El Niño agrava seca e faz a Amazônia arder
RIO — O ano termina em cinzas na Amazônia. Em 2015, a floresta ardeu de forma excepcional, revelam pesquisadores, que atribuem a propagação de focos de incêndio ao El Niño. O fenômeno reduziu as chuvas e deixou seca uma mata que normalmente é úmida. A ecóloga brasileira Erika Berenguer, pesquisadora das universidades de Oxford e Lancaster, no Reino Unido, investiga os efeitos do fogo sobre a floresta e destaca que, em muitos dias dos últimos três meses, uma vasta parcela da Amazônia esteve coberta por espessa nuvem de fumaça.
— Houve um aumento de 26% no número de incêndios, segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Isso representa 33 mil novos focos de incêndio em 2015, 18 mil dos quais em novembro — destaca Erika.
Na base de pesquisa onde ela trabalha, na Floresta Nacional do Tapajós, no Pará, a cerca de 800 quilômetros do mar, tornaram-se comuns os dias em que a visibilidade era de apenas 50 metros e mal se via o sol. O Pará é o estado com mais focos de incêndio detectados. Porém, todos os estados amazônicos registraram aumento no número de queimadas em relação a 2014.
— Ribeirinhos têm sofrido com problemas respiratórios. O cheiro de queimado impregna as roupas e o cabelo das pessoas que vivem na floresta. É como se estivéssemos dentro de uma churrasqueira, 24 horas por dia. Doze cidades do Amazonas decretaram estado de emergência — lamenta a pesquisadora.
CHUVAS MAIS RARAS
Na maior floresta úmida da Terra, a chuva virou raridade. Choveu muito menos do que o normal durante a primavera e o início do verão.
— Isso pode ser o motivo de os níveis de rios da Amazônia, como o Rio Negro e afluentes, estarem baixos demais para permitir navegação. As previsões de chuva até fevereiro de 2016 apontam também para precipitações bem abaixo da média. A falta de chuva intensifica e multiplica as queimadas — diz o climatologista José Marengo, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
Para Marengo, a seca pode ser uma consequência do El Niño e caminha para um recorde. Erika Berenguer observa que, em anos de El Niño, a estação seca costuma ser mais quente e longa. E a floresta fica mais seca e vulnerável a incêndios.
— Quando o fogo usado por produtores rurais escapa da área de plantio ou de pastagem e entra na floresta, ele rapidamente se espalha e consome folhas e galhos caídos no chão.
O maior medo dos pesquisadores que integram a Rede Amazônia é que a floresta nunca recupere a biodiversidade e os estoques de carbono.
— Não sabemos ainda quanto tempo levará ou se algum dia as florestas queimadas voltarão a se recuperar. O que sabemos é que as florestas queimadas armazenam 50% menos carbono do que as não queimadas — frisa Erika.
Segundo ela, outro problema é que essas florestas correm maior risco de queimar novamente:
— Elas são mais abertas, já que um grande número de árvores morre após o fogo. Assim, entra mais luz solar e circula mais vento, o que torna as florestas queimadas ainda mais secas e, portanto, suscetíveis a incêndios acidentais.
Marengo diz que o cenário para 2016 é incerto:
— Teremos que esperar até abril de 2016 para saber se os níveis dos rios da Amazônia estarão de fato mais baixos que na seca histórica de 2005.
Quando o fogo começa, as primeiras a morrer são as árvores menores, mais finas. Elas morrem de imediato. Mas um tronco grande queimado e tombado pode continuar a queimar por dias. E realimenta o fogo. As gigantes da Amazônia que permanecem de pé entram em lenta agonia.
— As árvores finas morrem praticamente todas durante o incêndio. Já as grandes demoram até três anos após o incêndio para morrerem. Ou seja, os impactos dos incêndios florestais não são imediatos — explica Erika Berenguer.
O efeito é muito maior do que se imagina, diz:
Erika integra na Amazônia o projeto Ecofor, uma parceria entre o Brasil e o Reino Unido: — O objetivo é justamente avaliar como se dá a recuperação das florestas depois de sofrerem impactos causados pelo homem. O GLOBO