TRF-2 revê decisão sobre decretos de Bolsonaro: igrejas e lotéricas seguem como serviços essenciais
RIO - O desembargador Reis Friede, presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), suspendeu nesta terça-feira os efeitos de uma liminar de primeira instância que proibia o governo Bolsonaro de adotar medidas que contrariassem o isolamento social de pessoas que podem ficar em casa durante a crise do novo coronavírus. A liminar reformada por Friede também suspendia a validade de dois decretos assinados pelo presidente Jair Bolsonaro que incluíam igrejas e casas lotéricas na lista de serviços essenciais que não podem parar durante a pandemia da Covid-19. Com a nova orientação da Justiça Federal, os templos e as unidades de loteria poderão voltar a funcionar.
A decisão de Reis Friede atende a um pedido da Advocacia Geral da União (AGU) para que fosse suspensa a liminar deferida na semana passada pela 1ª Vara Federal de Duque de Caxias, município da Baixada Fluminense. O desembargador entendeu que a decisão de primeira instância representava uma "intromissão indesejável do Poder Judiciário na atuação dos demais Poderes".
Para Friede, o juiz federal Márcio Santoro Rocha "usurpou competência constitucionalmente entregue" ao Legilsativo e ao Executivo, "violando frontalmente a Constituição da República e a harmoniosa relação que deve existir entre os poderes". O desembargador afirmou ainda que a decisão de Santoro Rocha "salta aos olhos" pela "lesividade e ilegitimidade". Ao deferir a liminar, Santoro Rocha atendeu a pedido do Ministério Público Federal (MPF).
Além de questionar a competência do juiz de primeira instância para arbitrar sobre a liminar, Reis Friede defendeu que a retirada das lotéricas da lista de serviços e atividades essenciais permitiria que elas fossem fechadas por decisões de governos locais. Na visão do desembargador, essa possibilidade levaria ao "aumento do fluxo de pessoas nas agências bancárias tradicionais, implicando em aglomerações indesejadas no momento atualmente vivido pela sociedade brasileira".
A questão relativa a aglomerações à qual Friede se refere tem sido considerada por governadores e prefeitos para nortear medidas que restrinjam a circulação de pessoas e, portanto, ajudem a combater o avanço do novo coronavírus pelo país. Na semana passada, Bolsonaro entrou em disputa com esses gestores e passou a defender o afrouxamento das regras e a retomada de atividades econômicas, mas não obteve êxito.
Com a manutenção das restrições, segue mantido em grande parte do país apenas o funcionamento de estabelecimentos e serviços cujas funções são consideradas essenciais. Neste contexto, as lotéricas nem sempre são autorizadas a permanecerem abertas. No município do Rio de Janeiro, por exemplo, o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) chegou a afrouxar as regras que criou para permitir que esses locais abrissem, mas acabou barrado pelo Tribunal de Justiça do Rio.
Ao permitir que elas sejam incluídas novamente na lista de serviços essenciais do país, o desembargador Reis Friede também verificou um risco de que o fechamento das lotéricas poderiam aumentar o fluxo intermunicipal de pessoas, uma vez que há localidades onde não existem agências de banco e as unidades de loteria se tornam imprescindíveis. O GLOBO
O desembargador não comenta amplamente sobre a questão das igrejas, na contramão do que fez em relação às lotéricas. Friede se limita a dizer que as medidas do governo previam que os templos permanecessem abertos desde que fossem obedecidas as recomendações do Ministério da Saúde. Para o magistrado, isso demonstra que os decretos anteriormente suspensam estavam revestidos de "evidente caráter de cautela".
Isolado, Bolsonaro ouviu Supremo e ministros do governo para mudar tom em pronunciamento
BRASÍLIA — A mudança de tom adotado pelo presidente Jair Bolsonaro em seu pronunciamento sobre a crise do coronavírus em cadeia nacional de rádio e TV na noite de terça-feira foi construída além dos gabinetes do Palácio do Planalto. Integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF), entre os quais o próprio presidente da corte, ministro Dias Toffoli, fizeram chegar a Bolsonaro a avaliação de que era preciso mudar a forma como o presidente vinha apresentando suas convicções à população. O mesmo cenário foi traçado por aliados de Bolsonaro no Congresso.
Segundo o GLOBO apurou, Bolsonaro reconheceu a necessidade de modular seu discurso e a maneira de defender suas teses sobre o novo coronavírus. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, foi um dos principais emissários dos recados dos outros Poderes.
Pela primeira vez, Bolsonaro não defendeu o fim do isolamento social. Pela manhã, ainda em defesa da “volta à normalidade” preconizada desde o início da crise, o presidente tinha chegado a distorcer uma fala do presidente da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, para dizer que ele concordava com o retorno imediato das pessoas ao trabalho.
As conversas sobre a nova postura a ser adotada pelo presidente vinham acontecendo há mais de uma semana. Direta e indiretamente, ministros vinham se revezando em conversas com o mandatário do Planalto.
Aliados do presidente dizem que, além de Oliveira, o grupo mais empenhado na missão de convencer Bolsonaro a remodular o discurso foi formado pelos ministros Braga Neto (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Fernando Azevedo e Silva (Defesa), Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e André Mendonça (Advocacia-Geral da União).
Isolado nacional e internacional, Bolsonaro foi alertado de que precisava reassumir a liderança no comando da crise e que, para isso, era necessário passar confiança, serenidade e firmeza à população. Nesse cenário, um gesto importante seria o de acenar à preocupação em salvar vidas.
O presidente decidiu, então, fazer um rearranjo na forma, mas sem abandonar completamente sua narrativa.
Saíram os sarcasmos e os recados indiretos --inflamados pelo núcleo comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). Entrou o tom moderado e, em certo momento, até conciliador --quando, por exemplo, agradeceu e reafirmou “a importância da colaboração e a necessária união de todos num grande pacto pela preservação da vida e dos empregos: Parlamento, Judiciário, governadores, prefeitos e sociedade”.
A avaliação recorrente no Legislativo e no Judiciário é a de que, em meio a uma grave crise epidemiológica, não interessa a nenhum dos Poderes tensionar a relação com o Palácio do Planalto. Hoje, estão todos engajados numa única frente: a de conter o avanço da Covid-19 no Brasil - principalmente na camadas mais vulneráveis.
Os recados levados ao presidente também tiveram como pano de fundo o fato de que, como a comunidade médica tem ressaltado, o ápice da doença no Brasil ainda está por vir e que desafios serão ainda maiores se o Estado não estiver preparado para o momento em que novo coronavírus extrapolar as barreiras da classe média.O GLOBO
'Parei de mandar dinheiro para minha mãe', 'cortei a internet'; como os brasileiros estão lidando com a queda na renda
Brasileiros afetados pelo desemprego e queda ou interrupção nas suas atividades em decorrência da quarentena devido ao avanço do novo coronavírus já começaram a refazer seus gastos para enfrentar a queda abrupta da renda.
Entre as medidas relatadas estão interrupção do pagamento do cartão de crédito, corte nas compras do supermercado e de pedidos de entrega de comida e até de internet.
Veja abaixo os relatos de uma desempregada, de um motorista de aplicativo que teve corte de 90% nas corridas e de uma vendedora em férias coletivas.
‘Nem minha mãinha foi poupada’
Dede Bezerra refez seu orçamento e cortou gastos no supermercado, pagamento do cartão de crédito e até a mesada que enviava para a mãe no Ceará — Foto: Arquivo pessoal
A vendedora Dede Bezerra, de 44 anos, está em férias coletivas desde a semana passada. Esta foi a alternativa encontrada pela empresa para atender à determinação de quarentena na cidade de São Paulo.
Ela continua recebendo o salário, mas o dinheiro da comissão das vendas – que tem a maior proporção na renda – não vai entrar no período. Além disso, o baixo movimento na loja nas últimas semanas antes de ser decretada a quarentena em São Paulo também refletiu na queda das suas comissões.
A vendedora não colocou as contas no papel, mas já está repensando todos os seus gastos. Nem a ajuda financeira que dava para sua mãe será poupada dos cortes. Dede conta que vai priorizar o pagamento do aluguel e das contas de água, luz, gás e internet. “Agora que estou mais em casa, vai aumentar o valor, então tenho que estar preparada para isso”, prevê.
Além disso, ela já começou a diminuir as compras do supermercado. Só levará para casa arroz, feijão e “alguma mistura que seja mais barata”. Ela diminuiu até a compra de produtos de limpeza. “Então nem dá para pensar em fazer estoque”. Dede passará ainda a comprar rações de marcas mais baratas para os dois cachorros. Os pedidos de comida por aplicativo também foram suspensos. E quando voltar a trabalhar decidiu que levará marmita todos os dias.
Os pagamentos de suas dívidas terão de ser interrompidos. E ela decidiu que vai parcelar o que deve no cartão de crédito.
A vendedora afirma que não poderá mais mandar dinheiro para a mãe que mora no Ceará – a irmã vai cobrir a parte dela e, quando sua renda voltar ao normal, pagará os valores devidos. “Nem minha mãinha foi poupada”, lamenta.
Dede tinha férias marcadas para abril, mas seu voo foi cancelado. Ela até se animou com a possibilidade de conseguir logo o dinheiro de volta, mas a empresa aérea deu como opção o estorno em até 12 meses ou a remarcação do voo.
Se não voltar a trabalhar no próximo dia 8, que é quando terminam as férias coletivas, não sabe o que a espera. “Porque eles não podem cortar o salário, mas o dinheiro da comissão não vai entrar, aí vou ter que pensar em cortar mais coisas”, afirma.
A lição do SUS para o mundo - FOLHA DE SP
Em agosto passado, numa entrevista à repórter Érica Fraga, o professor José Pastore avisou: “Nosso mercado de seguros e previdência ainda não despertou para o fato de que 50% da população economicamente ativa está na informalidade”. Com que proteção? “Nada, zero. Nem proteção trabalhista, nem CLT, nem previdência, nem seguro-saúde, nada.”
Ele foi adiante: “No novo mundo do trabalho, você tem três enfermeiras num mesmo hospital. Uma é fixa, outra é terceirizada e a outra, freelancer. Fazem a mesma coisa, mas têm remuneração e benefícios diferentes. Isso é um escândalo para o direito do trabalho convencional”.
Tristemente, esse Brasil Fantasia explodiu com a epidemia da Covid-19. Capotou a economia que estava a “um milímetro do paraíso” (palavras de Paulo Guedes) com 38 milhões de brasileiros na informalidade. Capotou também o Brasil Paraíso dos grandes grupos de medicina privada. A conta da Covid-19 está nas costas do SUS, o patinho feio da medicina nacional.
Alguém poderia supor que num país desigual a desigualdade seria desigualmente repartida. Ilusão.
Quando surgiu a necessidade dos testes para detecção do coronavírus foi necessário que a Agência Nacional de Saúde determinasse a obrigatoriedade da cobertura pelos planos de saúde. Feito isso, a Federação Nacional da Saúde Suplementar (Fenasaúde), guilda das 15 grandes operadoras de planos, informou as condições para que essa cobertura fosse honrada.
A pessoa precisava estar com febre acima de 37,8 graus, tosse ou dificuldade para respirar. Segundo a guilda, “o exame específico será feito apenas nos casos em que houver indicação médica para casos classificados como suspeitos ou prováveis de doença pela Covid-19”.
Essas exigências seriam razoáveis, sobretudo sabendo-se que não há testes suficientes à mão. A guilda informou também que “a cobertura do tratamento a pacientes diagnosticados com Covid-19 já é assegurada a beneficiários de planos de saúde, conforme a segmentação (ambulatorial, hospitalar ou referência) contratada. Em casos indicados, o beneficiário terá direito a internação caso tenha contratado cobertura para atendimento hospitalar e desde que tenha cumprido os períodos de carência, se houver previsão contratual”. Não contratou? Está fora. As operadoras sabem que a conta irá para o patinho feio do SUS. Jogo jogado.
O silêncio e o rigor da rede de medicina privada pressupõem que ela existe no país dos com-plano que se subdivide entre os que tiverem “contratado cobertura para atendimento hospitalar” e aqueles que, azarados, não a contrataram.
Nos Estados Unidos, onde não há SUS, mas há capitalismo de verdade, o jogo foi outro. Na semana passada a seguradora Aetna (22 milhões de segurados) anunciou que não cobraria alguns pagamentos laterais exigidos nos contratos. A iniciativa espalhou-se com a rapidez do vírus e 78 operadoras anunciaram diversas modalidades de ajuda. David Cordani, CEO da seguradora Cigna (12 milhões de segurados), informou: “Nossos clientes com Covid-19 devem se preocupar com a luta contra o vírus e em prevenir sua propagação. Enquanto eles estiverem focados na recuperação de suas saúdes, terão nossa proteção”.
As operadoras americanas não bancarão todos os custos dos tratamentos. Apenas mostram que estão acordadas e preocupadas com a saúde de seus clientes.
SUS é o melhor sistema de saúde do mundo, o que falta é gestão, defende Luiza Trajano
“Se abrir, não vai ter cliente”, afirmou Luiza Trajano durante sua participação no debate ao vivo sobre a importância da solidariedade durante a pandemia, promovido pela XP investimentos.
Em sua fala, a presidente do conselho administrativo do Magazine Luiza se refere às manifestações pela reabertura do comércio e isolamento vertical --apenas os grupos de risco da Covid-19 ficam afastados.
No Magalu, foi adotado pela equipe o isolamento horizontal, no qual todos, independentemente do risco, são afastados. Todos os 20 mil funcionários das lojas físicas receberam férias, o que deixou a empresa operando com 50% do faturamento, que vem do ecommerce.
Pedindo calma a todos e incentivando doações, a empresária diz que essa é a maior crise que já experienciou. “O confisco da poupança foi 10% dessa”, exemplifica.
Trajano também elogia o SUS: “É perfeito”. Para ela, o Sistema Único de Saúde é o melhor que existe no mundo, com alcance em todo o país. “O que falta é gestão”, completa.
Para a empresária, é hora de se unir. Iniciativas privadas e governo devem injetar recursos financeiros, mas o foco está no social. “É um trabalho da sociedade. Vamos parar de cobrar os políticos, o coletivo precisa assumir esse problema com organização, com gente boa”, apontou Trajano, que doou junto a sua família R$ 10 milhões para hospitais públicos e filantrópicos de todo o país.
Ao lado dela, na bancada virtual dos entrevistados, estava Edu Lyra, fundador da ONG Gerando Falcões, que está com ações de captação de recursos para combater o contágio do coronavírus nas favelas.
Representante do grupo de “gente boa” apontado por Luiza, Lyra acredita que o Brasil esteja se tornando mais participativo e solidário durante o período de isolamento. Para ele, é essencial que as lideranças aproveitem esse momento para “derrubar muros e construir pontes”, expandindo as redes de colaboração e ação solidária no país.
A conversa, mediada por Rafael Furlanetti, da XP, contou também com a participação da influencer de investimentos Ana Laura Magalhães, da analista da XP Betina Roxo e do CEO da XP Guilherme Benchimol.
Líder dos caminhoneiros diz que categoria deve parar se governadores não recuarem
Carga pesada Um dos líderes da paralisação de 2018, Wallace Landim, conhecido como Chorão, afirma que os caminhoneiros devem parar se os governadores não recuarem nas medidas restritivas contra o novo coronavírus. Ele não estimulou os atos do dia 15 de março, chamados contra o Congresso e o STF, dos quais participou o presidente Jair Bolsonaro. A falta de postos de gasolina e de restaurantes abertos na beira de estrada está entre as principais queixas da categoria.
Buzinada O principal alvo do setor é o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). "Se não voltarem atrás e não sair liminar na Justiça, a categoria provavelmente vai parar. Vai paralisar naturalmente, por não ter como trabalhar, e parar em protesto", diz. Ele acusa o tucano de querer lucrar em eleições futuras. A associação entrou com ação na Justiça contra a quarentena. A flexibilização do isolamento social tem sido defendida por Bolsonaro.
Na boleia A relação com o ministro Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), por outro lado, é descrita como boa. Landim diz que conversam diariamente, quando passa um panorama dos ânimos da categoria ao ministro. "Temos uma linha muito direta com o ministro, levando demandas da categoria e dando sugestões. Neste momento, o governo tem dado o suporte de que a gente precisa. O problema está com os governadores.", diz Landim.
O líder dos motoristas é protagonista em cerca de 850 grupos de WhatsApp, o aplicativo por meio do qual a categoria se agitou em 2018.
Zap A secretários estaduais, traumatizados com o fervilhar do setor, Freitas tem dito que monitora cerca de 14 mil caminhoneiros em grupos de WhatsApp. Em aceno à categoria, o presidente Bolsonaro citou os caminhoneiros duas vezes em seu pronunciamento desta terça-feira (31).