Onda global de protestos vem aí, com ou sem pandemia de Covid-19
Marcelo Coelho
Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”. / FOLHA DE SP
Sarah Everard era branca, tinha 33 anos, era formada em geografia e trabalhava em Londres, como executiva numa empresa de comunicação digital. Suas fotos mostram uma mulher segura de si, mas despretensiosa; no sorriso, havia uma autoconfiança suavizada por algo de infantil ainda.
Foi raptada e morta; seu corpo foi encontrado dentro de um saco, uma semana depois do crime. O suspeito, já preso, é um membro da respeitada polícia londrina.
A cidade, que vive sob severo lockdown, presenciou mesmo assim uma manifestação. Centenas de pessoas, na maioria mulheres, acenderam as luzes de seus celulares num parque da cidade, perto de onde Sarah foi vista pela última vez.
As autoridades tinham avisado: a homenagem não poderia acontecer. Quebrava as regras do isolamento social.
Lutando por mais segurança nas ruas para as mulheres, os manifestantes não se importaram. Kate Middleton, duquesa de Cambridge e futura rainha da Inglaterra, apareceu por lá e foi até fotografada sem máscara.
O que fez então a polícia? Já criticada por ter um possível sequestrador e assassino em seus quadros, resolveu reprimir a homenagem. Mulheres resistiram à ordem de voltar para casa.
“Ah, é assim?” Policiais partiram para cima de quem resistia. Mulheres foram jogadas ao chão, esganadas, imobilizadas com torções de braço e algemadas.
Claro, não é a PM paulista. Ninguém foi morto, ninguém teve traumatismo craniano ou perdeu um olho com tiros de bala de borracha.
Também não é a polícia americana. Não houve joelhos pressionados contra o pescoço de um negro até que ele morresse por sufocamento. Também não se tratava, por falar nisso, dos seguranças do supermercado Carrefour, que mataram João Alberto de Freitas, em novembro do ano passado.
Mesmo assim, o comportamento da polícia na manifestação londrina foi um desastre. Não sei se eu comentaria o episódio em condições normais. Duas coisas, entretanto, chamam a atenção no quadro da pandemia.
Primeira coisa: as pessoas já não estão aguentando mais. Com certeza, é imprudente chegar perto de qualquer coisa que pareça aglomeração humana com as taxas de contaminação em curso —em especial as do Brasil.
Mas o caldeirão está fervendo. A Covid não impediu protestos em Hong Kong e no Chile (democracia e Constituinte), na Polônia e na Argentina (pelo aborto), na Bulgária (contra a corrupção), nos Estados Unidos (contra o racismo policial) e, agora, no Paraguai (contra a gestão da crise sanitária).
Claro, não é a PM paulista. Ninguém foi morto, ninguém teve traumatismo craniano ou perdeu um olho com tiros de bala de borracha.
Também não é a polícia americana. Não houve joelhos pressionados contra o pescoço de um negro até que ele morresse por sufocamento. Também não se tratava, por falar nisso, dos seguranças do supermercado Carrefour, que mataram João Alberto de Freitas, em novembro do ano passado.
Mesmo assim, o comportamento da polícia na manifestação londrina foi um desastre. Não sei se eu comentaria o episódio em condições normais. Duas coisas, entretanto, chamam a atenção no quadro da pandemia.
Primeira coisa: as pessoas já não estão aguentando mais. Com certeza, é imprudente chegar perto de qualquer coisa que pareça aglomeração humana com as taxas de contaminação em curso —em especial as do Brasil.
Mas o caldeirão está fervendo. A Covid não impediu protestos em Hong Kong e no Chile (democracia e Constituinte), na Polônia e na Argentina (pelo aborto), na Bulgária (contra a corrupção), nos Estados Unidos (contra o racismo policial) e, agora, no Paraguai (contra a gestão da crise sanitária).
A raiva, hoje, se concentra contra a polícia. Foi a polícia quem matou George Floyd; foram “seguranças” que mataram João Alberto; milícias e polícias se confundem no assassinato de Marielle e Anderson; em junho de 2013, as manifestações ganharam força máxima quando a PM de Alckmin resolveu arregaçar as mangas. Em Londres, um policial mata —e a polícia reprime quem acha ruim.
No Brasil, temos tudo para uma tempestade perfeita. Cercado de milicianos e generais, um ex-capitão ocupa a Presidência; é um governo que, quando não apoia o assassinato policial, promove o morticínio da pandemia.
Os sinais de vida, enquanto isso, vão surgindo por toda parte.
FHC indica voto em Lula num eventual segundo turno contra Bolsonaro
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse hoje que Luiz Inácio Lula da Silva é "calejado pela vida" e que, em 2022, "vota em quem for menos ruim" numa possível disputa entre o petista e o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) .
A declaração foi dada, nesta terça-feira (16), no UOL Entrevista, conduzido pelo colunista Tales Faria. "O Lula foi calejado pela vida. Isso conta. Não é nenhum principiante. Ele deu uma entrevista agora e acertou em uns pontos fundamentais, ele tem jeito para a coisa", afirmou FHC, citando evento feito por Lula após ter suas condenações anuladas pelo ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal).
"Ele não é o mal", acrescentou FHC. "Acho que Lula tem experiência do mundo, do Brasil, da pobreza, e enriqueceu. Não sei se Lula vai ter condições para ser candidato, ou se seria o melhor candidato, mas acho que, se ficar entre ele e Bolsonaro, voto em quem for menos pior." Sobre a decisão de Fachin, FHC criticou o processo e a demora. "Não anularam as acusações, anularam o processo, vão refazer o processo. Era fácil reconhecer que o processo estava mal encaminhado", afirmou.
"Lamento por terem esperado tantos anos para descobrir a pólvora, que é isso? Não tem muito cabimento. Agora, todo mundo ligado ao Lula vai interpretar como se fosse a nulidade das acusações, não é, é a nulidade do processo. Agora, politicamente abre-se um caminho novo, diferente. Vamos ver o que vai acontecer".
O processo ainda deverá ser avaliado pelo Plenário do Supremo. Mas, com isso, Lula recupera seus direitos políticos e pode se candidatar a presidente em 2022. Questionado se o pleito de 2016 se repetisse hoje, com Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro disputando novamente, FHC conta que votaria "contra Bolsonaro".
"Se houver, espero que não haja, essa dicotomia ou Haddad ou Bolsonaro, ou alguém do PT, lógico, que seja razoável, ou Bolsonaro, votaria mais contra o Bolsonaro".
Em sua avaliação, os governos petistas de Lula e Dilma Rousseff tiveram menos consequências negativas do que o atual governo de Bolsonaro.
"Falando de maneira objetiva, as consequências que podem ser positivas ou negativas, somando do Lula e mesmo da Dilma, que foi bastante negativa em muitos aspectos, foram menos graves que as negativas atuais do presidente Bolsonaro."
O ex-presidente criticou a nova troca de ministro da Saúde feita nesta semana pelo presidente. Segundo Fernando Henrique Cardoso, ter quatro ministros diferentes durante uma pandemia é "um mau sinal".
"Na pandemia, um momento difícil para todo mundo, você tem que dar força ao ministro, porque ele está na linha de frente. Não quero dizer que o presidente é o responsável pelas mudanças, mas uma parte da responsabilidade cabe ao presidente."
"Às vezes é inevitável. Quer ir embora vai embora, ou um acidente, algo incontrolável e tal. Mas, neste momento, a gente já tendo tanto ministro da Saúde não é um bom sinal".
O médico cardiologista Marcelo Queiroga vai substituir o general Eduardo Pazuello, o mais longevo no cargo, que vinha sendo criticado por sua subserviência ao presidente e sua condução da política sanitária contra a covid-19 —em especial, no que diz respeito às vacinas e à crise de oxigênio no Amazonas. Antes de Pazuello, passaram pelo cargo Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. Ambos saíram por desavenças com o presidente no combate à pandemia.
"Dá a sensação de que o presidente Bolsonaro tem vontade de mando, pelo menos é o que dizem os ministros dele. Dá a sensação de que é ele quem interfere, fala. Mas não sei realmente o que acontece", acrescentou ele.
Além da troca de ministro, FHC criticou a atitude de Bolsonaro minimizar a doença. "As pessoas estão morrendo e a falta de sentimentos demonstrada pelo presidente é grande. E também é delicado porque ele minimiza: 'Não é nada, é uma gripezinha'. Como é uma gripezinha? Está morrendo muita gente."
EX-JUIZ SÉRGIO MORO
Para o ex-presidente, o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro teve coragem durante a sua atuação como juiz na Operação Lava Jato. Mas ponderou que, "se tivesse ficado como juiz, seria melhor". "Sempre fui partidário de que a Lava Jato avançasse, porque mexer com gente rica e poderosa não é fácil, então acho que Moro teve competência e coragem pra fazer isso", afirmou.
Não me cabe ficar criticando, mas acho que Moro aceitou ser ministro, uma coisa para a qual não foi vocacionado. Se tivesse ficado como juiz, seria melhor para ele. Dá a impressão, embora não acho que seja verdadeiro, de que ele tinha objetivos que não eram processuais apenas.
Ele também ressaltou que Moro, como juiz, teve papel importante. "Os erros dele foram pessoais, de aceitar o ministério, mas não invalidam a sua atuação enquanto juiz."
A Segunda Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) retomou, na semana passada, julgamento da suspeição do ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, que condenou Lula no caso do tríplex do Guarujá.
O placar da votação está, até o momento, empatado em 2 a 2: Gilmar Mendes, presidente do colegiado, e Ricardo Lewandowski, votaram contra o ex-juiz —ou seja, a favor da suspeição. Mas o julgamento foi adiado após pedido de vista do ministro Nunes Marques. Ainda não há data para a retomada do julgamento.
Ao lado de Pazuello, novo ministro defende máscaras, mas evita contrariar bandeiras de Bolsonaro
Mateus Vargas, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - Escolhido para ser o quarto ministro da Saúde em plena pandemia, o cardiologista Marcelo Queiroga disse nesta terça-feira, 16, que vai trabalhar para ter "resultado mais desejável" no combate ao novo coronavírus. Apesar de ter recomendado, em fala à imprensa, o uso de máscara - medida simples, mas que contrasta com declarações do governo -, Queiroga não prometeu ruptura com bandeiras do presidente Jair Bolsonaro, como orientação de uso da cloroquina, medicamento sem eficácia comprovada para a covid-19, nem defendeu o isolamento social.
Em declaração ao lado do general Eduardo Pazuello, que deixa o cargo sob forte desgaste, o cardiologista afirmou ser preciso melhorar a "qualidade de assistência" nos hospitais, "sobretudo em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs)". Ele defendeu ações da gestão Bolsonaro na área de saúde e disse que o ministério trabalha de forma "harmônica" com Estados e municípios para que as mais de 500 milhões de doses de vacinas para covid-19 previstas sejam aplicadas.
Queiroga assume a Saúde no pior momento da pandemia, com o registro de mais de 2 mil mortes diariamente e com o governo sob forte pressão. "Sozinho não vou fazer mágica", disse o cardiologista.
O médico afirmou que irá se basear sempre "na melhor evidência científica". O presidente Bolsonaro, no entanto, fez diversas afirmações sem lastro científico para questionar a eficácia de vacinas, máscaras, lockdown e outras medidas recomendadas para combater a pandemia. Queiroga ainda disse que é preciso atacar a pandemia, mas preservar a atividade econômica. "Para garantir emprego, renda e recursos", declarou. O médico encerrou a declaração e não respondeu aos questionamentos da imprensa.
O general Pazuello estava ao lado de Queiroga e falou antes aos jornalistas. Ele defendeu a sua gestão e disse que não há uma "transição" em curso. "Continua o governo Bolsonaro, continua o ministro da Saúde. Troca o nome de um oficial general que estava organizando a parte operacional, gestão, liderança, administração. Agora vai chegar um médico com toda a sua experiência na área de saúde para ir além", declarou Pazuello.
Mais cedo, Queiroga já havia sinalizado que não fará grandes mudanças em ações da Saúde, apesar de diversas regiões do País estarem em colapso pela pandemia. "A política é do governo Bolsonaro, não do ministro da Saúde. O ministro executa a política do governo", disse Queiroga, ao chegar pela manhã no ministério para o começo da transição na pasta. Nos próximos dias, o médico e Pazuello devem cumprir agendas juntos. Eles participam na quarta-feira, 17, da entrega das primeiras doses da vacinas de Oxford/AstraZeneca envasadas pela Fiocruz, no Rio.
Covid-19: Brasil tem 279,2 mil mortes e 11,5 milhões de casos
A soma de pessoas que morreram de covid-19 alcançou 279.286. Em 24 horas foram registrados 1.057 óbitos. Ainda há 2.927 mortes em investigação por equipes de saúde. Isso porque há casos em que o diagnóstico sobre a causa só sai após o óbito do paciente.
O número de casos confirmados desde o início da pandemia chegou a 11.519.609. Entre ontem e hoje, foram registrados 36.239 novos diagnósticos de pessoas contaminadas pelo novo coronavírus. Ontem, o total de pessoas infectadas até o momento estava em 11.483.370.
Os dados estão no balanço diário do Ministério da Saúde, divulgado na noite de hoje (15). A atualização é produzida a partir das informações levantadas pelas autoridades estaduais e locais de saúde sobre casos e mortes provocados pela covid-19.
O número de pessoas recuperadas chegou a 10.111.954. Já a quantidade de pessoas com casos ativos, em acompanhamento por equipes de saúde, ficou em 1.128.369.
Os dados em geral são menores aos domingos e segundas-feiras pela menor quantidade de trabalhadores para fazer os novos registros de casos e mortes. Já às terças-feiras tendem a ser maiores já que neste dia o balanço recebe o acúmulo das informações não processadas no fim-de-semana.
Estados
O ranking de estados com mais mortes pela covid-19 é liderado por São Paulo (64.223), Rio de Janeiro (34.330), Minas Gerais (20.687), Rio Grande do Sul (15.105) e Paraná (13.626). Já as Unidades da Federação com menos óbitos são Acre (1.129), Amapá (1.187), Roraima (1.232), Tocantins (1.697) e Sergipe (3.141).
Vacinação
Até o início da noite de hoje, haviam sido distribuídas 20,1 milhões de doses de vacinas. Deste total, foram aplicados 11,8 milhões de doses, sendo 8,8 milhões da 1ª dose (4,1% da população brasileira) e 2,9 milhões da 2ª dose (1,3% da população brasileira).
Edição: Aline Leal / AGÊNCIA BRASIL
Butantan envia mais 3,3 milhões de doses de vacina ao governo
O Instituto Butantan entregou hoje (15) ao Ministério da Saúde mais 3,3 milhões de doses da vacina contra o novo coronavírus. Ao todo, já foram fornecidos 20,6 milhões de doses do imunizante CoronaVac, desenvolvido em parceria com laboratório chinês Sinovac, para serem distribuídas a todas as regiões do país, por meio do Programa Nacional de Imunizações.
Pelo cronograma apresentado pelo Butantan, na próxima quarta-feira (17), deve ser enviada mais uma remessa com 2 milhões de vacinas e, até o fim do mês, o instituto prevê fornecer um total de 22,6 milhões de doses. Até o fim de abril, a previsão é que tenham sido entregues 46 milhões de doses, conforme o contrato com o governo federal.
Ouça na Radioagência Nacional
De acordo com o Butantan, a produção da vacina foi acelerada e o quadro de funcionários responsáveis pelo envase do produto foi dobrado.
Vacinação em SP
O último balanço do governo de São Paulo aponta que 3,8 milhões de doses de vacinas contra o coronavírus já foram aplicadas em todo o estado, sendo mais de 1 milhão da segunda dose.
Edição: Kleber Sampaio
Vacina Covid-19: Fiocruz entregará 1 milhão de doses nesta semana
RIO — A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) anunciou nesta segunda-feira que entregará nesta semana as primeiras vacinas produzidas pela instituição. Serão 1 milhão e 80 mil doses entregues ao Programa Nacional de Imunizações (PNI).
A Fiocruz disponibilizará 500 mil doses na próxima quarta-feira e outras 580 mil até a sexta-feira. Com o registro definitivo, concedido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na semana passada, a instituição passou a ser a detentora do primeiro registro de uma vacina Covid-19 produzida no país.