Pacheco pede para comprar vacinas estocadas nos EUA e diz que pandemia no Brasil é risco ao Ocidente
Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), solicitou nesta sexta-feira, dia 19, a permissão para comprar vacinas contra covid-19 estocadas e ainda sem previsão de aplicação nos Estados Unidos. Em ofício à vice-presidente americana, Kamala Harris, o senador justificou o pedido de "disponibilização emergencial" das vacinas reconhecendo que o Brasil é o "atual epicentro" da pandemia e que o avanço do novo coronavírus no País representa um risco ao Ocidente.
A iniciativa de Pacheco ocorre no momento em que o governo do presidente Jair Bolsonaro é pressionado a ampliar a oferta de imunizantes e acelerar a vacinação no País. Até o momento, pouco mais de 10 milhões de pessoas foram vacinadas, o que representa cerca de 5% da população. Bolsonaro, no entanto, afirma que não há imunizantes no mercado para serem adquiridos.
“Tendo acompanhado a provação por que tantos cidadãos norte-americanos passaram nos últimos meses, Vossa Excelência poderá bem avaliar a angústia e o sofrimento das famílias brasileiras diante do recente recrudescimento da pandemia”, apela o senador no ofício enviado a Kamala Harris. “Suponho, ainda, que já estará inteirada do risco que o rápido avanço do vírus no Brasil representa para todo o hemisfério ocidental. Nossas melhores defesas contra a propagação da doença e o surgimento de novas variantes são a cooperação internacional e a vacinação em massa de nossas populações.”
O senador afirma que, embora o Brasil produza imunizantes localmente, o grande desafio é a chegada de insumos importados e o ritmo lento de preparo das vacinas, se comparado à velocidade de propagação da segunda onda da pandemia. “Travamos uma batalha contra o tempo”, disse Pacheco.
Pacheco não fala em quantidades, mas pede que seja “considerada, pelas autoridades norte-americanas competentes, a eventual concessão de autorização especial que permita a aquisição, pelo governo brasileiro, de doses de vacina estocadas nos EUA e ainda sem a previsão de serem utilizadas localmente”. O senador afirma que o compartilhamento do estoque daria “impulso decisivo” na imunização dos brasileiros.
O apelo do Congresso Nacional ocorreu após o presidente Joe Biden autorizar a remessa de 2,5 milhões de doses ao México - os imunizantes estavam sem uso. O Brasil fez menção à mesma vacina liberada ao México, a AstraZeneca/Oxford, já em uso no Brasil. A Casa Branca diz ter 7 milhões de doses disponíveis e sofreu pressão da comunidade internacional para distribuí-las.
Os EUA ainda não possuem autorização para uso emergencial da vacina da Astrazeneca, que está na terceira fase de estudos nos país. O jornal The New York Times revelou que há pedidos de países, endossados pela própria farmacêutica, para que os EUA enviem as doses adquiridas do imunizante aos que já podem aplicá-las, como o Brasil.
Pacheco também afirma que esse gesto humanitário proposto seria a forma mais eficaz de conter a propagação da epidemia no seu “atual epicentro”. “Toda a comunidade internacional ganharia, em segurança sanitária e estima moral”, argumentou o senador.
O ofício foi endereçado a Kamala Harris porque, além de vice-presidente, ela preside o Senado dos EUA. A senadora Kátia Abreu (Progressistas-TO), presidente da Comissão de Relações Exteriores, protocolou o documento na embaixada norte-americana em Brasília e no Itamaraty. Ela repetiu o discurso de congressistas, de que o governo brasileiro não é formado somente pelo presidente Jair Bolsonaro. "O Senado da República está se movimentando para ajudar o Brasil a enfrentar esta pandemia. O governo não é só Executivo. O governo é Executivo, é Legislativo e Judiciário", disse ela.
Governo assina contratos para comprar 138 milhões de doses de vacinas da Pfizer e da Janssen
19 de março de 2021 | 14h11
Atualizado 19 de março de 2021 | 14h47
SÃO PAULO — O governo federal assinou dois contratos para a compra de 138 milhões de doses da vacina contra a covid-19. De acordo com o Ministério da Saúde, 100 milhões de doses serão fornecidas pela Pfizer/BioNTech e outros 38 milhões pela Janssen, do grupo Johnson&Johnson. A expectativa é que os imunizantes sejam entregues até o final deste ano.
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A vacina da Pfizer/BioNTech, batizada de Comirnaty, é a única com registro definitivo no Brasil — a Coronavac e a de Oxford/AstraZeneca, por enquanto, só têm autorização para uso emergencial. O aval à Comirnaty foi dado pela Anvisa em 23 de fevereiro deste ano. Já a da Janssen ainda não tem autorização para ser aplicada no País.
A vacina da Pfizer/BioNTech deve ser aplicada em duas doses, enquanto a da Janssen é aplicada em dose única. Por isso, a quantidade anunciada seria suficientes para vacinar cerca de 83,6 milhões de pessoas. O Plano Nacional de Imunização contra a covid-19 considera perdas operacionais de aproximadamente 5% das doses.
Segundo o ministério, a negociação com a Pfizer prevê a entrega de 13,5 milhões entre abril e junho e outros 86,5 milhões de julho a setembro. O contrato com a Janssen estabelece a entrega de 16,9 milhões de julho a setembro e 21,1 milhões de outubro a dezembro.
"Cabe ressaltar que o cronograma de entrega das vacinas é enviado ao Ministério da Saúde pelos laboratórios e está sujeito a alterações, de acordo com a disponibilidade de doses e a real entrega dos quantitativos realizada pelos fornecedores", diz a nota enviada pela pasta.
Com esses contratos, o País já tem mais de 562 milhões de doses de vacinas contra a covid-19 contratadas para 2021.
O sumiço do general Heleno - ISTOÉ
Um “silêncio” ensurdecedor ecoa pelos corredores do Palácio do Planalto nas últimas semanas. Entre as declarações alopradas do presidente Jair Bolsonaro sobre a pandemia que matou quase 300 mil pessoas, chama a atenção a ausência do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, em eventos públicos. Considerado um dos principais conselheiros de Bolsonaro e, até recentemente, uma espécie de porta-voz informal do governo, Heleno agora está calado. Há algum tempo, ele decidiu não se envolver mais nas decisões da presidência, deixando de expor suas opiniões. Para amigos do general da reserva, a mudança de comportamento de Heleno tem explicação: incômodo com as ações de Bolsonaro.
Pessoas próximas ao ministro ouvidas por ISTOÉ em Brasília relatam que o general está insatisfeito com as atitudes do mandatário e afirmam que a mudança de comportamento coincide com o agravamento da pandemia no País, após as confusões armadas pelo presidente. “Pelo que conheço dele, diria que Heleno está sumido porque está desconfortável”, afirmou um general reformado próximo ao ministro. Outro oficial da reserva diz que o amigo está insatisfeito e listou uma série de questões que estão irritando o general. “Há muito tempo Heleno andava preocupado com decisões estapafúrdias de Bolsonaro. A discrição dele agora ocorre porque ele acaba ficando envergonhado de ser partícipe de certas coisas que acontecem no governo”, disse um dos generais da reserva mais respeitados nas Forças Armadas.
Um dos fatores que estariam contribuindo para a mudança de comportamento do ministro do GSI é o posicionamento de Bolsonaro diante das vacinas. Até o início do ano, o presidente subestimava a eficiência do imunizante, desagradando importantes militares. Agora, com o aprofundamento da crise, mudou o discurso, mas o descontentamento com a falta de doses nos postos de saúde marcou as tropas. Outro fator, segundo o amigo do ministro, é a falta de empatia de Bolsonaro. “A linguagem do presidente é outro problema. Há falta de respeito, falta de tato, de sensibilidade. Militar gosta de discrição e disciplina. E isso choca”, disse.
Fontes de desgaste
A nova troca de comando no Ministério da Saúde também teria entrado para a lista de insatisfações. Na segunda-feira, 15, Bolsonaro anunciou que o cardiologista Marcelo Queiroga substituirá o general Eduardo Pazuello. Será a quarta mudança no posto desde o início do mandato do presidente. Para escolher o novo ministro, Bolsonaro chegou a fazer tratativas com partidos do Centrão, grupo bastante criticado por Heleno no passado, antes de integrar a base de apoio do governo no Congresso. O general apareceu em vídeo gravado na convenção do PSL em 2018, no Rio, insinuando que políticos do Centrão são “ladrões”. Nas imagens, Heleno parodiou samba de Bezerra da Silva: “Se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão”, cantou, substituindo a palavra “ladrão”, da letra original. Não foi a única vez que Heleno criticou os atuais aliados do presidente. Em discurso no lançamento da candidatura de Bolsonaro à Presidência, o general voltou a criticar o grupo fisiológico, dizendo que as siglas que formam o Centrão são “exemplo da impunidade”. Citou o envolvimento desses partidos em esquemas de corrupção, como os desbaratados pela Lava Jato. Como um dos baluartes “anti-Centrão” no governo, o general está isolado.
Mas não é só Heleno quem parece estar incomodado com Bolsonaro. Oficiais das Forças Armadas também têm procurado o general reservadamente para relatarem o que pensam sobre a crise, pois o mandatário estaria se recusando a ouvi-los. Os militares contam que aproveitam a posição de Heleno para levar insatisfações ao presidente. Além de não serem atendidos por Bolsonaro, não gostam das suas reações explosivas ao ouvir críticas.
O fato é que Heleno e Bolsonaro já não têm a mesma relação. O general se desgastou no final do ano passado em um nebuloso episódio em que a Abin, agência sob controle da GSI, teria produzido relatórios com orientações para a defesa de Flávio Bolsonaro no caso da rachadinha. A PGR abriu uma investigação para apurar se houve essa ajuda. O general nega que qualquer relatório tenha sido produzido. Em manifestação enviada ao STF, confirmou que participou de uma reunião do presidente com a defesa de Flávio e com Alexandre Ramagem, diretor da Abin, para discutir o caso envolvendo o 01. Afirmßou, porém, que se afastou ao perceber que o episódio não tinha relação com Segurança Institucional. De qualquer forma, foi uma importante fonte de desgaste com o mandatário e seu clã. Nesse momento, com a pandemia se tornando o maior risco político para o presidente, o general resolveu se recolher. O samba calou.
Dá de comer, recado ao governo
Por Flávia Oliveira / o globo
O Brasil chega ao momento mais grave, dramático, letal da pandemia da Covid-19 sem ter conseguido nem sequer padronizar os sinais de orientação à população. Na falta da articulação do Ministério da Saúde — nunca é demais repetir quanto a liderança positiva da União salvaria vidas —, governadores e prefeitos trilham caminhos próprios. E muito confundem, infelizmente. No Rio Grande Sul, bandeira preta indica a gravidade; em Minas Gerais, a cor é roxa; em São Paulo, vermelha, assim como no Rio de Janeiro e na Bahia. São indicadores de importância secundária, em princípio. Mas a profusão de cores evidencia a Babel de avaliações e a dificuldade do país em ter um norte no enfrentamento à pandemia. E caminhar na direção dele.
A responsabilidade maior pelo infortúnio é do presidente da República, que, com prepostos na pasta da Saúde, orienta os descaminhos no combate ao coronavírus: da sabotagem às medidas de isolamento e distanciamento social à resistência ao uso de máscaras, da indicação de medicamentos ineficazes à desqualificação de vacinas. Um ano de pandemia ensinou ao planeta que políticos responsáveis são capazes de aliviar a dor dos compatriotas, evitar mortes, preservar atividade econômica e empregos. Portugal é o exemplo recente mais festejado. Era o pior da Europa em número de casos, em um mês de lockdown, passou a terceiro melhor. O total de óbitos diários caiu de 303 no fim de janeiro para 15 anteontem. Sem o negacionismo de Donald Trump, o cenário também vem melhorando nos EUA. O plano de imunização do democrata Joe Biden bateu a meta de cem milhões de americanos vacinados em 50 dias, metade do prazo prometido na posse.
O Brasil, enquanto isso, se equilibra entre dois ministros da Saúde: o general Eduardo Pazuello, que não saiu; e o cardiologista Marcelo Queiroga, que oficialmente não entrou. E conta corpos. E acumula casos da doença. E assiste perplexo ao esgotamento do sistema da saúde. A Fiocruz identificou mais de 80% de ocupação de leitos de UTI Covid em 24 estados e no Distrito Federal; em 25 das 27 capitais. São números que explicam por que a entidade classificou o atual estágio da pandemia como “o maior colapso sanitário e hospitalar da História do Brasil”.
Jair Bolsonaro já está pagando a conta em queda de popularidade. O último Datafolha foi claríssimo; a mobilização nas milícias digitais com ataques em todas direções, também. Mais da metade dos brasileiros (54%) considera a gestão da crise sanitária ruim ou péssima; 43% responsabilizam o presidente pela fase aguda da pandemia. Mais de 285 mil brasileiros perderam a vida, e o ritmo atual de mortes é o maior do mundo. A resistência do mandatário e de seus aliados às medidas de restrição fizeram do país uma área de livre circulação do coronavírus, agora em cepas ainda mais transmissíveis.
O auxílio emergencial foi suspenso na virada do ano e volta em abril. Emagrecido. O programa começou, no ano passado, com R$ 600-R$ 1.200 por cinco meses, passou a R$ 300-R$ 600 por três, voltará em faixas de R$ 150, R$ 250 e R$ 375 até junho. Perdeu valor nominal, enquanto a inflação dos alimentos dos supermercados e feiras saltou 19,42% em 12 meses, segundo o IPCA. O custo da cesta básica, apurado pelo Dieese em 17 capitais, varia de R$ 445,90 (Aracaju) a R$ 639,81 (Florianópolis).
O governo brasileiro não quer — ou é incapaz de — entender que transferência de renda é medida para conter a vulnerabilidade social, mas também apoiar o isolamento e, assim, deter a transmissão do vírus. O desemprego é recorde — mais de 13 milhões de brasileiros — e mais dramático entre os trabalhadores informais. A fome avança. Sem dinheiro, a população sai às ruas. O IBGE já tinha identificado, entre 2017-18, que um terço dos lares brasileiros (36,7%) enfrentava algum nível de insegurança alimentar. A pandemia agravou o problema. Pesquisa do instituto DataFavela mostrou que, neste início de ano, a alimentação piorou para sete em cada dez moradores de comunidades; nas duas últimas semanas, dois terços ficaram sem dinheiro para comer por ao menos um dia; oito em dez dependem de doações.
Por causa disso, organizações sociais e comunitárias reeditaram ações de arrecadação de recursos para compra e distribuição de kits de alimentos, itens de higiene e limpeza. Campanhas como Prato da Comunidade, do jornal “Voz das Comunidades”, e Mães de Favela, da Cufa, foram reativadas. A Coalizão Negra por Direitos — com uma legião de parceiros, da Anistia Internacional à Oxfam, da Redes da Maré ao 342 Artes e ao Instituto Ethos — lançou a ação “Tem gente com fome”, para apoiar 222.895 famílias nas cinco regiões. A sociedade civil responde às demandas brasileiras com diagnóstico preciso, iniciativas rápidas e eficientes. Dá de comer, como ensinou o poeta pernambucano Solano Trindade em verso que batiza a campanha. E dá aula a governantes tão arrogantes quanto incompetentes.
Por Flávia Oliveira / o globo
Especialistas se dividem sobre o fechamento das praias no Rio decretado por Paes
RIO — O fechamento das praias do Rio, a fim de conter o avanço da Covid-19 na cidade, decretado pelo prefeito Eduardo Paes nesta sexta-feira, está dividindo especialistas. Mário Roberto Dal Poz, professor do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), considera como um bom começo a decisão do prefeito. No entanto, alerta, que só isso não basta.
— A praia e a orla são lugares de muita aglomeração — diz Dal Poz. — É preciso olhar para a Zona Norte, as aglomerações e fazer campanhas para incentivar o uso de máscaras. O exemplo das autoridades e dos funcionários também é importante. Nas repartições públicas, não pode ser tolerado que os funcionários não usem máscara. Hoje, fui ao Centro da Cidade, e vi muita gente sem usar máscara. O elevador do prédio que fui andava lotado. Isso não pode.
Já a médica Tânia Vergara, da Sociedade Brasileira de Infectologia, discorda do fechamento das praias e da orla, por serem lugares abertos:
— O prefeito tinha muita coisa para fechar. As praias e a orla precisam é de controle, não de serem fechadas. Os quiosques, sim, devem ser fechados. Lugares abertos não oferecem riscos, se as pessoas não se aglomerarem e usarem máscaras. O que não pode é a praia ficar lotada. Mais importante é revolver o problema dos transportes públicos, dos ônibus, dos trens, do metrô, que viajam superlotados.
A médica acha que o Rio ainda não está no momento de fazer lockdown, embora esteja próximo. Na quinta-feira, Paes cogitou a possibilidade de "fechamento completo das coisas", gerando dúvidas na população.
Imprensa dá pouca atenção a temas da direita, dizem debatedores
A predominância de profissionais de perfil progressista leva as grandes Redações do Brasil a uma cobertura pouco sensível a temas e a personagens de vertente conservadora, indicam jornalistas.
Essa foi uma das principais conclusões de debate virtual realizado pela Folha na tarde do último dia 11. O evento integra a programação dos 100 do jornal.
Houve, porém, discordâncias entre os debatedores quando discutiram se o perfil ideológico dos profissionais resultaria ou não em uma cobertura parcial ou enviesada.
A relação dos governos com veículos de comunicação e as comparações entre mandatários à esquerda e à direita também estiveram na pauta.
Participaram do painel José Roberto Guzzo, colunista do jornal O Estado de S. Paulo, da Gazeta do Povo e da revista Oeste; Ewandro Schenkel, chefe de Redação da Gazeta do Povo; e Fábio Zanini, repórter especial da Folha e autor do blog Saída pela Direita.
Existe, em uma grande maioria, um viés [de esquerda], um direcionamento natural da profissão. É um serviço hercúleo ter pluralidade dentro de uma Redação
A mediação ficou a cargo de Catia Seabra, repórter especial da Folha.
Inicialmente, Guzzo afirmou que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) acerta ao falar em perseguição da mídia ao seu governo, mas criticou a atenção despendida pelo mandatário a essa questão. “Não cabe a um presidente da República ficar entrando nesse bate-boca. Qualquer repórter que passar na frente ele quer discutir”, afirmou.
Para Schenkel, o papel da imprensa é justamente questionar autoridades públicas, que podem eventualmente escolher ficar em silêncio. “A maneira com que ele reage às perguntas, às colocações da imprensa, eu acho deplorável”, lamentou.
Para Zanini, Bolsonaro exagera no discurso e na polarização. Lembrou, porém, um episódio de 2004 em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ameaçou extraditar Larry Rother, então correspondente do New York Times no Brasil, para deixar claro que também houve hostilidade ao trabalho jornalístico em governos anteriores e considerados progressistas.
“Nenhum presidente gosta da imprensa, não existe isso. Nem no Brasil, nem em lugar nenhum no mundo”, disse Zanini.
Pode até ser que existam repórteres de esquerda demais na Redação, mas daí a dizer que a cobertura será de esquerda ou enviesada tem uma grande diferença
Indagado sobre medida provisória de 2019, que desobrigava empresas de publicar balanços em jornais, Guzzo se mostrou favorável. Depois de ter sido rejeitada por uma comissão de deputados e senadores, a MP perdeu a validade.
Ele acrescentou: “O governo não deve colocar nenhum anúncio, de nenhum tipo, nunca, em nenhuma circunstância”. Segundo Guzzo, “isso só serve para pressionar a imprensa, para comprar veículos.”
Zanini concordou com Guzzo, mas lembrou que a forma como o presidente comunicou a proposta favoreceu a polarização e foi muito abrupta, quando deveria ter sido implementada paulatinamente. “Até quando toma uma atitude que tecnicamente se justifica, Bolsonaro embala isso em uma moldura para perseguir a imprensa”, disse.
Para Schenkel, seria um equívoco esperar do presidente um discurso calculado. “Ele não foi eleito por causa disso”, ressaltou.
Questionado se suas posições e sua fiscalização jornalística foram igualmente firmes nos governos petistas, o jornalista da Gazeta do Povo disse ter empregado o mesmo rigor crítico em ambos os momentos.
Guzzo, por outro lado, disse ter sido mais incisivo durante os governos do PT justamente por considerá-los piores que o atual. Além disso, de acordo com ele, Lula foi mais agressivo com a imprensa do que Bolsonaro.
Nesse momento do debate, Zanini lembrou a atuação, durante os governos do PT, dos chamados “blogueiros progressistas”, que recebiam verbas públicas para apoiar o governo federal e criticar seus adversários. Ele os comparou aos youtubers de direita, que hoje são estimulados pelo Planalto a agir da mesma forma.
Na sequência, o repórter da Folha foi indagado sobre a criação de seu blog Saída pela Direita, que aborda propostas e nomes de destaque do conservadorismo no Brasil.
Zanini explicou que a iniciativa surgiu na esteira da eleição de Bolsonaro e busca suprir a ausência de espaço na grande imprensa para a cobertura de temas da direita, posição compartilhada pelos demais debatedores.
“Os veículos permitem, sim, que as pessoas escrevam com liberdade, mas precisa haver pessoas assim”, disse Guzzo.
Para Schenkel, essa predominância progressista se deve a um idealismo que é inerente —e até importante— à profissão. “Existe, em uma grande maioria, um viés [de esquerda], um direcionamento natural da profissão. É um serviço hercúleo ter pluralidade dentro de uma Redação.”
Segundo Guzzo, há um alinhamento de grande parte dos veículos a uma agenda liberal nos costumes, o que ele não vê predominar na população e nos leitores. “Se a imprensa nossa continuar assim, ela corre o risco de se isolar”, alerta.
O governo não deve por nenhum anúncio, de nenhum tipo, nunca, em nenhuma circunstância. Isso só serve para pressionar a imprensa, para comprar veículos
De acordo com Zanini, a mídia precisa contemplar melhor e de forma mais respeitosa grupos como evangélicos e representantes do agronegócio e das forças de segurança.
Ele disse, porém, que um jornalista que fizesse um trabalho parcial ou que se recusasse a escrever pautas que o desagradassem por conta de sua ideologia teria vida curta em uma grande Redação. “Pode até ser que existam repórteres de esquerda demais na Redação, mas daí a dizer que a cobertura será de esquerda ou enviesada tem uma grande diferença”, diz.
Schenkel discordou de Zanini. Segundo ele, embora não haja uma recusa expressa de cobrir determinados assuntos, a falta de diversidade resulta em vieses que simplesmente não permitem que certos temas identificados como mais à direita sejam observados.
Sobre a atuação da imprensa durante a pandemia, Zanini disse acreditar que a mídia tem realizado seu trabalho da forma mais correta possível ao abraçar a ciência e a objetividade.
Não é essa a opinião de Guzzo. “Não posso considerar que a imprensa está sendo objetiva quando vejo o noticiário, quando vejo absoluto desinteresse por apresentar qualquer posição que não seja essa unanimidade que não é unânime de ‘estamos vivendo um fim de mundo’”, critica.
Os três participantes apresentaram pontos de vista convergentes em relação ao inquérito das fake news e à prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). Para eles, ao ocupar a posição de vítima, acusador, investigador e julgador, o STF criou um processo inconstitucional e abriu um precedente perigoso.
“É um trambolho jurídico que eles criaram, que eles não demonstram como conseguir resolver porque é insolúvel”, afirmou Schenkel.
Para as eleições de 2022, todos esperam imparcialidade e rigor factual dos jornalistas, sobretudo na campanha na esfera federal, com grande chance de disputa entre Bolsonaro e Lula —neste momento, graças à decisão do ministro do STF Edson Fachin, o líder petista pode ser candidato.
“Toda vez que não estiver fazendo isso, você vai estar fazendo mau jornalismo. Ou melhor, não estará fazendo jornalismo, estará fazendo política”, concluiu Guzzo.