Taxação de bilionários não é mais de direita ou esquerda, diz Nobel de Economia
André Fontenelle /FOLHA DE SP
[RESUMO] Em entrevista à Folha, economista francesa afirma que a cobrança de imposto sobre a fortuna de super-ricos e o aumento da tributação de multinacionais foram incorporados ao espírito do tempo e podem gerar, em todo o mundo, US$ 500 bilhões ao ano para financiar medidas de mitigação de impactos da crise climática sobre populações e países pobres.
Na próxima quarta-feira (17), os ministros da Fazenda dos países do G20 reunidos em Washington ouvirão uma proposta que alguns anos atrás seria inimaginável em um fórum do gênero: usar um imposto sobre os bilionários para lutar contra a pobreza e as consequências da crise climática.
A autora da proposta, Esther Duflo, 51, vencedora do Nobel de Economia de 2019, falará como convidada do governo brasileiro, atualmente na presidência rotativa do G20. Segundo a economista francesa, chegou a hora para articular as duas questões, pobreza e aquecimento global.
Propostas de taxação dos super-ricos vêm ganhando aliados nos últimos anos. Em fevereiro, Fernando Haddad encampou uma dessas propostas, de outro economista francês, Gabriel Zucman, colega de Duflo na Escola de Economia de Paris e especialista em paraísos fiscais.
Segundo Duflo, cobrar 2% sobre a fortuna dos super-ricos e aumentar a tributação das multinacionais arrecadaria US$ 500 bilhões de dólares por ano, que poderiam ser aplicados em favor dos mais pobres do planeta, maiores vítimas da emergência climática. Parte do dinheiro seria diretamente injetado em contas digitais dessas pessoas, parte seria usada como resseguro para os governos obrigados a arcar com os custos das catástrofes e o restante seria investido na adaptação ao calor extremo nas regiões mais afetadas.
A pesquisadora afirma buscar "influenciar o mundo real": é uma das fundadoras do J-PAL (Laboratório de Ação contra a Pobreza Abdul Latif Jameel) —rede mundial de pesquisa que tem uma representação no Brasil, no Insper, em São Paulo— e lançou na França no ano passado uma série de livros infantis com histórias para conscientizar as crianças dos problemas da miséria.
Em entrevista por videochamada, Duflo antecipou à Folha a proposta que vai apresentar em Washington.
Na última reunião preparatória do G20, em São Paulo em fevereiro, Fernando Haddad mencionou uma proposta de imposto sobre os super-ricos. Essa proposta é igual à sua? Não é a mesma, mas eu a conheço muito bem e a apoio. Gabriel Zucman, que está muito envolvido com ela, é meu vizinho de sala em Paris. A minha é, digamos, complementar, porque trata da necessidade de financiamento para adaptação e compensação pelos danos climáticos para as pessoas mais pobres do planeta. O imposto recomendado pelo ministro Haddad em fevereiro é uma dessas fontes.
A sra. dá muita ênfase à viabilidade dessas propostas. Por quê? Não basta mais apresentar argumentos teóricos e morais, do tipo "é só fazer isso". Temos que ser mais pragmáticos, porque a mudança climática já chegou. As temperaturas já aumentaram. Os últimos 12 meses foram os mais quentes já registrados. Os danos já estão acontecendo, principalmente nos países mais pobres, que não têm condições de se proteger.
Precisamos agir hoje. Até agora, temos demonstrado uma total incapacidade de lidar com esse problema. Não basta fazer declarações ou criar um fundo sem investir dinheiro algum nele.
Nunca se falou tanto em um imposto sobre os super-ricos. Ele está no espírito do tempo? Sim, e o Brasil fez muito para colocá-lo no espírito do tempo. Antes de fevereiro, estava menos que agora. O fato de ter sido encampado pela presidência brasileira do G20 faz uma grande diferença, mas há outros fatores que tornam esse imposto possível.
Por um lado, o aumento da desigualdade e, em especial, das enormes fortunas. Por outro, a constatação de que essas grandes fortunas não pagam Imposto de Renda. Não se trata de tirar a fortuna deles, mas obrigá-los a pagar impostos como os que nós pagamos sobre nossos salários.
O retorno mínimo na Bolsa, para quem é muito rico, é de 5%. Hoje, essa renda não é tributada. Tributar o patrimônio em 2% equivale a tributar cerca de 40% da renda, o que equivale à alíquota superior do Imposto de Renda na maioria dos países. Isso mostra que é possível chegar a um entendimento internacional. Chegou o momento de introduzir o imposto sobre bilionários.
O imposto sobre empresas já está sendo implantado. Ao aumentar um pouco esse imposto ou usar o todo ou parte do imposto sobre os super-ricos, poderíamos financiar até US$ 500 bilhões por ano para os mais pobres do mundo.
A sra. foi convidada a Washington pelo governo brasileiro. Não teme que sua proposta fique associada a um grupo político? Não creio. Foi o G20 que me convidou, como parte da presidência rotativa brasileira, que tem foco na pobreza e na mudança climática. É normal que esse foco reflita a política de Lula, enquanto o G20 geralmente lida mais com os problemas dos países industrializados. A França apoiou imediatamente a proposta, com um governo que não é de esquerda.
Além disso, quando analisamos as pesquisas, o apoio é muito forte. Taxar grandes empresas ou bilionários para ajudar os países pobres a lidar com as mudanças climáticas tem mais de 80% de popularidade. Vai além de direita ou esquerda. É senso comum.
Elon Musk e o STF entraram em conflito sobre a liberdade de expressão. Isso não mostra que haverá resistência dos bilionários a propostas como a sua? É possível. Por outro lado, estamos falando em 2% de suas fortunas. Mesmo que eles não façam nada com essas fortunas —e geralmente fazem—, elas rendem mais de 5% ao ano. Concordar em serem tributados nesse nível totalmente razoável não seria um investimento no tecido social por parte dos bilionários?
Eles podem alegar que já fazem filantropia. Deixaria de ser filantropia, porque seria um imposto: logo, eles não teriam controle. Porém, ainda que seja puramente estratégico, pode ser do interesse deles: "Estamos pagando nossa contribuição razoável para as sociedades em que vivemos".
Não sei se Elon Musk entenderia isso, mas outros talvez se deem conta de que é um preço pequeno, comparado ao que poderia aguardá-los se houvesse uma revolta popular e populista que saísse do controle. Um bilionário razoável deveria ser a favor.
Como o dinheiro seria aplicado? Podemos dividir as propostas em três "cestos": primeiro, as individuais. Quando as pessoas recebem dinheiro, podem se mudar temporariamente se houver uma enchente ou muito calor, podem se proteger e seus animais ou não trabalhar por algum tempo se estiver muito quente. Durante a pandemia, vimos que muitos países sabem fazer isso. Qualquer pessoa pode ter uma conta no celular, diretamente conectada a um grande "pipeline" de dinheiro.
Há quem diga: "Mas tem corrupção, o dinheiro não vai chegar". Não. Hoje, há pesquisas demonstrando que as pessoas que recebem dinheiro o utilizam muito bem. Por isso, é a parte mais importante da proposta.
Depois, as propostas nacionais: quando ocorre um grande desastre climático, os governos são sempre os seguradores de última instância. Portanto, um resseguro para os governos.
Por fim, a adaptação, que pode ser em nível comunitário ou regional, às consequências das mudanças climáticas. No Brasil, há uma tradição muito forte de descentralização, que pode servir de exemplo.
O que a sra. responde a quem diz que as estimativas não estão corretas e que isso não vai acontecer? Não dá para dizer que não vai acontecer porque já está acontecendo. Nos países pobres, já é uma realidade. Basta ver as enchentes do ano passado no Paquistão, a seca intensa no norte da Índia. Tenho certeza de que você pode pensar em exemplos no Brasil. O Níger e todo o Sahel se tornaram áreas onde nada mais pode ser cultivado. Não se trata mais de uma questão do futuro: é uma questão do presente.
Não seria melhor enfrentar a própria existência de bilionários em vez de tributá-los? Estaríamos saindo do meu campo pragmático, para entrar, por exemplo, na proposta de Thomas Piketty de tributar a riqueza em um nível muito mais alto para garantir que não haja bilionários —ou [tributar] as heranças. São propostas interessantes, mas não estão na mesa no momento. Minha pergunta é concreta: o que podemos fazer hoje?
A partir do momento em que sua proposta for apresentada, quantos anos acha que seriam necessários para colocá-la em prática? Não faço ideia. Não sou muito familiarizada com negociações internacionais. No entanto, se pegarmos o exemplo da tributação de multinacionais, ela demorou uns dez anos até ser feita. Que seja em dez, mas acho que acontecerá e espero que aconteça.
O que a sra. pensa sobre o papel do intelectual na sociedade? Escolhi a economia quando me dei conta de que o economista pode ter uma influência no mundo real. Na maior parte do meu trabalho com o J-PAL, há uma relação clara da intelectual a serviço da política. Os políticos têm ideias, e nós estamos aqui para ajudá-los a encontrar maneiras eficazes de atingir seus objetivos.
Essa proposta é uma postura um pouco diferente da que tive durante toda a minha carreira acadêmica, porque se trata de uma proposta política, não apenas técnica. Pode ser criticada ou melhorada. Ao apresentá-la, me torno uma espécie de porta-voz da ciência atual.
Por que a sra. escreveu uma série de livros infantis sobre a pobreza? As leituras da infância são marcantes. O que vemos nos impressiona, nos choca e nos desafia. Foi essa a minha experiência.
Outro motivo é a literatura atual sobre pobreza e questões ambientais não ser das melhores. Tende a ser extremamente didática ou caricatural. Queria mostrar a riqueza da vida das pessoas pobres. Conscientizar as crianças dos problemas da pobreza e das soluções —porque todos os meus livros oferecem soluções—, só que sutilmente.
Em conferência recente, a sra. falou de um "efeito Bolsonaro" e um "efeito Lula" em relação ao desmatamento. A esquerda se preocupa com o meio ambiente mais que a direita? A política conta. Isso está demonstrado. Uma decisão política afeta outras decisões.
Quanto a Bolsonaro vs. Lula, são duas personalidades específicas. Não acho que Bolsonaro seja representativo da direita, assim como Lula não é necessariamente representativo da esquerda. É verdade que, se observarmos as propostas, os governos de direita tendem em geral a não defender tanto a ecologia quanto os de esquerda. Mas isso não basta para dizer que a direita é menos ecológica que a esquerda.
A sra. parece cética em relação a abordagens baseadas em compromissos voluntários para cumprir as metas de emissões por país. Está pessimista em relação à COP em Belém? Discutem-se muito os termos dos comunicados finais, e, na diplomacia, muitas vezes, o comunicado é a ação. Não sei o que teria acontecido sem as COPs, mas o esforço tem sido muito lento em comparação com a dimensão da necessidade.
Em relação à compensação para os países pobres, está nítido para mim que não é suficiente e que deveríamos fazer melhor e imediatamente. Mas não há só o imposto sobre o carbono. Há também, em tese, a possibilidade de um sistema de cotas por país. Esse era o princípio [do Protocolo] de Kyoto, que não deu certo.
A solução mais justa parecem ser cotas com base na população de cada país. Se conseguíssemos isso, minha proposta não seria mais necessária, porque haveria uma transferência absolutamente maciça para os países mais pobres. Só que não parece estar em pauta.
A sra. lamenta isso? Lamento, mas é preciso encarar o mundo como ele é. Não sou ingênua. Todo o meu trabalho sempre foi fazer o melhor dentro das restrições políticas. O que não quer dizer que não se deva sonhar com sistemas melhores. Tem gente que pode e deve fazer isso, mas meu trabalho sempre foi mais reformista: como fazer o melhor dentro do sistema muito imperfeito existente.
Recentemente, uma reforma tributária foi aprovada no Brasil para simplificar um sistema considerado muito complexo. Esse tipo de reforma pode desempenhar um papel na redução da pobreza? Não estudei [a reforma brasileira], mas ter um sistema mais legível, que unifique diferentes impostos e possibilite calcular a verdadeira extensão da redistribuição, possibilita um debate sobre as questões reais. Na França, temos um Imposto de Renda progressivo, mas também temos um monte de impostos "flat", o que pode tornar seu caráter redistributivo obscuro.
Qual mensagem a sra. deseja transmitir em Washington? Para mim, é fundamental apresentar essa proposta diante dos ministros das Finanças para obter uma reação e forçá-los a dizer sim ou não e por quê. Isso coloca a proposta oficialmente no debate público. Espero que desemboque em uma declaração do G20 neste ano, que seria um passo importante para a concretização da proposta.
Minha mensagem mais importante será: "Vocês representam os países responsáveis pelas mudanças climáticas, que já estão ocorrendo e causando a perda de vidas nos países pobres. Até que encontrem uma maneira mais eficaz de combater as mudanças climáticas, vocês precisam encontrar uma forma de compensar as pessoas mais pobres por meio de mecanismos sustentáveis, porque os voluntários não deram certo. Estou ciente da pressão fiscal sobre seus orçamentos, mas existem duas fontes de financiamento justas, realistas, populares, que nos permitiriam arrecadar US$ 500 bilhões de dólares por ano para proteger vidas".
ESTHER DUFLO, 51
Presidente da Escola de Economia de Paris e professora do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), é cofundadora do J-PAL (Laboratório de Ação contra a Pobreza Abdul Latif Jameel) e vencedora do Prêmio Nobel de Economia de 2019, com Abhijit Banerjee e Michael Kremer. Autora, com Banerjee, de "Good Economics for Hard Times" e "Poor Economics: a Radical Rethinking of the Way to Fight Global Poverty", entre outros livros.
EUA anunciam apoio 'inabalável' a Israel, e União Europeia condena ataques do Irã
/ FOLHA DE SP
Os Estados Unidos e a União Europeia (UE) condenaram o ataque aéreo do Irã contra Israel neste sábado (13). O governo do presidente Joe Biden emitiu um comunicado em que afirma que o apoio dos EUA ao país aliado continua "inabalável".
O democrata se reuniu com conselheiros de segurança para discutir a crise no Oriente Médio, na Casa Branca. "O presidente Biden foi claro: nosso apoio à segurança de Israel é inabalável. Os Estados Unidos estarão ao lado do povo de Israel e apoiarão sua defesa contra essas ameaças do Irã", diz a nota de Washington.
A UE também reagiu e condenou a ofensiva. "A UE condena firmemente o inaceitável ataque iraniano contra Israel. Trata-se de uma escalada sem precedentes e de uma grave ameaça para a segurança regional", escreveu o chefe da diplomacia do bloco, Josep Borrell, na rede social X.
O Itamaraty afirma, em nota, que acompanha os desdobramentos na região, e disse que o governo brasileiro recomenda que viagens não essenciais à região não sejam realizadas.
"Desde o início do conflito em curso na Faixa de Gaza, o governo brasileiro vem alertando sobre o potencial destrutivo do alastramento das hostilidades à Cisjordânia, e para outros países, como Líbano, Síria, Iêmen e, agora, o Irã", diz o Itamaraty.
"O Brasil apela a todas as partes envolvidas que exerçam o máximo de contenção e conclama a comunidade internacional a mobilizar esforços no sentido de evitar uma escalada."
Reino Unido, França, Canadá, México, República Tcheca, Dinamarca e Noruega também condenaram o ataque.
O primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, afirmou que o Irã está "semeando o caos em seu próprio quintal". "Condeno nos termos mais fortes o ataque imprudente do regime iraniano contra Israel. Estes ataques arriscam inflamar as tensões e desestabilizar a região", disse.
Já o ministro de Relações Exteriores da França, Stéphane Séjourné, disse que Teerã "ultrapassa um novo limite" com a ofensiva. "Ao decidir por uma ação sem precedentes, o Irã ultrapassa um novo limite em suas ações de desestabilização e corre o risco de uma escalada militar", escreveu o ministro no X.
O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, também disse que a ofensiva desestabiliza ainda mais a região. "Esses ataques mais uma vez demonstram o desrespeito do regime iraniano pela paz e estabilidade na região. Apoiamos o direito de Israel de se defender e de seu povo contra esses ataques", afirmou, em nota.
Já o presidente da Argentina, Javier Milei, que está nos Estados Unidos, antecipou seu retorno ao país após a ofensiva. Ele cancelou uma viagem planejada à Dinamarca e deve embarcar em um voo para Buenos Aires na manhã de domingo (14). O mandatário expressou sua solidariedade ao povo de Israel.
O Irã lançou dezenas de drones e mísseis em direção a Israel, de acordo com as forças de segurança de Tel Aviv. Segundo os militares israelenses, as aeronaves não tripuladas identificadas demorariam horas para chegar a território israelense e seriam defensáveis. Ainda de acordo com os militares, a maioria foi derrubada fora do território de Israel, incluindo dez mísseis.
Este é o primeiro ato de agressão do Irã ao território de Israel desde o início do conflito entre Tel Aviv e Hamas, grupo aliado de Teerã, na Faixa de Gaza, e a concretização das ameaças de retaliação ao ataque, atribuído a Israel, à embaixada iraniana em Damasco, na Síria, que matou membros da Guarda Revolucionária do Irã, no último dia 1º.
Na TV estatal iraniana, a Guarda Revolucionária confirmou os ataques e afirma que a operação é retaliação pelo ataque à embaixada em Damasco e o que chamou de crimes de Israel.
O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, convocou reunião do gabinete de guerra em Tel Aviv prevista para ocorrer na madrugada de domingo (14).
O PSDB definhou e não teve choro nem vela
Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada". FOLHA DE SP
Fechada a janela que permitia migrações partidárias, o PSDB definhou. Perdeu todos os oito vereadores que tinha em São Paulo, a cidade onde nasceu e no estado que governou por 27 anos. Em São Paulo e em 11 outras capitais o PSDB não terá candidato a prefeito. É um caso raro de derrocada de um partido durante um período de liberdades democráticas.
Um dia essa derrocada será mais bem estudada, mas, ao lado do PT, o tucanato foi um partido que, bem ou mal, teve atividade cerebral além do aparelho digestivo. Definhou aos 36 anos depois de ter governado o Brasil de 1995 a janeiro de 2003. Sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso, restabeleceu-se o valor da moeda, modernizou-se a economia e cimentou-se o regime democrático brasileiro.
Esse partido nasceu de uma costela (a melhor) do velho MDB, onde estavam políticos com ideias novas, moderadas e práticas. Era o tucanato de Franco Montoro, FHC, Mário Covas e Tasso Jereissati, um jovem de 39 anos ao assumir o governo do Ceará, em 1987. Intitula-se Partido da Social Democracia Brasileira e foi de fato um momento social-democrata na vida nacional.
No seu apogeu, nos anos de FHC, o PSDB teve como rival o Partido dos Trabalhadores, e o Brasil vivia o conforto de uma disputa entre sociais-democratas e matizes da esquerda. Ao tempo da Revolução Francesa, a política parecia dividida entre a Montanha (mais radical) e a Planície (mais moderada), até que essa turma foi chamada de Pântano.
Durante o tucanato, qualquer brasileiro sabia a força de três partidos, o PSDB, o PMDB e o PT, com alguma noção do que cada um deles significava. Coincide com o definhamento do PSDB uma feira onde há 29 partidos. Salvo o PT, nenhum tem identidade programática. O Partido Liberal, que hospeda Jair Bolsonaro, tem a maior bancada de deputados e ganha uma estadia em Budapeste quem souber o que ele representa, além do antipetismo.
A legítima crítica ao Supremo
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
Ao contrário do que parecem pensar alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), criticar instituições democráticas não é necessariamente atacá-las ou ameaçá-las. Tampouco exigir sua autocontenção é ser extremista, e demandar que atuem conforme a lei não é deslegitimá-las. Ao contrário, quem faz tudo isso de boa-fé quer aperfeiçoá-las, isto é, quer instituições que não sejam ativistas, partidárias, arbitrárias, corporativistas ou pessoais.
Pode parecer ocioso dizer que o debate público num ambiente genuinamente democrático presume total liberdade para questionar o poder, mas nos tempos que correm, em que as críticas aos exageros do STF são tomadas como atentados ao Estado Democrático de Direito, é o caso de relembrar que a opinião não pode ser criminalizada.
É evidente que os liberticidas instrumentalizam a liberdade de opinião para propósitos indisfarçavelmente antidemocráticos. Quando um Jair Bolsonaro fala em “liberdade”, obviamente não é a liberdade no sentido liberal democrático, que garante a todos, indistintamente, o direito de questionar o Estado e suas instituições a qualquer tempo, e sim a “liberdade” de desmoralizar os pilares dessas instituições porque estas são um obstáculo para seus projetos autoritários de poder.
Quando Bolsonaro invocava a liberdade de expressão para deliberadamente desacreditar o sistema de votação para presidente, a intenção evidente era atacar a alma da democracia, isto é, a ideia de que numa eleição comprovadamente limpa e justa os derrotados aceitam o resultado, reconhecendo a legitimidade do vencedor e de todas as instituições que corroboraram a vitória.
Do mesmo modo, não cabe ingenuidade a propósito das acusações do empresário Elon Musk a respeito de supostas arbitrariedades cometidas pelo Supremo contra sua rede social, o X (antigo Twitter), e seus usuários. Alinhado a extremistas de direita mundo afora, Musk se apresenta como um “absolutista da liberdade de expressão”, mas isso só vale quando lhe interessa – basta lembrar que ele condescendeu à exigência da ditadura turca de suspender perfis e tolera em sua rede perfis falsos a serviço da propaganda do governo chinês, com quem tem vultosos negócios.
Suas contradições, contudo, não importam nem um pouco para a tropa bolsonarista, que o elevou à categoria de “mito da nossa liberdade”, nas palavras de Bolsonaro.
Essa algaravia bolsonarista, que é de fato golpista e antidemocrática, tem sido usada pelos mais loquazes ministros do Supremo como prova de uma alegada ameaça permanente e generalizada à democracia, justificando dessa forma medidas juridicamente exóticas, quando não inteiramente desprovidas de base legal, para conter essa ameaça. Num ambiente assim, qualquer opinião mais contundente em relação ao Supremo é logo caracterizada como “bolsonarista” e, por conseguinte, “golpista”.
É o caso, portanto, de insistir que nem toda crítica ao Supremo tem, subjacente, a intenção de destruir a democracia. Exigir que o Supremo seja mais claro a respeito dos parâmetros que adota para as medidas drásticas que tem tomado em sua missão autoatribuída de salvar a democracia brasileira não é, nem de longe, minar sua legitimidade. Ao contrário, é constranger o Supremo a seguir o que vai na Constituição, como se isso já não fosse sua obrigação precípua, justamente por ser o guardião do texto constitucional.
Portanto, quem tem minado a legitimidade do Supremo é o próprio Supremo, quando atropela sua própria jurisprudência, atua de modo claramente político, colabora para a insegurança jurídica e imiscui-se em questões próprias do Legislativo.
O Brasil testemunhou um surto de golpismo no 8 de Janeiro, mas hoje as instituições estão, como se diz, funcionando: o governo está governando; o Legislativo, legislando; e a imprensa, publicando; enquanto a polícia está nas ruas e o Exército, nos quartéis. Por que o Supremo segue em mobilização permanente, como se o País vivesse num 8 de Janeiro interminável? São questões legítimas, que nada têm de extremismo. Demandar a contenção do Supremo não é ser golpista, é só ser republicano.
Irã lançou mais de 300 drones e mísseis, e Israel interceptou 99%; retaliação israelense preocupa
TEL AVIV — Israel comemorou neste domingo, 14, sua defesa aérea bem-sucedida diante de um ataque sem precedentes do Irã, afirmando que, junto com seus aliados, frustrou 99% dos mais de 300 drones e mísseis lançados em direção ao seu território.
No entanto, as tensões regionais permanecem altas, diante do medo de uma escalada adicional no caso de um possível contra-ataque israelense.
“O Irã lançou mais de 300 ameaças, e 99% foram interceptadas”, disse o contra-almirante Daniel Hagari, porta-voz militar israelense. “Isso é um sucesso.”
Israel disse que o Irã lançou 170 drones, mais de 30 mísseis de cruzeiro e mais de 120 mísseis balísticos. Na manhã de domingo (noite de sábado no Brasil), o Irã disse que o ataque havia terminado e Israel reabriu seu espaço aéreo.
Questionado se Israel responderia, Hagari disse que o país faria o que fosse necessário para proteger seus cidadãos. Ele afirmou que nenhum dos drones e mísseis de cruzeiro atingiu Israel e que apenas alguns dos mísseis balísticos passaram.
O contra-almirante declarou que, dos mísseis de cruzeiro, 25 foram abatidos pela força aérea israelense e que um dano menor foi causado a uma base aérea israelense, mas disse que ela ainda estava funcionando.
Socorristas disseram que apenas uma menina de 7 anos foi gravemente ferida no sul de Israel, aparentemente em um ataque de míssil, embora tenham dito que a polícia ainda estava investigando as circunstâncias de suas lesões.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, postou uma mensagem curta no X (antigo Twitter): “Nós interceptamos. Nós bloqueamos. Juntos, venceremos.”
O ministro da Defesa, Yoav Gallant, também comemorou os resultados, agradecendo aos EUA e outros países por sua assistência. Ele disse que Israel precisa permanecer vigilante e se preparar para qualquer cenário, mas chamou as interceptações de “grande sucesso”.
Biden busca solução diplomática
O presidente dos EUA, Joe Biden, disse que convocaria uma reunião do G7 (as sete maiores democracias) ainda neste domingo “para coordenar uma resposta diplomática unida ao ataque descarado do Irã”.
A linguagem indicou que a administração Biden não quer que o ataque do Irã se transforme em um conflito militar mais amplo. O Irã tomou a decisão em resposta a um ataque amplamente atribuído a Israel em um prédio consular iraniano na Síria no início deste mês, que matou dois generais iranianos.
A Guarda Revolucionária paramilitar do Irã emitiu uma nova ameaça contra os EUA. “O governo terrorista dos EUA é advertido de que qualquer apoio ou participação em prejudicar os interesses do Irã será seguido por uma resposta decisiva e que causará arrependimento pelas forças armadas do Irã”, disse um comunicado divulgado pela IRNA.
Ataque inédito do Irã em décadas
Os dois inimigos têm se engajado em uma guerra sombria marcada por incidentes como o ataque em Damasco. Mas o bombardeio do Irã, que acionou sirenes de ataque aéreo por Israel inteiro, foi o primeiro ataque militar direto do Irã a Israel, apesar de décadas de inimizade que remontam à Revolução Islâmica do país em 1979.
Israel, ao longo dos anos, estabeleceu – muitas vezes com a ajuda dos Estados Unidos — uma rede de defesa aérea multicamadas capaz de interceptar uma variedade de ameaças, incluindo mísseis de longo alcance, mísseis de cruzeiro, drones e foguetes de curto alcance.
Esse sistema, juntamente com a colaboração com os EUA e outras forças, ajudou a frustrar o que poderia ter sido um ataque muito mais devastador em um momento em que Israel já está atolado em sua guerra contra o Hamas em Gaza e envolvido em combates de menor escala em sua fronteira norte com a milícia Hezbollah do Líbano. Tanto o Hamas quanto o Hezbollah são apoiados pelo Irã.
O que acontece agora?
Israel anunciou que reabriu seu espaço aéreo, afrouxando uma restrição que havia imposto antes do ataque, embora as escolas permanecessem fechadas em todo o país. A vizinha Jordânia também reabriu seu espaço aéreo.
O general Mohammad Hossein Bagheri, chefe do estado-maior das forças armadas iranianas, disse que a operação estava encerrada, segundo a agência de notícias estatal IRNA. “Não temos intenção de continuar a operação contra Israel”, afirmou.
Israel está particularmente orgulhoso do sucesso de sua defesa, pois contrasta acentuadamente com as falhas que sofreu durante o ataque do Hamas em 7 de outubro. Enfrentando o Hamas, um inimigo muito menos poderoso, as defesas de fronteira de Israel entraram em colapso, e o Exército levou dias para repelir os militantes invasores – uma derrota embaraçosa para o exército mais forte e bem equipado do Oriente Médio.
Embora frustrar o ataque iraniano possa ajudar a restaurar a imagem de Israel, o que ele faz a seguir será observado de perto tanto na região quanto nas capitais ocidentais. Em Washington, Biden disse que as forças dos EUA ajudaram Israel a derrubar “quase todos” os drones e mísseis e prometeu reunir aliados para desenvolver uma resposta unificada.
Biden, que havia interrompido uma estadia de fim de semana em sua casa de praia em Delaware para se reunir com sua equipe de segurança nacional na Casa Branca no sábado à tarde, falou com Netanyahu mais tarde no dia.
“Eu disse a ele que Israel demonstrou uma capacidade notável de se defender contra e derrotar até mesmo ataques sem precedentes – enviando uma mensagem clara aos seus inimigos de que eles não podem ameaçar efetivamente a segurança de Israel”, afirmou Biden.
Em um comunicado no domingo, o secretário de Estado Antony Blinken disse que os EUA “não buscam escalada” e realizariam conversas com seus aliados nos próximos dias. Os EUA, juntamente com seus aliados, enviaram mensagens diretas a Teerã para alertar contra uma escalada adicional do conflito.
Líderes do G7 realizarão uma videoconferência no domingo à tarde para discutir os ataques iranianos contra Israel, de acordo com a Itália, que detém a presidência do grupo de países desenvolvidos, que inclui os Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Grã-Bretanha e Canadá.
Negociações com Hamas sofrem revés
O Irã prometeu vingança desde o ataque aéreo de 1º de abril na Síria, pelo qual Teerã responsabilizou Israel. Israel não comentou publicamente sobre isso. Israel e o Irã estiveram em rota de colisão ao longo da guerra de seis meses de Israel contra militantes do Hamas em Gaza, desencadeada pelo ataque de 7 de outubro a Israel.
Naquele dia, militantes do Hamas e da Jihad Islâmica, também apoiados pelo Irã, mataram 1.200 pessoas em Israel e sequestraram outras 250. Uma ofensiva israelense em Gaza causou devastação generalizada e matou mais de 33.000 pessoas, de acordo com autoridades de saúde locais.
Negociações em andamento, destinadas a trazer um cessar-fogo em troca da libertação dos reféns, pareciam ter sofrido um revés neste domingo. O gabinete de Netanyahu disse que o Hamas rejeitou a última proposta de acordo, que havia sido apresentada ao Hamas uma semana atrás por mediadores do Catar, Egito e Estados Unidos.
Um oficial do Hamas disse que o grupo quer um “compromisso escrito claro” de que Israel se retirará da Faixa de Gaza durante a segunda de uma negociação de cessar-fogo em três fases. O acordo apresentado às partes prevê um cessar-fogo de seis semanas em Gaza, durante o qual o Hamas liberaria 40 dos mais de 100 reféns que o grupo mantém no enclave em troca de 900 prisioneiros palestinos das prisões de Israel, incluindo 100 cumprindo longas penas por crimes graves.
O Hamas saudou o ataque do Irã, dizendo que era “um direito natural e uma resposta merecida” ao ataque na Síria e instou os grupos apoiados pelo Irã na região a continuar apoiando o Hamas na guerra contra Israel.
Quase imediatamente após o início da guerra, o Hezbollah começou a atacar a fronteira norte de Israel. Os dois lados têm se envolvido em trocas de fogo diárias, enquanto grupos apoiados pelo Irã no Iraque, Síria e Iêmen lançaram foguetes e mísseis em direção a Israel./AP
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Irã ultrapassa um claro limite com ataque desproporcional e inesperado a Israel
Por Lourival Sant'Anna / O ESTADÃO DE SP
O ataque do Irã contra Israel não foi uma retaliação, mas uma escalada formidável de proporções inesperadas. O lançamento de uma centena de drones, e também de mísseis, contra Israel, foi desproporcional em relação ao bombardeio de uma instalação iraniana em Damasco, que matou oficiais da Guarda Revolucionária iraniana no dia 1.° de abril. Foi inesperado porque havia um consenso entre analistas, incluindo eu, de que o Irã não teria interesse de provocar um ataque direto de Israel e Estados Unidos contra alvos em seu território.
Foi precisamente o que o regime iraniano fez, pela primeira vez, ultrapassando um claro limite observado até aqui. O Irã atacava antes Israel por meio de grupos que patrocina, como o Hamas, da Faixa de Gaza, o Hezbollah, do Líbano, os Houthis, do Iêmen, e milícias no Iraque e na Síria. Aparentemente parte dos projéteis foi disparada do Iraque e da Síria, mas outra parte, de bases no Irã. Pela quantidade de projéteis disparados, o objetivo pode ser sobrecarregar os sistemas antiaéreos israelenses, para elevar as chances de parte deles atravessá-los e atingir alvos.
Caças americanos interceptaram drones no ar. A Jordânia, que fica entre os territórios israelense e iraniano, afirmou que também interceptaria aqueles que passassem em seu espaço aéreo. É provável que a Arábia Saudita fizesse o mesmo. Ainda assim, dezenas de projéteis chegaram até os céus de Jerusalém a partir das 19h50 de Brasília, 1h50 da madrugada de domingo em Israel. Os drones foram disparados em primeiro lugar, por volta de 17h de Brasília, e eles levam horas para alcançar Israel. Depois, segundo a mídia oficial iraniana,por volta de 19h, foram empregados mísseis balísticos, que levam apenas minutos para atingir os alvos.
As Forças de Defesa de Israel reforçaram a proteção do complexo nuclear de Dimona e da base área de Nevatim, que abriga os avançados caças americanos F-35, ambos no Deserto do Negev. Outra área cuja defesa foi reforçada foram as Colinas do Golan, que Israel tomou militarmente da Síria na Guerra dos Seis Dias, em 1967. As colinas foram alvo também de foguetes Katiucha disparados pelo Hezbollah.
Dois fatores essenciais que ainda não estavam claros na noite de sábado definirão o andamento dessa escalada: qual será a dimensão dela e a reação de Israel e dos Estados Unidos. O segundo fator obviamente depende do primeiro. O Irã tem um sofisticado e amplo arsenal de mísseis balísticos e de cruzeiro (que têm propulsão própria), com altas cargas explosivas e considerável precisão. O segundo aspecto da envergadura desse ataque é se ele envolverá também o Hezbollah, que tem um arsenal estimado em 150 mil foguetes e mísseis, além de 100 mil combatentes.
Mas, da mesma forma que o ataque contra o quartel-general da Guarda Revolucionária em Damasco, que o Irã afirma ser o seu consulado, causaria necessariamente uma resposta do Irã, esse ataque iraniano também necessariamente causará uma resposta de Israel, e talvez dos EUA. E ela será robusta.
Neste estágio inicial, que sai vencendo politicamente é o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu. Antes de Israel matar os generais irianianos em Damasco há duas semanas, o governo americano vinha se afastando de Netanyahu, por causa da desproporcionalidade da campanha na Faixa de Gaza, em comparação aos ataques terroristas cometidos pelo Hamas em 7 de outubro. Agora, os EUA retomam o apoio incondicional a Israel, diante da ameaça de seu principal inimigo.
Entre uma coisa e outra, Netanyahu já havia torpedeado as negociações para a libertação dos reféns na Faixa de Gaza, ao autorizar um bombardeio que matou três filhos e quatro netos do líder político do Hamas, Ismail Haniyeh. Claramente, o primeiro-ministro não deseja a desescalada do conflito, como afirma grande parte da opinião pública israelense.