o caso. As projeções para o déficit orçamentário neste ano já se aproximam dos R$ 800 bilhões, e isso sem contar os juros de uma dívida pública em disparada.
Enquanto a suspensão de contratos de trabalho e a redução de até 70% nos salários atingem cerca de 9 milhões de trabalhadores, as corporações estatais se eximem da responsabilidade de propor medidas de cortes de gastos fixos. Em cálculos simples, uma redução de vencimentos em 25% por três meses geraria R$ 35 bilhões.
O gasto público com pessoal ativo no Brasil —estimado, segundo metodologia internacional, em quase 14% do Produto Interno Bruto— está entre os mais altos do mundo, graças principalmente aos salários muito superiores aos do setor privado. O Judiciário, em particular, apresenta custos sem paralelo entre os principais países.
Ressalve-se o bom exemplo de autoridades como os governadores do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), e do Piauí, Wellington Dias (PT), que reduziram voluntariamente seus contracheques e os de auxiliares.
Trata-se, porém, de iniciativas apenas simbólicas, de ínfimo impacto orçamentário. A nova realidade trazida pela pandemia exige o enfrentamento amplo de privilégios e desperdícios. Desde já.
Fachin suspende operações policiais no Rio durante a pandemia
O GLOBO
O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, determinou nesta sexta a suspensão das operações policiais em favelas do Rio até o fim da pandemia do coronavírus.
Em decisão liminar, o ministro afirmou que as operações só deverão ocorrer "em hipóteses absolutamente excepcionais, que devem ser devidamente justificadas por escrito pela autoridade competente, com comunicação imediata ao Ministério Público".
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Nesses casos, a polícia terá que adotar "cuidados excepcionais" para "não colocar em risco ainda maior a população, a prestação de serviços públicos sanitários e o desempenho de atividades de ajuda humanitária".
No último dia 20, uma operação da PM causou pânico na Cidade de Deus enquanto voluntários distribuíam cestas básicas e itens de higiene. A ação matou João Vitor Gomes da Rocha, de 18 anos. Segundo a polícia, ele era investigado por suspeita de roubo de veículo.
Fachin atendeu a pedido do Partido Socialista Brasileiro, que recorre ao Supremo contra a política de segurança de Wilson Witzel desde novembro passado.
A decisão é mais uma derrota política para o governador, que já perdeu seis secretários desde que foi alvo de buscas na Operação Placebo, no último dia 26. A Polícia Federal investiga se ele participou de um esquema de corrupção na saúde.
Moro equipara PT e Bolsonaro e acena pela primeira vez a movimentos contrários ao presidente
O ex-ministro Sergio Moro acena pela primeira vez aos recém-criados movimentos que se autodenominam pró-democracia e equipara o PT (Partido dos Trabalhadores) ao presidente Jair Bolsonaro.
Para Moro, o partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não reconhece erros cometidos durante seu período no governo federal em relação aos desvios na Petrobras. Isso equivale, nas palavras do ex-juiz da Lava Jato, ao discurso negacionista de Bolsonaro sobre a pandemia do coronavírus. "É um erro isso", diz.
Em entrevista à Folha, Moro diz que está "em aberto" a possibilidade de ele aderir a esses movimentos em defesa da democracia e contra o governo.
Afirma não ver constrangimento em integrar manifestos que possam ter membros críticos a seu trabalho como juiz da Lava Jato, apesar das resistências de alguns setores a seu nome. "Na democracia temos muito mais pontos em comum do que divergências. As questões pessoais devem ser deixadas de lado", disse. "Não fui algoz de ninguém".
No dia 23 de abril, a Folha revelou que Moro havia pedido demissão do Ministério da Justiça após ser avisado por Bolsonaro da troca no comando da Polícia Federal.
Ele deixou o governo acusando o presidente de interferência na PF. Na entrevista, disse esperar que o procurador-geral da República, Augusto Aras, atue com independência na investigação que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o caso.
O ex-ministro da Justiça fala em "arroubos autoritários" por parte de Bolsonaro, mas diz não ver nas Forças Armadas espaço para um golpe.
Grupo que inspirou #Somos70PorCento é heterogêneo, mas crítico a Bolsonaro, indica Datafolha
No último final de semana uma hashtag se espalhou pelas redes sociais do país com base na mais recente pesquisa nacional do Datafolha sobre a avaliação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O movimento #Somos70PorCento leva em conta o percentual aproximado de brasileiros que não aprova o governo em contraposição aos 33% que o consideram ótimo ou bom.
A iniciativa se diz suprapartidária e se coloca em defesa da democracia. Seu cálculo, que soma taxas de avaliação regular com as de reprovação, no entanto, merece nota técnica.
A pergunta que mede a popularidade do presidente é uma variação de escalas aplicadas internacionalmente há décadas em pesquisas de mercado e opinião para se medir satisfação quanto a um determinado tema.
O objetivo é dar conta do gradiente de sentimentos da população, com simetria entre respostas positivas e negativas, contemplando-se um ponto intermediário neutro.
Nas pesquisas de avaliação de governantes, o Datafolha historicamente utiliza uma escala de cinco pontos, dois positivos (ótimo e bom), dois negativos (ruim e péssimo) e um neutro (regular). Além disso, há o percentual residual dos que espontaneamente dizem não saber se posicionar.
Nada garante que, diante de uma pergunta dicotômica (que apresenta duas alternativas para a resposta –aprova ou desaprova, por exemplo), a maioria da população se posicionaria da forma como defende o movimento #Somos70PorCento.
De qualquer forma, ao separar apenas o grupo que avalia o governo como regular, nota-se tendência preponderante de concordância com temas negativos ao atual governante.
Feita a ressalva, para verificar se de fato há uma tendência contrária ao governo nesse contingente e revelar o perfil do conjunto que ele representa, o Datafolha elaborou um exercício de recodificação de sua última pesquisa, somando os 43% que avaliam o governo como ruim ou péssimo aos 22% que o consideram regular e aos 2% que não se posicionaram.
Reuniu o grupo sob o rótulo de “não aprovam o governo Bolsonaro”. E os resultados trazem contrastes marcantes em comparação com o estrato que apoia o governo –há realmente uma postura bastante crítica ao presidente entre os que não o consideram ótimo ou bom.
É um conjunto mais feminino do que o dos que avaliam Bolsonaro positivamente (57% são mulheres, taxa que corresponde a 46% entre os que consideram o presidente ótimo ou bom).
O grupo é mais jovem, tem menor renda e a participação de empresários no estrato é inferior em seis pontos percentuais em relação ao estrato que aprova Bolsonaro.
Nos demais aspectos, o estrato se mostra diverso e heterogêneo como a população –quanto à escolaridade, cor e ocupação, por exemplo, não há variações significativas.
Cerca de um em cada quatro integrantes desse grupo votou em Bolsonaro na última eleição, mas a maioria não (74%). Quase metade do segmento (47%) é composto por antibolsonaristas heavy (intensos), isto é, além de não terem votado no presidente, reprovam o desempenho de seu governo e nunca confiam em suas declarações.
Na escala de avaliação de Bolsonaro, 52% citam o extremo negativo –péssimo— como resposta para qualificá-lo. Para 54%, Bolsonaro nunca se comporta como um presidente da República, índice que corresponde a 37% entre os brasileiros de um modo geral e apenas a 3% entre os que o consideram ótimo ou bom.
A grande maioria do estrato afirma que Bolsonaro não tem capacidade para liderar o país e as taxas de apoio ao impeachment e à renúncia do presidente superam a média em 20 pontos percentuais.
Ao contrário dos que aprovam Bolsonaro, o grupo acredita muito mais no ex-ministro Sergio Moro do que no presidente no episódio sobre a interferência na Polícia Federal, assim como, na grande maioria dos casos, critica a presença de militares no governo e enfatiza o descumprimento de promessas da campanha na negociação de cargos e verbas com o centrão em troca de apoio político.
Sobre a epidemia do novo coronavírus, a taxa dos que reprovam Bolsonaro no combate à doença é superior em 21 pontos percentuais à verificada na média da população e chega a 71%. Por outro lado, no grupo que o considera um presidente ótimo ou bom, o resultado é o inverso –69% aprovam seu desempenho na crise sanitária.
A tendência não se repete em relação ao Ministério da Saúde (as opiniões do grupo se dividem): 38% aprovam a atuação da pasta, 35% a consideram regular e 25% ruim ou péssima. Entre os que avaliam positivamente Bolsonaro como presidente, a maioria aprova seu ministério.
O resultado muda quanto aos governadores –a maioria dos que não aprovam Bolsonaro avaliam positivamente o desempenho dos gestores estaduais enquanto as opiniões se dividem no grupo dos que classificam o presidente como ótimo ou bom.
É fácil entender o motivo dos contrastes –o conjunto dos que não aprovam o presidente se coloca muito mais favorável ao isolamento social do que seus antagonistas, mesmo enxergando (mais do que eles) reflexos nocivos à economia do país por um longo período.
E estão mais pessimistas do que os apoiadores do presidente –ao contrário desse estrato, a maioria dos que não o apoiam se diz desanimada, com medo do futuro, triste e insegura, todas as percepções em patamares próximos ou muito superiores a 70%.
Como se vê, o desalento que predomina nesse contingente, somado a seu peso quantitativo, o torna objeto de cobiça para a oposição. Sua heterogeneidade social não anula a coesão que demonstram na crítica ao governo. Agora a comunicação que os reuniu sob um mesmo rótulo terá o desafio de definir a mensagem direta que determinará ou não o engajamento almejado.