Fabricante da Covaxin anuncia rescisão com a Precisa e nega ter assinado cartas enviadas à Saúde
23 de julho de 2021 | 11h20
A farmacêutica indiana Bharat Biotech anunciou nesta sexta-feira, 23, a rescisão de seu acordo com a empresa Precisa Medicamentos sem revelar o motivo. Em comunicado, a Bharat informa que "continuará a trabalhar diligentemente" com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pela vacina indiana Covaxin.
No comunicado, a Bharat negou ter assinado duas cartas que fazem parte do processo administrativo de compra do imunizante e foram enviadas ao Ministério da Saúde. Os documentos foram incluídos no material enviado pela Pasta à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado.
A Bharat Biotech é a produtora da Covaxin. Em 25 de fevereiro, o Ministério da Saúde fechou contrato de compra com a Precisa, que representava a Bharat, para compra de 20 milhões de doses da vacina. A aquisição do imunizante é alvo de múltiplas investigações por suspeita de irregularidades e corrupção. Tornou-se alvo da CPI da Covid, da Polícia Federal (PF), do Ministério Público Federal (MPF), da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU).
O contrato foi suspenso pelo Ministério da Saúde em 29 de junho, após recomendação da CGU. A Pasta se comprometeu a pagar US$ 15 por dose, a vacina mais cara adquirida pelo País até o momento. A Anvisa ainda não autorizou o uso emergencial ou definitivo do imunizante.
No comunicado, a Bharat afirma que, em 24 de novembro do ano passado, celebrou um memorando de entendimento com a Precisa e com a empresa Envixia Pharmaceuticals LLC para fornecimento da Covaxin.
"O referido memorando de entendimento foi celebrado com Precisa e Envixia com o objetivo de introduzir a vacina contra covid-19 Covaxin", informou a farmacêutica. "A Companhia rescindiu o memorando de entendimento com efeito imediato."
No mesmo comunicado, a Bharat reafirma que o preço da vacina é de US$ 15. Um documento interno do Ministério da Saúde brasileiro registrou que, em reunião da Pasta com a Precisa e a Bharat, em 20 de novembro do ano passado, o valor mencionado da dose era de US$ 10. O documento foi revelado pelo Estadão em 3 de julho.
"Informa-se, ainda, que a empresa não recebeu adiantamento nem forneceu vacinas ao Ministério da Saúde do Brasil", afirmou a empresa.
A Bharat relatou também, no anúncio, que foi informada que "cartas supostamente assinadas por executivos da empresa" estão circulando na internet. As cartas citadas pela companhia são datadas de 19 de fevereiro deste ano.
Uma delas é intitulada "Declaração de inexistência de fatos impeditivos". O suposto documento tem o símbolo da Bharat e registra que a farmacêutica estaria habilitada à contratação junto ao Ministério da Saúde.
A outra carta seria uma autorização à Precisa para ser a "representante legal e exclusiva no Brasil com poder de receber todas as notificações do Governo". O suposto documento aponta que a empresa brasileira estaria "autorizada a participar de todos os processos de aquisição oficiais do Ministério da Saúde da Covaxin (vacina contra o Sars-CoV-2) produzidas pela Bharat Biotech International Limited, negociando preços e condições de pagamento, assim como datas de entrega, e todos os detalhes da operação, formalizando o contrato para nós".
A Bharat foi taxativa no comunicado. "Gostaríamos de ressaltar, enfaticamente, que esses documentos não foram expedidos pela companhia ou por seus executivos e, portanto, negamos veementemente os mesmos", informou a farmacêutica.
"A empresa também enfatiza que todas as suas ações, incluindo suas negociações globais, são feitas de acordo com as leis locais e que a empresa emprega e segue os mais altos padrões de ética, integridade e conformidade em todos os momentos."
Procurada, a Precisa Medicamentos disse lamentar o "cancelamento do memorando de entendimento que viabilizou a parceria com a Bharat Biotech".
"A decisão, precipitada, infelizmente prejudica o esforço nacional para vencer uma doença que já ceifou mais de 500 mil vidas no país e é ainda mais lastimável porque é consequência direta do caos político que se tornou o debate sobre a pandemia, que deveria ter como foco a saúde pública, e não interesses políticos", informou.
"A Precisa jamais praticou qualquer ilegalidade e reitera seu compromisso com a integridade nos processos de venda, aprovação e importação da vacina Covaxin, tanto que, nesta quinta-feira (22), obteve mais um passo relevante, com a aprovação, pela Anvisa, da fase três de testes no Brasil, a ser feita em parceria pelo Instituto Israelita Albert Einstein."
A empresa brasileira não comentou as duas cartas citadas pela Bharat.
Leia o comunicado da Bharat Biotech
A Bharat Biotech ("Empresa") anuncia a rescisão de seu memorando de entendimento ("MOU") datado de 24 de novembro de 2020 com Precisa Medicamentos ("Precisa") e a Envixia Pharmaceuticals LLC. (“Envixia”).
O referido "MOU" foi celebrado com Precisa e Envixia com o objetivo de introduzir a vacina inovadora contra a Covid, Covaxin, no território do Brasil. A Companhia rescindiu o referido MOU com efeito imediato.
Apesar da rescisão, a Bharat Biotech continuará a trabalhar diligentemente com a ANVISA, o órgão regulador de medicamentos brasileiro para concluir o processo de aprovação regulatória para Covaxin. A Bharat Biotech está buscando aprovações em vários países de acordo com os requisitos legais aplicáveis em cada país.
Como parte de seu alcance de fornecimento global, a empresa se ofereceu para fornecer a Covaxin para o Brasil. O preço global (exceto para a Índia) de Covaxin foi definido entre US$ 15-20. Conseqüentemente, a Covaxin foi oferecido ao Governo do Brasil a uma taxa de US$ 15 por dose. Informa-se, ainda, que a empresa não recebeu adiantamento nem forneceu vacinas ao Ministério da Saúde do Brasil.
Recentemente, fomos informados de que certas cartas, supostamente assinadas por executivos da empresa, estão sendo distribuídas online. Gostaríamos de ressaltar, enfaticamente, que esses documentos não foram expedidos pela Companhia ou por seus executivos e, portanto, negamos veementemente os mesmos.
A empresa também enfatiza que todas as suas ações, incluindo suas negociações globais, são feitas de acordo com as leis locais e que a empresa emprega e segue os mais altos padrões de ética, integridade e conformidade em todos os momentos.
Leia a íntegra do posicionamento da Precisa Medicamentos
A Precisa Medicamentos lamenta o cancelamento do memorando de entendimento que viabilizou a parceria com a Bharat Biotech para a importação da vacina Covaxin ao Brasil. A decisão, precipitada, infelizmente prejudica o esforço nacional para vencer uma doença que já ceifou mais de 500 mil vidas no país e é ainda mais lastimável porque é consequência direta do caos político que se tornou o debate sobre a pandemia, que deveria ter como foco a saúde pública, e não interesses políticos.
A Precisa jamais praticou qualquer ilegalidade e reitera seu compromisso com a integridade nos processos de venda, aprovação e importação da vacina Covaxin, tanto que, nesta quinta-feira (22), obteve mais um passo relevante, com a aprovação, pela Anvisa, da fase três de testes no Brasil, a ser feita em parceria pelo Instituto Israelita Albert Einstein. Todos os trâmites foram conduzidos pela Precisa Medicamentos, que cumpriu os pré-requisitos impostos pela agência e apresentou todas as informações necessárias.
Infelizmente, o resultado prático desta confusão causada pelo momento político do país é o cancelamento de uma parceria com o laboratório indiano que iria trazer 20 milhões de doses de uma vacina com comprovada eficácia (65,2%) contra a variante Delta, justamente no momento em que essa variante escala no País.
A empresa continuará exercendo sua atividade no ramo fármaco empresarial, nos mais legítimos termos que sempre se pautou, com ética e valores sólidos, nesses mais de 20 anos de atuação.
Redes sociais, estado de Direito e eficácia dos direitos fundamentais
Por Pietro Cardia Lorenzoni e Giovanna Dias / CONSULTOR JURIDICO
As redes sociais são uma realidade inevitável na pós-modernidade. Não há como fugir disso. Ao promover o desenvolvimento de traços basilares da condição humana — comunicação e autoafirmação —, as empresas que oferecem serviços de interação, compartilhamento, produção, divulgação de conteúdos e opiniões pessoais tornam-se cada vez mais poderosas no contexto da vida social. Ao mesmo tempo que esse serviço possui um lado segregador e disfuncional, são inversamente proporcionais os seus benefícios, se bem utilizados, pela possibilidade de circulação de informações e facilitação das interações de forma jamais vista antes na história da humanidade. Viu-se, com isso, uma importante utilização das tecnologias digitais por novos movimentos sociais e pelas figuras políticas, o que demonstra existir tanto uma função social inerente às mídias digitais como uma esfera de relações que, além de privadas, também são públicas. As redes facilitam as mobilizações públicas [1].
O Direito insere-se nesse contexto. Veja-se, por exemplo, os desdobramentos da instauração do inquérito das fake news (INQ 4781), em que se discutiu a existência de grupos destinados à disseminação em massa de notícias falsas, acusações caluniosas e ameaças contras os ministros do STF por meio de perfis nas redes sociais. Também foi possível aprofundar a discussão, no STF, sobre os limites da liberdade de expressão, uma vez que as redes possibilitam a disseminação de opiniões pessoais que, muitas vezes, ofendem a honra de terceiros e criam falsas narrativas sobre fatos públicos. Contudo, as mídias digitais não são terras sem lei. Destarte, os debates acerca da necessidade de regulamentações dos conteúdos produzidos começam a surgir.
Expliquemos: as plataformas de redes e mídias sociais (como Twitter, Instagram, YouTube, Facebook, LinkedIn e diversas outras) são empresas de natureza privada, uma vez que constroem relações de cunho privado com milhões de indivíduos no mundo. No entanto, há um debate que parece ascender gradativamente: há quem diga que as plataformas disponibilizadas por essas empresas são, na verdade, um espaço público. Essa caracterização é interessante, porque ressalta o fato de que uma quantidade significativa do debate público migrou para essas plataformas. Conforme visto, a quantidade de engajamento, a profundidade do debate e o impacto que elas possuem em decisões públicas e políticas demonstram essa realidade.
Como toda relação, há normas que regulamentam o convívio nessas plataformas e instâncias responsáveis pela sua aplicação. Exemplos são as regras e políticas do Twitter e os termos de uso de Instagram e Facebook. Nesse sentido, por exemplo, os padrões da comunidade do Facebook, criados pela própria empresa, são as normas que definem o que os indivíduos podem ou não falar, fazer, postar etc. Em caso de violação, o usuário estará sujeito a sanções como diminuição da exposição, censura, suspensão da postagem, exclusão da postagem, suspensão da conta ou, até mesmo, exclusão da conta.
Isso significa que o espaço de linguagem pública é regulamentado por padrões de comunidade de atores que são privados. Duas observações são importantes aqui: 1) há relevância social e pública desses espaços; 2) ao mesmo tempo, esses espaços carecem de conformidade com o Direito. As aplicações dos padrões da comunidade devem ser feitas a partir da observância das disposições do Marco Civil da Internet, do Código de Defesa do Consumidor e, mais importante, das disposições dos direitos fundamentais. Em diversos momentos, após efetuada uma denúncia em alguma publicação ou comentário de um usuário, os procedimentos de investigação e sanção são feitos sem respeitar os princípios de publicidade, contraditório, ampla defesa, fundamentação das decisões e direito ao recurso. Mais do que isso, essas decisões são tomadas sem observar as condições de possibilidade de algo ser considerado jurídico.
Há exemplos. Veja-se o que foi decidido nos autos da ação de obrigação de fazer com pedido de indenização por danos morais em face do Facebook, tombada sob o nº 1039113-22.2016.8.26.0506 e distribuída na comarca de Ribeirão Preto, no estado de São Paulo: os autores realizaram a denúncia de uma publicação em que alguém os ofendeu virtualmente por meio de um perfil nas redes sociais. Solicitaram ao Facebook a exclusão da publicação ofensiva e a suspensão da página de perfil do ofensor, mas os pedidos foram negados sob o fundamento de não violarem os padrões de comunidade adotados pela rede social. O juízo deu parcial provimento ao pedido, considerando que "a leitura da publicação veiculada revela a inequívoca ofensividade de seu conteúdo" e que "o texto publicado apresenta diversas ofensas e atribui aos requerentes condutas criminosas, encontrando-se acompanhado de imagens com a identificação da empresa autora, fotografia da fachada de seu estabelecimento e fotografia do segundo requerente, sobre a qual foi inserida a palavra 'ladrão'" [2].
Veja-se que o juízo considerou que não havia dúvidas acerca da ofensividade da conduta realizada pelo ofensor e que, nesse contexto, a empresa simplesmente negou o provimento da reclamação administrativa realizada pelos autores da ação sob o fundamento de que não havia sido identificada violação às condições de uso, sem que houvesse qualquer fundamentação para tanto. Restou evidente, portanto, "a negligência da requerida quanto ao tratamento das reclamações recebidas por meio da ferramenta por ela empregada para o recebimento de denúncias de abuso" [3].
Ressaltam-se os fatos que levaram à indenização: as decisões das empresas de mídias sociais não seguiram qualquer princípio de fundamentação, congruência e publicidade. Não há respeito a esses direitos fundamentais dos usuários.
O que se constata, nesse contexto, é que as empresas privadas responsáveis pelas mídias sociais estão inseridas em uma esfera pública e, portanto, são atualmente responsáveis por realizar o controle e a fiscalização do conteúdo produzido nelas. As empresas criam normas e decidem sobre a sua aplicação, de forma que possuem responsabilidade no que diz respeito às suas interpretações.
Em oportunidade passada, falamos sobre a importância do respeito ao rule of law em qualquer instância de tomadas de decisões, inclusive nas esferas administrativas (que, em que pese possuam discricionariedade conferida a partir da Constituição Federal, entendemos que devem possuir limitações em relação ao seu conteúdo). Para isso, propusemos a aplicabilidade de alguns princípios de caráter formal e substantivo desenvolvidos por Lon Fuller (ver aqui), e, em oportunidade diversa, falamos sobre como esses princípios não são inovadores per se, sendo encontrados também em escritos de Aristóteles e de São Tomás de Aquino (ver aqui). Essa proposta defende que qualquer instância de produção e aplicação de regras deve respeitar alguns princípios que envolvem as tomadas de decisões das autoridades: As regras precisam ter um caráter de generalidade e serem aplicadas e direcionadas a todos, contrapondo-se às decisões ad hoc; para isso ser possível, precisam ser públicas e estar sob conhecimento dos usuários, para que se tenham condições de cumprimento; devem possuir prospectividade e serem claras, ou seja, as regras produzidas precisam estar linguisticamente dispostas de maneira compreensível, para que possam ser inteligíveis pelo cidadão; precisam possuir consistência, não sendo contraditórias entre si; a perfectibilidade também é importante, para que não sejam emitidas regras que exijam dos cidadãos ações impossíveis de concretizar, ou ações as quais eles não possuam poder para concretizar; deve haver uma relativa durabilidade, estando as regras estáveis através do tempo; e, por fim, precisa haver congruência, ou seja, uma harmonia entre as regras que são criadas e publicadas e a sua aplicação por parte das instituições [4]. Nesse sentido, entende-se que as decisões que envolvem as mídias sociais, tomadas pelas empresas fomentadoras, carecem de fundamentação, motivação, publicidade, congruência e boa parte dos princípios propostos supracitados.
No caso concreto referido, os autores da ação tiveram negado seu requerimento sem que houvesse qualquer conhecimento acerca do motivo, ou sem qualquer possibilidade de recorrer da decisão. Todo esse arcabouço principiológico não se trata apenas da estipulação de procedimentos necessários para a criação das condições de uso das plataformas digitais; tratam-se, sobretudo, de virtudes procedimentais, tidas como referências morais dentro da própria tomada de decisão, pois envolvem objetivos aspiracionais aplicados dentro do sistema de regras. Sendo assim, a observação dessas orientações por parte dos órgãos públicos e, também, dessas empresas privadas que atuam nessas esferas públicas, quando da realização de seus atos, torna a sua atuação não apenas respeitosa com os fundamentos e princípios republicanos, mas também mais eficaz.
Os princípios formulados por Fuller, nesse contexto, podem — e devem — ser reforçados, sobretudo por significar orientações que vinculam as autoridades e reafirmam o império da lei. No sistema jurídico brasileiro, a Constituição Federal contribui para a adoção dessa proposta, isso porque as normas de direitos fundamentais possuem eficácia horizontal, ou seja, elas também são aplicadas diretamente às relações privadas. A jurisprudência da Corte Constitucional brasileira possui diversos julgados que efetuam a aplicação direta das normas de direitos fundamentais para resolver litígios privados: RE 158.215-4, j. 30/04/96; RE 175161-4, j. 15/12/98, RE 201.819, j. 11/10/2005, RE 449.657, j. 09/05/2005, AgRg no ARE 1.008.625, j. 29/01/2016.
Diante disso, três considerações parciais são importantes: 1) os princípios propostos por Fuller podem ser compreendidos como normas de direitos fundamentais no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que são entendidos como condições de possibilidade para o desenvolvimento legítimo do Direito, assim como essenciais normas de proteção dos indivíduos sujeitos à qualquer tipo de jurisdição; 2) os princípios podem ser extraídos — alguns de forma explícita e outros de forma implícita — do catálogo constitucional de direitos [5]; 3) se esses princípios são condições de possibilidade para o desenvolvimento autêntico do Direito e normas de direitos fundamentais, eles estão sob o manto da eficácia horizontal dos direitos fundamentais e, com isso, são aplicáveis de forma temperada nas relações privadas.
Diante disso, entende-se que há uma urgente necessidade de se desenvolver, de forma administrativa e legislativa, o ordenamento jurídico para que alcance a garantia desses direitos fundamentais nessas relações privadas que envolvem as tomadas de decisões sobre as condições de uso das mídias sociais, a partir da aplicabilidade tanto da Constituição Federal como dos princípios de moralidade interna de Lon Fuller.
Lei municipal que proíbe fogos de artifício ruidosos é constitucional, diz TJ-SP
O município pode editar medidas próprias de controle de fogos de artifício. Com base nesse entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo julgou constitucional uma lei municipal de Avaré, de autoria parlamentar, que proíbe fogos de artifício e outros artefatos pirotécnicos com efeitos sonoros ruidosos, como estouros e estampidos.
A ADI foi ajuizada pela prefeitura, alegando que a competência para legislar sobre o tema não seria da Câmara dos Vereadores. Porém, segundo o relator, desembargador Ademir Benedito, o texto apenas veicula normas de polícia administrativa e, dessa forma, não se inclui do rol de matérias reservadas ao Executivo.
"Em algumas hipóteses o Poder Legislativo pode criar programas dentro da competência concorrente, desde que não adentre na estrutura ou gestão dos órgãos da administração pública", afirmou o magistrado ao afastar ilegalidades no texto.
Segundo Benedito, a norma versa sobre direito ambiental, cuja competência legislativa é concorrente entre União e Estados, podendo o município suplementá-la desde que haja interesse local e harmonia entre a lei municipal e as regras editadas pelos demais entes federativos.
"A medida adotada pelo município visa diminuir a poluição sonora que causa desassossego e compromete a saúde de seus cidadãos e animais, estando inequivocamente presente o interesse local", acrescentou Benedito.
O relator também observou que as normas federais permitem aos municípios a implantação de programas próprios de controle de poluição sonora de acordo com interesse local, podendo, inclusive, proibir a emissão de ruídos sonoros, como é o caso da norma de Avaré.
"A proibição se restringe à soltura de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos que provoquem estampido, não havendo qualquer restrição ao comércio de fogos de artifícios, o que afasta a alegação de afronta aos princípios constitucionais da livre iniciativa e exercício de atividade empresarial, bem como da livre concorrência, insculpidos no artigo 170, caput e inciso IV, da Constituição", afirmou.
Prazo para regulamentação
Apenas o artigo 5º da lei de Avaré, que estabelece o prazo de 60 dias para que o Poder Executivo regulamente a lei, foi anulado pelo Órgão Especial. Segundo o relator, há inconstitucionalidade no dispositivo, pois "exorbita a competência material parlamentar".
"Levando em conta que não compete ao Poder Legislativo impor prazo para que o Executivo pratique o ato de regulamentação, inexistindo, pois, subordinação, impossível deixar de reconhecer, nesse dispositivo, vício de constitucionalidade", finalizou. A decisão foi por unanimidade.
Clique aqui para ler o acórdão
2285648-32.2020.8.26.0000
Tábata Viapiana é repórter da revista Consultor Jurídico
Revista Consultor Jurídico, 22 de julho de 2021, 16h32
Estratégia de venda do sistema de espionagem Pegasus no Brasil inclui polícias e Ministérios Públicos estaduais
Bruno Abbud, especial para O Globo
BERLIM — Em 2015, um vazamento de dados pelo site WikiLeaks revelou, entre mais de um milhão de e-mails da empresa de vigilância cibernética italiana Hacking Team, que um executivo americano do ramo de inteligência estava preocupado com a concorrência. Depois de receber a notícia de um policial do FBI de que havia no mercado um novo e poderoso sistema chamado Pegasus, fabricado por uma empresa israelense, e que podia invadir um celular sem que o alvo tivesse de clicar num link infectado, Richard Berroa, da DTXT Corp, questionou o colega da Hacking Team: "Você sabe algo sobre isso?".
Foi a primeira vez que a existência do software ficou exposta além dos círculos policiais. À época, a Hacking Team tentava expandir as vendas do software RCS, vulgo "Galileo", que dominava o mercado antes do Pegasus. Ao explorar uma falha nos códigos por trás de aplicativos como o WhatsApp, desconhecida por empresas de cibersegurança, contudo, os programadores do NSO Group, empresa israelense que comercializa o Pegasus, conseguiram disseminar suas vendas pelo mundo.
Segundo policiais ouvidos por O GLOBO, só o Pegasus consegue infectar um aparelho com uma ligação por WhatsApp que sequer precisa ser atendida pelo alvo.
Em 2016, ao rastrear servidores na internet, cientistas da Universidade de Toronto, no Canadá, pioneiros na investigação do uso do Pegasus por governos ao redor do mundo, descobriram vestígios do uso do software em 45 países, incluindo o Brasil. À época, apenas seis países, segundo os estudiosos, apresentavam histórico de espionagem cibernética contra civis. A revelação no último fim de semana — feita por um consórcio de 17 veículos de imprensa e ONGs — de 50 mil números que seriam de alvos do Pegasus, entre os quais jornalistas e ativistas de 20 países, segundo a Anistia Internacional, que participa do projeto, potencializa a pressão sobre a NSO Group, acusado de ganhar centenas de milhões de dólares ao negociar com governos que usam seu produto para espionar civis.
A primeira vez em que a atuação da empresa no Brasil ficou evidente, durante o congresso do Sistema Nacional de Prevenção e Repressão a Entorpecentes (Siren), em agosto de 2018, foi revelada no ano seguinte pela revista Época. Numa palestra, o delegado federal Alexandre Custódio Neto expôs os benefícios do Pegasus no combate ao crime organizado. Enquanto ele falava, os representantes da NSO Group no Brasil — os executivos Marcelo Comité Ferreira e Luciano Alves de Oliveira — rodavam o país em busca de contratos.
Só naquele ano, os executivos haviam visitado a PF, a Procuradoria Geral da República e várias secretarias de Segurança e Ministérios Públicos estaduais, contou Custódio. A justificativa dos gastos a partir da rubrica "ação de caráter sigiloso", utilizada normalmente por órgãos de Inteligência e segurança pública com base em um decreto assinado durante a ditadura militar, contudo, dificulta a publicidade de contratos do tipo.
No ano seguinte, com Bolsonaro eleito, a aproximação do NSO Group com o governo federal ganhou intensidade. O ex-premiê israelense Benjamin Netanyahu — a única pessoa a receber a Ordem do Cruzeiro do Sul, a mais alta condecoração brasileira, durante o governo do capitão — visitou o Brasil em janeiro, quando Bolsonaro lhe concedeu a medalha. No mesmo mês, o NSO Group testou pela primeira vez seus produtos no país, ao tentar encontrar os mortos pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho com um software de detecção de sinais de celulares.
Os israelenses haviam chegado ao interior de Minas Gerais numa leva de 136 militares — e ao menos um executivo, Marcelo Comité. Eles passaram menos de uma semana no local. A visita foi comemorada por Bolsonaro. Do grupo, fazia parte Shalev Hulio, co-fundador da NSO Group. Integrante da Brigada de Busca e Salvamento das Forças de Defesa de Israel, Hulio apareceu de farda, identificando-se mais como militar do que como empresário.
Dois meses depois, a mesma repartição militar da qual Hulio faz parte foi visitada por Bolsonaro em Israel. Com um respeitado general israelense entre seus conselheiros, o NSO Group só fecha contratos com a autorização do governo israelense.
Mais dois meses se passaram e, em maio de 2019, os colegas de Hulio estiveram no Rio de Janeiro para um ciclo de palestras no Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes (Cefan), departamento da Marinha no Rio de Janeiro. Os temas das apresentações não foram revelados. No mesmo mês do encontro, o WhatsApp recomendou a 1,5 bilhão de usuários que atualizassem o aplicativo por causa de uma falha explorada pelo NSO Group para invadir celulares.
Ao menos até outubro de 2020, a peregrinação dos executivos da NSO Group continuou no Brasil — mas então, devido à pandemia, virtualmente. Naquele mês, a Associação dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) organizou o 3º Simpósio Internacional de Segurança, do qual participaram apenas policiais e executivos credenciados, entre os quais funcionários do NSO Group.
O Pegasus está disponível. Resta saber se e quantos contratos foram assinados no Brasil — onde o número de telefones celulares ultrapassa o tamanho da população.
Procurado, Marcelo Comité ainda não respondeu aos pedidos de comentários do GLOBO.
Ministro Braga Netto diz que não há ameaça contra eleições
O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, disse hoje (22) que não se comunica com os presidentes dos Três Poderes por meio de interlocutores e que as Forças Armadas são instituições comprometidas “com a sociedade, com a estabilidade institucional do país e com a manutenção da democracia e da liberdade do povo brasileiro”.
Reportagem desta quinta-feira do jornal O Estado de S. Paulo informa que, por um interlocutor político, o ministro teria mandado recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira, de que o país não teria eleições presidenciais em 2022, caso o voto impresso e auditável não fosse aprovado.
“Hoje foi publicada uma reportagem na imprensa que atribui a mim mensagens tentando criar uma narrativa sobre ameaça feita por interlocutores a presidente de outro Poder. O ministro da Defesa não se comunica com os presidentes dos poderes, por meio de interlocutores. Trata-se de mais uma desinformação que gera instabilidade entre os poderes da República, em um momento que exige a união nacional”, disse Braga Netto durante evento no Ministério da Defesa nesta manhã.
Uma comissão especial da Câmara analisa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/19, que recomenda a adoção de uma urna eletrônica que permita a impressão do registro do voto, que depois seria depositado em uma outra urna, sem contato manual do eleitor. A matéria seria analisada no último dia 16, mas a sessão foi encerrada sem a votação. O projeto voltará a ser discutido em 5 de agosto, após o recesso parlamentar.
Voto impresso
De acordo com Braga Netto, a medida é defendida pelo governo federal, mas compete ao Congresso a análise do tema. “Acredito que todo cidadão deseja a maior transparência e legitimidade no processo de escolha de seus representantes no Executivo e no Legislativo em todas as instâncias. A discussão sobre o voto eletrônico auditável por meio de comprovante impresso é legítima, defendida pelo governo federal, e está sendo analisada pelo parlamento brasileiro, a quem compete decidir sobre o tema”, disse.
Sem citar a matéria publicada, o deputado Arthur Lira se manifestou nas redes sociais. “A despeito do que sai ou não na imprensa, o fato é: o brasileiro quer vacina, quer trabalho e vai julgar seus representantes em outubro do ano que vem através do voto popular, secreto e soberano. As últimas decisões do governo foram pelo reconhecimento da política e da articulação como único meio de fazer o País avançar”, escreveu.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, também informou que conversou com Braga Netto e Arthur Lira e que “ambos desmentiram, enfaticamente, qualquer episódio de ameaça às eleições”. “Temos uma Constituição em vigor, instituições funcionando, imprensa livre e sociedade consciente e mobilizada em favor da democracia”, escreveu nas redes sociais. Barroso é contrário ao voto impresso e já reafirmou que jamais foi registrado caso de fraude desde a implantação das urnas eletrônicas, em 1996, que o sistema de urnas eletrônicas é íntegro e permitiu a alternância no poder.
Já o presidente Jair Bolsonaro, por diversas vezes, defendeu a adoção do voto impresso e disse ter provas, ainda não apresentadas, de fraudes em eleições anteriores. O presidente fez ainda críticas a Luís Roberto Barroso, que também é ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Após essas declarações, o presidente do STF, Luiz Fux, convidou Bolsonaro para um encontro, realizado no último dia 12. Fux também propôs uma reunião entre os chefes dos Três Poderes, que precisou ser adiada após a internação de Bolsonaro para tratar de uma obstrução intestinal.
Edição: Lílian Beraldo / AGÊNCIA BRASIL
Ministro da Economia volta a defender reforma tributária ampla
O ministro da Economia Paulo Guedes voltou a defender uma reforma tributária ampla. Durante debate sobre a reforma do Imposto de Renda (IR), realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o ministro disse que a proposta atualmente em discussão no Congresso Nacional é o “primeiro capítulo”. Guedes ressaltou que, embora a versão inicial apresentada pelo governo para a reforma tenha sido “mais conservadora”, o momento agora é de arriscar para o “outro lado”.
Segundo o ministro, a proposta inicial do governo sempre foi de uma reforma ampla que mexesse, inclusive, com os encargos trabalhistas, mas o debate “foi interditado”. O ministro disse ainda que a reforma tributária terá como vetores tributar lucros e dividendos e reduzir a tributação sobre as empresas, que ele classificou como “máquinas de investimentos e de geração de emprego e renda”.
“Quem vamos tributar e onde vamos tributar para poder desonerar a Previdência?” questionou Guedes. “Então, uma reforma tem que ser feita aos poucos até para as pessoas refletirem. Então vamos fazer primeiro uma reforma para imposto de valor adicionado, vamos acabar com 100 regimes [de tributação] diferentes, com o IVA [Imposto de Valor Agregado]. Está no Congresso, é a CBS [Contribuição sobre Bens e Serviços]", acrescentou.
O ministro disse ainda que as reformas caminham em um ritmo “satisfatório” e que o parlamento tem um viés reformista e que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), também “está comprometido com a implementação das reformas”.
Na semana passada, o relator da proposta, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), apresentou um relatório preliminar. A aprovação do texto deverá gerar uma perda líquida de arrecadação de cerca de R$ 27 bilhões em 2022 e de R$ 30 bilhões em 2023.
O relatório também manteve a previsão de tributação dos dividendos a 20% na fonte. Por outro lado, reduziu de 15% para 2,5% a alíquota base do Imposto de Renda da Pessoas Jurídicas (IRPJ), a partir de 2023.
“O segundo capítulo é sobre a renda. Vamos fazer a reforma de todos os tempos? Não, uma longa caminhada começa com um passo. Vamos tributar sobre lucros e dividendos e vamos desonerar as empresas, a máquina de acumulação de capital, inovação e tecnologia que cria empregos”, disse. Se o dinheiro ficar dentro da empresa paga só 20% de imposto, mas se quiser tirar o lucro todo aí paga 36%, mas aí a decisão é sua: se quiser tirar paga no acumulado 36% se não quiser tirar, paga 20%”, exemplificou Guedes.
Encargos
Na visão do ministro, os encargos trabalhistas representam “uma arma de destruição em massa dos empregos”, por onerar as empresas e que o governo vai "encarar" o debate.
“Você cria um emprego e para criar um emprego de R$ 1.100, custa R$ 2000. Não a toa que cada trabalhador para ser empregado você tem que jogar outro no mar”, disse.
Ao abordar a antiga intenção da equipe econômica de recriar um imposto sobre transações financeiras, Guedes disse ainda que “a hipocrisia de se esconder atrás do pobre é uma prática no Brasil”.
Segundo ele, a cobrança não seria regressiva e teria um menor impacto para as pessoas mais pobres. O ministro citou como exemplo a cobrança de uma alíquota de 0,1% sobre as transações, o que resultaria em R$ 1 de cobrança de carga tributária e uma movimentação de R$ 1 mil e que o valor seria maior para quem ganha mais.
Guedes disse ainda que a reforma deve ajudar a diminuir as disputas judiciais e as isenções fiscais aplicadas a diferentes setores. Segundo o ministro, o sistema tributário brasileiro é um “manicômio”, que privilegia quem tem mais dinheiro e maior poder de pressão sobre o governo.
“Estamos de acordo com a reforma ampla, mas tínhamos que realmente acabar com esse manicômio tributário que temos e todo esse contencioso de um lado e as isenções de outro lado. Quem tem poder político, vem a Brasília e consegue a desoneração: R$ 300 bi anuais e quem tem o poder econômico vai para o contencioso: prefiro pagar R$ 100 milhões para um escritório de advocacia do que pagar R$ 1 bilhão para a Receita Federal e fica 10, 15 anos empurrando essa disputa”, afirmou.
Edição: Aline Leal / AGÊNCIA BRASIL