A nova frente de batalha de Lula é com o funcionalismo, em ano eleitoral
Por Eliane Cantanhêde / o estadão de sp
Não bastassem as tantas que já enfrenta, o presidente Lula vai dar de cara com mais uma frente de pressão e de conflitos, o funcionalismo público. A semana começa com pedido de 30% de aumento geral de salários, ameaça de greve de professores, categoria tradicionalmente alinhada com o PT, e risco de virar uma bola de neve. Logo, a questão é financeira, econômica e também política, num ano eleitoral.
Como sempre, Lula acionou o apagador-mor de incêndios, Fernando Haddad, da Fazenda, não só para fazer as contas, dizer “não” com a maior sobriedade possível e negociar saídas, enquanto Esther Dweck, da Gestão, toureia os líderes do funcionalismo, cara a cara, e Rui Costa, da Casa Civil, fica na espreita para dar o bote petista ao final da negociação.
O Brasil fechou 2023 com 1,2 milhão de funcionários federais ativos, aposentados e pensionistas, com um gasto de R$ 290 bilhões por ano, praticamente 9% do PIB brasileiro. E tudo isso deve aumentar. Lula e PT são adeptos de Estado inflado e de, quanto mais servidores, melhor. Na contramão, Haddad só pensa em arrecadação, equilíbrio fiscal e déficit zero.
Até aqui, Dweck conversa, Haddad argumenta que, com o orçamento de 2024 fechado, qualquer aumento fica para depois de 2025, enquanto Rui Costa esconde o jogo, ou melhor, um dado muito importante: o que ele acertou com o presidente da Câmara, Arthur Lira, sobre aqueles R$ 5,6 bilhões em emendas de comissões que foram vetados por Lula/Haddad? Foi tudo liberado, ou tem sobra para aumentar servidores e evitar greve? (Para lembrar: Lira caiu no colo de Costa depois de tornar pública sua guerra contra o articulador político, Alexandre Padilha, a quem agora chama de “desafeto pessoal” e “incompetente).
O foco da negociação está nos professores, categoria essencial, imensa, naturalmente cara e historicamente injustiçada, enquanto se dá um jeito de compensar um dos setores mais atingidos pelos anos Bolsonaro, o do Meio Ambiente, com Ibama e ICMBio à míngua, por exemplo. Mas um dos justos temores do governo, principalmente de Haddad, é que negociar com uma área significa negociar com todas, criando uma bola de neve que acaba com qualquer sonho fiscal.
Então, ficamos assim: ou Lula se prepara para uma onda de greves de servidores, acirrando os ânimos entre eles e afetando atendimento ao distinto público (e a popularidade...), ou lá vai Haddad somar daqui, diminuir dali, para tentar uma solução política para a um assunto que é orçamentário. Ele passa a semana nos EUA, para a reunião de ministros da economia do G-20, acompanhando de longe não apenas a questão do funcionalismo, mas também a entrega ao Congresso dos dois projetos de regulamentação da reforma tributária, um sobre o novo imposto federal, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o outro sobre o polêmico – e disputado – fundo gestor de recursos para estados e municípios.
Se saiu de 2023 como “o cara”, Haddad ainda não entrou em 2024, atropelado pelo populismo petista, pela gula do Congresso, por tentativas aflitas de privilegiar o equilíbrio fiscal. Assim, a pauta econômica está parada no governo e no Congresso. E vêm aí as festas juninas, o recesso de julho e as eleições municipais, com Arthur Lira fora de controle e Rodrigo Pacheco jogando duro no Senado.
Uma das negociações internas de Haddad é para a distribuição de 100%, mesmo que em duas vezes, mas ainda neste ano, dos dividendos extraordinários da Petrobrás. Como a União é a maior acionista, seria uma mão na roda para o déficit zero e para compensar as perdas com o golpe de Pacheco na reoneração de municípios, mas não tem nada a ver com salário de funcionalismo.
A tudo isso somem-se a queda de Lula e do governo nas pesquisas, os incêndios nas Américas e os avanços do bolsonarismo no Congresso, agora com empurrão do empresário Elon Musk, do presidente da Argentina, Javier Millei, e do chanceler de Israel, Israel Katz, que miram no STF para acertar em Lula. É hora de greve de servidor público, uma atrás da outra? Certamente, Lula acha que não, mas precisa combinar com os “russos” e... com Haddad.
Ampliar funcionalismo é perpetuar distorções
Governos do PT ampliam o quadro de servidores, e os demais o enxugam. Essa tem sido a política de recursos humanos do Executivo federal nas últimas três décadas, no mais das vezes sem diagnósticos claros sobre as reais necessidades da máquina pública.
As administrações petistas se pautam por afinidades sindicalistas e pela crença nas virtudes da expansão do Estado. As outras, em geral, buscam conter a segunda maior despesa não financeira da União, atrás apenas da Previdência.
O gasto com o funcionalismo federal somou R$ 363,7 bilhões no ano passado, aí incluídos inativos e pensionistas, ou o equivalente a 3,4% do Produto Interno Bruto, cifra também registrada em 2022.
Trata-se do patamar mais baixo da série histórica do Tesouro, iniciada em 1997, o que se deve principalmente a um processo de ajuste forçado sob Jair Bolsonaro (PL) —cujo governo, além de restringir contratações, segurou reajustes salariais, embora abrindo custosas exceções para os militares.
Agora, no terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ensaia-se novo ciclo de alta do quadro, hoje de 443,5 mil civis no Executivo, desta vez em condições orçamentárias muito piores que as das primeiras gestões do partido. Já as múltiplas distorções do serviço público seguem quase intocadas.
De mais importante, reformas previdenciárias reduziram privilégios indefensáveis dos servidores, o que torna as contratações de agora menos dispendiosas no futuro.
No entanto permanece o alcance excessivo e disfuncional da estabilidade no emprego, que desincentiva enormemente a produtividade dos funcionários. Nem mesmo a possibilidade de demissão por mau desempenho, incluída na Constituição pela longínqua reforma administrativa de 1998, foi regulamentada até hoje.
O governo petista, previsivelmente, recusa a revisão da estabilidade, que no entender desta Folha deveria se limitar às carreiras típicas de Estado. Tampouco há disposição para aprovar reduções de jornadas de trabalho e remunerações, consideradas inconstitucionais numa decisão corporativista do Supremo Tribunal Federal.
Outras medidas importantes não dependem de mudança na Carta. Entre elas, fazer valer o teto salarial, driblado por inúmeros penduricalhos sobretudo no Judiciário; baixar os salários iniciais, hoje excessivos e próximos aos do topo; diminuir o número de carreiras em prol da gestão de pessoal.
Tais providências decerto têm efeitos mais de longo prazo que imediatos —deveriam ter sido adotadas há muito tempo para um serviço menos custoso e mais eficiente. As ameaças de greve com que Lula lida no momento são somente um sintoma da insustentabilidade do cenário atual.
Mulheres ganham menos que homens em 75% das unidades da Petrobras, BB e Caixa
Lucas Marchesini / FOLHA DE SP
As três principais estatais do Brasil pagam mais para homens do que para mulheres. Os dados são dos relatórios de igualdade salarial das empresas, divididos por unidades com mais de 100 funcionários em cada estado.
O Banco do Brasil tem 59 relatórios, a Caixa, 44 e a Petrobras, 38. Em 110 das 146 unidades analisadas, o equivalente a 75%, os homens recebem salários maiores que as mulheres.
A situação é pior na Petrobras, onde a média salarial é maior para homens em 84% das unidades. Em seguida vem o Banco do Brasil, com 75%, e a Caixa, com 69%.
Em empresas estatais, diferentemente do setor privado, a entrada é por concurso público e os salários iniciais são iguais para todos. A diferença no rendimento surge a partir da progressão da carreira.
A Petrobras afirmou que seu plano de cargos não admite distinções entre homens e mulheres na mesma função e unidade de trabalho.
"A única diferença que pode ocorrer está relacionada aos ganhos com regime de trabalho diferenciado, como por exemplo, quem trabalha embarcado", afirmou a assessoria de imprensa da petroleira. Há mais homens embarcados, diz a empresa, o que se reflete na média salarial.
Hoje, segundo a companhia, o quadro tem 17% de mulheres no quadro total. O percentual em cargos gerenciais é de 22%.
Já o Banco do Brasil segue um plano de cargos e salários com remunerações definidas "com critérios que não possuem qualquer vínculo com questões de gênero, raça ou outro aspecto associado à discriminação ou preconceito", segundo a diretora de gestão da cultura e de pessoas do BB, Mariana Pires Dias.
"A diferença de remuneração apontada nos relatórios ocorre em função do histórico funcional de cada empregado", disse.
A Caixa informou ter referências salariais para cargos que seguem regras de antiguidade e merecimento, sem distinção de gênero.
"As funções gratificadas são remuneradas conforme a responsabilidade e complexidade da atuação em cada posto de trabalho possibilitando o encarreiramento dos empregados em geral", afirmou a assessoria de imprensa da instituição financeira.
"A situação é um escândalo", afirma a professora de Economia do Insper, Juliana Inhasz. "Com esse tipo de desigualdade, todo o discurso do governo vai para o ralo".
"Quando as condições de entrada são as mesmas, é de se esperar que as condições de progressão sejam parecidas para cada gênero, e não é o que vemos", analisa.
A maior quantidade de locais com homens recebendo mais mostra, de acordo com Inhasz, que "o rendimento maior não tem a ver com a aptidão em si, mas sim com discriminação".
"Aquela história que a gente sempre escutou muito no setor privado, que a mulher engravida, tem de cuidar dos filhos e por isso fica um tempo fora do mercado também faz eco dentro do setor público", continua Inhasz.
As três companhias informaram ter programas para resolver a desigualdade salarial entre gêneros.
A Petrobras tem a meta de ter 25% de mulheres em cargos de liderança até 2030. A companhia também tem um programa de mentoria feminina, do qual já participaram cem duplas de mulheres.
O Banco do Brasil diz que tem uma cota de 30% para colocar funcionárias na diretoria executiva até 2027.
A meta do BB é ter também 30% de mulheres nos cargos de liderança até o fim de 2025.
A Caixa promove ações para todos os empregados "tais como palestras, rodas de diálogo, mentoria interna, ações de capacitação e sensibilização para os homens", disse a empresa.
O banco também realiza estudos "para identificação de fatores a fim de fomentar as mulheres no espaço de gestão, preparação de líderes mulheres com capacitação específica, equidade em bancas de processo seletivo interno", disse sua assessoria de imprensa.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou em julho de 2023 a lei de igualdade salarial. Ele deu até março deste ano para que qualquer empresa com mais de 100 funcionários apresente um relatório comparando o salário de homens e mulheres. Essa comparação precisa ser feita a cada semestre e divulgada ao público.
Empresas questionaram a lei na Justiça. As companhias contestaram a divulgação de dados internos nos relatórios entregues ao Ministério do Trabalho e Emprego. Segundo elas, os levantamentos podem expor informações sigilosas e afetar sua reputação.
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Governo Lula não retomou nenhuma das 3.700 obras de educação paradas
Paulo Saldaña / FOLHA DE SP
O governo Lula (PT) ainda não reiniciou nenhuma das 3.783 obras de educação básica paradas em todo país após quase um ano do anúncio de um grande plano para destravar as construções.
O MEC (Ministério da Educação), comandado por Camilo Santana, não conseguiu fechar um único termo de compromisso com prefeituras para permitir a retomada.
Reiniciar obras paradas, sobretudo de creches, é uma promessa do presidente desde início do governo. Lula planeja eventos pelo país para inaugurações e o tema é tratado como prioridade no Palácio do Planalto.
Até agora, no entanto, o MEC não deu início a nenhuma obra com recursos federais desde o início do governo. Somente foram finalizadas construções que já estavam em execução.
O FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) diz, em nota, que a demora se deve porque o processo envolve várias etapas burocráticas, dependendo também de agilidade dos municípios. Afirma também que 46 projetos (1%) já estão prontos para assinatura do novo termo com o governo federal.
Ligado ao Ministério da Educação, o fundo é responsável pelas transferências e repactuações dos contratos.
Nesse modelo, o governo federal financia as construções e os processos de contratação são tocados pelas prefeituras e estados —que só conseguem iniciar os trâmites, como licitações, depois de firmar termos com a União.
Essas quase 4.000 obras paradas, e que continuam abandonadas no governo Lula, estão em 1.664 municípios. Ao todo, 80% delas estão nas regiões Norte e Nordeste. Metade dos esqueletos de construções está em quatro estados: Maranhão, Pará, Bahia e Ceará —que foi governado por Camilo até 2022.
Seis em cada dez obras paradas são de construções de escolas, mas há também quadras, coberturas, reformas e ampliações de salas de aula. Todas essas ações beneficiariam 741 mil alunos, de acordo com dados oficiais obtidos pela Folha.
A construção de creches é um dos maiores desafios do país.
Cerca de 2,3 milhões de crianças até 3 anos estão fora de creches por dificuldade de acesso, o equivalente a 20% do total da faixa etária, segundo levantamento do Movimento Todos Pela Educação.
E é da educação infantil o maior volume de construções abandonadas. São 1.317 obras paradas nessa área, o equivalente a 35% do total.
Em maio de 2023, o governo publicou uma medida provisória para permitir a repactuação de obras contratadas com dinheiro federal, considerando reajustes nos valores contratados inicialmente. O ministro já havia mencionado que haveria o pacto pela retomada das obras em abril do ano passado, no Congresso.
Após a medida provisória, prefeituras de todo país cadastraram milhares de obras. Em novembro, uma lei foi sancionada com aquilo que, no geral, estava na medida provisória. Na sequência, mais municípios aderiram ao pacto.
Assim, de 5.600 obras de educação abandonadas pelo país, houve manifestação dos entes para repactuar 3.783. O FNDE, entretanto, não conseguiu vencer todos os trâmites burocráticos de nenhuma delas até agora —uma outra parte de obras entrou no âmbito do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
A avaliação de integrantes do governo é de que houve falhas de gestão e, sobretudo, falta de equipes no fundo para tocar com agilidade as diligências técnicas. Trabalham nesse tema 30 consultores dentro do FNDE.
"Educação de qualidade demanda também uma operação logística complexa, e é esperado que consigam constituir essa capacidade tanto no nível federal quanto nos estados e municípios", diz a presidente do Instituto Singularidades, Cláudia Costin. "Não basta ter vontade política, é necessário competência de gestão".
A lentidão no MEC e FNDE tem provocado pressões dentro do governo contra o ministro da Educação, segundo relatos colhidos no Planalto e na Casa Civil.
A própria expectativa de Lula com o tema é o que mais infla as pressões. Ele tem falado disso desde a primeira reunião ministerial, em 6 de janeiro de 2023.
"Temos 4.000 obras na área de educação paralisadas", disse Lula na ocasião. "A gente vai ter que colocar a mão na massa para que a gente possa produzir e reconstruir melhorando a educação".
A avaliação no governo é de que o cenário tem desgastado a presidente do FNDE, Fernanda Pacobahyba —o cargo é alvo de partidos do centrão. A Folha mostrou na semana passada que o órgão atrasou o pagamento de recursos de transporte escolar para todo país.
Com a nova regra de reajuste dos contratos, a estimativa é que a retomada de todas as obras custe R$ 3,9 bilhões. O FNDE já desembolsou R$ 2,3 bilhões nesses projetos interrompidos.
Os maiores motivos para que obras públicas sejam interrompidas são erros em projeto de engenharia e interrupção de pagamentos por parte do governo federal.
Do total de obras, 90% foram iniciados há pelo menos dez anos (entre 2007 e 2014), ainda nos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff. Somente 5% são de contratações feitas após 2019.
O governo Jair Bolsonaro (PL) reduziu orçamentos, travou repasses e não conseguiu mudar a situação. Mas praticamente todas as obras paralisadas atualmente já estavam dessa forma quando ele assumiu.
Em nota, o FNDE afirmou que a repactuação prevê "diligências técnicas iniciais e complementares, além de prazos amplos para que os entes possam ter tempo hábil de resposta". No início do mês, o órgão publicou ato permitindo novo prazo limite para que os municípios respondam as diligências técnicas
"A retomada depende em larga medida da proatividade dos entes federativos no levantamento e envio da correta documentação e cumprimento de todas as etapas e diligências", afirma o fundo.
O FNDE também disse que o lapso temporal entre a perda da vigência da medida provisória e a sanção da lei provocou maior demora no processo. "Atualmente, temos 875 obras em análise pelo FNDE, enquanto 2.662 estão em diligência, que é quando o ente já teve os documentos analisados pelo FNDE, mas precisa retornar corrigindo ou incluindo algo", diz a nota.
Sobre falta de equipe, o órgão afirma que está em processo de contratação de 40 profissionais e também há previsão de 60 contratados de forma temporária.
Desde o ano passado o ministério da Educação tem acelerado o pagamento de recursos atrasados pelo governo Bolsonaro em obras em andamento. Foram repassados R$ 650 milhões para a a finalização de novas 631 obras educacionais ao longo de 2023 —mas esses projetos estavam todos em andamento, não contemplando obras paradas.
Às cegas diante da epidemia
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
Na contramão dos alertas sobre a escalada da dengue no País, o Ministério da Saúde enxugou para R$ 13,1 milhões a verba para campanhas publicitárias de conscientização e prevenção da doença ao longo de 2023. Não se sabe exatamente quanto dessa cifra sobrou para o fim daquele ano, quando a sensibilização massiva dos cidadãos para impedir a proliferação do mosquito Aedes aegypti seria indispensável para a contenção da epidemia em 2024. Sabe-se, isto sim, que o total foi bem menor do que o destinado nos últimos anos da gestão de Jair Bolsonaro, notória pelo negacionismo em questões de saúde pública, e isso num momento em que a epidemia já havia sido amplamente anunciada.
Com base em dados do Sistema de Comunicação de Governo do Poder Executivo Federal (Sicom), reportagem do Estadão apontou a redução de 58,5% nos recursos para a campanha contra a dengue em 2023, em comparação com o ano anterior. Houve correta prioridade da ministra da Saúde, Nísia Trindade, em investir em propagandas de estímulo à vacinação, mas, do ponto de vista sanitário, causa estranheza o critério da pasta de conceder mais recursos à comunicação sobre o programa Farmácia Popular do que ao combate a uma epidemia aguardada a cada verão.
No segundo semestre de 2023, o Ministério da Saúde dispunha de argumentos sólidos e tempo hábil para solicitar verba extraordinária para uma vigorosa campanha de prevenção da epidemia. Orientar insistentemente a população a destruir potenciais focos de proliferação do mosquito da dengue, entre outras medidas, não seria trivial diante do contexto de escassez de imunizantes. Se pediu a verba ou se foi negada pela equipe econômica do governo, a pasta não informou até o momento. Certo é que não houve disseminação exaustiva de peças publicitárias para mobilizar os brasileiros antes de a epidemia consolidar-se no País.
Causa impressão a omissão do Ministério da Saúde mesmo depois de ter reconhecido, em nota de novembro de 2023, a “possibilidade de uma epidemia (de dengue) maiores proporções que as documentadas na série histórica do País”. O texto reproduziu alertas emitidos pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A pasta estava ciente, na ocasião, sobre a estimativa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de um recorde de 2,2 milhões de infectados neste ano – já defasado pelos atuais 3 milhões de prováveis casos da doença.
Não se pode atribuir o quadro preocupante da epidemia no Brasil exclusivamente à falha de comunicação que levou a população a ser pega de calças curtas pela dengue. Tampouco ao inexplicável fato de a secretária responsável pelo enfrentamento à dengue, Ethel Maciel, ter saído de férias em janeiro, em plena crise sanitária. Mas é preciso considerar o indiscutível impacto de tais negligências e cobrar a devida responsabilidade do Ministério da Saúde.
‘Jeitinho’ é incompatível com a segurança jurídica
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
No dia 4 passado, o ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu dar mais 90 dias para a conclusão de uma negociação entre governo federal e Eletrobras, na qual a União reivindica maior poder de decisão na empresa, proporcional aos 42% que detém do capital. Se alguém quiser escrever um tratado sobre as razões pelas quais nosso risco país é altíssimo, o caso mencionado acima deve estar em destaque, no capítulo sobre insegurança jurídica e o descrédito de contratos firmados conforme o que manda a lei.
Para começo de conversa, a petição do governo, com a assinatura do presidente Lula da Silva, encaminhada ao Supremo pela Advocacia-Geral da União (AGU) em maio do ano passado, deveria ter sido rejeitada logo de saída. Não se trata de negar o mérito do pleito, e sim de reconhecer que a questão já está amplamente pacificada.
Recordemos: a desestatização da Eletrobras foi aprovada em 2021 pelo Congresso, por meio da Lei 14.182/2021, que permitia a entrada de investidores privados na companhia. Segundo essa lei, nenhum dos acionistas poderia ter mais que 10% das ações com direito a voto, no modelo conhecido como corporation.
Limitar o poder de voto numa companhia com capital pulverizado e sem controlador é uma situação comum. Na Embraer, por exemplo, o limite é de 5%, seja qual for a participação acionária individual. Essa limitação foi uma das medidas que garantiram o interesse na compra de ações da Eletrobras em seu processo de capitalização. Hoje, a companhia tem em torno de 200 mil acionistas, de todos os portes.
Mas Lula da Silva – aquele segundo quem “as empresas brasileiras, bancos brasileiros, têm que pensar primeiro neste país para depois pensar nos seus lucros, nos seus acionistas” – nunca se conformou com a perda de poder de decisão sobre a Eletrobras, cuja privatização foi por ele classificada de “crime de lesa-pátria”.
O esperneio judicial da esquerda contra a privatização da Eletrobras vem desde pelo menos 2018, mas as sucessivas derrotas em tribunais, inclusive no Supremo, já deveriam ter deixado claro que se tratava de um processo regular e legítimo. Se isso não bastasse, a privatização foi avalizada pelo Congresso, o que deveria ter dado o assunto por encerrado. Mas o lulopetismo é incansável: de volta ao poder, Lula mandou a AGU questionar no Supremo a redução da influência do governo na Eletrobras.
O ministro Nunes Marques, relator da ação, deveria tê-la rejeitado liminarmente porque questionava o que se entende por “ato jurídico perfeito”, isto é, que foi consumado segundo a lei vigente e produziu efeitos. Em vez disso, Nunes Marques optou pelo “jeitinho”: anunciando que adotaria um procedimento abreviado para remeter o pleito à apreciação do plenário do STF – ao menos, eximiu-se de decisão monocrática e arbitrária, tão em voga na Corte nos últimos tempos – acabou remoendo o caso por meses até encaminhá-lo, em dezembro do ano passado, à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, com prazo de 90 dias para uma solução consensual. Esse prazo agora foi prorrogado – como se o tempo tivesse o condão de tornar legítima a teimosia do governo. Ora, contratos considerados perfeitos existem para serem cumpridos, e não modificados conforme os desejos do presidente da República ou de um partido político, mas o ministro do STF não levou isso em conta.
O resultado prático é a desmoralização dos contratos firmados com o poder público. Não é à toa que investidores cobram do Brasil mais garantias e retornos mais robustos quando são chamados a participar de projetos que envolvem o governo. Ou seja: gasta-se mais dinheiro do contribuinte para compensar a insegurança jurídica. É claro que para Lula isso não tem nem nunca teve importância, mas o Supremo deveria ser mais assertivo na defesa dos contratos.