Ceará registra mais de 12 assassinatos de adolescentes por semana em 2020, aponta relatório
O aumento da violência no Ceará em 2020 impactou no crescimento de homicídios de jovens. Conforme relatório do Comitê de Prevenção e Combate à Violência, da Assembleia Legislativa do Ceará, divulgado nesta segunda-feira (22), houve um incremento de 90,7% nos assassinatos de adolescentes (10 a 19 anos) no Estado, no ano passado, e mais de 12 jovens nessa faixa etária foram mortos por semana, em território cearense.
Segundo o relatório, 677 adolescentes foram vítimas de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs) - homicídios, feminicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte - no Ceará, em 2020. Em todo o ano de 2019, 355 pessoas dessa faixa etária foram assassinadas. Os dados são da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), extraídos pelo Comitê.
Fortaleza concentra 60,5% dos homicídios de adolescentes. De acordo com o Comitê da Assembleia Legislativa, a Capital é "o termômetro da dinâmica dos homicídios no Estado" e teve um crescimento ainda maior no número de CVLIs nessa faixa etária: cresceu 88,1%, ao sair de 118 casos em 2019 para 222, no ano seguinte.
O relatório também destaca o crescimento de crimes contra a vida de adolescentes do sexo feminino, que saltou de 43 registros para 73, uma variação de 69,7%, de um ano para outro. E o aumento de 200% nos homicídios de crianças (de ambos os sexos) de 0 a 5 anos, que teve 3 casos em 2019 e 15 crimes, em 2020
"Atravessamos um ano de pandemia (de Covid-19), e uma das hipóteses é que as crianças não irem para a escola, que é um fator protetivo, elas ficaram mais expostas a uma violência comunitária, porque a guerra entre as facções e a abordagem que a Polícia faz em alguns territórios, ocorrem confrontos, tiroteios, acertos de conta, fazem com que as crianças e adolescentes que estão nas ruas fiquem mais vulneráveis", analisa o sociólogo Thiago de Holanda, membro do Comitê de Prevenção e Combate à Violência.
Thiago acrescenta que "a paralisação policial, no ano de 2020, foi um fator que fez aumentar muito o número de mortes. A gente tem que cobrar uma resposta contundente do Estado em relação a isso", referindo-se ao motim de policiais militares, registrado no mês de fevereiro.
A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social também atribui o aumento da violência - que vitimou inclusive os adolescentes - ao motim dos PMs. Em nota, a Pasta afirma que o movimento "contribuiu de forma significativa para aumento dos indicadores criminais em todo o Estado. Do dia 18 de fevereiro ao dia 1º de março de 2020, período que durou o movimento paredista, foram registrados 321 Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) no Estado. O número foi 435% maior do que as mortes registradas no mesmo período em 2019, quando ocorreram 60 crimes dessa natureza".
Ações de prevenção e repressão
Thiago de Holanda ressalta que o Comitê de Prevenção e Combate à Violência, que completa cinco anos de atuação na próxima terça-feira (23), aponta recomendações, desde o início, para o Estado reverter o aumento de homicídios na adolescência:
"Como a violência tem várias causas, a gente tem que ter uma política pública robusta e muito bem articulada. Primeiro, a redução das desigualdades socio-espaciais. Tem que investir mais em política voltada para a juventude, naqueles territórios mais vulneráveis. Fazer um controle rigoroso de circulação de arma de fogo e munição. São mais de 60 ações que colocamos à disposição das instituições públicas e sociedade civil, para pensar uma agenda de prevenção de homicídios na adolescência".
A SSPDS, por sua vez, elenca que, em 2020, "6.117 armas de fogo foram retiradas de circulação pelas Forças de Segurança no Estado, além disso, os agentes realizaram 25.551 autos de apreensões e prisões em flagrante, pelos crimes de homicídio, latrocínio, lesão corporal seguida de morte, tráfico de drogas, roubo, porte, posse e comércio de arma de fogo".
"A pasta tem reestruturado e fortalecido seu Subsistema Estadual de Inteligência de Segurança Pública (Seisp), que tem como agência central a sua Coordenadoria de Inteligência (Coin) e abaixo dela o Departamento de Inteligência Policial (DIP) da Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE), a Assessoria de Inteligência (Asint) da Polícia Militar do Ceará (PMCE) e a Assessoria de Inteligência do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará (CBMCE). Os levantamentos de informações feitos por essas unidades subsidiam investigações realizadas pela PCCE com foco na resolução de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) e ajudam a direcionar o policiamento ostensivo feito pela PMCE", continua.
"Outra orientação para a redução desses crimes abrangidos por esse indicador é a territorialização nas regiões onde são registrados os maiores índices de CVLI, bem como a atuação no fortalecimento da Polícia Civil nesses locais. O intuito é coibir a atuação e a disputa entre organizações criminosas".
Ausência de dados
Segundo o Comitê de Prevenção e Combate à Violência, preocupa o Estado não ter dados étnico-raciais sobre as vítimas de CVLIs, "impossibilitando que uma análise dimensional dos impactos do racismo estrutural seja mensurado".
"Mesmo com a limitação da identificação racial sendo feita por agentes de segurança, faz-se mister e urgente que a visibilização racial seja feita, possibilitando que pesquisas e proposição de políticas públicas de prevenção e enfrentamento sejam construídas e efetivadas", completa o Órgão, no relatório. DIARIONORDESTE
O caminho do auxílio - FOLHA DE SP
O governo Jair Bolsonaro mais uma vez caminha a reboque do Congresso no debate em torno do auxílio emergencial, cuja prorrogação se tornou um imperativo social, econômico e político com o novo agravamento da pandemia.
Como no ano passado, é o comando do Legislativo, agora entregue ao centrão aliado a Jair Bolsonaro, que impõe pressa na definição do benefício. O Ministério da Economia basicamente se limita a buscar contrapartidas —essenciais— de ajuste orçamentário.
Conforme o entendimento firmado, o caminho legal será o aproveitamento de uma proposta de emenda constitucional já em tramitação no Senado, aglutinando dispositivos que constam de diferentes projeto anteriormente encaminhados pelo governo.
As lideranças parlamentares prometem divulgar o texto da PEC a partir desta segunda-feira (22). Espera-se que a peça inclua a previsão de um novo auxílio com o acionamento de uma cláusula de calamidade pública, de modo a suspender temporariamente as restrições impostas pelo teto de gastos inscrito na Constituição.
O acordo também deve —ou deveria— passar pela inserção de normas que reforcem a eficácia do teto. A principal seria a regulamentação de controles automáticos para quando as despesas se aproximarem dos limites legais.
Entre eles, proibição de reajustes salariais e progressões de carreira para o funcionalismo, além do corte de incentivos tributários.
Parecem descartadas, no quadro atual de urgência, medidas mais drásticas e controversas que exigiriam longa negociação política, como cortes de salários e jornadas de servidores públicos e a desindexação de gastos sociais.
Bolsonaro, desnecessário dizer, tampouco mostra qualquer disposição para se desgastar com debates como esse —está mais empenhado em exibir demagogia e corporativismo com a intervenção desastrada na Petrobras.
A tramitação da PEC deverá ser acelerada, com a possibilidade de votação em dois turnos no Senado antes do final do mês e na Câmara em seguida. Havendo bom andamento político, o processo poderá ser finalizado em março.
Quanto ao auxílio, ainda não há clareza quanto a valores e abrangência, mas a julgar pelos sinais emitidos até agora o desenho final será mais restritivo do que o vigente no ano passado, com dispêndio total de até R$ 50 bilhões.
Seria impensável, afinal, uma nova liberação acima dos R$ 300 bilhões como a de 2020, que acabou se mostrando mal direcionada.
Confirmados esses termos finais, o resultado pode ser considerado satisfatório se as contrapartidas fiscais forem robustas o bastante.
O urgente, no momento, é evitar um colapso da renda enquanto a vacinação ainda não surte efeito sobre os números diários de mortes pela Covid-19; entretanto também é imprescindível indicar, desde já, que não haverá um colapso das finanças públicas e da economia.
Partidos parasitas - O ESTADO DE SP
22 de fevereiro de 2021 | 03h30
As manifestações de 2013 escancararam uma crise de representatividade que só se agravou após as revelações da Operação Lava Jato. Mas o descolamento entre partidos e eleitores não reflete apenas mudanças conjunturais no ideário político, e sim distorções estruturais que só serão sanadas com reformas básicas.
Um levantamento da ONG Transparência Partidária aponta que apenas 0,1% dos filiados a partidos faz contribuições financeiras frequentes às legendas. O dado expõe a total dependência do dinheiro público por parte dos partidos e a completa desconexão entre suas cúpulas e suas bases. Para praticamente todos os partidos, a proporção de filiados que contribuem frequentemente não chega a 1%, em geral nem a 0,1%. E, dos 18 mil contribuintes frequentes, 8 em 10 se concentram em dois partidos: Novo e PT. Mas mesmo entre os filiados do PT, só 0,43% contribui regularmente.
A única exceção é o Novo, no qual 26% dos filiados contribuem frequentemente. O partido é contrário ao uso de fundos públicos, já devolveu os recursos do fundo eleitoral e pediu autorização para devolver os do fundo partidário – desde que não sejam redistribuídos a outros partidos. A legenda depende das mensalidades cobradas aos filiados, de R$ 30 em média.
Como disse a cientista política Lara Mesquita, da FGV, as regras para distribuição dos recursos possibilitam um “encastelamento” das cúpulas partidárias. “Os partidos adotaram uma estratégia, em certa medida confortável, de garantir sua sobrevivência a partir de recursos públicos.” A estratégia foi consolidada em 2017, quando os partidos no Congresso, não satisfeitos com o fundo partidário, inventaram o fundo para campanhas eleitorais.
Logo que, em 2015, na esteira dos escândalos revelados pela Lava Jato, o STF declarou inconstitucional o financiamento eleitoral por empresas, era compreensível o estabelecimento de um fundo público, a fim de que as campanhas não fossem abruptamente dominadas pelas pessoas físicas ricas. Mas deveria ser um mecanismo de transição, que desse tempo para que os partidos, como entes privados que são, se organizassem para se sustentar com a contribuição de seus simpatizantes.
Mas não foi o que aconteceu. Ao contrário: os recursos públicos para os partidos cresceram a galope. Entre 1995 e 2018, os gastos anuais do fundo partidário saltaram, em valores deflacionados, 9.766%. Em 2000, o Estado respondia por menos de 8% dos custos eleitorais; em 2018, respondeu por quase 70%. Em 2020, o Congresso aprovou um aumento de 18% no fundo eleitoral. Com essa crescente fonte de receita dada a si mesmos pelos partidos com o dinheiro do contribuinte, não surpreende que o número de filiados esteja em queda. Afinal, por qual motivo as legendas se preocupariam em recrutá-los e conservá-los? Não à toa, segundo a Transparência Partidária, nos últimos dez anos o porcentual de mudança da composição das Executivas Nacionais foi de ínfimos 24%.
Se, ao contrário, os partidos fossem progressivamente obrigados a depender dos filiados, seriam forçados a criar “mais espaços de participação, mais prestação de contas e a dividir o poder”, disse Mesquita. A discussão não passa necessariamente pelo valor da contribuição, mas pelo engajamento. Como argumentou Marcelo Issa, da Transparência Partidária, se apenas metade dos 16 milhões de filiados contribuísse com R$ 5 por mês, isso equivaleria a R$ 480 milhões – metade do fundo partidário.
Hoje há um círculo vicioso: os partidos aliciam os eleitores nos períodos eleitorais, e depois lhes dão as costas, dedicando-se a administrar seus feudos controlados por poucos caciques, que, por sua vez, não sofrem pressão nem dos filiados nem do Poder Público para prestar contas. Sem uma reforma que não só elimine o financiamento público aos partidos, mas estabeleça cláusulas de barreira mais estritas e modelos eleitorais mais representativos – como o voto distrital –, a fragmentação partidária em uma pletora de legendas sem conteúdo programático e cada vez mais distantes dos eleitores só aumentará.
STF na contramão da Constituição
22 de fevereiro de 2021 | 03h00
Tenho respeito pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se de instituição essencial para o bom funcionamento da democracia. Conheço alguns de seus ministros e tenho especial apreço pelo atual presidente, Luiz Fux. Seu discurso de posse foi uma peça promissora. Foi claro no seu apoio ao combate à corrupção, na sua explícita desconformidade com o ativismo judicial, no seu deferente respeito à independência e legítima autonomia dos Poderes da República e no seu renovado compromisso com a liberdade de imprensa e de expressão.
Mas uma andorinha só não faz verão. Infelizmente. A demolição da Operação Lava Jato está aí para confirmar minha realista desilusão.
Desvios, quando não corrigidos, costumam acabar mal. Minha observação se refere ao inquérito das fake news, um grave abuso jurídico em todos os sentidos, aberto em março de 2019, por iniciativa do então presidente do STF Dias Toffoli, sem alvo específico, sem fato específico, com seu relator, o ministro Alexandre de Moraes, designado a dedo, em vez de sorteado, e no qual o Supremo é vítima, investigador, acusador e juiz. Algo jamais visto.
O ministro Marco Aurélio Mello, atual decano da Corte, achou, então, “seriíssima” a forma de escolha do relator. Mello considerou o inquérito “natimorto” por ter sido aberto por iniciativa do próprio STF, à revelia da Procuradoria-Geral da República: “No Direito, o meio justifica os fins, jamais o fim justifica o meio. O Judiciário é um órgão inerte, há de ser provocado para poder atuar. Toda concentração de poder é perniciosa”.
Marco Aurélio Mello foi profético. Desde o início o inquérito serviu para quase tudo. Fundamentou atos de censura à imprensa, a busca e apreensão na residência de pessoas que levantaram hashtags contrárias ao trabalho do Supremo, o bloqueio de contas nas redes sociais, prisões, etc.
O mais recente caso de excessos arbitrários dentro desse inquérito foi a prisão em flagrante, na noite de terça-feira 16/2, do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), após a publicação de um vídeo contendo pesados ataques a vários integrantes do STF.
Alexandre de Moraes, em sua decisão de terça-feira, omitiu qualquer referência à imunidade parlamentar, garantida no caput do artigo 53 da Constituição: “Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. É exatamente o caso que comentamos: uma opinião, certamente grotesca e ofensiva, mas que não pode justificar a prisão do parlamentar. Trata-se de uma aberração jurídica e de claro autoritarismo judicial.
A prisão é uma clara e inequívoca violação da imunidade parlamentar. Alexandre de Moraes se equivoca até quando afirmou, durante o julgamento em que o plenário do STF manteve a prisão, que “atentar contra as instituições, contra o Supremo, contra o Poder Judiciário, contra a democracia, contra o Estado de Direito não configura exercício da função parlamentar a invocar a imunidade constitucional do artigo 53, caput. As imunidades surgiram para a preservação do Estado de Direito”. Tal observação faz sentido no caso de atos concretos, mesmo quando cometidos por um parlamentar, mas não no caso de “opiniões, palavras e votos”.
É óbvio que o vídeo do deputado, com termos pesadíssimos, contém farto material ofensivo, que, por óbvio, configura crimes contra a honra. É evidente que Silveira não pode ficar impune. Ao contrário, exige firme e rápida atuação do Conselho de Ética da Câmara, pois não há a menor dúvida de que se trata de quebra de decoro parlamentar. A eventual cassação do mandato não significaria medida abusiva. Seria uma medida legal, ao contrário de tudo o que vem sendo feito no abusivo, arbitrário e autoritário inquérito das fake news.
Não se combatem fake news com censura, limitações à liberdade de expressão e prisões arbitrárias e ilegais. Quem vai dizer o que podemos ou não consumir? Quem vai definir o que é ou não fake news? O Estado? O ministro Moraes? Transferir para o Estado a tutela da liberdade é muito perigoso. E já estamos sentindo a garra do autoritarismo. Fake news se combatem não com menos informação, mas com mais informação, e informação mais qualificada.
A providência adotada pelo ministro Alexandre de Moraes e referendada pelo plenário do STF representa uma bofetada na Constituição que juraram defender. O artigo 53 é claríssimo. Impossíveis piruetas interpretativas. O deputado, de fato, foi grotesco e ofensivo. Pode e deve ser processado por crime contra a honra. Pode perder o mandato. Mas ao prender o deputado o Supremo decidiu de costas para a Constituição. E nem sequer pediu a necessária autorização da Câmara. A gravidade da decisão tem sido apontada por renomados juristas e estudiosos do Direito.
Se a Corte Suprema se dá ao luxo de abandonar não meras regras processuais, mas princípios basilares da Justiça, impõe não uma vitória contra o erro, mas uma derrota ao Estado de Direito Democrático. Foi o AI-5 do Supremo. Luz amarela acesa. Onze homens são donos do Brasil. Democracia em risco. Tempos sombrios.
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Com uso intenso do plenário virtual, STF faz ‘reforma tributária’ silenciosa
22 de fevereiro de 2021 | 05h00
BRASÍLIA — Enquanto o Congresso Nacional praticamente paralisou a agenda de reformas desde o começo da pandemia da covid-19, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem feito uma reforma tributária silenciosa por meio dos julgamentos no plenário virtual da Corte. Tributaristas e entidades do Direito reclamam, no entanto, da falta de debate e transparência nessas decisões, que têm alterado a jurisprudência sobre a cobrança de diversos impostos.
As principais reclamações dizem respeito às decisões consideradas “confusas” – baseadas em uma miscelânea de votos, em um julgamento considerado desarticulado – e à alteração de jurisprudência em casos tributários de repercussão geral. Matérias envolvendo a cobrança do ICMS estadual, do ISS municipal e de contribuições federais sobre os quais já havia um entendimento baseado em decisões anteriores de cortes superiores – como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o próprio STF – acabaram tendo mudança de interpretação nos julgamentos virtuais em meio à pandemia.
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Entre os casos com mudanças em relação à jurisprudência anterior, o Supremo passou a considerar legítima a incidência de contribuição previdenciária patronal sobre o valor pago ao trabalhador referente ao terço constitucional de férias. Até então, a cobrança não era possível.
Houve ainda diversas decisões que mudaram as regras sobre o aproveitamento de créditos de ICMS, alterando até prazos que já eram considerados pelas empresas para o início das compensações. Em uma decisão sobre a incidência do tributo estadual sobre importações de bens por contribuintes não habituais, o STF teve até entendimentos diferentes para a validade de normas idênticas dos Estados de São Paulo e do Paraná.
Em um caso sobre o ISS municipal, o plenário virtual trouxe votos considerando constitucional a cobrança do tributo sobre a atividade de exploração de jogos e apostas (loterias, bingos, pules, sorteios, prêmios), o que iria de encontro à jurisprudência anterior.
Para o presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), Gustavo Brigagão, a superação da jurisprudência – ou “overruling”, no jargão do Direito – só deve ocorrer quando há uma situação extrema, com mudança de pressupostos fáticos ou alterações em leis.
“Mesmo que haja um argumento forte, isso não basta para alterar todo um entendimento que vinha sendo aplicado pelos tribunais. Essa jurisprudência é a base da segurança jurídica entre os contribuintes e os cobradores de impostos”, diz. “O STF está adicionando mais insegurança a um sistema tributário que já é confuso e complexo. Fundamentos que existiam há décadas foram ultrapassados, com entendimentos opostos. Isso é ruim para o investidor estrangeiro, para o empreendedor brasileiro e para o próprio fisco.”
Virtual
O plenário virtual é uma ferramenta online que permite que os ministros decidam sobre casos com apenas um clique, longe dos olhos da opinião pública e das transmissões da TV Justiça. Seu uso foi intensificado durante a presidência do ministro Dias Toffoli, que aumentou os tipos de processos que podem ser julgados dessa forma. Com o avanço da pandemia, aumentou o número de processos assim analisados.
“Frente à pandemia, o virtual aflorou com eficácia produtiva ímpar”, disse ao Estadão o ministro do STF Marco Aurélio Mello. O ministro já foi uma das vozes mais resistentes à nova tecnologia, mas hoje defende a plataforma. “O julgamento virtual, ante a necessidade de conciliar celeridade e conteúdo, é, consideradas as discussões intermináveis no plenário físico, o meio de entregar-se a prestação jurisdicional”, afirmou.
No fim de 2020, 11 entidades – incluindo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – enviaram uma carta aberta ao STF alertando para os “efeitos nocivos dos julgamentos virtuais na adequada formação e compreensão de precedentes em matéria tributária”. O documento também foi entregue em mãos ao atual presidente do Supremo, Luiz Fux.
Para Thomaz Pereira, professor de direito constitucional da FGV Direito Rio, o plenário virtual tem qualidades que o físico não tem. “Ele certamente é pior no sentido de ter menos deliberação, mas tem a vantagem de permitir que os outros ministros escrevam seus votos, reagindo ao voto do relator, tendo tempo para isso”, disse, destacando que os julgamentos no plenário virtual ocorrem ao longo de várias dias, o que permite que os ministros formem suas convicções nesse período.
No plenário físico, por exemplo, muitas vezes os ministros só sabem como os relatores vão votar na hora do julgamento, o que pode contribuir para os julgamentos serem interrompidos por pedidos de vista. “Como ambos os sistemas têm suas imperfeições, é mais a gente pensar quais os processos que se beneficiariam mais por estar em cada um dos sistemas”, comentou.
Procurado, o STF respondeu que o plenário virtual tem ajudado na celeridade das decisões e permitiu que a corte não paralisasse seus trabalhos durante a pandemia da covid-19.
“A ampliação das competências do plenário virtual é recente e, por ser novidade, isso pode gerar dificuldades de adaptação por parte de alguns atores envolvidos. A Suprema Corte compreende e está sempre aberta para sugestões que possam melhorar o andamento dos processos internos”, acrescentou o STF.
O Supremo reiterou que o ministro Fux está em constante diálogo com os demais ministros sobre o funcionamento do plenário virtual. “É importante ressaltar que qualquer ministro pode pedir destaque de processos do virtual para julgamento no plenário físico, atualmente realizado por videoconferência por conta da pandemia. Basta um único ministro solicitar para o julgamento ser suspenso e permitir sustentações orais e debates, por exemplo”, concluiu.
Como funciona o plenário virtual
Os julgamentos no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal ocorrem semanalmente. Lá, o relator deposita o seu voto e os seus colegas decidem se o acompanham (com ressalvas ou não) ou se divergem. Advogados gravam suas sustentações orais, que são colocadas à disposição do público e dos ministros.
No entanto, diferentemente das sessões presenciais ou por videoconferência, não há espaço para a troca de ideias e debates – e nem para as intervenções por parte dos advogados. “É o pior dos mundos. Se já é muito ruim haver uma superação de decisão em si, imagina esta situação sem debate, em dezenas de julgamentos. Às vezes, são sete ou oito decisões por dia, o que seria impossível no plenário presencial”, diz Gustavo Brigagão, presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF). “É óbvio que o ministro não lê tudo. Elogiamos esse lado bom da agilidade e produtividade do STF em meio à pandemia. Mas se for a esse custo, é melhor trazer de novo a lentidão, que estava muito boa.”
Entre as decisões consideradas “confusas” pelos especialistas há dois casos sobre a cobrança do ICMS sobre energia elétrica. A decisão sobre a constitucionalidade da cobrança do IOF sobre operações de factoring também teria ficado incompleta. Outro caso cuja decisão não teria ficado clara para os tributaristas diz respeito à inclusão dos valores retidos pelas operadoras de cartão de crédito e débito na base de cálculo do PIS/Cofins devido pelas empresas que recebem por esses meios de pagamentos. Decisões sobre imunidade no ITBI e seletividade no IPTU também suscitaram dúvidas entre os especialistas.
Para o tributarista Roberto Duque Estrada, sócio da BDE Advogados, enquanto o Congresso se enrola nas diversas propostas de reforma tributária que tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado, o STF tem tocado uma pauta tributária que estava represada há anos. “O problema é que não há um grande tributarista entre os ministros do STF. O último ministro com destaque nessa área foi o Teori Zavascki (falecido em 2017). Mesmo com uma fragilidade muito grande em relação a isso, o STF resolveu aproveitar a pandemia para limpar a pauta”, avalia.
Os advogados questionam ainda o fato de diversos ministros contarem em seus gabinetes com assessores que na verdade são procuradores da Fazenda Nacional ou das Fazendas estaduais cedidos ao STF. “São profissionais qualificados, mas que ainda têm suas posições jurídicas vinculadas a seus órgãos de origem. Então é claro que vão ter posição contrária ao contribuinte.”
Fiocruz confirma chegada de novo lote de vacinas contra covid-19 ainda em fevereiro
21 de fevereiro de 2021 | 12h29
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) confirmou na sexta-feira, 19, que receberá mais dois milhões de doses prontas da vacina contra a covid-19 da AstraZeneca com a Universidade de Oxford, que virão do Instituto Serum, da Índia. O novo lote deverá chegar até o fim deste mês e irá auxiliar na campanha nacional. Em algumas cidades, como o Rio, o processo foi suspenso por falta de imunizantes.
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O acordo firmado entre a Fiocruz, a AstraZeneca e o Instituto Serum prevê a aquisição de um total de dez milhões de vacinas importadas, além de dois milhões já recebidas em 24 de janeiro. As outras oito milhões de doses serão importadas ao longo dos próximos dois meses, mas ainda não há data prevista.
Na última semana, três capitais do País - Rio, Salvador e Cuiabá - anunciaram que não vão mais aplicar a primeira dose do imunizante até a chegada de novas remessas. Outras, como Curitiba, informaram que só tinham volume suficiente para mais alguns dias.