Rumo ao interior: coronavírus já circula em 397 municípios além das capitais e regiões metropolitanas
Bernardo Mello e Rayanderson Guerra / O GLOBO
RIO — Um mês após a confirmação do primeiro caso do novo coronavírus no interior do país, 397 municípios fora as capitais e cidades das regiões metropolitanas já registram contaminação pela Covid-19, segundo levantamento do GLOBO com o auxílio das bases de dados Brasil. IO e Lagom Data. Em paralelo ao avanço da epidemia em centros como Rio, São Paulo e Fortaleza, o ritmo de contaminação também se acelerou em cidades de médio e pequeno porte na última semana. Nesse período, o número de municípios do interior com confirmação do vírus mais que duplicou, com novos registros em 222 cidades que até então não estavam nas estatísticas do Ministério da Saúde e das secretarias estaduais.
Grupo de risco:Cidades do interior na rota do coronavírus somam mais de 4 milhões de idosos
A interiorização do vírus aparece com mais força no Sul e no Sudeste, que tinham 256 cidades com casos confirmados até a manhã de ontem. Nessas regiões, sete a cada dez municípios com registros da Covid-19 não estão na região metropolitana nem nas capitais.
Especialistas na área de saúde alertam que a falta de estrutura hospitalar e de regras mais restritas de isolamento social em municípios menores podem aumentar os riscos para as populações locais, especialmente as faixas de menor poder aquisitivo e acima de 60 anos. Metade das cidades do interior do país que têm casos do novo coronavírus não tinha leitos de UTI pelo Sistema Único de Saúde (SUS) até fevereiro deste ano, data da última atualização do DataSUS.
— Mesmo que pessoas de cidades pequenas sejam infectadas, elas não serão tratadas lá. Elas vão para as cidades polo em cada estado. Esses centros urbanos irão sobrecarregar e, consequentemente, aumentar a demanda das capitais. Outra preocupação dos municípios são os recursos para a manutenção dos serviços essenciais, como limpeza e transporte coletivo — disse o prefeito de Campinas, Jonas Donizette (PSB), presidente da Frente Nacional de Prefeitos.
Falta de leitos de UTI
Em uma nota técnica sobre a situação de alocação de UTIs durante a crise do novo coronavírus, publicada no último dia 22, pesquisadores do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps) alertaram para a distribuição desigual de equipamentos hospitalares e leitos de UTI pelo interior do Brasil. De acordo com o estudo, um terço das 450 regiões de saúde do país — divisões adotadas pelos estados para planejar recursos e atendimento às populações locais, com grupos de cidades próximas — não contavam com leitos de UTI na rede pública antes do início da pandemia. Além disso, oito regiões de saúde sequer contavam com respiradores, equipamento essencial em casos graves.
— O atendimento regionalizado se mostra mais eficiente para o sistema e o investimento público. Há um fluxo entre as cidades pequenas para as cidades-polo e temos limitações de recursos humanos e materiais. Por isso, as medidas de isolamento se mostram essenciais e racionais, até para o gasto público — afirmou Beatriz Rache, uma das autoras da nota técnica do IEPS.
Até o último sábado, ao menos 48 das cerca de 455 mortes confirmadas em decorrência do coronavírus haviam ocorrido com moradores do interior do país. Parintins (AM), uma das primeiras cidades do interior a registrar morte por Covid-19, no último dia 25, é um dos 65 municípios com contaminação confirmada sem infraestrutura de internação nos arredores. A vítima, um empresário de 49 anos, teve de ser levada numa UTI aérea até Manaus para ser internada no Hospital Delphina Aziz, onde faleceu. A mulher do empresário também testou positivo para Covid-19 e permanece em quarentena na capital amazonense.
Toque de recolher
Por conta da preocupação com o coronavírus, o município decretou toque de recolher das 20h às 6h e determinou que os alunos da rede municipal tenham aulas através do rádio. Um dos casos confirmados é de uma criança de 1 ano e 4 meses que vive em uma aldeia de pescadores e passou por mais de uma unidade de saúde em Parintins antes de ter a confirmação do Covid-19. A criança permanece isolada em um hospital municipal, e todos os 15 familiares que vivem na mesma casa estão em observação.
— Aqui bateu o terror por conta do coronavírus. O pessoal tinha aquele costume de às cinco da tarde tomar um banho, se arrumar e dar uma volta na cidade. Isso mudou. Hoje é uma cidade calma, pacata, silenciosa. Os ensaios do Festival do Boi (de Parintins) foram todos suspensos, porque é como se fosse escola de samba, e a princípio o festival será adiado de junho para outubro — afirmou o prefeito Bi Garcia (PSDB).
Infográfico: Os números do coronavírus no Brasil e no mundo
Valparaíso de Goiás (GO) tem 168 mil habitantes e cinco casos de Covid-19 confirmados. A cidade na divisa com o Distrito Federal e a 200 quilômetros de Goiânia é uma das que não dispõem de UTIs. Os pacientes em situação grave são transferidos para Goiânia, assim como o material para análise e confirmação dos casos. O prefeito Pábio Mossoró (MDB) conta que a cidade está acatando as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde e determinando medidas de isolamento social, como fechamento do comércio e suspensão de aulas.
— Nossa preocupação é que muitos moradores trabalham em Brasília, como domésticas, e depois retornam para a cidade. Aqui não temos estrutura para tratar casos graves. Os quatro confirmados estão sendo monitorados. Tivemos uma senhora com suspeita que teve uma complicação respiratória grave e foi transferida para UTI em Goiânia. A pandemia vai trazer enormes prejuízos financeiros para as cidades e para o país, mas a nossa prioridade é salvar vidas.
A mídia hoje pode cometer um pecado capital: dar voz aos geradores de histeria
Imagino que a geração que viveu a gripe espanhola, muito pior do que esta, teve uma vantagem sobre nós: o mundo era mais silencioso. Menos falação, menos profecias supostamente científicas, menos números de mortos jogados na nossa cara todo dia. E pra que isso?
É comum se dizer, ironicamente, que o jornalismo vive de sangue. A frase causa calafrios nos colegas que se veem como o braço armado da informação para o bem de todos.
A epidemia tem nos legado um fenômeno interessante, talvez, em parte como consequência de criarmos uma frente contra a irresponsabilidade do presidente da República. Por outro lado, como já tive a chance de dizer, muitas pessoas têm um gozo específico com o fim do mundo, ao ver os outros com medo.
Temo que seja chegada a hora de fazermos uma reflexão sobre o risco de a mídia embarcar numa polarização típica da nossa era, que é a da política histérica. Se por um lado a irresponsabilidade de Bolsonaro é gritante, nem por isso a verdade está do lado da histeria gerada na população. Não devemos dar espaço aos apocalípticos nesses dias, nunca será pouco repetir essa máxima. Pessoas que falam que morrerão milhões ou que 2020 será todo trancado em casa, não devem sair do seu buraco, mesmo que com milhões de discípulos.
Coronavírus não consegue se reproduzir em tapetes ou outras superfícies
Recebi uma mensagem de que foi constatado na Alemanha, que o tapete na porta de entrada pode ser um criadouro do vírus. Isso procede?
Diferentemente das bactérias, os vírus só conseguem se reproduzir dentro de uma célula viva.Por isso, não é verdade que o coronavírus, ou outros tipos de vírus, consigam se reproduzir e proliferar em qualquer tipo de superfície. A reportagem também não encontrou registros de que tenha ocorrido contaminação por tapetes na Alemanha.
Estudos feitos até o momento mostraram que o coronavírus consegue sobreviver durante horas em alguns tipos de superfícies. Apesar do comportamento do Sars-Cov-2 em tapetes não ter sido descrito, o professor do Instituto de Química da USP Reinaldo Bazito explica que é possível imaginar que nessa superfície o vírus tenha comportamento semelhante ao observado pelos cientistas sobre o papelão.
"São basicamente fibras de materiais naturais. O vírus pode permanecer ativo nessas superfícies, provavelmente, mas se as pessoas mantiverem a higiene básica de calçados ao entrar em casa e a higienização periódica dos tapetes, a princípio não deveria haver uma maior preocupação", diz.
Bazito conta que, em sua própria casa, tem adotado o procedimento de tirar os sapatos na porta e higienizar a sola com um pano do tipo perfex ou similar molhado com solução diluída de água sanitária com um pouco de detergente (1 xícara de café de água sanitária por litro de água).
O professor afirma ainda que é um exagero recomendar a substituição do capacho por panos molhados com água sanitária e que higienizar a sola dos sapatos já basta. "Isso é provavelmente contraproducente. O hipoclorito de sódio [princípio ativo da água sanitária] vai se degradando com o tempo. O pano ficaria sujo e a água sanitária iria progressivamente perdendo o efeito desinfectante".
Vale também a recomendação geral para evitar tocar o rosto após ter contato com superfícies e de trocar de roupa ao voltar pra casa, especialmente para quem pega transporte público e fica mais exposto ao contágio. (Géssica Brandino)
Eduardo Knapp/Folhapress | ||
Capachos não são criadouro de vírus de nenhum tipo |
Nível elevado de açúcar no sangue piora a resposta imune ao novo coronavírus, diz especialista
Não tenho diagnóstico de diabetes, mas estou sempre batendo no teto quanto à glicose em meus exames: devo tentar eliminar o consumo de açúcar para ficar mais fora dos grupos de risco?
Assim como hipertensão e condições cardíacas, a diabetes aparece frequentemente na lista das doenças que podem elevar os riscos na enfermidade causada pelo novo coronavírus Sars-CoV-2, a Covid-19.
Isoladamente, é a segunda causa mais associada a quadro grave em pacientes diagnosticados para o novo coronavírus -doenças cardíacas são a principal.
Segundo Ricardo Cohen, coordenador do Centro de Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, a diabetes está associada a um quadro agravado de Covid-19 por acarretar uma piora no sistema imunológico.
"A toxicidade da glicose elevada no sangue piora em muito a resposta imune", diz.
Assim, quando um paciente está sem controle do nível de açúcar no sangue, qualquer doença infectocontagiosa pode se desenvolver em um quadro clínico mais sério.
Cohen explica que os pacientes de doenças crônicas como hipertensão e diabetes, se estiverem tomando medicamentos para controle dessas enfermidades, poderão ter um ganho imunológico, uma vez que o organismo está sob controle.
O médico frisa que o controle por medicamentos e do consumo de açúcar não evitam o contágio, mas podem diminuir a chance da evolução do quadro para uma forma crítica.
No entanto, é importante saber que taxa de glicose elevada isoladamente não é indicativo de diabetes ou de quadro agravado.
O especialista ressalta ainda que, se nos exames a glicemia em jejum dá alterada junto com outros índices, como hemoglobina glicada e triglicérides, esses valores já representam um diagnóstico de diabetes. Do contrário, não existe nenhum indicativo de que a alta do açúcar vá agravar um quadro infeccioso como o contágio do novo coronavírus.
"Em outras epidemias virais respiratórias, como a gripe H1N1, nenhum dos estudos apontou uma relação de agravamento do quadro em pacientes com taxa de glicose alta", afirma.
Os cuidados, no entanto, são importantes para evitar a associação com outras enfermidades.
Os pacientes com a chamada síndrome metabólica -sobrepeso, sedentarismo, glicemia, colesterol e triglicérides elevados no sangue- associados a outras enfermidades, como hipertensão, apresentam risco dez vezes maior de ter uma piora em qualquer tipo de infecção, bacteriana ou viral, segundo Cohen.
"Nós temos discutido nos grupos de médicos que a melhor orientação é conversar com os nossos pacientes e adequar a medicação nessa época de pandemia, pois ela vai ajudar a controlar o sistema imunológico. E isso aliado a uma alimentação saudável e prática de exercícios físicos", completa. (Ana Bottallo)
24.mar.20 - FRANCK FIFE/AFP | ||
Mulher usa aparelho para medir índice de glicemia no sangue |
Fila para exames e escassez de kits para testes impedem saber número real de contaminados pelo novo coronavírus
Diante da escassez de testes, como podemos saber se estamos ou não com o vírus, se somos portadores assintomáticos ou se temos sintomas leves, uma vez que só testam os casos mais graves? Os países que conseguiram ter uma curva branda de infecções adotaram a massificação dos testes.
Segundo o Prof. Dr. Luiz Francisco Cardoso, cardiologista e coordenador do comitê de crise do Hospital Sírio-Libanês, o chamado tempo de incubação do vírus varia de 2 a 14 dias, o que significa que uma pessoa infectada -mesmo sem sintomas- pode transmitir o vírus para outras durante esse período.
O médico ressalta, no entanto, que não necessariamente os sintomas vão aparecer nesse período de incubação. Em pacientes sintomáticos, os primeiros sinais aparecem, em média, já entre o quarto ou quinto dias após o contágio.
Nesses casos, o paciente com suspeita que buscar por atendimento médico pode ser testado para o Sars-CoV-2 por meio do teste deRT-PCR.
Já em pacientes assintomáticos, a única maneira de descobrir se a pessoa está com Covid-19 é utilizandotestes em larga escala na população. Foi a medida adotada pela Coreia do Sul.
Estudo recente mostra que a transmissão do novo coronavírus na fase inicial é elevada, diferente de outros coronavírus, como o que causou a epidemia de Sars em 2003. Isso explicaria o número elevado de casos em todo o mundo em tão pouco tempo.
Por isso, medidas de contenção na fase inicial de contágio, como a identificação de todos os casos suspeitos, são a melhor maneira de evitar o crescimento exponencial.
O problema no Brasil e em diversos outros países -como os Estados Unidos e Reino Unido- é que não existem testes suficientes para a população, e há fila para resultados de pessoas que já morreram.
O Ministério da Saúde anunciou, na terça-feira (24) ampliação no número de kits para testes, que chegaria a 22,9 milhões. A prioridade para os testes será dada a profissionais de saúde e pacientes com sintomas graves.
A indicação da OMS e do Ministério da Saúde, portanto, tem sido de pacientes com sintomas leves permanecerem em casa sob isolamento e evitarem o contato com outras pessoas.
Por isso, a recomendação no mundo todo tem sido adotar medidas de isolamento social e distanciamento, evitando assim a contaminação e ajudando no chamado achatamento da curva de evolução da Covid-19. (Ana Bottallo)
Carl de Souza - 11.mar.20/AFP | ||
Profissional no laboratório da Fiocruz com amostras de muco para serem testadas para Covid-19 |
Só 12,6% das cidades atendem meta da OMS, diz levantamento
Coluna do Estadão
06 de abril de 2020 | 02h00
Levantamento da plataforma Bright Cities, feito por causa da pandemia da covid-19, mostra que apenas 12,6% dos municípios brasileiros oferecem, considerando SUS e rede privada, pelo menos um leito de UTI para cada dez mil habitantes, o mínimo exigido pela OMS. São 41.311 leitos, boa parte já ocupada para o tratamento por outras doenças. A região onde a proporção de leitos é mais alta é a Centro-Oeste, com 2,46 para cada dez mil pessoas. Em seguida, vem Sudeste (2,37), Sul (2,0), Nordeste (1,41) e por último Norte (1,27). A base é o Datasus.
Dados regionais. O número de leitos da rede privada só é maior do que o do SUS no Sudeste e Centro-Oeste. A dependência da rede pública é maior no Norte (68%), no Sul (65%) e no Nordeste (60%), regiões onde o Sistema Único de Saúde responde pela maior parte das vagas existentes.
Magoei. Líderes partidários ficaram furiosos com a campanha do Novo pelo uso do Fundo Eleitoral no combate ao coronavírus. A leitura é de que faltou solidariedade: levantaram essa bandeira porque podem contar com a ajuda privada ou mesmo com dinheiro próprio, privilégio não estendido a outros partidos.
Magoei 2. Os insatisfeitos (na direita, no centro e na esquerda) pressionam Rodrigo Maia a deixar o Novo fora de comissões e de relatorias na Câmara.
Coerência. “Sempre fomos contra recurso público para partido político, o Brasil tem outras prioridades. E nada mais prioritário agora do que combater o coronavírus. Colocar a própria campanha eleitoral à frente dos interesses da sociedade não é nenhum pouco republicano”, diz Eduardo Ribeiro, presidente no Novo.
Insônia. Governadores da Amazônia estão preocupados com o aumento do desmatamento na região durante a pandemia. Em encontro recente com o vice-presidente Hamilton Mourão, eles relataram que a fiscalização foi reduzida.