Planalto teme novas revelações; Senado toca corporativismo
O medo do tamanho da galinha a ser revelada a partir da pena puxada pela Lava Jato, para ficar na metáfora consagrada pelo ministro Teori Zavascki, definiu a reação no Planalto e no Senado nestaturbulenta quarta-feira (25).
No governo e no PT, teme-se o que podem falar Delcídio do Amaral e, principalmente, Nestor Cerveró.
O primeiro, inédito senador preso, tem extenso currículo de serviços prestados ao partido e ao governo. E livre trânsito, como demonstrou o constrangimento evidente de vários oposicionistas ao discutir seu caso no Senado.
Pode, se chegar ao ponto de considerar uma delação premiada, falar sobre seu períodoà frente da CPIque investigou o mensalão e isentou Luiz Inácio Lula da Silva.
A prisão dos intocáveis
Por mais que a corrupção na vida pública ofenda os valores fundamentais de uma sociedade democrática, como tudo que se torna banal e corriqueiro ela acaba de alguma forma contaminando e se sobrepondo a esses valores. Na política nacional, a corrupção – o toma lá dá cá ou o é dando que se recebe – assumiu ares de mal necessário sem o qual não existe governabilidade nem os partidos podem exercer suas funções. O enraizamento dessa concepção deturpada de “política” é o princípio do fim da democracia, porque consagra o poder hegemônico do dinheiro sobre todos os valores humanos. É preciso, portanto, ter muito clara a exata extensão desse contágio que, na chamada era petista, tornou endêmica a corrupção na vida pública, para que a sociedade possa reagir a essa devastadora ameaça. Este é o grande serviço que os meios de comunicação têm prestado ao País, ao divulgar extensivamente as apurações da Operação Lava Jato e de outras que expõem as fétidas entranhas da má política. Nos últimos dias, esse dever cívico foi cumprido à risca, culminando com as notícias da prisão preventiva do primeiro-amigo do ex-presidente Lula, o pecuarista José Carlos Bumlai, do senador Delcídio do Amaral, petista que é líder do governo no Senado, e do banqueiro André Esteves, dono do BTG Pactual, todos envolvidos no megaescândalo do petrolão.
Hoje em dia a corrupção no governo só não é encontrada onde não é procurada. Isso não é obra do acaso nem o resultado de uma conspiração dos meios de comunicação “de direita” contra o “governo popular” do PT. O Ministério Público Federal (MPF), a Polícia Federal (PF) e o Poder Judiciário investigam e processam, exibindo ao público indignado de que forma a corrupção abastece os cofres de partidos políticos, maximiza os lucros de empreiteiras de obras públicas e de outras empresas e recheia as contas bancárias, aqui e no exterior, de políticos, altos funcionários de estatais e operadores dos esquemas escusos.
Delcídio queria calar também Duque, diz Teori
Além de Nestor Cerveró, o senador Delcídio Amaral (PT-MS), líder do governo no Senado, tramava silenciar outro ex-diretor preso da Petrobras: Renato Duque, um indicado de José Dirceu que representava o PT na partilha de propinas extraídas de negócios na estatal. A revelação consta do despacho do ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, sobre a prisão de Delcídio e do banqueiro André Esteves, do BTG Pactual.
A íntegra do texto de Teori pode ser lida aqui. A menção a Renato Duque consta da página 18. Ao justificar as prisões, o ministro anotou que “outras medidas cautelares menos gravosas afiguram-se insuficientes: o senador Delcídio Amaral e o banqueiro André Esteves são pessoas poderosas e influentes nas respectivas esferas de atuação e têm interesse comum em evitar que a Operação Lava Jato os envolva. Não há dúvida de que, fora do cárcere, os dois seguirão dispondo de multiplicidade de meios para condicionar resultados da investigação e da aplicação da lei penal, como concreta e demonstradamente tentaram fazer no caso de Nestor Cerveró.”
Nesse ponto, Teori acrescentou: “Vale lembrar, por oportuno, que também há menção a outro investigado que se encontra preso, Renato Duque, tudo levando a crer que o mesmo enredo adiloso se repita ou esteja ocorrendo em relação a Duque.” O “enredo ardiloso” a que se refere o ministro é o plano idealizado para evitar que Cerveró firmasse acordo de delação premiada com a força-tarefa da Lava Jato, oferecendo-lhe um mensalão de R$ 50 mil e recursos para custear um plano de fuga para o exterior
PT nega solidariedade a Delcídio Amaral
Em nota divulgada nesta quarta-feira à tarde, o Partido dos Trabalhadores afirma que “não se julga obrigado a qualquer gesto de solidariedade” ao líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral (PT-MS). A nota é assinada pelo presidente nacional do partido, Rui Falcão. Adianta ainda a nota que uma reunião da Executiva da legenda será convocada para tomar medidas contra o parlamentar. “Nenhuma das tratativas atribuídas ao senador tem qualquer relação com sua atividade partidária, seja como parlamentar ou como simples filiado”, afirma a nota. “Por isso mesmo, o PT não se julga obrigado a qualquer gesto de solidariedade”, prossegue o comunicado do PT.
De acordo com o partido, a reunião da Executiva para discutir as medidas que considerar “cabíveis” contra o senador será marcada num curto espaço de tempo. Rui Falcão se disse ainda “perplexo com os fatos que ensejaram a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de ordenar a prisão” de Delcídio.
(Também Com O Globo) HELIOMAR
Em votação aberta, Senado decide manter prisão de Delcídio
BRASÍLIA - Em sessão histórica, o Senado decidiu, por 59 votos a 13, além de uma abstenção, manter a prisão do senador Delcídio Amaral (PT-MS), referendando a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). O PMDB liberou a bancada; o PT votou contra a decisão do Supremo; o PDT liberou a bancada, e os partidos de oposição - PSDB, DEM, PSB e REDE -encaminharam pela pela prisão. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), no entanto, não deixou de expressar sua contrariedade. Ele disse que se curvava à decisão pela votação aberta, mas avisou que seu papel é de defender as prerrogativas do Senado e que não considerava democrático um senador em pleno exercício do mandato ser preso. Renan estava visivelmente irritado com a decisão pela manutenção da prisão.
- Eu me curvo à decisão do Senado, mas, enquanto estiver aqui, vou defender as prerrogativas do Legislativo. Tenho que defender, é meu dever. A polícia vir aqui cumprir mandato é democrático. O que não é democrático é prender um congressista no exercício do mandato. Não posso concordar com isso. O equilíbrio dos Poderes não permite a invasão permanente (das prerrogativas), porque causará no futuro danos à democracia - disse Renan. Para Renan, o Senado, "em boa hora", decidiu pela votação aberta, já que o STF dera liminar neste sentido.
Cármen Lúcia sobre prisão: 'o escárnio venceu o cinismo'
— Na história recente de nossa pátria, houve um momento em que a maioria de nós brasileiros acreditou no mote de que a esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a ação penal 470 (mensalão) e descobrimos que o cinismo venceu a esperança. E agora parece se constatar que o escárnio venceu o cinismo. Quero avisar que o crime não vencerá a Justiça. A decepção não pode vencer a vontade de acertar no espaço público. Não se confunde imunidade com impunidade. A Constituição não permite a impunidade a quem quer que seja — disse Cármen.