Sempre o mesmo - J. R. Guzzo, O Estado de S.Paulo
Há 40 anos, desde a sua fundação, o PT pensa, fala e vive como um partido único; não sabe, simplesmente, ser de outro jeito. É bem fácil de entender. Se o PT não é uma ditadura, por que o presidente do partido – oficial ou oculto, mas o único verdadeiro – é sempre o mesmo desde 1982? O PT, na verdade, não tem um presidente. Tem uma autoridade máxima – uma mistura de Fidel Castro, ou algo parecido, com o papa, no tempo em que o papa mandava em alguma coisa. O comandante nunca permitiu, e continua a não permitir, que qualquer outro nome possa disputar um mínimo de espaço com ele dentro do partido. Todos os que tentaram, de Luiza Erundina a Marta Suplicy, passando por Deus e todo o mundo, acabaram postos para fora.
Há 40 anos, apesar de nada disso ser nenhum segredo, os políticos brasileiros que imaginam ser do centro-equilibrado-democrático-civilizado-asseado-de meia esquerda-preocupado com o “social” e amigo das crianças acreditam que Lula possa, um dia, abrir mão de seus interesses pessoais e aliar-se para valer com algum deles. Jamais deu certo, é claro, e não vai dar certo nunca. O ex-governador Ciro Gomes, por exemplo, já está ali pela décima tentativa; até outro dia continuava tentando. Os últimos a acreditar foram os pré-candidatos – ou melhor, a essa altura, ex-pré-candidatos – à sucessão do presidente Jair Bolsonaro. Tiveram uma miragem, durante dois anos: acharam que podiam ficar amigos de Lula, do PT e da esquerda. Levaram um belo somebody love, como se diz, e hoje estão a pé.
A decisão do ministro Edson Fachin de anular as quatro ações penais que Lula tinha nas costas, incluindo sua condenação em terceira e última instância por corrupção e lavagem de dinheiro – com sentenças de nove juízes diferentes – anulou, ao mesmo tempo, as candidaturas que tentavam disputar o espaço entre Bolsonaro e o “campo progressista”. Foi um efeito inesperado. Ao declarar que a ficha suja de Lula não vale mais, o STF, tão louvado por todos os que não querem a reeleição do presidente da República, decidiu qual é a candidatura de oposição que vai existir na vida real. O prejuízo, em consequência, é de todas as outras – os que esperavam o apoio de Lula terão de se contentar, agora, em esperar que o ex-presidente lhes dê alguma sobra e a permissão de apoiar a sua campanha. É o avesso do avesso.
A fila é grande: empresários com “agendas sociais”, gente do mundo dos auditórios, generais da reserva e uma porção de etcéteras se aglomeram na lista de espera, rezando por um chamado do alto para “compor a chapa”. No fim, pode não ser nenhum desses; Lula tem lá as suas próprias ideias a respeito do assunto e, de qualquer forma, ainda falta muito tempo até a eleição de 2022. O certo é que o “espaço vazio” que se imaginava existir para a sucessão presidencial não existe mais – nesse espaço há um Lula, outra vez, querendo ser presidente. O STF devia ter ajudado, claro, mas o que se esperava era outra coisa. O conveniente seria ficar expedindo liminares, agravos e embargos contra Bolsonaro e o seu governo, só isso; não era para ressuscitar Lula. Agora está assim.
O resultado é que o horizonte do Brasil, até prova em contrário, é de extremo contra extremo. O centro sumiu. Lula não precisa dizer nada de diferente daquilo que tem dito a vida inteira para garantir seu apoio: quem está com ele não quer ouvir nada que já não tenha ouvido. O mesmo acontece com Bolsonaro: seus admiradores não estão interessados em escutar outra voz. Quem está no meio encontra-se sem escolha, sem nomes e sem um programa alternativo. Não há muita coisa boa que possa vir disso aí. JORNALISTA
As fronteiras e seu significado
21 de março de 2021 | 03h00
Fronteiras têm grande importância na vida internacional. Definem o espaço da competência jurídica e política própria dos Estados nacionais. Diferenciam o “externo” do “interno”, no âmbito do qual cabe a um Estado, por meio de suas instituições, a responsabilidade de deliberar sobre rumos de uma sociedade. Nessa esfera também se situa o desafio de se orientar no mundo, pois na realidade contemporânea as fronteiras são porosas.
Faço essas considerações para destacar que a definição das fronteiras com reconhecimento internacional é o que configura “o corpo da pátria”, para me valer do sugestivo título do livro de Demétrio Magnoli. Por isso, o primeiro item da pauta da política externa de um país é o de buscar configurar o “corpo da pátria”. Nesse item, a diplomacia brasileira teve sucesso exemplar em obra que teve início com o Tratado de Madri de 1750.
O Brasil é um país de dimensão continental, como a China, a Índia e a Rússia. Em contraste com esses e outros países grandes, médios e pequenos, não enfrenta contenciosos territoriais e suas tensões, presentes em tantas regiões do mundo. Não tem ambição de expansão territorial.
O Brasil, na lição de Rio Branco, é um país “que só ambiciona engrandecer-se pelas obras fecundas da paz, com seus próprios elementos, dentro das fronteiras em que fala a língua dos seus maiores e quer vir a ser forte, entre vizinhos grandes e fortes”. É de pertinente atualidade a afirmação de Rio Branco. Explicita uma pacífica dimensão de nossa inserção internacional.
Pela ação das bandeiras e das monções, a ocupação do território hoje brasileiro foi muito além dos limites previstos no Tratado de Tordesilhas, de 1494, pelo qual Portugal e Espanha buscaram dividir o que estava por se descobrir no “mar oceano”. Por isso, de fato e de direito, eram indefinidas as fronteiras entre os domínios da Espanha e de Portugal na América do Sul. Esses espaços passaram a ser estabelecidos pelo Tratado de Madri, que delineou a fisionomia do nosso país e é ponto de partida da grande obra da definição das fronteiras do Brasil.
O seu grande negociador foi o paulista Alexandre de Gusmão, nascido em Santos em 1695, considerado como o avô da diplomacia brasileira, pois com ele teve início a formação de um capital diplomático, que, a partir da herança portuguesa, vem favorecendo o nosso país.
Sobre Gusmão acaba de ser publicado iluminador livro de Synesio Sampaio Goes Filho: Alexandre de Gusmão (1695-1753) – o estadista que desenhou o mapa do Brasil.
Synesio, com a qualidade de escritor e a profundidade de consagrado estudioso das fronteiras do Brasil, logra transmitir ao leitor contemporâneo o significado do equilíbrio e da razoabilidade das teses defendidas por Gusmão, consagradas no Tratado de Madri. Desvenda ao mesmo tempo o perfil de uma personalidade de intrépido vigor intelectual.
O objetivo do tratado era “estreitar a cordial amizade” entre Portugal e Espanha, eliminando os embaraços das incertezas dos limites dos domínios das duas Coroas na América, para assim “manter os seus vassalos em paz e sossego”. Os critérios estabelecidos para a fixação dos limites foram os seguintes: 1) suas balizas devem ser as paragens mais conhecidas (“origem e curso dos rios e os montes mais notáveis”) para obstar disputas, valorizando assim fronteiras naturais, e 2) “cada parte há de ficar com o que atualmente possui” – é o que veio a ser a tese do uti possidetis –, “à exceção das mútuas cessões as quais se farão por conveniência comum e para que os confins fiquem, quanto possível, menos sujeitos a controvérsias” – o que levou à cessão para a Espanha da Colônia do Sacramento, origem do que veio a ser o Uruguai e a cessão para Portugal da área das missões, que vieram a configurar os contornos do Estado do Rio Grande do Sul.
As teses de Gusmão exigiam o conhecimento do Brasil da época, incluídas as incertezas amazônicas. Daí a importância dos mapas de que se valeu nas negociações. Essa é a sólida origem das bases de uma diplomacia do conhecimento que norteou as negociações do Brasil em matéria de fronteiras levadas a cabo pelo Império e completadas na República por Rio Branco, e que com seus desdobramentos esteve a serviço da construção do Brasil. Daí a relevância do livro de Synesio e sua dimensão de atualidade, pois dá destaque ao acervo de realizações da política externa brasileira e ao soft power do seu capital simbólico.
É esse capital simbólico – que permite a adequada orientação no mundo – que a diplomacia do governo Bolsonaro se dedica cotidianamente a dilapidar. Ela alcança até o Tratado de Madri, pois foi a Fundação Alexandre de Gusmão do Itamaraty, na gestão Ernesto Araújo, que se recusou a patrocinar a publicação do livro, ora editado pela Record, por conta da mensagem do prefácio de Rubens Ricúpero, que, ao realçar os indiscutíveis méritos do trabalho de Synesio, insere-o no âmbito do profícuo papel da diplomacia brasileira nos destinos do Brasil.
PROFESSOR EMÉRITO DA USP, FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (1992 E 2001-2002)
Vacinação: 255,9 mil idosos de 60 a 74 anos devem ser imunizados contra Covid-19 em Fortaleza
Com início da segunda fase da campanha de vacinação contra a Covid-19, que contempla idosos de 60 a 74 anos, a Prefeitura de Fortaleza estima que 255.917 pessoas sejam vacinadas. Segundo a plataforma Saúde Digital, 7.954 pessoas com 74 anos já estão cadastradas.
Até o momento, 170.894 fortalezenses pertencentes aos grupos prioritários foram vacinados na primeira fase da campanha de vacinação. Destes, 87.718 já receberam o reforço (segunda dose) da vacina.
De acordo com dados do IntegraSUS, atualizados às 8h50 de hoje, Fortaleza soma 28.324 casos confirmados de Covid-19 entre idosos com mais de 60 anos, 19,1% do total (147.948). Já em relação ao total de óbitos na Capital, que chegou a 5.526, essa faixa etária detém 76% das mortes pela doença (4.202).
“A vacina em massa independente da faixa etária é a medida segura para redução das internações e óbitos”, aponta Caroline Gurgel, epidemiologista, virologista e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC). Ela destaca que a vacinação feita na primeira fase (de idosos de 75 anos ou mais) já refletiu na redução do número de internações dessa faixa etária.
A referência tem como base o estudo desenvolvido pelo Prof. Carlos Henrique Morais de Alencar, do Departamento de Saúde Comunitária da UFC, em parceria com a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), que analisou dados de 314.315 idosos. A pesquisa revelou que a incidência de internação de pessoas que receberam a vacina é 53,3% menor em relação àqueles da mesma faixa etária que não foram imunizados.
“Se a redução é de 53% isso significa que (hipoteticamente) eu tinha 100 internações antes da vacina e agora tenho 47 internações. É um ganho tremendo”, aponta. Caroline explica ainda que a imunização é um processo que independe da idade, e que por isso, é esperado resultados semelhantes em outras faixas etárias.
No entanto, o imunologista e professor do Departamento de Patologia e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFC, Edson Holanda Teixeira, ressalta que o número de vacinados ainda é pequeno para surtir efeito na comunidade de modo geral.
O imunologista destaca que para ser observado grandes mudanças ou mesmo uma situação de normalidade como a de antes da pandemia, 70 a 80% da população tem que estar vacinada. Situação que está prevista para o final do ano.
Ele pondera que, por mais que seja necessária a vacinação em massa, principalmente entre os idosos por serem mais vulneráveis à doença, isso não quer dizer que as vacinações já realizadas não tenham apresentado pontos positivos, como a redução de internações entre pessoas dessa faixa etária.
“Em Israel, por exemplo, que conseguiu vacinar os grupos prioritários, houve redução acima de 90% de internações e de casos graves. Esperamos que nossos números sejam próximo a isso. Embora eles tenham utilizado a vacina da Pfizer, que tem uma eficácia global maior, nós esperamos que com a CoronaVac e a AstraZeneca tenhamos resultados semelhantes. Para que assim, sejam reduzidos os números de indivíduos que necessitem de um leito de UTI, visto que o colapso nos hospitais favorece uma maior mortalidade por Covid”, conclui.
Como e onde se cadastrar
Para esta segunda fase, o cadastro deve ser realizado na plataforma Saúde Digital. Após o cadastro, a Prefeitura realizará o agendamento para a aplicação da vacina.
Próximo à data da vacinação, a confirmação do agendamento será enviada, via e-mail e WhatsApp, com as orientações sobre data, horário e local onde o idoso deve comparecer.
Diariamente é disponibilizada neste site a lista nominal dos idosos que serão vacinados.
Para os idosos acamados ou com mobilidade reduzida, a vacinação domiciliar ocorre com as equipes da Prefeitura garantindo a aplicação tanto da primeira como da segunda dose.
As equipes da Prefeitura também fazem uma busca ativa para localizar os idosos que não têm acesso à internet ou possuem dificuldades em realizar seu cadastro. O público mencionado é encaminhado aos Cucas Barra do Ceará, Jangurussu, Mondubim e José Walter.
Modalidades e locais de vacinação
De acordo com a Secretaria de Saúde do município, a vacinação ocorrerá de forma descentralizada, evitando aglomeração e respeitando as regras sanitárias. Além da vacinação domiciliar, serão disponibilizados oito centros de vacinação para acolher o público que optou por outra modalidade.
Os endereços estão localizados na Arena Castelão; no Centro de Eventos; no shopping RioMar Fortaleza e no RioMar Kennedy. Além do drive-thru, serão oferecidos pontos de acolhimento para vacinação para atender tanto os idosos que dispõem de carro como os que utilizam outros meios de transporte.
Já os quatro Cucas (Barra do Ceará, Jangurussu, Mondubim e José Walter) irão aplicar o imunobiológico nas salas de acolhimento para vacinação.
Também haverá a vacinação domiciliar para os idosos de 74 anos acamados ou com restrição de mobilidade, condição que deve ser informada no ato do cadastramento no Saúde Digital. DIARIONORDESTE
Governo distribui mais 5 milhões de vacinas contra Covid e orienta usar todas na 1ª dose
O Ministério da Saúde anunciou neste sábado (20) a distribuição aos estados de mais 5 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19. A orientação é que todos esses imunizantes sejam aplicados como primeira dose, sem reserva, portanto, para a segunda aplicação.
A previsão é de que as doses sejam distribuídas até domingo (21), de forma proporcional aos estados. A remessa, segundo nota da pasta, envolve imunizantes da Coronavac e da Atrazeneca/Oxford e será destinada a profissionais de saúde, idosos de 70 a 74 anos e comunidades ribeirinhas e quilombolas.
A indicação para que não haja reserva de estoque para a segunda dose representa uma nova mudança na diretriz do governo Jair Bolsonaro (sem partido) sobre a Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan, de São Paulo.
O Ministério da Saúde já informara a prefeitos de que não haveria reserva. Depois, no fim do mês passado, recomendou a retenção de doses para a aplicação da segunda dose.
A nova recomendação vem, segundo o governo, depois da "garantia da estabilidade de entregas semanais das remessas de vacinas com produção nacional e matéria-prima (IFA) importada". Por ora, essa regra vale para esse lote de vacinas.
Do total, 1.051.750 doses correspondem à primeira remessa de vacinas da AstraZeneca/Oxford, produzida no Brasil pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). Outras 3,9 milhões são referentes a mais um lote da Coronavac.
"A expectativa é que essa distribuição contemple 100% dos moradores de comunidades ribeirinhas e 63% da população em comunidades quilombolas em todo o país", diz nota do Ministério da Saúde.
O governo Bolsonaro tem sido cobrado pelas deficiências no plano de vacinação contra o coronavírus, resultado de atrasos em contratos, problemas logísticos e discurso contrário à vacina por parte do presidente Bolsonaro. O país vive seu pior momento na pandemia.
Na sexta-feira(19), o Brasil registrou 2.730 mortes pela doença, terceiro maior valor de toda a pandemia, e chegou à maior média móvel de óbitos até aqui, 2.178 mortes por dia. Já são 290.525 mortos por Covid-19.
O país também teve 89.409 casos de Covid, e chegou a 11.877.009 pessoas infectadas. O recorde de casos ocorreu na quarta, 90.830 infecções.
Segundo dados atualizados até sexta, 11.492.854 pessoas foram vacinadas com a 1º dose no Brasil. Isso representa 7,1% da população adulta.
O Ministério da Saúde também anunciou que recebe neste domingo (21) a primeira remessa de vacinas adquiridas por meio do consórcio global Covax Facility. São 1.022.400 milhão de doses do imunizante AstraZeneca/Oxford, fabricado na Coreia do Sul.
A chegada está prevista para as 18h, no aeroporto de Guarulhos. Outras 1,9 milhão de doses devem desembarcar no país até o final do mês de março.
O acordo do Brasil com o consórcio global de vacinas prevê 42,5 milhões de doses para este ano. O Brasil é um dos 191 países que integram o Covax Facility para a disponibilização de vacinas de 10 laboratórios diferentes.
Os perigos do estado de sítio -
Rogério Tadeu Romano* O ESTADO DE SP
20 de março de 2021 | 14h50
I – O FATO
Segundo o portal Último Segundo, “horas após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) comparar, nesta sexta-feira (19), as restrições dos governadores da Bahia, Rio Grande do Sul e Distrito Federal a um estado de sítio , autoridades começaram a temer que o presidente pudesse usar a mesma ferramenta para reverter as decisões tomadas localmente para conter o avanço da Covid-19 . Cogitou-se a ideia após uma conversa dele com um grupo de apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada , quando Bolsonaro disse que poderia aplicar “medidas duras” contra restrições mais severas de governos locais”.
A manifestação preocupa.
II – O ESTADO DE SÍTIO E SEU HISTÓRICO
Para os que buscam a solução para o país num Estado forte, baseado num Executivo forte, tão medida funciona como uma alucinação. Buscar-se-iam medidas de exceção, como, por exemplo, a censura à imprensa. Para os que buscam o autogolpe tal medida caberia como “uma sopa no mel’. Seria o caminho para instituir no Brasil uma ditadura. Seria um horror. O combate ao COVID-19 seria uma desculpa para tal. Seria uma fórmula macabra para “meter na cadeia” inconvenientes do sistema.
As causas do estado de sítio são as situações críticas que indicam a necessidade da instauração da correspondente legalidade de exceção (extraordinária) para fazer frente à anormalidade manifestada.
De toda sorte maior a crise se houver o desmoronamento constitucional que se dará com a agressão aos direitos e garantias constitucionais. Daí porque é necessário deter um Executivo sem limites.
O Brasil tem a triste memória de ditaduras: a ditadura do Estado Novo, a ditadura militar e o golpe dentro do golpe que foi o AI-5.
Os Estados Unidos adotaram o instituto da mãe pátria em sua pureza, uma vez que excluíram os Coercition Acts e os Acts of Indennity. Admitem, no entanto, a suspensão do writ por ato do Congresso, apenas nos casos de rebellion or invasion (Constituição de 1787, artigo 1º, seção 9ª, item 2º). Os governantes não faziam jus a bill de indenidade, como sustentavam os tratadistas desde Joseph Story (Commentaries on the Constitution, volume II, pág. 214) . Em 1817, e ainda em 1841, os Estados Unidos adotaram, igualmente, esses emergency powers, como se lê de Munro (The government of the United States, pág. 430).
Na França estudou-se a matéria à luz do instituto das perturbações da ordem pública. A Carta de 1814 (artigo 14) admitiu, de forma implícita, o instituto que caiu com a Carta de 1830. Em 1849, regulou-se o état de siège militar, que Duguit chamou de real para distinguir de civil, que ele denominava de fictício (Manuel de droit constitucionnel, pág. 231). Em 1878, o instituto foi regulado por lei, com os seguintes princípios: a) cabe ao Parlamento declará-lo; b) nos intervalos das sessões, pode o presidente da República fazê-lo, ouvido o Conselho de Ministros, cabendo ao Parlamento, mantê-lo ou levantá-lo, dois dias após; c) quando dissolvido o Parlamento, o presidente da República só pode fazê-lo em caso de guerra, ouvido o Conselho de Ministros; d) só em dois casos é ele admitido: guerra ou insurreição armada, como disse ainda Léon Duguit (Traité de droit constitutionnel, volume IV, pág. 414).
O Brasil adotou, desde logo, o sistema francês: suspensão, não apenas do habeas corpus – como fazem os anglo-americanos, com o bill of indemnity, ou sem ele – mas ainda de outras garantias, por ato do Congresso e, em casos excepcionais, do presidente da República.
A Constituição de 1891 já falava em agressão estrangeira ou comoção intestina.
Rui Barbosa sustentava, não só que não se suspendiam, durante o sítio, todas as garantias constitucionais, como não cessavam as imunidades parlamentares (Comentários à Constituição Federal, volume VI, páginas 280 e seguintes). Entendia, outrossim, que a comoção intestina pressupunha periclitação da segurança da República (página 300). Advogava a regulamentação do estado de sítio nas bases em que veio a fazê-lo a Constituição de 1934.
Há o que chamamos de direito constitucional das crises.
Ali se situam normas que visam à estabilização e à defesa da Constituição contra processos violentos de perturbação da ordem social.
A legalidade normal é substituída por uma legalidade extraordinária, que define e rege o Estado de exceção.
Os princípios informadores do sistema constitucional das crises, do estado de exceção, foram lembrados por Aricê Moacyr Amaral Santos (O Estado de emergência, 1981, pág. 33) e são o princípio fundante da necessidade e o princípio da temporalidade, cuja incidência “nos sistemas de legalidade especial” determine: a) declaração é condicionada à ocorrência de pressuposto fático; b) os meios de resposta têm sua executoriedade restrita e vinculada a cada anormalidade em particular e, ainda, ao lugar e tempo; c) o poder de fiscalização política dos atos de exceção é de competência do Legislativo; d) o controle judicial a tempore e a posteriori do Judiciário.
Configurará puro golpe de estado, essa atuação de exceção sem que haja a necessidade para a sua configuração. Se não houver atenção à temporalidade, haverá ditadura.
Em 1922, na vigência da Constituição de 1891, Arthur Bernardes decretou estado de sítio.
Essa declaração foi dada em contexto de crise política, com o movimento comunista da Coluna Prestes, os Levantes Tenentistas e a ameaça de Guerra Civil separatista no Rio Grande do Sul.
III – AS MEDIDAS QUE SERIAM ADOTADAS EM ESTADO DE EXCEÇÃO
As causas dessa situação anômala à democracia estão previstas no artigo 137 da Constituição:
O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:
I – comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;
II – declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.
A instauração do estado de sítio depende ainda do preenchimento de requisitos formais: a) a audiência do Conselho da República e do Conselho de Defesa Nacional; b) autorização por voto da maioria absoluta do Congresso Nacional para a sua decretação em atendimento à solicitação fundamentada do presidente da República; c) decreto do presidente da República.
Essa normatividade extraordinária e excepcional tem uma duração que não poderá ser superior a trinta dias, nem prorrogada de cada vez; as garantias constitucionais ficarão suspensas desde que autorizadas na forma do artigo 139 da Constituição Federal; devem ser editadas normas para reger à sua execução.
Além de todas essas ressalvas, cabe destacar que o chefe de Estado não gozará de total liberdade para tomar qualquer medida contra os cidadãos de seu país. Assim, apenas algumas ações poderão ser tomadas sobre os direitos individuais, tais como: obrigação de permanência em um dado local; detenção em edifícios não destinados a esse fim; restrições a direitos como inviolabilidade da correspondência e outros; suspensão da liberdade de reunião; direito de busca e apreensão, pelo Estado, em domicílios; intervenção de serviços públicos em empresas particulares e a requisição de bens individuais pelo Estado. Tudo isso está definido no Art. 139 da CF, que permite, no entanto, medidas mais severas contra os cidadãos em casos de guerra.
Quando o estado de exceção chega ao fim, revogam-se também todos os seus efeitos. Nesse ínterim, o chefe de Estado possuirá ainda o dever de relatar, em mensagem ao Congresso Nacional, todas as medidas tomadas durante o estado de sítio, além de apresentar as justificativas, a relação dos nomes dos indivíduos atingidos e as respectivas restrições adotadas. Tudo isso é garantido em lei para assegurar que abusos de poder não sejam cometidos ou, se cometidos, sejam devidamente investigados e julgados.
Tal como no estado de defesa, o juízo de conveniência da instauração do estado de sítio cabe ao presidente da República quando ocorra um dos pressupostos de fundo que o justificam. Ele tem a faculdade de decretar, ou não, a medida, mas se o fizer terá que observar as normas constitucionais que a regem.
Há controles de ordem legislativo e jurisdicional.
O controle político realiza-se pelo Congresso Nacional em três momentos: a) um controle prévio, porque a decretação do estado de sítio depende de sua prévia autorização; b) um controle concomitante, porque, nos termos do artigo 140 da Constituição, a mesa do Congresso Nacional, ouvidos os líderes partidários, deverá designar Comissão composta de cinco de seus membros, para acompanhar e fiscalizar a execução das medidas referentes ao estado de sitio, como ocorre no estado de defesa; c) sucessivo, pois após cessado o estado de sítio, as medidas aplicadas em sua vigência serão relatadas pelo presidente da República em mensagem ao Congresso Nacional, com especificação e justificação das providências adotadas, com relação nominal dos atingidos e indicação das restrições aplicadas.
O controle jurisdicional, como ensinou José Afonso da Silva ((Curso de direito constitucional positivo, 5ª edição, pág.da, pág. 642), é amplo em relação aos limites de aplicação das restrições autorizadas. Se os executores ou agentes do estado de sítio cometerem abuso ou excesso durante a sua execução, seus atos ficam sujeitos à correção jurisdicional, quer por via de mandado de segurança, habeas corpus, habeas data ou outro meio e instrumento processual hábil.
A responsabilização se dará por meio do artigo 141 da Constituição Federal.
*Rogério Tadeu Romano, procurador regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado
‘Supremo tem um encontro marcado com a Lei de Segurança, esse fóssil normativo’, diz Lewandowski
Pepita Ortega e Fausto Macedo / O ESTADO DE SP
20 de março de 2021 | 15h18
O ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski afirmou que a corte tem um ‘encontro marcado’ com a Lei de Segurança Nacional, que foi editada em 1983, em plena ditadura militar (governo João Figueiredo, o último general do regime de exceção). “(A LSN) é uma espécie de espectro que ainda está vagando no mundo jurídico e nós precisamos exorcizá-lo ou então colocá-lo na sua devida dimensão”, disse ministro durante transmissão ao vivo realizada pelo Grupo Prerrogativas neste sábado, 20.
Lewandowski ressaltou que a Lei de Segurança Nacional foi editada antes da nova Constituição Federal, a chamada Constituição Cidadã, que tem ‘um alentadíssimo capítulo sobre direitos e garantias fundamentais’. “O Supremo precisa dizer se esse fóssil normativo é ainda compatível, não só com a letra da Constituição de 1988, mas com o espírito da mesma”, ponderou.
Em 2021, ao menos duas ações foram apresentadas ao Supremo contra a LSN, uma ajuizada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e outra pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). Enquanto o PTB pede que a lei seja declarada inconstitucional, o PSB sugere uma derrubada parcial do texto, com a manutenção de alguns trechos em vigor.
Os casos estão sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, que já foi alvo de pedido de investigação baseada no dispositivo. Em julho de 2020, o Ministério da Defesa enviou uma representação à Procuradoria-Geral da República, justificada pela LSN, pedindo a responsabilização de Gilmar pela afirmação de que o Exército estava se associando a um ‘genocídio’, em referência à presença de militares no Ministério da Saúde durante a crise sanitária da covid-19.
A Lei de Segurança Nacional também já foi usada pelo ministro da Justiça, André Mendonça, para embasar pedidos de investigação contra jornalistas e críticos do governo Bolsonaro. Nesta quinta-feira, 17, cinco manifestantes foram detidos pela Polícia Militar do DF após estenderem uma faixa com os dizeres “Bolsonaro Genocida” em frente ao Palácio do Planalto. Eles foram levados à sede da Superintendência da Polícia Federal em Brasília por, segundo nota da corporação, por “infringir a Lei de Segurança Nacional”.