A pandemia invade as contas públicas
01 de abril de 2020 | 03h00
Empenhado em gastar para conter os efeitos do coronavírus, o governo federal já admite fechar o ano com um rombo de pelo menos R$ 350 bilhões em suas contas primárias, calculadas sem os juros. A pandemia tirou de cena os R$ 124,1 bilhões previstos no Orçamento como limite para o déficit primário do governo central. O saldo em vermelho será algo próximo do triplo desse valor. Corresponderá, portanto, a uns 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo estimativa do Ministério da Economia. Sacrificam-se as contas públicas, em 2020, para tentar frear o contágio, impedir o colapso do sistema de saúde e dar algum apoio aos trabalhadores de baixa renda, incluídos os informais.
Com a calamidade pública reconhecida pelo Congresso, o Executivo fica dispensado, neste ano, do rigor da Lei de Responsabilidade Fiscal. O governo deve dar prioridade à preservação da vida e, tanto quanto possível, atenuar os danos econômicos da pandemia. Mas terá de voltar à disciplina em 2021, submetendo-se aos limites de gastos e, de modo geral, aos padrões legais do Orçamento.
Mas os problemas do poder central compõem apenas uma parte dos desafios. A crise atinge também as finanças de Estados, municípios e estatais. Somados todos os danos fiscais, o déficit primário do setor público poderá chegar a uns R$ 400 bilhões, superando 5% do PIB. Em 2019 esse déficit ficou em R$ 61 bilhões, ou 0,9% do PIB.
Os danos ocasionados pela pandemia ainda são pouco visíveis nos últimos dados fiscais, mas os números de fevereiro são preocupantes. O déficit mensal do setor público, nas contas primárias, chegou a R$ 20,90 bilhões, o pior valor para um mês de fevereiro desde 2017, quando atingiu R$ 23,47 bilhões. Esse conjunto inclui os três níveis de governo e um grupo de estatais, excluídas Petrobrás e Eletrobrás. Os números globais do setor público são calculados pelo BC e os saldos correspondem às necessidades de financiamento.
No primeiro bimestre o resultado foi um superávit de R$ 35,37 bilhões, refletindo o saldo positivo de janeiro. Em 12 meses, no entanto, o resultado primário foi negativo em R$ 58,46 bilhões. Ainda sem os efeitos do coronavírus, os números comprovam, mais uma vez, o peso dos gastos previdenciários.
O déficit acumulado em 12 meses pelo INSS, de R$ 217,96 bilhões, engoliu o superávit de R$ 133,45 bilhões contabilizado pelo Tesouro Nacional. Mais uma vez o buraco nas contas federais, de R$ 85,32 bilhões, foi o maior componente do déficit primário. A pandemia ofuscou parcialmente, nas últimas semanas, o problema das crescentes despesas obrigatórias, incluídos os gastos previdenciários. Estes gastos poderão subir mais devagar nos próximos anos, quando os efeitos da reforma aprovada em 2019 forem mais sensíveis. Mas ainda faltará muito trabalho para desengessar as contas públicas.
Quando se acrescentam os juros, chega-se ao chamado resultado nominal, um déficit de R$ 440,42 bilhões em 12 meses. Esse valor corresponde a 6% do PIB. Para cobrir esse enorme buraco o setor público tem de se endividar, pagando juros maiores que aqueles cobrados na maior parte das grandes economias. Apesar disso, tem havido notícias positivas. O custo financeiro do governo tem evoluído mais suavemente, graças à redução dos juros básicos pelo BC. Boa parte da dívida é remunerada com base nesses juros.
Como a inflação deve continuar baixa, por causa da perda de renda dos trabalhadores e do freio na demanda, o BC poderá evitar aumento de juros nos próximos meses. Talvez possa realizar novo corte. Segundo projeção do mercado, a taxa básica poderá cair de 3,75% para 3,50% no fim do ano.
Juros contidos ajudarão a limitar a expansão da dívida pública. O endividamento aumentará, de toda forma, para cobrir o déficit crescente. Em fevereiro, a dívida bruta do governo geral (três níveis) atingiu R$ 5,61 trilhões e passou de 76,1% para 76,5% do PIB. Membros da equipe econômica falavam em mantê-la abaixo de 80% do PIB, mas isso será difícil neste ano. A esperança é retomar esse trabalho em 2021.
Eugenia de Hitler na era Bolsonaro
01 de abril de 2020 | 03h00
Eliane Cantanhêde narrou neste jornal que em reunião com outros ministros e o chefe, Jair Bolsonaro, o titular da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, lembrou que mil mortos na pandemia da covid-19 equivalem à queda de quatro Boeings. “Estamos preparados para o pior cenário, com caminhões do Exército transportando corpos pelas ruas com transmissão ao vivo pela internet?”, perguntou. Os animais racionais presentes acharam que o choque faria o chefão do “gabinete do ódio” recuar da decisão de sacrificar vidas para salvar empregos.
Vã ilusão. Ele está pouco interessado em ter razão e na razão. No dia seguinte, “em desafio a Mandetta” – que, ao que parece, é indemissível, mas nem assim tem como reduzir efeitos colaterais malignos da atitude do chefe –, passeou nas ruas “para ouvir o povo”, dando uma de Harum Al-Rashid do cerrado. Fê-lo porque se diz um atleta e, como revelou, “todos morremos um dia”. Ainda bem que Alexander Fleming, ignorando isso, inventou a penicilina para salvar vidas. Nem o destino inexorável evitou que Albert Sabin pesquisasse a vacina contra a poliomielite, que abrevia a sentença bolsonarista de milhões de bebês mundo afora e em nosso desafortunado Brasil.
O chefe do Executivo, cujo herói de guerra não é Winston Churchill, que deteve o nazismo, nem Luís Alves de Lima e Silva, o pacificador, mas o coronel Brilhante Ustra, que torturava patrícios indefesos até a morte por desafiarem a ditadura militar, tem devotos que o seguem cegamente. Ele nunca fez profissão de fé terraplanista nem rejeitou publicamente avanços da civilização promovidos por sábios como Galileu Galilei, Nicolau Copérnico, Charles Darwin e Isaac Newton, que revolucionou a física mostrando por que tudo o que sobe cai.
Ninguém deve imaginar que o faz por ideologia do moto-perpétuo para cima ou profissão de fé fundamentalista. Trata-se apenas de um frio e cruel cálculo eleitoral. Mortos não votam. Talvez não tenha ocorrido ao ministro Mandetta lembrar-lhe que cadáveres não podem ser eleitos. O psiquiatra Jorge Alberto Costa e Silva, ex-chefe do setor de epidemias da Organização Mundial da Saúde, em entrevista a Felipe Moura Brasil, do site O Antagonista, avisou que os participantes da impatriótica guerra pelo pódio republicano em 2022, entre os quais ele próprio e o potencial contendor João Doria, podem não chegar à campanha. Pois, contrariando a higidez aparente, não bastará para evitar o contágio, já que, como ele mesmo disse, ninguém é imortal. Aliás, ao desafiar o ministro que nomeou para combater epidemias, ele propõe uma astuciosa versão contemporânea da eugenia, com que o austríaco Adolf Hitler tentou eliminar idosos e doentes crônicos para depurar uma invencível raça ariana. O pintor de paredes de ofício não tinha a educação formal de um ex-aluno de Academia Militar das Agulhas Negras. O isolamento vertical deste é a eugenia sofisticada a ser praticada por mãos limpas, com o uso recomendado de detergente. O raciocínio é claro como água: o jovem sadio sairá à rua, contrairá o coronavírus e o transmitirá ao velho e/ou debilitado doméstico. Como costumava dizer o pistoleiro Luquinha, o Ustra do sertão da Paraíba: “Nunca matei ninguém, atirei no infeliz. Só quem mata é Deus”. A vítima morrerá de diabetes, cardiopatia ou moléstias respiratórias. O responsável não será o nazismo, mas um parente próximo, que, mesmo jovem e são, é passível de sucumbir à covid-19 propriamente dita.
Juiz de SC declara inconstitucionalidade do crime de posse de drogas
O bem jurídico tutelado pelo artigo 28 da Lei de Drogas, que trata de posse de entorpecente para consumo pessoal, é a integridade física, não a incolumidade pública. Assim, o estado não pode punir a autolesão sem reflexo a terceiros. Com esse entendimento a 3ª Turma Recursal de Santa Catarina absolveu homem pego com pequena quantidade de tóxico, por atipicidade da conduta.
Relator do caso, o juiz de Direito e colunista da ConJur, Alexandre Morais da Rosa, declarou a inconstitucionalidade material sem redução do texto do tipo de uso na hipótese de porte e consumo de doses pessoais de drogas. A medida rejeita a teoria da existência de uma difusa saúde pública.
A posição segue voto do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, em recurso extraordinário que decide se o porte de drogas para consumo próprio é crime ou não.
O julgamento foi iniciado em 2015 e três ministros já votaram. Foi suspenso por pedido de vista do falecido ministro Teori Zavascki. O ministro Alexandre de Moares, que o substituiu na corte, já liberou o caso para voto, mas ele ainda não foi pautado pelo presidente da corte, ministro Dias Toffoli.
Outros magistrados já se adiantaram à decisão do Supremo para reconhecer a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006. A jurisprudência também tem admitido que posse de drogas para consumo pessoal não gera reincidência.
Liberdade pessoal
Ao declarar a inconstitucionalidade, a 3ª Turma Recursal de Santa Catarina privilegiou o "primado material da Constituição", a existência do princípio da dignidade da pessoa e do direito impostergável de escolha por situações que lhe digam respeito. A decisão foi unânime.
Segundo o relator, a ausência de transcendência da conduta de portar drogas para consumo pessoal é o que faz com que a integridade física seja o bem jurídico tutelado pelo artigo 28 da Lei 11.343/2006. Ou seja, inexiste crime.
"O discurso matreiro da guerra "contra às drogas" movimenta o que há de mais básico no ser humano: seu desalento constitutivo em busca de segurança. Esse discurso, fomentado ideologicamente, impede o enfrentamento da questão de maneira democrática e não na eterna luta ilusória entre o bem e o mal", afirmou o juiz.
0002048-25.2013.8.24.0068
Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília. CONSULTOR JURÍDICO
Mundo sem máscara: cada um por si e o vírus contra todos
Por que todos os chineses foram obrigados a usar máscaras quando explodiu o novo coronavírus e em outros países elas foram descartadas como “não recomendadas”, necessárias apenas para profissionais de saúde ou até “inúteis”?
A resposta é tristemente simples: não tem máscara para todo mundo.
A falta de um produto banal, cujo fornecimento foi interrompido quando os chineses precisavam se proteger, provocou uma reação agressiva de Emmanuel Macron ao visitar uma fábrica que mudou a produção para fazer máscaras.
“Nossa prioridade é produzir mais na França e na Europa. Esta crise nos ensina que se impõe uma soberania europeia sobre certos bens, produtos e materiais”, disse o presidente francês.
Com ligeiras modificações, poderia ser um discurso feito por Marine Le Pen. Ou por qualquer dos líderes nacionalistas ascendentes. Ou, ainda, coerente com a antiga linha do regime militar brasileiro.
Setores estratégicos, chamavam-se.
Não só a Europa, como os Estados Unidos, sem falar nos países periféricos, descobriram, em plena crise, que estão desprovidos de um instrumento de sobrevivência.
As máscaras são o produto mais evidente, pela urgência imediata, mas há uma longa lista de outros, indo de princípios ativos para remédios a equipamentos hospitalares e toda a cadeia necessária para sustentá-los.
“Devemos reconstruir nossa soberania nacional e europeia”, proclamou Macron.
A palavra-chave é “nacional”. Como todo o resto do mundo, os membros da União Europeia saíram correndo cada um por si.
São os serviços de saúde nacionais que estão enfrentando a crise e todos os discursos sobre paneuropeísmo esvaziam-se diante de uma emergência dessas proporções.
Não é a primeira vez que Macron, considerado, injustamente, pela esquerda como um mero menino de recados dos mercados pelas reformas agora arquivadas de arejamento da economia francesa, fala grosso.
Logo depois de seus erros iniciais, ao liberar concentrações como a marcha das mulheres de 8 de março e depois o primeiro turno das eleições municipais, ele já havia feito uma análise bem dura.
“Há bens e serviços que estão acima das leis do mercado”, disse.
As quantidades astronômicas de dinheiro injetadas para segurar a quebradeira econômica também mostram que emergência é emergência.
Depois de pregar união, Bolsonaro posta vídeo com ataque a governadores
Era só conversa. Jair Bolsonaro foi à TV na noite desta terça-feira pedir união e um pacto em defesa da vida com o Judiciário, o Legislativo, além de governadores e prefeitos. Parecia que o presidente finalmente havia recolhido as armas e decidido liderar uma frente de combate ao coronavírus. Parecia. Há pouco, ele voltou a atacar governadores ao postar um vídeo nas redes.
No vídeo, um homem que diz estar na central de distribuição de alimentos de Belo Horizonte, segue a cartilha de terror do gabinete do ódio nessa pandemia para falar que não é só o coronavírus que mata, “fome, desespero, caos também mata”.
Ele repete a estratégia dos filhos de Bolsonaro, desmentida ontem por Sergio Moro, que falam em caos social por causa do isolamento social imposto nas cidades contra a pandemia. Segundo a narrativa do gabinete do ódio, destacada pelo homem no vídeo, haverá uma “quebradeira geral” por causa do fechamento das cidades e aí virá o “desespero em massa”.
Para fechar a receita bolsonarista, o homem lembra quem assiste que “a culpa disso aqui é dos governadores, porque o presidente da República está brigando insistentemente para que haja uma paralisação responsável” e lamenta que os “governadores querem ganhar nome e projeção política à custa do sofrimento da população”.
Camilo afirma que Governo avalia decretar estado de calamidade
O governador Camilo Santana disse na manhã desta quarta-feira (1º), em entrevista ao programa Bom Dia Ceará, no Sistema Verdes Mares, que o Governo do Estado avalia decretar estado de calamidade pública na saúde, diante do aumento no número de casos de coronavírus. Segundo o governador, a equipe econômica e jurídica do Governo realiza um estudo nesse sentido.
Camilo informou que o custo com o pagamento da conta de famílias que consumirem até 100 quilowatts por leitura da Eneel deverá ficar em torno de R$ 5 milhões ao mês. Segundo o governador, a estimativa é que cerca de 534 mil famílias sejam beneficiadas, mensalmente.
Sobre a questão do ano letivo nas escolas públicas estaduais, Camilo disse que o aluno não será prejudicado e que há possibilidade da antecipação das férias.
O governador avaliou que o alto número de contaminados no Estado é resultado do número de voos internacionais, quando defendeu a suspensão completa, mas também é resultado do maior número de testes no Ceará, em relação aos outros estados. Camilo lamentou a dificuldade da compra de equipamentos hospitalares e de material de proteção, diante da falta de oferta no mercado.
Camilo Santana voltou a fazer um apelo ao cearense para que permaneça em casa. OPOVO