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Vivemos o colapso da sociedade -

Por Natalia Pasternak / O GLOBO

 

Pouco se fala sobre a responsabilidade social, tanto de cidadãos como de gestores, durante a pandemia. Qual o papel da cidadania? Exercê-la implica prestar socorro aos outros, denunciar crimes, prezar pelo bem comum. Implica exigir que os governantes ajam de acordo com a lei, que façam bom uso dos recursos públicos, prezem pela educação e saúde.

No Brasil, o governo federal abdicou de suas obrigações frente à Covid-19. Mas onde está nossa indignação? Onde está a indignação de prefeitos, governadores, parlamentares? Onde está a cidadania?

Muito mais importante, neste momento, do que nos preocuparmos com as variantes do vírus — que vão continuar aparecendo, principalmente em locais como o Brasil, onde a pandemia corre sem controle — é nos preocuparmos com a qualidade das nossas máscaras, com a implementação efetiva de medidas preventivas, com o auxílio financeiro aos mais vulneráveis.

Mais importante do que discutir pontos porcentuais de eficácia de vacinas, é discutir o que cada um pode fazer para evitar o colapso do sistema da saúde e do sistema funerário. Explicar, para aqueles que ainda estão negando a realidade, que, com o sistema de saúde de joelhos, não podemos mais ficar doentes. De nada. Porque não tem mais hospital. Cada vez mais gente vai morrer agora, de infarto, de derrame, de sepse. Por falta de socorro.

Com o número de mortes aumentando vertiginosamente, o sistema funerário também vai colapsar. Durante uma pandemia, o sistema funerário já opera com mais lentidão e menos capacidade, porque os cuidados para prevenir contaminação precisam ser redobrados. E, após um funeral, o processo de limpeza e descontaminação também precisa ser cuidadoso. Isso atrasa o serviço, exige capacidade para armazenar corpos na refrigeração adequada para evitar putrefação. A fila aumenta. Neste meio tempo, nos preocupamos com a economia. Pois bem, quem vai pagar por mais frigoríficos e cemitérios?

O Brasil parece ter desenvolvido uma capacidade espantosa de negar a realidade e normalizar a morte. Espantoso o fatalismo e a passividade com que observamos o colapso se instaurar. Até quando vamos ignorar nossa responsabilidade de cobrar gestores, de cobrar o próximo, de cobrar até mesmo os parentes? Quando vamos exigir que os governantes façam aquilo que foram eleitos para fazer?

A ciência fez sua parte. Temos vacinas, sabemos que lockdown funciona, sabemos quais as melhores máscaras. Agora, a questão é social e política. Com três mil mortes por dia, quase 300 mil mortos no país, e com o Brasil se tornando um risco sanitário global, um pária entre as nações, é a vez do cidadão: o mandato político emana do povo, e o povo pode cassá-lo,exigindo que a Constituição se cumpra.

Nosso histórico de impeachments, infelizmente, diz muito sobre os valores da sociedade brasileira. Os dois presidentes impedidos desde a redemocratização caíram por questões que envolviam dinheiro. Nossa incapacidade de depor um presidente que, por sua atitude, segue responsável por ceifar a vida de milhares de brasileiros sugere uma reflexão sobre o quanto nos resta de humanidade. 

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