Pacto pelo futuro - Marco Aurélio Nogueira, O Estado de S.Paulo
É preciso compreender a dificuldade das oposições democráticas de se contraporem ao governo Bolsonaro.
Elas hoje preenchem um espaço amplo, vão da direita à esquerda, passando pelo imenso centro, cada pedaço com suas legítimas pretensões e seus problemas. Nas que se inclinam para o centro, o déficit passa pela ausência de lideranças incontestes, de um programa claro e de uma identidade substantiva.
As esquerdas não estão em melhor condição, embora estejam a comemorar a volta de Lula, que as magnetiza e seduz, agora com o adicional da absolvição conquistada e da incorporação de um papel de injustiçado perseguido político. Roda-se em torno de Lula como se dele emanasse a luz.
O que há de consenso cívico de repúdio e desejo de mudança não se traduz em consenso político e plataforma de atuação. Há ensaios unificadores e um esforço dedicado para que as oposições baixem o tom e conversem olho no olho. Manifestos, debates e proclamações indicam isso com clareza, o que é um alento. Mas não foram dados os passos decisivos, aqueles que fazem uma equipe vencedora. O momento é de dissolução de barreiras, retomada do diálogo e suspensão de vetos.
As oposições ainda estão a lamber as feridas da derrota de 2018. São feridas que tardam a cicatrizar, manuseadas nem sempre com habilidade. Enquanto permanecerem abertas, dificultarão aproximações e convergências, com o passado recente cobrando seu preço e embaçando o futuro. Além disso, há elementos que complicaram demais as interações, a começar da pandemia.
A pandemia tem lógica própria, deve ser enfrentada com toda a energia. Está expondo nossa fragilidade e, ao mesmo tempo, a capacidade de resposta da ciência. Além dos estragos que provoca em termos de vidas e de pressão sobre o sistema sanitário, ela se mistura com os desdobramentos da revolução tecnológica do nosso tempo. A economia está desafiada, assim como o mundo do trabalho. Não há como fazer funcionar o que ficou para trás, em termos de arranjos sistêmicos, padrões organizacionais, práticas e leis. Tudo terá de ser repensado, seja para conter a disseminação da covid, seja para desenhar as políticas que serão necessárias para reforçar a saúde e proteger os desassistidos. Será preciso, além disso, reconfigurar o modo de organizar atividades produtivas, trabalhar, consumir, estudar. Estamos às portas de um começar de novo, tamanhas são as transformações com que temos de lidar.
Assistimos ao processamento de uma espécie de metamorfose, que da vida material atinge todas as esferas existenciais. Em termos políticos, centro-direita, centro-esquerda e esquerdas deveriam suspender temporariamente suas particularidades doutrinárias e ideológicas para promover a formação de um polo democrático encorpado, flexível e plural, que proponha uma política e uma governação com a marca da inovação. O momento pede que os democratas calcem as botinas da humildade e amassem barro no Brasil profundo. Não cabem jogos de cena, reiteração de projetos pessoais e checagens da força relativa de cada um.
Na política, diferenças, disputas e antagonismos não devem ser temidos. Funcionam como motores de organização e esclarecimento, na medida em que dialogam com o conjunto da sociedade e interpelam o imaginário social. Não são, porém, definitivos, compõem-se e se recompõem de múltiplas formas ao longo do tempo, criando novas exigências. Polarizações que remontam ao passado não ajudarão a que se pavimente o futuro. Se todos os democratas vencerem, haverá espaços para antagonismos mais profícuos e substantivos.
Não é fácil encontrar o ponto ótimo a partir do qual possa ocorrer tal convergência. A unidade política não exclui a diversidade, antes se alimenta dela. Constrói-se mediante muitos esforços, tensões e concessões, requerendo retomadas continuadas.
A definição desse pacto político se beneficiará da afirmação, pelos protagonistas, de alguns princípios básicos. Uma sociedade socialmente justa em termos de renda, oportunidades, etnia e gênero. Uma ideia de governo como operação cooperativa, que funcione como um colégio de líderes e especialistas, com um Executivo democratizado. A recuperação dos grandes sistemas públicos, a saúde, a educação, a assistência, o meio ambiente, a cultura, as relações exteriores, a segurança. O reconhecimento de que não deve haver tolerância com a corrupção, seja qual for a forma que assuma. Um reformismo de longo prazo, constante e progressivo, a ser definido por consultas constantes aos cidadãos. Uma ideia sustentável de desenvolvimento, que valorize e respeite o meio ambiente, o trabalho e o consumo consciente.
São pontos genéricos. Mas se forem proclamados firmemente pelos que se dispõem a governar o País, poderão mostrar que a política tem dignidade e mobilizar os cidadãos em prol da recuperação do Estado, com sua institucionalidade e seus deveres, da valorização da República (do bem público) e da reconstrução da solidariedade, que são a cada dia mais indispensáveis.
PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA DA UNESP
Anatomia do habeas corpus - Almir Pazzianotto Pinto, O Estado de S.Paulo
“O habeas corpus é meio processual destinado à proteção do direito de ir e vir, ameaçado por ilegalidade ou abuso de poder”
Ministro Eros Grau
O Supremo Tribunal Federal (STF) adquiriu duvidosa notoriedade nos últimos tempos. Após décadas de vida recatada, tornou-se autor de decisões nebulosas, com acentuada perda de prestígio e de autoridade.
A generalização é, todavia, injusta. Entre os 11 ministros da Suprema Corte encontramos alguns que julgam com a Constituição e são avessos ao populismo.
Exemplo de populismo jurídico é a decisão proferida em embargos declaratórios no Habeas Corpus 193.726-Paraná, relatado pelo ministro Edson Fachin. O julgamento se deu na Segunda Turma, integrada pelos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Embargo declaratório é o nome de recurso previsto no Código de Processo Penal (CPP) cujo objetivo é sanar obscuridade, contradição ou omissão na decisão embargada (artigo 619).
O habeas corpus foi ajuizado em 3 de novembro de 2020. Figurou como paciente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Atacou acórdão proferido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos autos do Recurso Especial n.º 1.765.139, “no ponto em que foram refutadas alegações de incompetência do Juízo da 13.ª Vara Federal da Subsecção Judiciária de Curitiba para o processo e julgamento da Ação Penal n.º 5046512-94.2016.4.04.7
000, indeferindo-se, por conseguinte, a pretensão de declaração de nulidade dos atos decisórios nesta praticados”.
O trecho está no relatório da decisão, do qual extraio também o seguinte parágrafo: “Após declinar argumentos pelos quais entende viável o ajuizamento da pretensão na via do habeas corpus, sustentam os impetrantes, em síntese, que, nos fatos atribuídos ao ora Paciente não há correlação entre os desvios praticados na Petrobrás e o custeio da construção do edifício ou das reformas realizadas em tal triplex, feitas em benefício e recebidas pelo Paciente (Doc. 11)”.
Desvios praticados por empreiteira na Petrobrás, sociedade de economia mista criada por lei, controlada pela União, com ações nas bolsas de valores, dos quais se beneficiaram além do Paciente, os demais acusados, causando prejuízos irreparáveis ao povo, a grandes e pequenos acionistas, à reputação do País no exterior.
A Constituição, cuja guarda incumbe ao STF, prescreve no artigo 5.º, inciso XV: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou sair com seus bens”. Enlaçado ao inciso XV temos o número LXVIII, que diz: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
Ao julgarem o pedido, os integrantes da Segunda Turma ignoraram que Lula gozava de liberdade desde 8 de novembro de 2019, quando lhe foi devolvido o direito de locomoção, e a inexistência de risco de prisão. Esqueceram-se do alvará de soltura expedido pelo mesmo STF, que, após intensos debates, impôs às instâncias inferiores respeito ao artigo 5.º, LVII, da Lei Fundamental, cujo texto diz: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Habeas corpus não é recurso. Não há contraditório e contrarrazões. É medida pessoal específica, destinada a amparar o direito à livre locomoção. Ao anular a condenação de Lula, a decisão da Segunda Turma beneficiou seis outros réus por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, denunciados pelo Ministério Público Federal na Ação Penal n.º 5046512-94.2016.04.7000/PR. Registre-se que a decisão condenatória havia sido confirmada no Tribunal Regional Federal de Curitiba e no Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos.
No dia do ajuizamento do habeas corpus o paciente Luís Inácio Lula da Silva estava livre e circulava pelo território nacional. Organizava encontros com os olhos voltados para as eleições de 2022. Preparava-se para disputar a Presidência da República pelo Partido dos Trabalhadores. Se agisse com imparcialidade o ministro Edson Fachin teria aplicado ao pedido o artigo 659 do CPP, que diz: “se o juiz ou tribunal verificar que já cessou a violência ou coação ilegal, julgará prejudicado o pedido”.
Contra a decisão da Segunda Turma a Procuradoria-Geral da República interpôs recurso ao pleno do STF. A nulidade foi mantida por 8 votos contra 3. A corrente liderada por Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, desafetos do ex-juiz Sergio Moro, foi contestada pelos ministros Kassio Marques, Marco Aurélio Mello e Luís Fux. Fiéis à Constituição e à jurisprudência, demonstraram inexistir nulidade por desvio de competência, prejuízo ao direito de defesa, abuso de poder e que fora observado o princípio do devido processo legal.
Houve colapso mental ou perda de lucidez pela maioria? Se não houve, qual o motivo para arbitrária concessão de habeas corpus que fulmina a Operação Lava Jato e consagra a impunidade contra a corrupção?
Responda o leitor.
ADVOGADO, FOI MINISTRO DO TRABALHO E PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO
Bolsonaro diz que Forças Armadas podem ir às ruas para 'acabar com covardia de toque de recolher'
24 de abril de 2021 | 09h00
Atualizado 24 de abril de 2021 | 11h38
O presidente Jair Bolsonaro afirmou em entrevista nesta sexta-feira, 23, que as Forças Armadas podem ir às ruas para, segundo ele, "acabar com essa covardia de toque de recolher". O presidente também voltou a criticar as medidas de restrição adotadas pelos governadores para conter o coronavírus e a defender o uso da cloroquina, remédio ineficaz contra a covid-19.
A entrevista de Bolsonaro foi concedida ao programa Alerta Especial, da TV A Crítica, do Amazonas, apresentado por Sikêra Jr.
"Se tivermos problemas, nós temos um plano de como entrar em campo. E eu tenho falado: eu sou chefe supremo das Forças Armadas", afirmou Bolsonaro. "Se precisar, iremos para ruas, não para manter o povo dentro de casa, mas para restabelecer todo o artigo 5.º da Constituição e se eu decretar isso, vai ser cumprido esse decreto", disse.
Bolsonaro criticou as medidas de isolamento social decretadas pelos governos locais, que, segundo o presidente, estariam descumprindo a Constituição. "As Forças Armadas podem ir para rua um dia sim, dentro das quatro linhas da Constituição, para fazer cumprir o artigo 5.º, direito de ir e vir, acabar com essa covardia de toque de recolher, direito ao trabalho, liberdade religiosa, de culto, para cumprir tudo aquilo que está sendo descumprido por parte de alguns governadores, alguns poucos prefeitos, mas que atrapalha toda nossa sociedade", afirmou o presidente na entrevista.
Ele classificou o poder de governadores locais e regionais como "excessivo", mas que não poderia "extrapolar". "Eu tô junto dos meus 23 ministros -- da Damares (Alves, do ministério dos Direitos Humanos) ao (Walter) Braga Netto (ministro da Defesa), todos, praticamente conversado sobre isso aí: o que se fazer se um caos generalizado se implantar no Brasil. Pela fome, pela maneira covarde como alguns querem impor essas medidas para o povo ficar dentro de casa", concluiu.
Em março, o presidente afirmou que a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou uma ação ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra decretos estaduais de governadores contendo medidas restritivas, como toque de recolher, como forma de frear o avanço da pandemia. O ministro Marco Aurélio Mello rejeitou a ação.
O presidente mencionou ainda o impasse pela autorização de celebração de cerimônias religiosas durante a pandemia. No começo de abril, o STF também decidiu que prefeitos e governadores podem proibir a abertura de templos e igrejas nas fases mais restritivas da pandemia.
O artigo 5.º da Constituição mencionado por Bolsonaro diz respeito ao direito de igualdade e liberdade no País. "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade".
Em abril do ano passado, a Corte já havia decidido que os governantes estaduais e municipais tinham autonomia para definir medidas de isolamento.
As declarações de Bolsonaro ocorrem em meio a questionamentos sobre a condução da pandemia pelo governo federal no Brasil. A maioria dos senadores da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid acredita que a gestão de Jair Bolsonaro errou na condução da crise sanitária no País. Segundo levantamento do Estadão, seis dos 11 senadores do grupo veem falhas do Executivo no enfrentamento da doença, antecipando que este deve ser o foco dos trabalhos da comissão, prevista para começar na terça-feira.
Auxílio emergencial e cloroquina
Na entrevista, Bolsonaro afirmou ainda que o auxílio emergencial foi o que segurou um possível "caos" no Brasil e argumentou que não poderia manter o valor em R$ 600, que foi pago até o ano passado, por causa do endividamento público. "O caldo não entornou no ano passado em função do auxílio emergencial. Se não fosse isso, 38 milhões de pessoas iriam com fome para a rua", disse o presidente.
Ainda durante a entrevista, Bolsonaro voltou a defender o uso da cloroquina, medicamento sem eficácia contra a covid-19, e criticou a imprensa.
Ao final, o presidente voltou a criticar as medidas de isolamento. "Isso tem prejudicado a família brasileira que tem perdido emprego; o número de suicídios tem aumentado, o desespero... Vamos temer o vírus, mas o desemprego não pode ser abandonado. (A economia) não pode parar e, se parar, mata mais que o vírus", disse o presidente, sem apresentar dados.
Covid-19: Brasil registra 2.027 mortes e 45.178 novos diagnósticos
O total de mortes causadas pelo novo coronavírus subiu para 383.502. Entre ontem e hoje, foram confirmados 2.027 novos óbitos. AGÊNCIA BRASIL
Ainda há 3.643 mortes em investigação por equipes de saúde. Isso porque há casos em que o diagnóstico sobre a causa sai após o óbito do paciente.
Já a soma de casos acumulados desde o início da pandemia subiu para 14.167.973. Entre ontem e hoje, foram confirmados 45.178 novos diagnósticos positivos.
As informações estão na atualização diária do Ministério da Saúde, divulgada na noite desta quinta-feira (22). O balanço é elaborado a partir dos dados sobre casos e mortes levantados pelas autoridades locais de saúde.
O número de pessoas recuperadas está em 12.673.785. Já a quantidade de pacientes com casos ativos, em acompanhamento por equipes de saúde, ficou em 1.110.686.
Os dados em geral são menores aos domingos e segundas-feiras pela menor quantidade de trabalhadores para fazer os novos registros de casos e mortes. Essa redução também ocorre no dia seguinte aos feriados, como é o caso hoje após o 21 de abril.
Já às terças-feiras eles tendem a ser maiores já que neste dia o balanço recebe o acúmulo das informações não processadas no fim-de-semana.
Estados
O ranking de estados com mais mortes pela covid-19 é liderado por São Paulo (90.810), Rio de Janeiro (42.362), Minas Gerais (31.386), Rio Grande do Sul (23.752) e Paraná (20.959). Já as Unidades da Federação com menos óbitos são Acre (1.458), Roraima (1.466), Amapá (1.497), Tocantins (2.328) e Alagoas (4.054).
Em perigo - FOLHA DE SÃO PAULO
Se a liberdade de imprensa fosse uma espécie biológica, ela estaria na lista de animais ameaçados no Brasil, na subcategoria EN (em perigo), apenas uma antes da CR (em perigo crítico). Depois disso, pelos critérios da União Internacional para Conservação da Natureza, vem a lista dos já extintos, como tiranossauros e pássaros dodô.
É que a liberdade de imprensa no país, pelo ranking deste ano da ONG Repórteres sem Fronteiras, foi rebaixada da zona laranja (situação sensível) para a vermelha (situação difícil) —uma antes da preta (grave), a derradeira. É a primeira vez que entramos nesse território desde que o ranking foi criado, duas décadas atrás.
O Brasil perdeu quatro posições em relação a 2020, quando ainda ocupava a zona laranja. Passamos da 107ª posição global para a 111ª. Estamos ao lado de Bolívia, Nicarágua, Rússia, Filipinas, Índia e Turquia —nações que dificilmente seriam citadas como exemplos de boa institucionalidade.
Os otimistas podem se regozijar por não nos alinharmos a China, Turcomenistão, Coreia do Norte e Eritreia, que ocupam os últimos lugares entre 180 países analisados.
Problemas estruturais, como o número relativamente alto de jornalistas assassinados e a alta concentração proprietária das empresas que atuam no setor, fazem com que o Brasil nunca tenha frequentado a metade superior da lista.
Nos últimos anos, mais especificamente desde a eleição de Jair Bolsonaro para o cargo de presidente, a situação se deteriorou.
Multiplicaram-se os processos judiciais abusivos movidos contra jornalistas, assim como os ataques verbais contra profissionais desferidos por simpatizantes do presidente, quando não pelo próprio.
Há intenção deliberada desse grupo de destruir a credibilidade da imprensa que não lhe é dócil nem laudatória —se alguém mostra que você está mentindo, a melhor estratégia de defesa é atacar a reputação de quem revela essa verdade inconveniente.
Bolsonaro e seus seguidores passarão, cedo ou tarde. Isso poderá ajudar o Brasil a superar a fase mais aguda de perigo em que se encontra, mas não será o bastante para colocá-lo na parte superior do ranking, que se deve almejar.
A tarefa depende tanto de avanços materiais (melhoria da infraestrutura de apoio à informação) como institucionais (eficiência do Judiciário). A batalha vale a pena.
Dado o caráter instrumental da liberdade de imprensa para todo tipo de avanço social, não é uma coincidência que os países que lideram os rankings de qualidade de vida, democracia, educação, riqueza ou saúde ocupem também as mais altas posições na lista do Repórteres sem Fronteiras.
Maioria do STF mantém decisão que declarou Moro parcial
Rafael Moraes Moura/BRASÍLIA e Paulo Roberto Netto/ SÃO PAULO
22 de abril de 2021 | 09h16
Em um duro revés para a Operação Lava Jato, a maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) votou nesta quinta-feira (22) para confirmar a decisão da Segunda Turma que declarou a suspeição do ex-juiz federal Sérgio Moro ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na ação do triplex do Guarujá. Sete ministros já votaram para manter de pé o entendimento de que Moro foi parcial no caso – e apenas dois defenderam o arquivamento da discussão, o que poderia livrar Moro da controvérsia e blindar o trabalho do ex-juiz na 13ª Vara Federal de Curitiba.
A posição do plenário marca uma nova vitória de Lula no STF, impõe uma amarga derrota à Lava Jato e frustra o relator da operação, Edson Fachin, que havia tentado uma manobra para esvaziar a discussão sobre a conduta de Moro.
A sessão foi interrompida após uma discussão acalorada entre os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, que lideram respectivamente as alas garantista (mais crítica à Lava Jato) e legalista (a favor da Lava Jato) no STF. “Vossa Excelência sentou em cima do processo por dois anos e se acha no direito de ditar regras para os outros”, criticou Barroso, em referência ao pedido de vista de Gilmar, que segurou o processo sobre Moro por dois anos e quatro meses. ” Vossa Excelência perdeu!”, rebateu Gilmar. O julgamento será retomado quando o decano do STF, ministro Marco Aurélio Mello, devolver o caso para análise.
Último ponto a ser discutido pelo plenário do STF nesta quinta-feira, a suspeição de Moro é uma questão estratégica para o futuro da Lava Jato e o desdobramento das ações de Lula. Com o entendimento de manter de pé a decisão da Segunda Turma que declarou Moro parcial, o reaproveitamento do trabalho feito em Curitiba não será possível na ação do triplex do Guarujá, por exemplo, já que a parcialidade do ex-juiz teria contaminado todo o processo. O caso, então, vai ter de voltar à estaca zero.
Na ação do triplex, Lula foi condenado por Moro a nove anos e seis meses de prisão, acabou enquadrado pela Lei da Ficha Limpa, foi afastado da corrida ao Palácio do Planalto em 2018 e permaneceu preso por 580 dias. Quanto a Moro, o ex-juiz já foi declarado parcial na ação do triplex, mas não será obrigado a pagar as custas processuais do caso, conforme decidiu a Segunda Turma do STF no mês passado. A defesa de Lula pretende estender a parcialidade de Moro para as ações do sítio de Atibaia e do Instituto Lula.
Em 8 de março deste ano, Fachin abalou o meio político e redesenhou a disputa eleitoral de 2022 ao derrubar as condenações de Lula, determinar o envio de quatro ações penais para a Justiça Federal do DF e arquivar a discussão sobre a suspeição de Moro. Na prática, a decisão, que foi parcialmente chancelada pelo plenário, tornou o petista elegível e apto a disputar as eleições de 2022.
Cada um dos pontos da decisão do ministro foi examinado pelo plenário do STF desde a semana passada. Por 8 a 3, o STF decidiu que a Justiça Federal de Curitiba não tinha competência para cuidar das investigações contra Lula, que não diziam respeito diretamente a um esquema bilionário de corrupção na Petrobrás. Nesta quinta, por 6 a 5, o plenário manteve o entendimento de que os casos deveriam ser enviados para a Justiça Federal do DF. Agora, o tribunal analisou se a suspeição de Moro deveria ser arquivada, como determinou Fachin, ou se prevalecia o julgamento da Segunda Turma, que declarou Moro suspeito.
“O plenário não pode tudo, nem modificar decisão proferida pela Segunda Turma, sob pena de violação do devido processo legal. Do contrário, criaremos uma terceira, quarta instância recursal. O STF é maior do que a sua composição atual, temos de honrar os nossos antepassados. Se nós não zelamos pela nossa biografia, temos de zelar pela biografia do tribunal”, disse o ministro Gilmar Mendes. Crítico da Lava Jato, o ministro é a favor da manutenção do julgamento da Segunda Turma que declarou Moro parcial.
“Essa história toda, ‘ah, está trazendo pro plenário’, não fica bem uma subversão processual dessa ordem, não é decente. Não é legal, como dizem os jovens. Esse tipo de manobra de expediente é um jogo de falsos espertos. Não é bom”, acrescentou Gilmar.
Os ministros Alexandre de Moraes, Kassio Nunes Marques, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Rosa Weber acompanharam o entendimento de Gilmar, votando a favor da manutenção do julgamento da Segunda Turma. “A Segunda Turma não era incompetente para continuar o julgamento da suspeição. O plenário pode rever uma decisão já finalizada, de mérito, da Turma? Entendo que não. Há preclusão. Essa preclusão afeta os efeitos da decisão monocrática. A Turma já disse que não é prejudicial e julgou a suspeição. O respeito deve ser mútuo entre turma e relator. O respeito deve ser de ambos os lados”, afirmou Moraes.
Estratégia. Conforme informou o Estadão, ao tentar arquivar a suspeição de Moro, Fachin expôs uma estratégia de reduzir danos e tentar blindar o ex-juiz federal, diante da certeza de que a Segunda Turma o declararia parcial, como acabou ocorrendo. Pelo raciocínio de Fachin, se a condenação que Moro impôs a Lula não existe mais, não faz mais sentido discutir a conduta do ex-magistrado no caso. A Segunda Turma, no entanto, contrariou Fachin e acabou declarando Moro parcial no final do mês passado, o que pode provocar um efeito cascata, contaminando outros processos que também contaram com a atuação do ex-juiz.
“Quando proferida e tornada pública a decisão monocrática ora agravada, em 8 de março de 2021, o julgamento do HC 164.493 (que discute a suspeição de Moro ao condenar Lula no caso do triplex) se encontrava paralisado há mais de 2 (dois) anos, em razão de pedido de vista formulado em 4 de dezembro de 2018, o qual, frise-se, não se encontrava no calendário de julgamentos da Segunda Turma, ordinariamente divulgado ao final da semana antecedente, o que, de fato, só veio a ocorrer na própria manhã do dia 9 de março de 2021, quando efetivamente retomada a deliberação colegiada, finalizada apenas em 23 de março de 2021″, observou Fachin.
“A circunstância do julgamento colegiado (da Segunda Turma, sobre Moro) encontrar-se suspenso em razão de pedido de vista não é impeditiva ao reconhecimento da superveniente prejudicialidade da pretensão”, acrescentou.
Expoente da ala a favor da Lava Jato, o ministro Luís Roberto Barroso concordou com o colega. “O julgamento da Segunda Turma é nulo após o relator ter extinguido o processo. Se o juiz é incompetente, nem se prossegue no exame da suspeição. Ignorar, atropelar o relator não tem precedente na história deste tribunal. E isso sim que está errado. A maneira certa de reformar decisão é no órgão competente e não no grito”, afirmou.
“Competência precede a suspeição: julgada a incompetência do juízo de primeiro grau, o julgamento da suspeição fica evidentemente prejudicado. A matéria sobre competência do juízo está relacionada aos pressupostos processuais, está relacionada com a formação da relação jurídica processual e sem juiz competente não há relação jurídica, aprendi isso há muitos anos”, frisou Barroso.
Bate-boca. O julgamento foi marcado por uma discussão acalorada entre Barroso e Gilmar Mendes. Barroso acusou Gilmar de “manipular a jurisdição” ao “sentar em cima” do processo sobre a suspeição de Moro por dois anos e só pautá-lo após Fachin anular as ações da Lava Jato contra Lula. “Vossa Excelência ainda se acha no direito de ditar regra para os outros”, criticou Barroso. Gilmar respondeu: “O moralismo é a pátria da imoralidade. Vossa Excelência perdeu, perdeu.”
Antes, Barroso se envolveu em uma discussão com Lewandowski. Em seu voto, Barroso destacou as conquistas da Lava Jato e classificou como “pecadilhos” as revelações descobertas nas mensagens hackeadas de procuradores, o que irritou o colega.
“Não estamos tratando de pecadilhos. Estamos tratando de pecados mortais”, disse Lewandowski. Barroso rebateu: “Vossa Excelência acha que o problema então foi o enfrentamento à corrupção, e não a corrupção?”. Lewandowski respondeu: “”Vossa Excelência sempre quer trazer à baila a questão da corrupção, como aqueles que estivessem contra o modus operandi da Lava-Jato fossem favoráveis à corrupção. Mas o modus operandi da Lava-Jato levou a atitudes incompatíveis com o Estado democrático de Direito”.