Governo do Distrito Federal autoriza a reabertura de parte do comércio
O Distrito Federal se tornou uma das primeiras unidades da Federação a relaxar as regras de isolamento e autorizar a reabertura de uma parte do comércio e do sistema de ensino.
Em um decreto publicado em edição extra do Diário Oficial desta quinta-feira (9), o governador Ibaneis Rocha (MDB) passa a permitir o funcionamento de lojas e fábricas de móveis e eletroeletrônicos. O texto também autoriza a reabertura de cursos profissionalizantes do sistema S: Sesc, Senai, Sesi, Senac, Senar, Sesccop, Sest, Sebrae e Senat.
A decisão ocorre exatos oitos dias após um grande decreto estabelecer uma grande quarentena em Brasília e nas cidades no entorno da capital federal. O governo suspendeu então a realização de eventos, determinou o fechamento de shoppings, lojas e restaurantes e suspendeu aulas nas redes pública e privada.
A restrição a essas atividades continuam mantidas até o dia 3 de maio, enquanto as aulas não serão retomadas antes de 31 de maio.
O relaxamento decidido hoje, no entanto, acontece em um momento em que o Distrito Federal apresenta números preocupantes em relação ao surto do novo coronavírus. Embora os números absolutos de casos confirmados e mortes não estejam entre os mais altos do país, eles impressionam quando levado em conta o tamanho da população. O Distrito Federal detém o segundo maior coeficiente de casos por 100 mil habitantes - 16,7.
O índice coloca o Distrito Federal entre as unidades da federação que preocupam o Ministério da Saúde, por estarem na transição para a chamada fase de aceleração descontrolada.
O Ministério da Saúde publicou nesta segunda-feira um protocolo com diretrizes para estados e municípios que desejam abandonar o distanciamento social ampliado —como o adotado no início do mês no Distrito Federal— para um regime mais brando. No chamado distanciamento social seletivo, apenas permanecem em confinamento pessoas de grupos de risco, como idosos e portadores de doenças crônicas. Os demais são autorizados a circular e retomar suas atividades.
A principal condicionante seria que o impacto dos casos do novo coronavírus não impactasse mais do que 50% da estrutura de saúde da unidade da federação. O governo não informou no decreto e em nenhuma outra plataforma de comunicação se estava seguindo a recomendação do Ministério da Saúde.
A retomada das atividades econômicas e o relaxamento no distanciamento social se tornou um dos temas mais polêmicos no enfrentamento à pandemia de coronavírus no Brasil. Também se mostrou um dos principais pontos de atrito entre o presidente Jair Bolsonaro, defensor do abrandamento para não prejudicar a economia, e seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
Nesta quinta-feira, em um áudio vazado captado pela rede de televisão CNN, o deputado federal Osmar Terra (MDB) e o ministro da Cidadania Onyx Lorenzoni, fazem críticas à conduta de Mandetta. Terra, considerado um pretendente ao cargo, caso o atual ocupante seja demitido, é defensor do relaxamento das políticas de distanciamento. O parlamentar citou na conversa a decisão de hoje do governo do Distrito Federal.
"Tem que ter uma política que substitua a política da quarentena. Ibaneis [Rocha, governador do Distrito Federal] é emblemático".
A Folha procurou o governador Ibaneis Rocha e sua assessoria de comunicação na noite desta quinta-feira, mas não obteve retorno até a publicação dessa reportagem.
Pandemia flexibiliza licitações, acende alerta de órgãos anticorrupção e leva gestões à Justiça
A flexibilização nas contratações públicas durante a pandemia do novo coronavírus acendeu o alerta de órgãos de controles e entidades de combate à corrupção e tem levado estados e municípios a serem cobrados por mais transparência. Alguns casos já chegaram à Justiça.
Em crises como essa, apontam esses órgãos e entidades, os riscos de desvios de dinheiro, favorecimento de empresas e mudanças legislativas que afrouxem o controle sobre a destinação do dinheiro público aumentam exponencialmente.
O TCU (Tribunal de Contas da União), por exemplo, já colocou em operação desde o mês passado um plano de acompanhamento das ações de combate à pandemia em âmbito federal.
Um dos primeiros governos a pararem na Justiça foi o de Ibaneis Rocha (MDB), no Distrito Federal, após uma ação do Ministério Público que pedia a divulgação na internet, em tempo real e numa página específica, de todas as contratações emergenciais para combater a Covid-19.
O governo federal já tem feito isso, em conformidade com uma lei de fevereiro que estabeleceu medidas contra a pandemia.
"Temos o direito de saber de forma imediata e clara de que forma os recursos públicos estão sendo aplicados", diz o procurador distrital José Eduardo Sabo, que lidera força-tarefa local de combate à pandemia.
No mês passado, a Justiça determinou que o Governo do Distrito Federal cumprisse o pedido da Promotoria. A gestão Ibaneis cumpriu a decisão, sem recorrer, e criou um portal com as informações sobre os gastos com a pandemia.
No Tocantins, o Ministério Público do estado ingressou com ações civis públicas tanto contra o governo Mauro Carlesse (DEM) quanto contra a Prefeitura de Palmas, também cobrando transparência nas contratações.
“Cumpre observar que a transparência ativa e passiva se revela como uma das mais eficazes formas de prevenção à corrupção e aos ilícitos administrativos”, diz ação civil pública assinada pelos promotores Edson Azambuja e Thais Massilon Bezerra.
No último dia 1º, o Governo do Tocantins passou a publicar todos os gastos emergenciais em seu Portal da Transparência. A reportagem não conseguiu contatar a Prefeitura de Palmas.
Em Ribeirão Preto, no interior paulista, a Promotoria instaurou processo administrativo e pediu cópias de contratações sem licitação por causa da pandemia, com a justificativa para cada escolha de fornecedor e a justificativa de preço.
A prefeitura informou que todas as suas licitações seguem a legislação vigente e que as dispensas de concorrências estão sendo publicadas no Portal da Transparência da cidade. “Portanto, não há descumprimento da legislação, de qualquer natureza”, diz a prefeitura, em nota.
“Eventualmente, em razão do quadro reduzido de servidores públicos pelo alto grau de afastamentos decorrentes do coronavírus, pode haver um atraso na disponibilização dos respectivos processos no sistema, o que já está sendo regularizado através do sistema de revezamento entre os servidores.”
Além dessas medidas, o Ministério Público Eleitoral em diversos estados emitiu recomendações às prefeituras com o objetivo de prevenir eventuais processos. O órgão pede a prefeitos e secretários que evitem usar os recursos emergenciais em benefício de candidatos ou partidos políticos.
A recomendação foi expedida ao menos nos estados de São Paulo, Piauí, Bahia, Amazonas, Acre e Amapá.
“Não distribuam nem permitam a distribuição, a pessoas físicas ou jurídicas, de bens, valores e benefícios durante o ano de 2020”, diz documento do Ministério Público.
“Como [por exemplo] doação de gêneros alimentícios, materiais de construção, passagens rodoviárias, quitação de contas de fornecimento de água e energia elétrica, doação ou concessão de direito real de uso de imóveis para instalação de empresas e a isenção total ou parcial de tributos.”
A preocupação com o bom uso de recursos públicos durante a pandemia também chamou a atenção de entidades não governamentais. Uma delas, a Transparência Internacional, lançou um guia elaborado por membros de 13 países da América Latina para “reduzir riscos de corrupção e uso indevido de recursos extraordinários”.
O guia sugere que a solução para que não se perca o controle das despesas no período emergencial é um aumento da transparência e do rastreamento de dados.
Além das contratações emergenciais, a organização vê risco de corrupção nos pacotes de estímulo econômico e, também, na modificação de leis que combatem irregularidades e dão mais transparência às decisões governamentais.
Segundo Bruno Brandão, diretor-executivo da entidade no Brasil, essas modificações já começaram a ocorrer. Ele cita como exemplo a tentativa do governo Bolsonaro de mudança das regras da Lei de Acesso à Informação durante a crise –barrada pelo Supremo Tribunal Federal— e a lei que tirou poder da Controladoria-Geral do Município de São Paulo.
A mudança, inserida em um pacote da Câmara Municipal de medidas contra o novo coronavírus, foi sancionada pelo prefeito Bruno Covas (PSDB). “Criaram uma segunda instância política para aplicação da lei anticorrupção na cidade de São Paulo, que era a capital que mais aplicava a lei anticorrupção”, afirma Brandão.
Após essa mudança, o controlador-geral do Município, Gustavo Ungaro, pediu demissão do cargo. Procurados, o prefeito Covas e a prefeitura não se manifestaram.
Outra organização, a Transparência Brasil (que não tem ligação com a Transparência Internacional), tem apontado que a maioria da comissão do Congresso que acompanha os gastos federais com o novo coronavírus já foram condenados ou respondem a processos de improbidade administrativa.
A entidade defende que representantes da sociedade civil também participem da comissão.
Onda de confisco de equipamentos põe em risco segurança hospitalar
Medidas judiciais e administrativas em vários estados vêm comprometendo o planejamento de hospitais, laboratórios e da indústria farmacêutica na distribuição de equipamentos de proteção individual (EPIs) a seus profissionais de saúde e funcionários.
Em alguns casos, até decisões da Justiça do Trabalho, com base em ações coletivas, chegaram a determinar o fornecimento de materiais de proteção a outros profissionais fora da área da saúde, como funcionários de edifícios, porteiros e seguranças em prazos de 24 horas ou 48 horas, sob pena de multas.
A falta de critérios definidos que autorizem esses e outros tipos de confisco —na maior parte amparados por decretos estaduais ou municipais— levou 11 entidades da área médica a pedirem intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça.
De acordo com a reclamação encaminhada ao STF e ao CNJ, o número de profissionais de saúde afetados pela Covid-19 em procedimentos hospitalares tem aumentado rapidamente, assim como a escassez de equipamentos de proteção.
As entidades encaminharam também uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) ao Supremo Tribunal Federal para que haja normatização que delimite as circunstâncias em que esse tipo de confisco possa vir a ocorrer.
Elas pedem que as requisições administrativas sejam precedidas pelo esgotamento de outros meios e que os atingidos sejam ouvidos antecipadamente.
Solicitam ainda que sejam feitas de forma coordenada pelo Ministério da Saúde e proporcionais às necessidades identificadas nas regiões onde ocorrem; e que a Justiça do Trabalho evite destinar equipamentos a profissionais que não lidem diretamente com a pandemia.
“O que acusam o governo [de Donald] Trump de ter feito em relação a equipamentos que teriam sido desviados de outros países para os Estados Unidos não é muito diferente, guardadas as proporções, de alguns casos que temos registrado”, diz Marco Aurélio Ferreira, diretor-executivo da Anahp (Associação Nacional de Hospitais Privados), que reúne 122 hospitais e entidades filantrópicas.
Os casos mais ruidosos até agora foram o confisco da produção, por seis meses, de ventiladores respiratórios da empresa paulista Magnamed, pelo Ministério da Saúde, e de 500 mil máscaras da 3M, pelo governo de São Paulo.
Mas há uma série de outros episódios que vem desorganizando o planejamento dos envolvidos no combate à Covid-19 no Brasil e em outras frentes médicas.
Segundo Fernando Silveira Filho, presidente da Abimed (Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde), a aleatoriedade nessas requisições por estados e municípios pode potencializar o cenário de falta de equipamentos, à medida que gera “assimetrias no abastecimento”.
Silveira Filho afirma que cerca de 60 países em todo o mundo estabeleceram restrições às exportações de equipamentos de segurança hospitalar ou de matérias-primas para sua confecção, em uma cadeia ampla e complexa —o que passou a exigir das empresas mais previsibilidade na produção e distribuição.
Outra preocupação, de acordo com ele, é como os itens com tecnologia mais sofisticada vêm sendo manipulados e transportados após os confiscos, que também acabam afetando os laboratórios.
“Além de nossos estoques estarem minguando, agora entrou essa variável, que causa muita apreensão”, afirma Priscilla Franklin Martins, presidente da Abramed (Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica).
Na indústria farmacêutica, grande consumidora de equipamentos de segurança, além da preocupação com o abastecimento, tem havido aumento de preços de matérias-primas devido ao cancelamento, em todo o mundo, de milhares de voos de passageiros —que geralmente são usados pelo setor para subsidiar custos.
Isso, mais o congelamento por 60 dias de um aumento de preços de 4%, deve afetar tanto a rentabilidade das indústrias quanto as verbas para novas pesquisas, afirma Nelson Mussolini, presidente do Sindusfarma (Sindicato da Indústria Farmacêutica do Estado de São Paulo).
Voluntarismos fora da lei - O ESTADO DE SP
Sob a justificativa de colaborar para o enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, juízes vêm alterando o uso de recursos públicos, o que foge completamente de sua alçada. A contribuição do Poder Judiciário neste momento tão delicado do País consiste em aplicar a lei. Determinar a destinação de dinheiro público é competência do Legislativo e do Executivo. Além de adentrar no campo do arbítrio, voluntarismos fora da lei produzem desorganização e ineficiência no Estado. Não é assim que o País vencerá o enorme desafio da covid-19.
Na terça-feira passada, o juiz da 4.ª Vara Federal Cível de Brasília Itagiba Catta Preta Neto determinou o bloqueio dos recursos do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário, colocando-os à disposição do governo federal para uso “em favor de campanhas para o combate à pandemia ou amenizar suas consequências econômicas”. Os recursos somam quase R$ 3 bilhões.
Não deveria existir o Fundo Partidário e tampouco o Fundo Eleitoral. Sendo entidades privadas, os partidos devem ser sustentados com recursos privados, oriundos de seus apoiadores. Mas o fato é que a lei criou tal deformidade – destinando dinheiro público a partidos políticos – e um juiz não pode dispor sobre a utilização desses recursos, o que já foi feito pelo Congresso, alegando que dos “sacrifícios que se exigem de toda a Nação não podem ser poupados apenas alguns, justamente os mais poderosos, que controlam, inclusive, o orçamento da União”.
Em recurso interposto pela Advocacia-Geral da União (AGU) contra a decisão da 4.ª Vara Federal Cível de Brasília, o presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1.ª Região, Carlos Moreira Alves, suspendeu no dia seguinte a liminar, por entender, entre outras razões, que o bloqueio pela Justiça dos fundos “interfere em atos de gestão e de execução do orçamento público, da mesma forma como interfere no exercício de competências constitucionalmente outorgadas a autoridades dos Poderes Executivo e Legislativo”.
Outra frequente interferência do Poder Judiciário em seara que não lhe compete refere-se a recursos devolvidos aos cofres públicos por meio de acordos judiciais com empresas e delatores. Segundo o Estado apurou, a Justiça já destinou à área da saúde cerca de R$ 2,5 bilhões relacionados a ilícitos. Além de não ser atribuição do Judiciário realizar a gestão desses valores, muitos desses casos não envolvem recursos públicos, e sim dinheiro privado que, mesmo depois da descoberta da manobra ilícita, não é restituído ao verdadeiro dono.
No mês passado, por exemplo, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou que parte dos recursos oriundos do acordo da Petrobrás com autoridades dos EUA, cerca de R$ 1,6 bilhão, fosse aplicada no combate à covid-19. Trata-se do terceiro destino dado a tais valores. Originalmente, os recursos seriam usados para constituir um fundo anticorrupção, a ser gerido pelo Ministério Público. Diante do escândalo da medida, o Supremo destinou os valores para a educação e a proteção da Amazônia. Agora, parte do montante vai para o combate da covid-19.
É preciso advertir que esses “recursos recuperados pela Lava Jato”, aos quais a Justiça dá a cada momento um determinado destino, não são dinheiro público. No caso, são valores subtraídos da Petrobrás, uma sociedade de economia mista. Seus recursos são, portanto, de seus acionistas. A União é a maior acionista, mas há outros milhares de acionistas privados, cerca de 400 mil, que detêm grande parcela do capital acionário.
Há também decisões em que o Judiciário atua como se fosse o Executivo. Na Paraíba, a Justiça decidiu que R$ 3,8 milhões recuperados na Operação Calvário fossem usados para comprar 15 respiradores pulmonares. Em Mato Grosso, decisão judicial destinou R$ 566 mil recuperados na Operação Ararath ao Hospital Universitário Júlio Muller.
Por mais nobre que seja a finalidade, não há bom uso do dinheiro público fora da lei. O estado de calamidade pública não amplia nenhuma competência da Justiça. Determinar o destino de recurso público continua sendo atribuição do agente político eleito, como dispõe o regime democrático.
Ninguém fica para trás - O ESTADO DE SP
Desde que, no início de fevereiro, o Planalto superou um primeiro momento de hesitação e enviou aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) para repatriar cerca de 70 brasileiros confinados em Wuhan, na China, o foco de origem do coronavírus, o Brasil tem cumprido com rigor seu dever patriótico de resgatar os nacionais em outros países afetados pela pandemia.
A repatriação implica uma operação complexa que envolve os Ministérios das Relações Exteriores, da Defesa e da Saúde. Por medida provisória, o Itamaraty recebeu cerca de R$ 60 milhões para este fim. Segundo a pasta, a grande maioria de brasileiros em busca de repatriação é de turistas com dificuldades por causa das medidas de quarentena dos países em que se encontram e dos cancelamentos dos voos comerciais. O Itamaraty está cadastrando aqueles que não têm condições financeiras ou estão em países com restrições mais severas, através dos canais oficiais das embaixadas e consulados e da Agência Nacional de Aviação Civil. O Grupo Consular de Crise conta ainda com a colaboração do Ministério do Turismo e da Embratur para viabilizar embarques, incluir brasileiros em voos de repatriação de outros países, liberar vistos emergenciais e organizar deslocamentos em regiões com restrições de trânsito.
“A prioridade continua a ser dada para que os brasileiros possam ser acomodados em voos comerciais”, declarou em nota o Itamaraty. Na ausência desses voos ou em casos de fechamento de espaço aéreo, “estamos vendo maneiras de pagar voos fretados”, disse o chanceler Ernesto Araújo. “Tentaremos, claro, negociar pelo valor mais em conta possível com as companhias aéreas para trazer de volta os brasileiros. Será a única possibilidade em muitos casos.” Em última instância, pode ser necessário mobilizar aeronaves da FAB.
Nas últimas semanas o número de brasileiros repatriados chegou a 11,5 mil. Cerca de 5 mil ainda estão retidos em países diversos. O maior contingente está em Portugal, de onde já foram resgatados mais de 6 mil nacionais. Cerca de 1.500 ainda aguardam a repatriação. Apesar da quantidade, a situação é menos crítica do que em países onde a circulação é rigorosamente proibida.
O Equador, por exemplo, adotou medidas restritivas de circulação de pessoas e fechou suas fronteiras. Na semana passada, através de um voo fretado da Gol, foram resgatados 160 brasileiros retidos no país. No Peru, mais de mil brasileiros que estavam em Cusco e Lima foram repatriados em voos fretados, além de dois aviões da FAB, mas aqueles em cidades mais distantes ainda enfrentam dificuldades. Como mostrou reportagem do Estado, alguns brasileiros em Arequipa e mesmo em Cusco foram impedidos de sair dos hotéis em que estão em quarentena para embarcar nos voos oferecidos pela embaixada.
Em Cuba, pelo menos 25 turistas brasileiros correm o risco de ser multados ou presos caso deixem a sua hospedagem e, além disso, encontram dificuldade em programar sua saída por causa da escassez da rede digital. Na Índia, onde o governo nacional decretou um rígido confinamento, quase 180 turistas distribuídos em 27 cidades buscam resgate. Na Tailândia, cerca de 200 brasileiros aguardam repatriação.
Há casos especialmente complicados, como o dos quatro brasileiros que embarcaram em um cruzeiro em Buenos Aires com destino a San Antonio, no Chile. Com mais de 1.800 pessoas a bordo, ao menos 2 estão infectadas com a covid-19 e outras 4 morreram. Dois dos brasileiros foram transferidos junto com os demais passageiros sem sintomas para outra embarcação. Agora, os dois navios seguem para Fort Lauderdale, na Flórida, mas as autoridades locais já se manifestaram contrárias ao desembarque.
São em momentos de crise como esta que a palavra “pátria” recobra a sua conotação mais familiar e primitiva de “casa paterna”. Em meio ao pânico disseminado por todo o planeta, a repatriação é um processo delicado e complexo. Felizmente, a Nação brasileira está combinando diligência e agilidade para trazer seus filhos em segurança de volta ao lar.
Coronavírus não é habeas corpuS - Luiz Fux, O Estado de S.Paulo
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), capitaneado pelo zeloso presidente Dias Toffoli, editou a Recomendação 62/2020, indicando a juízes e tribunais a adoção de medidas preventivas contra a propagação do coronavírus no sistema de Justiça Penal e socioeducativo. A recomendação foca na redução do ingresso de custodiados, em cuidados adicionais para as audiências, incluindo a suspensão das audiências de custódia, e na ação conjunta entre os Poderes para a elaboração de planos de contingência, inclusive em relação às visitas.
Os fundamentos do CNJ são acertadamente calcados em razões humanitárias. O Estado, posto garantidor da saúde e da integridade física e mental do preso, deve atuar ex ante, evitando uma catástrofe num cenário de aglomeração carcerária e de alta transmissibilidade viral
No entanto, a prevenção humanitária engendrada pelo CNJ não pode ser interpretada como uma concessão automática e geral de habeas corpus. Trata-se de recomendação, não de uma determinação do CNJ, cabendo aos juízes e tribunais a ponderação, caso a caso, entre os valores saúde e segurança pública.
O próprio Supremo Tribunal Federal (STF), dias após o ato do CNJ, deixou de deferir pedido cautelar que requeria a liberação de custodiados por crimes não cometidos com violência ou grave ameaça. Neste ponto, forçoso é dizer que a elite delinquente não gosta de sujar o colarinho e normalmente não comete crimes de sangue. De qualquer modo, nesse julgamento, a preocupação do Supremo Tribunal destinou-se à segurança da sociedade. Durante os debates restou claríssimo que não poderiam ser favorecidos presos por crimes hediondos e equiparados, crimes contra a administração pública, como corrupção e peculato, crimes de organização criminosa e de tráfico de drogas, além de outros delitos de maior potencial ofensivo, ressalvados os casos de doenças já detectadas e não passíveis de tratamento no ambiente carcerário.
Diante de vírus com transmissão massiva, a regra é a liberação dos presos do regime semiaberto, com as cautelas de estilo. No entanto, por si só o regime da pena não é suficiente para a liberação do preso. Afinal, a liberdade do custodiado não pode custar mais à sociedade do que a sua manutenção no cárcere. Essa também tem sido a preocupação de países que adotaram recomendações humanitárias semelhantes, tais como os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, a Polônia e a Itália.
É dizer: sob pena de se instituir uma política criminal perversa e de danos irreversíveis, a aplicação da Recomendação n.º 62/2020 não pode levar à liberação geral e sem critérios dos custodiados. Os bons propósitos da recomendação prevalecem se conjugados com critérios rigorosos para a liberação excepcional do preso.
Destaco pelo menos três critérios: 1) obediência à legislação penal e processual penal, que se sobrepõem à recomendação do CNJ; 2) análise das consequências de eventual liberação do preso, ante a gravidade do crime praticado e a possibilidade concreta de, fora do sistema, aquele indivíduo violar as recomendações de isolamento social ou, ainda, cometer novos crimes; 3) análise da possibilidade de isolamento dos presos acometidos da covid-19 em área separada do próprio sistema prisional ou de encaminhamento pata a rede de saúde pública ou particular.
Quanto a este último ponto, ressalto que ainda não há casos de contaminação nos presídios, fator que decerto demandaria providências excepcionais, mas localizadas, dos poderes públicos. Preventivamente, outras medidas também devem ser adotadas, como a testagem dos presos, especialmente aqueles que ingressarem no ambiente carcerário durante a pandemia.
Aliás, a alta comissária para os direitos humanos das Nações Unidas, Michelle Bachelet, orientou os países a “examinarem maneiras de libertar aqueles particularmente vulneráveis à covid-19, entre os detidos mais velhos e doentes, assim como os infratores de baixo risco”. Reforçando esse critério mais restritivo, merece destaque estudo conduzido por Keith Ditcham, pesquisador especializado na análise da polícia e da criminalidade organizada do Britain’s Royal United Services Institute, segundo o qual cenários como os do Brasil, da Colômbia, da Venezuela e do Egito serão mais difíceis de administrar se um número considerável de prisioneiros for libertado, especialmente quanto às dificuldades de reencarceramento. Nesse ponto, cabe alertar que o Ministério da Justiça e da Segurança Pública apurou que até dia 3 deste mês de abril foram liberados mais de 31.640 presos, muitos deles com ligação com o crime organizado.
Enfim, cada magistrado deve ter em mente a seguinte percepção consequencialista: a liberação de presos de periculosidade real é moralmente indesejada, pela ânsia de conjuração da ideia de impunidade seletiva, e não pode tornar a dose das recomendações humanitárias um remédio que mate a sociedade e seus valores, criando severíssimo risco para a segurança pública.
Em suma: coronavírus não é habeas corpus.
VICE-PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL