A chanchada sinistra do autoritarismo
14 de março de 2021 | 03h00
Pornochanchada já era. O Brasil vive agora uma chanchada trágica, encenada pelo mais incompetente e mais desastroso governo de sua História. Não há como estranhar as obscenidades de Jair Bolsonaro e de seu filho Eduardo, especialmente quando dirigidas à imprensa. Suas barbaridades apenas expressam, de modo chulo, o padrão moral, intelectual e político do grupo instalado no centro do poder federal. Quando manda enfiar em lugar impróprio as máscaras destinadas à prevenção sanitária, o filho do presidente celebra, como seu pai, a mortandade dos brasileiros. Essa grosseria, tipicamente bolsonariana, foi postada em 10 de março, quarta-feira. No mesmo dia, um novo recorde de mortes pela covid, 2.349 em 24 horas, foi registrado. A família presidencial poderia celebrar um novo marco em sua história.
Também na quarta-feira o ministro Eduardo Pazuello, famoso por sua omissão quando pacientes morriam sufocados em Manaus, negou o risco de colapso nos serviços de saúde. “O nosso sistema de saúde está muito impactado, mas não colapsou nem vai colapsar”, assegurou. Em todo o País, governadores, prefeitos, secretários e médicos apontavam hospitais lotados e filas de doentes à espera de vaga em UTIs. Todos esses fatos eram componentes de um desastre muito maior: o desmoronamento, iniciado em 2019, da administração federal.
O papel mais patético nessa quarta-feira coube ao chefão da trupe, o presidente Jair Bolsonaro. Ele apareceu de máscara, num evento no Palácio do Planalto, defendeu a vacinação e até lamentou as mortes causadas pela covid. Em São Bernardo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de novo em condição de concorrer à Presidência, havia criticado a ação federal diante da pandemia. O senador Flávio Bolsonaro pediu aos seguidores a distribuição, em redes sociais, de uma foto de seu pai com a frase: “Nossa arma é a vacina”.
Vinte e quatro horas depois o Bolsonaro de sempre reapareceu, já sem máscara e com a truculência habitual. Apoiadores o haviam aconselhado, segundo fontes de Brasília, a desfazer a impressão de ter sido acuado por Lula. Mas havia sido. Isso foi evidenciado até pelo globo exibido em sua live de quinta-feira, uma resposta a quem o havia chamado de terraplanista.
Palavras grotescas, falsas e ameaçadoras compuseram a live. Contrariando fatos conhecidos e documentados, o presidente negou ter chamado de gripezinha a covid-19. Confundiu com estado de sítio as medidas preventivas, como o toque de recolher, determinadas por alguns governadores. Ele obviamente ignora o sentido de “estado de sítio”, tema tratado na Constituição.
Bolsonaro lembrou sua condição de chefe supremo das Forças Armadas. Raramente um presidente democrata menciona esse fato. Mas, além de falar sobre isso, lembrou o regime militar e pediu apoio ao povo para enfrentar os governadores. “Como é que eu posso resolver a situação? Eu tenho que ter apoio. Se eu levantar minha caneta BIC e falar ‘shazam’, vou ser ditador. Vou ficar sozinho nessa briga?”.
O palavrório é meio estranho, mas, apesar da obscuridade e dos subentendidos, a convocação lembra as ameaças de promover algo parecido com a mobilização comandada pelo presidente Donald Trump. Nos Estados Unidos, o presidente derrotado na última eleição incitou seus apoiadores a invadir o Congresso. Há alguns meses, Bolsonaro mencionou o risco de algo semelhante no Brasil se a eleição de 2022 for realizada sem voto impresso.
Bolsonaro chamou de herói nacional o torturador Brilhante Ustra, criou mal-estar com o governo chileno ao elogiar a ditadura do general Pinochet e cita com frequência o regime militar no Brasil. Referências à ditadura estão longe de ser meros componentes de uma retórica infeliz, grotesca e muitas vezes chula. O presidente, seus filhos e vários componentes da administração federal têm conseguido encenar uma paródia sinistra dos tempos ditatoriais.
O Ministério da Educação enviou a reitores de universidades federais um documento ameaçador, prometendo sanções, por “imoralidade administrativa”, a “manifestações de desapreço ao governo”. A censura é aplicável a professores e alunos. Um processo disciplinar foi aberto contra o ex-reitor e o pró-reitor de Extensão e Cultura da Universidade Federal de Pelotas. Ambos tiveram de assinar um termo de ajustamento de conduta para encerrar o processo.
Técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) também foram pressionados. Receberam recomendação de limitar seus contatos com a imprensa e de evitar a divulgação de estudos antes de “aprovação definitiva” pela direção. O presidente do Ipea, Carlos von Doellinger, parece haver esquecido sua experiência dos anos 1970, quando ele mesmo e outros pesquisadores tinham amplo contato com jornalistas. Estudos eram produzidos sem censura. Artigos publicados na revista Pesquisa e Planejamento Econômico discutiam livremente a política econômica. Esse padrão, sustentado por João Paulo do Reis Velloso, um dos criadores do instituto, foi mantido por muito tempo. Talvez faltasse um governo bolsonariano.
JORNALISTA
2022, o ano que vem chegando mais cedo
14 de março de 2021 | 03h00
“Creio que nenhum homem tem plena consciência das engenhosas artimanhas a que recorre para escapar à sombra terrível do conhecimento de sua própria pessoa” (Joseph Conrad). Seria possível imaginar o mesmo de um país? Dizer, como o personagem de Shakespeare (em Macbeth): “Ai de ti, pobre país, quase com medo de conhecer a si próprio”. O Brasil sob o bolsonarismo parece cada vez mais enredado no autoengano e na autocomplacência, empenhado em perder-se em engenhosas artimanhas para escapar ao conhecimento de si próprio.
Mas a terrível sombra está a ficar mais visível com o agravamento da pandemia, e com suas consequências. Paradoxalmente, é o que poderá talvez permitir que escapemos, nos próximos 18 meses, do autoengano coletivo, que seria trágico. Terrível como possa ser, o Brasil, a duras penas, pode estar se conhecendo melhor. Afinal, Bolsonaro e sua grei são parte integrante de nossa realidade. Cumprirá a cada um de nós procurar construir coalizões – de pessoas, de partidos – aptas a apresentar-se à sociedade em geral (não apenas a nichos identitários, corporações estabelecidas e interesses consolidados) como alternativas de poder viáveis e construtivas.
Não será fácil. No presidencialismo à brasileira o poder incumbente dispõe de enormes vantagens, particularmente quando a busca da reeleição constitui sua inequívoca prioridade. O poder que detém o presidente de nomear, demitir, vetar e cooptar não deve ser subestimado. Nem sua presença nas redes sociais ou o expressivo contingente do eleitorado que lhe confere o status de mito.
Em algum momento será preciso convergir para nomes, a política assim o exige. Mas tão importante quanto o quem é com quem mais (pessoas, partidos, grupos sociais), com que tipo de proposta sobre os principais desafios do País, com que tipo de interpretação sobre onde estamos, como até aqui chegamos e para onde se está propondo que caminhemos.
Carlos Pereira, em artigo recente (Folha 8/2), comenta a diferença entre montar uma coalizão para uma disputa eleitoral e gerenciar uma coalizão para efetivamente governar, à luz das dificuldades de coordenação, custos de governabilidade e perspectivas de sucesso legislativo. Após um ano e meio de recusa, Bolsonaro foi obrigado a aceitar uma coalizão e a empenhar-se pessoalmente na eleição dos novos presidentes da Câmara e do Senado. Mas, como notou o autor, “estando o presidente disposto a jogar o jogo do presidencialismo multipartidário, precisa aprender a gerir a sua coalizão de forma profissional e não amadora”. Sua forma de gerir a coalizão alcançada tem se mostrado volátil e estouvada, mas claramente concentrada em sua reeleição. Que depende da consolidação e ampliação de seu eleitorado fiel, do cultivo das corporações que tem como suas e da transferência de responsabilidades para governadores, prefeitos e para a mídia profissional.
A extraordinária disfuncionalidade do Executivo federal no combate à covid é o exemplo mais flagrante e doloroso dessa inépcia, mas não o único. Afinal, é de nosso presidente a afirmação: “O País está quebrado, e eu não consigo fazer nada”. Eis a continuação da mensagem, implicitamente sugerida: porque não me deixam fazer o que eu gostaria, ou o que precisaria ser feito, a culpa não é minha. Em outra fala, saiu-se com variante muito mais grave: “Alguns acham que posso fazer tudo. Se tudo tivesse que depender de mim, não seria este o regime que nós estaríamos vivendo”. Nada surpreendente para quem em janeiro afirmara que “quem decide se um povo vive sob uma democracia ou uma ditadura são as Forças Armadas”. As duas frases não deveriam surpreender a quem conheça sua trajetória, no Exército e no Congresso, ou a quem se dê ao trabalho de assistir, na íntegra, ao vídeo da famosa reunião ministerial de 22 de abril de 2020, verdadeira ressonância magnética de um organismo disfuncional.
A História ensina que uma sociedade enjaulada em acerbas polarizações é particularmente vulnerável a populismos fraudulentos. Existem sempre instigadores que despertam e incendeiam a ambição de populistas e tiranos em potencial. Como existem sempre os facilitadores que, ainda que percebam o perigo representado por aquela ambição, imaginam-se capazes de controlar os arroubos autoritários do populista (ou do tirano) enquanto se beneficiam de seu estilo de assalto a instituições estabelecidas. Como aponta com pertinência Aung San Suu Kyi, “não é o poder que corrompe, mas o medo. O temor de perder o poder corrompe aqueles que o exercem. E o medo do açoite do poder corrompe aqueles que estão sujeitos a ele”. Persio Arida retomou o tema em excelente live recente, a propósito do Brasil de hoje.
Nos próximos 18 meses o Brasil deverá decidir se afinal deseja assumir-se como uma democracia vibrante, reconhecida como tal pelo resto do mundo; ou se persistirá na trajetória de incerteza crescente sobre nosso futuro econômico, social e político. E a correr sério risco, à luz de eventos dos últimos dias, de reeditar o tipo de polarização que marcou tanto nossa experiência em 2018 como os últimos trágicos 12 meses de pandemia.
ECONOMISTA, FOI MINISTRO DA FAZENDA NO GOVERNO FHC E-MAIL: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.
Só os ingênuos acham que a campanha será em 2022
A ideia de que é cedo para iniciar uma campanha presidencial, dado que temos uma pandemia para combater, é politicamente ingênua. Em democracias, os eleitores estão sempre julgando potenciais candidatos. Para os governantes, fazer a coisa certa em situações de crise é parte da campanha. Se os resultados aparecem, aumentam as chances de reeleição.
O raciocínio vale para os opositores. Nas situações de crise, eles têm a oportunidade – e a obrigação – de fiscalizar e criticar. Devem também apresentar alternativas, para que o eleitor acredite que farão melhor caso conquistem o poder.
LEIA TAMBÉM
Cabe ao eleitor encontrar o culpado
Tal regra básica das democracias merece ser lembrada nesta semana, em que o ex-presidente Lula, para usar uma expressão dele próprio, colocou seu bloco na rua. Fez um discurso clássico de candidato dois dias depois da decisão do juiz Edson Fachin – tão clássico que não assumiu ser candidato. Em sua fala, colocou-se na posição de antagonista preferencial do atual presidente, Jair Bolsonaro – que está em campanha desde o primeiro dia de governo.
O editor Daniel Bramatti, da área de jornalismo de dados do Estadão, analisou no domingo, dia 7, uma pesquisa em que Lula lidera o potencial de voto para 2022. Em segundo lugar aparece Bolsonaro. No levantamento feito pelo instituto Ipec, os dois têm uma certa folga sobre o segundo pelotão – composto por Sérgio Moro, Luciano Huck, Fernando Haddad e Ciro Gomes. Teríamos um segundo turno já desenhado para 2022?
A resposta é não se considerarmos outra pesquisa – esta qualitativa, realizada nas classes A e B e patrocinada pela fundação alemã Friedrich Ebert. Ela mostra falta de convicção entre os potenciais eleitores de Lula e Bolsonaro. No levantamento, feito no fim do ano passado, o eleitor à direita já criticava Bolsonaro pelo desastre no combate à pandemia.
Do outro lado, segundo a pesquisa, há desconforto com o projeto hegemônico do PT e a falta de renovação nas esquerdas. “Políticos jovens como Guilherme Boulos aparecem como opções até entre eleitores de centro”, diz a cientista política Camila Rocha, coordenadora do levantamento ao lado da socióloga Esther Solano. Ela é a personagem do minipodcast da semana.
Camila Rocha transita por várias correntes ideológicas, com interlocutores à esquerda e à direita. Ela é autora de “Menos Marx, Mais Mises”, uma tese de doutorado sobre os liberais brasileiros da nova geração (um livro baseado na tese sairá no segundo semestre pela Editora Todavia). O sentimento que captou entre integrantes dos dois campos foi de “orfandade”. “Há ainda muitos eleitores em busca de candidatos que os representem”, diz Camila Rocha.
O cruzamento das duas pesquisas, a quantitativa e a qualitativa, sugere que o presidente e o ex-presidente lideram porque foram os primeiros a “colocar o bloco na rua”. Os levantamentos mostram que muitos brasileiros votarão em Lula ou Bolsonaro. Há, no entanto, um enorme contingente em busca de alternativas. Cabe aos demais partidos suprir a demanda dos “órfãos”. No Brasil os pleitos são livres e quem não se apresenta ao escrutínio do eleitor não tem o direito de reclamar. Assumir a candidatura é o primeiro passo, mas não basta. É preciso apresentar ideias.
Em plena pandemia, a campanha está a todo vapor. Se os postulantes não colocarem logo seus blocos na rua – e se não perceberem a urgência dessa tarefa –, Lula e Bolsonaro brincarão sozinhos o carnaval das eleições.
João Gabriel de Lima /
ESCRITOR, PROFESSOR DA FAAP E DOUTORANDO EM CIÊNCIA POLÍTICA NA UNIVERSIDADE DE LISBOA
E-MAIL: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.
O EFEITO SUPREMO - LARRY ROHTER
Ao anular as duas condenações de Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), fez tremer num só golpe dois pilares da democracia brasileira: os sistemas político e judiciário. Afirmou que estava apenas cumprindo com as exigências da lei, mas até criança sabe que a lei e a justiça são coisas bem distintas. E neste caso ele ofereceu uma interpretação da lei muito questionável, que já semeou o caos no campo eleitoral e partidário e diminui as chances de a justiça ser feita.
Primeiro, o político: o Brasil agora terá de conviver, atemorizado, com a probabilidade do maior pesadelo imaginável na eleição de 2022: um confronto direto entre Jair Bolsonaro e Lula. Seria uma escolha pouco apetitosa. Foi o cantor Lobão que disse que “Lula era um ladrão e Bolsonaro é um facínora”, mas imagino que muitos brasileiros pensam da mesma maneira. Fico aliviado em ter apenas o direito de opinar, e não o de votar.
Foi estranhamente mansa a reação inicial do atual presidente, que me levou a crer que ou ele está dissimulando, ou vive no mundo da lua. “Acredito que o povo brasileiro não queira sequer ter um candidato como esse em 2022”, disse, porque “as bandalheiras que esse governo fez estão claras perante toda a sociedade”. Bolsonaro tem razão na segunda afirmação. Mas também está clara a incompetência de alguém responsável pela morte de 270 mil brasileiros e que sugere o charlatanismo como solução. Entre a corrupção e a ameaça mortal, entre roubar seu dinheiro ou roubar sua vida, qual o mais desastroso? Mas, sim, ter Lula novamente no Planalto seria um retrocesso terrível para o Brasil. Bolsonaro foi eleito para fazer a devassa exigida pela sociedade, que ele ainda não fez e nunca vai fazer. A pústula da corrupção continua afligindo o corpo político, ou até ganhando força, e um retorno de Lula significaria um indulto completo, o esquecimento de toda a roubalheira dos anos em que o PT esteve no poder. Seria também a garantia de futuras manobras ardilosas, ainda mais sofisticadas, para não ser pego de novo.
Por isso, achei a declaração de Arthur Lira, presidente da Câmara, tão reveladora. “Lula pode até merecer” uma absolvição, avaliou. “Moro não.” Por quê? Porque Moro incomoda os beneficiários do famigerado “mecanismo” dos partidos do centrão, PT e MDB, retratado pelo diretor de cinema José Padilha. Moro errou feio ao aceitar o Ministério da Justiça e foi longe demais em seu zelo de desinfetar o poder. Mas a suspeição dele, no exato momento em que parece que Lula vai sair ileso, é um ato cínico que corrói a imagem de imparcialidade do Judiciário que o STF pretende defender.
Devemos lembrar que Lula não foi exonerado. Pode ser que ele tenha sido julgado no foro inadequado, mas os fatos de Atibaia e do Guarujá não mudaram e continuam gritantes. É preciso repetir isso diariamente, até a exaustão, porque Lula vai adotar a técnica da grande mentira aperfeiçoada por Donald Trump e alegar que tem a ficha totalmente limpa. Também é previsível que vai bancar a vítima, alvo de uma caça às bruxas e um complô político.
A volta de Lula também seria ruim para os interesses de longo prazo do próprio PT.
Desde sua fundação em 1980, o partido está atrelado à figura de seu fundador mais célebre. Mas Lula completará 77 anos em outubro de 2022, e sua eterna hegemonia pessoal impede o surgimento não apenas de novas lideranças, mas, pior ainda, de novas ideias. Neste sentido, sua ausência em 2018 teria sido uma oportunidade disfarçada para o PT, se Lula não tivesse insistido em se inserir na campanha como “mártir” e bandeira eleitoral.
Olhando a lista de líderes da campanha pela redemocratização há 40 anos, vê-se que quase todos eles já faleceram (Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Tancredo Neves, Leonel Brizola, Mário Covas) ou tiveram a dignidade de deixar o palco e se conformar com o papel de auxiliar, como Fernando Henrique Cardoso, Eduardo Suplicy e Roberto Freire. Apenas Lula se obstina em não sair do cenário. Mas é um homem dos anos 1980, com ideias daquela época. Se o PT quer sobreviver ao inevitável desaparecimento de Lula, precisa começar o processo de transformação o quanto antes. Só que ele não permite.
Quem sabe, talvez o plenário do STF consiga desarmar a bomba ativada por Fachin. Mas a decisão “monocrática” dele já danificou o Judiciário como instituição. Bolsonaro apontou as afinidades ideológicas de Fachin para desqualificá-lo como “juiz petista”. Ao mesmo tempo, surgiram novas dúvidas sobre os julgamentos nos casos anulados e o destino de outros processos contra Lula. Todos serão deliberados em Brasília, onde a hostilidade contra a Lava Jato é notória. Como diriam Mônica e Cebolinha: Xiii!
Larry Rohter, jornalista e escritor, é ex-correspondente do “New York Times” no Brasil e autor de “Rondon, uma biografia” ÉPOCA
POR QUE DANIEL SILVEIRA CONTINUA PRESO EM FLAGRANTE DEPOIS DE 20 DIAS?
Era 16 de fevereiro, terça-feira de Carnaval, quando o deputado Daniel Silveira foi preso por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A prisão foi em flagrante, logo após o parlamentar postar na internet um vídeo atacando ministros da Corte. Nos dias seguintes, o plenário do Supremo e a Câmara dos Deputados confirmaram a prisão e mantiveram Silveira atrás das grades.
Mas por que o deputado continua preso em flagrante, mesmo passados 20 dias do episódio? Na semana passada, a Procuradoria-Geral da República (PGR) recomendou que Silveira fosse libertado e voltasse a frequentar a Câmara, com uma tornozeleira eletrônica instalada no corpo. Moraes disse a interlocutores que não levará em conta apenas esse parecer ao tomar a aguardada decisão sobre o destino do parlamentar.
Agora, importa mais para o ministro o relatório da Polícia Federal sobre os dois telefones celulares encontrados na carceragem junto com o deputado. Para Moraes, o caso é grave e comprova a insubordinação do deputado - ainda que, em videoconferência na Câmara dos Deputados, Silveira tenha pedido desculpas pelas agressões feitas contra ministros do Supremo.
Moraes precisará se equilibrar em dois extremos. De um lado, a Câmara pressiona para que Silveira seja libertado logo, nas condições sugeridas pela PGR. De outro, o ministro não quer tirar Silveira agora da prisão, para evitar protestos contra a decisão. Isso levaria o Supremo a ser novamente alvo de ataques, já que a medida dura tomada contra o deputado acabou soando bem diante da opinião pública.
Um possível meio termo seria o ministro tirar Silveira da cadeia, mas colocar em prisão domiciliar, sem dar a ele o direito a retornar às atividades parlamentares. Isso seria mais rígido do que a tornozeleira eletrônica, porém mais brando do que manter o parlamentar atrás das grades. Moraes, no entanto, não está com pressa para resolver essa equação - e, por ora, Silveira permanece atrás das grades. ÉPOCA/CAROLINA BRIGIDO
Fornecimento de água não pode ser cortado por causa de dívida antiga, diz juíza
O sistema jurídico prevê diversas formas de se cobrar o consumidor que contraiu dívidas. O que não pode ser admitido é que as concessionárias de água e esgoto continuem coagindo os seus usuários com ameaças de corte por causa de débitos antigos.
O entendimento é da juíza Elisabeth Rosa Baisch, da 3ª Vara do Juizado Especial Central de Campo Grande (MS). A magistrada decidiu que dívidas antigas e já negociadas não podem justificar cortes no fornecimento de água e esgoto.
No caso concreto, a autora celebrou contrato para fornecimento em um bairro de Campo Grande, mas foi notificada de que tinha uma dívida de R$ 295 referente ao seu endereço anterior. A dívida foi negociada e um novo contrato foi celebrado.
Em outubro de 2020, oito meses depois dos termos terem sido firmados, ela foi notificada de uma divida de R$ 529,69, ainda relativa ao endereço antigo, e teve o abastecimento de água suspenso. Segundo a decisão, no entanto, o abastecimento de água é considerado essencial e, portanto, seu fornecimento deve ser contínuo.
"Ainda que tal matéria não esteja pacificada nos tribunais superiores, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 22, dispôs que os serviços essenciais serão oferecidos pelas concessionárias em caráter contínuo. Assim, independentemente da legalidade ou não das cobranças, a concessionária não pode interromper o fornecimento de água", diz a magistrada.
Ainda segundo a decisão, "se o consumidor possuir débito, o sistema jurídico prevê várias formas de cobrança, não se podendo admitir que as concessionárias continuem a coagir seus usuários com ameaças de cortes de fornecimento, dando atenção a normas de caráter administrativo interno, em detrimento do Código de Proteção e Defesa do Consumidor”.
Atuou no caso defendendo a autora a advogada Rachel Magrini. Para ela, a concessionária feriu o direito constitucional da sua cliente, pois suspendeu o abastecimento sem antes dar a possibilidade de que fosse comprovado que a dívida já havia sido quitada.
"Não é lícito a concessionária interromper o fornecimento do serviço em razão de débitos pretéritos, pois o corte pressupõe o inadimplemento de dívida atual, relativa ao mês de consumo, sendo inviável a suspensão do abastecimento em razão de débitos antigos. Tal medida fere o direito constitucional do devido processo legal. Por isso, conclui-se que a suspensão é ilegal, pois é inviável a suspensão do abastecimento em razão de débitos pretéritos."
0800335-05.2021.8.12.0110
Tiago Angelo é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 13 de março de 2021, 9h26